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ESPAÇO E CORPORAÇÃO EM PERSPECTIVA: uma avaliação teórico-metodológica
SPACE AND CORPORATION IN PERSPECTIVE: a theoretical-methodological evaluation
ESPACE ET CORPORATION EN PERSPECTIVE: une évaluation théorique et méthodologique
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 16, núm. 1, pp. 266-281, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 20 Junho 2018

Aprovação: 29 Junho 2018

Publicado: 30 Junho 2018

DOI: https://doi.org/10.22238/rc2448269220181601266281

Resumo: No que tange ao entendimento da formação socioespacial das sociedades, faz-se necessário a ilustração das práticas da grande corporação e suas múltiplas escalas de operação, considerando o peso das solicitações desses atores à reconfiguração de amplo espaço. O escopo do presente ensaio é o de analisar a evolução da investigação geográfica acerca do movimento de difusão de grupos empresariais sob diferentes prismas relacionados à categoria espaço geográfico, buscando, ainda, a inter-relação de recortes espaciais admissíveis à compreensão do processo de construção de suas espacialidades.

Palavras-chave: Empresa multilocalizada, difusão espacial, horizontalidades, verticalidades, redes.

Abstract: Regarding the understanding of the socio-spatial formation of societies, it’s necessary to illustrate the practices of big corporations and their multiple scales of operation, considering the weight of the requests of these characters in relation to the large space reconfiguration. The scope of this first assay is to analyze the evolution of geographic investigation concerning the movement of the diffusion movement of business groups under different prisms related to the geographic space category, seeking, still, the interrelation of spatial cutoffs admissible to the understanding of the building process of its spatialities.

Keywords: Multi-located company, spatial diffusion, horizontality, verticality, networks.

Résumé: En ce qui concerne l’entendement de la formation socio-spatiale des sociétés, il est nécessaire l’illustration des pratiques de la grande corporation et ses nombreuses échelles d’opération, en considérant la charge des sollicitations de ces acteurs à propos de la reconfiguration d’ample espace. La finalité du présent essai est d’analyser l’évolution de la recherche géographique au sujet du mouvement de diffusion de groupes d’entreprises sous les différentes conceptions liées au domaine espace géographique, en enquêtant, encore, la interrelation des définitions spatiales plausibles à la compréhension du processus de construction de ses spatialités.

Mots clés: Entreprise multilocalisée, diffusion spatiale, horizontalités, verticalités, réseaux.

INTRODUÇÃO

A tônica central da Geografia Econômica insere-se na maneira pela qual o espaço, em suas múltiplas variáveis, tanto conforma quanto é alterado pela realização das atividades econômicas. A leitura geográfica, nessa condição, tem como tarefa a depuração dos aspectos espaciais concernentes à dinâmica das atividades econômicas, buscando tornar inteligíveis os fatores alusivos à localização que influenciam de modo patente o curso das estratégias dos atores. Disso resulta o interesse de investigação de geógrafos e economistas pela manifesta demanda por expansão das escalas espaciais das corporações, cuja difusão das atividades e das práticas de ordenamento não prescinde ao arranjo têmporo-espacial de solicitações técnicas, produtivas e institucionais.

Fruto de racionalidades que lhe conferem o máximo proveito do espaço, o recorte das espacialidades de corporações multilocalizadas indicam esforços que buscam o alargamento dos caminhos que levam à acumulação e reprodução ampliada de capitais. Em realidade, torna-se evidente a configuração de uma rede integrada de gestão que faz articular diferentes contextos regionais e diversos atores agregados às estruturas organizacionais das empresas multifacetadas. Esses vínculos envolvem áreas de produção, mercados diferenciados, entidades financiadoras, dentre outras forças, circuitos sociopolíticos que animam uma série de estruturas reticulares e configuram inúmeras interações espaciais.

O escopo do presente ensaio é o de analisar a evolução da investigação geográfica acerca do movimento de difusão de grupos empresariais sob diferentes prismas relacionados à categoria espaço geográfico, buscando, ainda, a inter-relação de recortes espaciais admissíveis à compreensão do processo de construção de suas espacialidades. Para tanto, o texto divide-se em duas partes. Na primeira, expõe-se uma sistematização sobre a evolução das leituras atinentes ao objeto em face às contribuições da corrente teorético-quantitativa acerca da categoria espaço geográfico, mediante as transformações concernentes à estrutura organizacional dos grupos multifuncionais. A segunda, apresenta os recortes espaciais elencados para a análise do objeto de estudo, no âmbito das acepções críticas que enfrentaram o problema da instituição de um espaço reticular caracterizado por fluxos de toda ordem.

Corporação e espaço: a gênese das análises e a contribuição da corrente teorético-quantitativa

O constructo norteador das práticas do ordenamento territorial e da reelaboração das tramas espaciais faz emergir a ação atribuída aos agentes da sociedade, doravante movidos por expectativas políticas, econômicas e culturais. Atribuindo novas funções ao meio, a eficácia das mencionadas práticas mantém estreita relação com a carga de ciência e de técnica presentes no território, o que, para Santos (2012), fazem realçar o uníssono movimento entre ações e objetos.

Operando como atores privilegiados, as corporações multifuncionais e multilocalizadas exercem pujante papel mediante a dinâmica espacial capitalista. Os esforços que culminam na criação de áreas especializadas de produção e na gestação de novas e diferenciadas atividades urbanas incrementam, com veemência, a dinâmica das interações espaciais, evidenciando o processo de gestão integrado que, de modo patente, expressa um dos impactos que a grande corporação gera, quando se considera o conjunto de lugares onde atua.

Da manifesta demanda pela expansão das escalas espaciais de atuação, emerge o interesse de investigação da Geografia pelas espacialidades de corporações tendentes à multilocalização. Conforme exposto por Pires do Rio (1998), o enfoque geográfico acerca da dinâmica espacial das corporações deriva da investigação de geógrafos anglo-saxões, interessados pela emergência das organizações multinacionais, cujo alargamento dos horizontes espaciais representava uma particular manifestação de evolução e de consolidação das estruturas produtivas do capital.

Na gênese dos estudos referentes à dinâmica espacial das empresas como objeto de análise, destaca-se a abordagem neoclássica oriunda do século XIX, que restringia à iniciativa individual do empreendedor as estratégias de localização, ao considerar a firma individual e monoproduto. Pires do Rio (1998) evidencia as limitações geográficas da mencionada abordagem, cujos esforços estiveram vinculados somente à teoria geral da localização industrial: “a escolha da melhor localização para uma certa atividade e a escolha da melhor atividade para um dado local” (PIRES DO RIO, 1998, p. 53), restringindo, assim, a multiplicidade de possibilidades acerca do problema das questões locacionais.

As transformações inerentes à própria evolução da economia capitalista, com a emergência dos grandes trustes e cartéis, ao final do século XIX, ratificaram um novo padrão para a arquitetura organizacional das empresas, com profundas alterações em sua dinâmica espacial. A respeito, Ramires (1989) tece observações acerca da evolução da estrutura empresarial estadunidense. Paulatinamente, as pequenas empresas unifuncionais, monoproduto e de funções gerenciais simples, submetidas à expansão do mercado e à ascensão de um novo padrão tecnológico, abriram caminho para as corporações nacionais.

Fruto dos processos de fusão e aquisição entre pequenas unidades fabris, as corporações nacionais passaram a atuar em diferentes regiões do país, sob as solicitações de uma ordem administrativa, que se tornou presente em amplo espaço. Buscando a alargamento das escalas de operação, as corporações de alcance nacional passaram a se organizar de forma multidivisional, uma resposta administrativa interna à crescente expansão das áreas de atuação. O objeto tornou-se cada vez mais complexo, mediante a o alargamento dos seus espaços de influência, da multilocalização de suas operações e de sua diversificação setorial, com expressivas alterações aos contextos regional e internacional. Trata-se, como exposto por Pires do Rio (1998), da manifestação de corporações que se estruturam tanto organizacional quanto espacialmente em rede.

A década de 1950 constituiu o momento de ruptura conceitual das análises que restringiam as estratégias espaciais das organizações empresariais como resultantes de iniciativas puramente individuais da fábrica unitária e monoproduto, o que, evidentemente, encontra validade nas transformações do próprio objeto, que evoluiu da firma neoclássica para a corporação multifuncional. Não obstante, a emergência dessas análises ocorreu sob a égide de novos paradigmas ao pensamento geográfico. A corrente “teorético-quantitativa” foi responsável pela introdução, ao final dos anos 1940 e início década de 1950, de profundas transformações na Geografia, a partir da “definição de multivariáveis que se aplicaram ao estudo do espaço métodos como a análise de sistemas e a construção de modelos” (SANTOS, 2004 p. 99).

Em busca do rigor metodológico e do pleno reconhecimento científico, a Nova Geografia[1] encontrou na filosofia neopositivista o alicerce para a apreciação meticulosa dos sistemas e das ordens hierárquicas presentes nos fenômenos espaciais. Para Camargo e Reis Júnior (2007), os entusiastas da mencionada corrente do pensamento geográfico buscaram na quantificação matemática uma abordagem prática para o saneamento das questões socioeconômicas e o entendimento dos processos de difusão espacial.

Concomitante ao movimento de emergência da Nova Geografia, a noção de grupo constituiu importante inovação metodológica acerca das múltiplas trajetórias espaciais empreendidas pela corporação multifuncional. Trata-se do escopo de análise acerca das interdependências existentes entre a arquitetura organizacional, as estratégias de crescimento e a consequente criação de subespaços especializados como resultado dos esforços de expansão empreendidos por tais atores (PIRES DO RIO, 2000).

Possuindo uma complexa, ampla e articulada configuração administrativa, o grupo demanda uma centralização gerencial na forma de holding[2], o centro de gestão e da imbricação da atividade multifuncional e das demandas locacionais da empresa, o crescimento da sua estrutura multi nodal manifesta-se baseada na divisão de áreas de influência. Nesse contexto, o processo de reestruturação produtiva, empreendido por corporações multilocalizadas, mostra-se de forma diferenciada no tempo e no espaço, “conferindo, pela intermediação de articulações horizontais e verticais, um caráter mundial aos lugares” (PIRES DO RIO, 1998, p. 54), dado o estabelecimento de demandas particularistas sobre lugares distantes do centro de comando das operações.

Na sequência das abordagens referentes à dinâmica de corporações, com foco no exame dos reflexos do padrão organizacional interno ante a requalificação de suas escalas espaciais, destacam-se as considerações de Chandler (1962) e Hymer (1978). Ao privilegiar a ideia de organização em rede, Chandler (1962) aborda a complexidade administrativa da grande empresa a partir de um padrão hierárquico que interliga as suas múltiplas unidades funcionais, cuja lógica espacial obedece ao padrão de divisão do trabalho interno à própria corporação.

Nessa óptica, os padrões organizacionais advêm do aprofundamento da divisão do trabalho interna à empresa, determinando uma trama espacial marcada por uma rede hierárquica entre unidades de produção e centros administrativos. Tal dinâmica não prescinde do estabelecimento de uma rede hierárquica de lugares, unidades de produção e centros administrativos ao comando da grande empresa. Para Corrêa (2014), ocorre, sobremodo, o ordenamento de uma rede urbana a cargo das atividades da corporação que assume uma natureza hierárquica na integração territorial da gestão, a partir da constituição de centros funcionalmente especializados.

Em consonância à proposta de Chandler, Hymer (1978) aponta a ocorrência de uma rede de cidades-chave associada à gestão territorial da grande corporação, uma hierarquia resultante dos níveis de qualificação do trabalho, da renda e do grau de complexidade funcional de cada lugar. Trata-se do reconhecimento da relação existente entre “a diferenciação vertical dentro da hierarquia empresarial com a distribuição espacial do emprego e as remunerações” (HYMER, 1978, p. 81), em que um padrão hierárquico se estabelece entre cidades e regiões perante o processo de espacialização das corporações, fator resultante dessa divisão do trabalho intrínseca ao interior da empresa multinacional, com notório reflexo espacial.

Nessa óptica, o mencionado autor admite três níveis hierárquicos desse padrão organizacional. O nível III representa as atividades triviais da corporação, aquelas que menos exigem especialização e que, por esta razão, estão descentralizadas em escala global, munindo-se de vantagens perante fontes de matéria-prima, mercados promissores e mão de obra barata, mesmo que pouco qualificada. O nível II, em decorrência da necessidade de qualificação profissional, modernos sistemas de telecomunicações e informação concentram-se nas grandes cidades, estando, assim, geograficamente muito mais concentrado que o nível III. O nível de atividades I, representado pelas matrizes e escritórios centrais e por articularem as diretrizes dos níveis inferiores, busca localizar-se nas metrópoles globais, de modo que “a tomada de decisões de alto nível estará centralizada em certo número de capitais - Nova York, Tóquio, Londres, Frankfurt, Paris” (HYMER, 1978, p.83).

Mormente, para a apreciação das complexas estratégias de crescimento da grande corporação, o espaço geográfico aparece como elemento imprescindível à própria análise, visto que o movimento de consolidação horizontal e de expansão vertical faz insurgir subsistemas passíveis de delimitação, no concerne à área de atuação da empresa. É no âmbito da corrente teorético-quantitativa que o espaço ganhou, pela primeira vez, status de conceito-chave (CORRÊA, 2010), visto sob a noção de planície isotrópica, tão cara às citadas abordagens sobre as espacialidades da grande empresa.

Ancorado nos pressupostos neopositvistas, o espaço é concebido, pela abordagem hipotético-dedutiva e racionalista, uma planície isotrópica que, a princípio uniforme, sofre transformações a partir do empreendimento de uma racionalidade economicista que busca a maximização dos lucros e a diminuição dos gastos. Nesse contexto, partindo de uma situação homogênea, a diferenciação espacial é o ponto de chegada e a expressão de equilíbrio espacial (CORRÊA, 2010). Para Harvey (2012), em sua discussão sobre espaço relativo, trata-se da maneira mais eficiente para a superação das fricções existentes entre pontos distantes da superfície terrestre. Analisadas as fricções e os entraves impostos ao deslocamento, em termos de tempo, custo e energia gastos, a menor distância entre dois pontos não será dada, necessariamente, por uma linha reta, como comumente se imagina.

O enfoque no espaço demandou o aperfeiçoamento funcional do próprio conceito, cujo arsenal teórico passou a assimilar a Teoria Geral dos Sistemas[3], em busca da melhor compreensão da dinâmica espacial. Disso resulta o interesse da geografia teorético-quantitativa no que pertence às teorias neoclássicas da localização, o que não prescindiu do aperfeiçoamento interdisciplinar dos amparos teóricos de Von Thünen (1826), Alfred Weber (1929), Walter Christaller (1979) e August Lösch (1954). As mencionadas abordagens evoluíram para a configuração de modelos mais complexos em busca da melhor mensuração dos processos de diferenciação espacial, fazendo aproximar, como observa Taaffe (1975), as perspectivas analíticas de economistas e geógrafos.

Dentre as variáveis analisadas pelos modelos que organizavam os dados levantados, os estudos priorizavam os esquemas de centro-periferia em variadas escalas, a hierarquia dos centros urbanos na perspectiva dos lugares centrais (CHISTALLER, 1979) e, conforme apresentado até o momento, as teorias locacionais de base neoclássica e do grupo empresarial (CAMARGO E REIS JÚNIOR, 2007; CORRÊA, 2010). Por seu turno, os mecanismos de difusão atinentes às técnicas, ideias, inovações e nuances culturais estiveram na tônica do trabalho de Hagerstrand (1967), constituindo variável importante para a análise das formas de diferenciação espacial.

A respeito, Silva (1995) reforça que os processos da difusão espacial mantêm vínculos aos processos de aprendizagem, de circulação da informação e de aceitação persuasiva das inovações, ratificando a importância dos aspectos comportamentais dos atores envolvidos à plena difusão das novidades. Indispensável, entretanto, se faz o prévio conhecimento daquilo que é difundido e que será alvo da apreciação e da tomada de decisão acerca de sua aceitação ou recusa, tornando-se fundamental o reconhecimento da dimensão espacial do fluxo das informações.

Tal como observa Taaffe (1975 p. 16), os modelos de difusão evoluíram de aspectos restritivos que envolviam planícies uniformes e populações homogêneas, para abordagens “complexas que descrevem uma variedade de processos de difusão espacial”; um arsenal teórico apropriado ao exame da heterogeneidade socioespacial e dos aspectos temporais atinentes à análise do espaço (SANTOS, 1985). Em perspectiva, compuseram importante recurso analítico para as espacialidades de corporações que ordenam mecanismos de difusão indutores de diferenciação espacial.

Horizontalidades, verticalidades e redes como recortes de interpretação

É possível perceber que a expansão dos horizontes geográficos da grande corporação demanda crescente multifuncionalidade e multilocalização de suas atividades, colocando-as como um agente social de constante e decisiva intervenção no processo de produção do espaço geográfico. Pensando o espaço na condição arena do entrelace das práticas de grupos e indivíduos, uma construção material pela qual a sociedade se concretiza, Santos (2012) concebe a referida categoria como formada por um conjunto de objetos artificiais indissociável de um conjunto de ações, também imbuídas de evidente carga artificial.

Partindo de uma abordagem crítica, o mencionado autor pontua que objetos e ações integrados tendem, a partir de sua evolução técnica e funcional, a exercer, sob a gerência de atores privilegiados, comandos distantes e estranhos ao lugar e aos seus habitantes. Faz-se necessário, para a plena compreensão do espaço geográfico como instância social, “operar uma distinção entre a escala de realização das ações e a escala do seu comando” (SANTOS, 2012, p. 80).

Trata-se, portanto, da ocorrência de amplos processos de reestruturação técnica que imputam ao espaço notório conteúdo informacional, demandando das estruturas espaciais constante modernização[4] e requalificação. Doravante, as transformações se dão por um sistema de objetos e de ações que expressam as solicitações de forças políticas e econômicas hegemônicas, fazendo emergir novas realidades espaciais que se impõem, muitas vezes, a serviço de anseios distantes.

Não obstante, da crescente competição entre empreendedores e do latente conflito entre capital e trabalho, deriva a busca ao alargamento dos horizontes de atuação da grande empresa, sequiosa por novos fatores locacionais que favoreçam a ampliação das taxas de lucratividade. Emerge, desse contexto, a força da corporação multilocalizada como ator de primeira ordem aos processos de reestruturação do espaço e da ordem produtiva preexistente à inserção das suas demandas. Remete-nos à noção de um território usado como sinônimo de espaço geográfico (SANTOS E SILVEIRA, 2011), nas suas formas, objetos, ações e instância de realização dos indivíduos, das corporações e das diversas instituições. Nessa óptica, “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele um objeto de análise social” (SANTOS, 2005, p. 7).

Ante tal realidade, uma complexa dinâmica é imprimida aos arranjos espaciais demandando uma análise para além das extensões ininterruptas e contínuas, ocorrendo, sobre essas manchas, “constelações de pontos descontínuos, mas interligados, que definem um espaço de fluxos reguladores” (SANTOS, 2012, p. 284). Nessa condição, as repartições existentes no espaço, inclusive aquelas atribuídas às práticas de gestão territorial das corporações multilocaliadas, podem ser mensuradas mediante dois recortes espaciais elencados por Santos (2012).

As verticalidades representam o desenrolar de uma cooperação que se estabelece sobre amplo espaço, um sistema hierárquico que, a comando de atores proeminentes da economia, assegura o funcionamento de atividades que se dão em lugares afastados pela distância, porém unidos por uma lógica global, baseada em solidariedades organizacionais. As horizontalidades remetem a extensões ordenadas pela continuidade, o cerne de uma cooperação limitada e regida por solidariedades orgânicas enraizadas através dos tempos, atores e atividades alimentadas por um meio geográfico iminentemente local.

A despeito das ordens preestabelecidas nos lugares, as verticalidades são criadoras de interdependências amparadas por “suportes territoriais largamente redistribuídos, que asseguram a coesão do processo produtivo” (SANTOS, 2012 p. 285), em perspectiva das próprias especializações produtivas introduzidas pela grande corporação. Nessa óptica, a grande empresa é compreendida como portadora de hegemonia e, em associação ao Estado, faz representar a força de primeira instância ante a definição de novas realidades espaciais.

No que reporta à análise das espacialidades de uma grande empresa, as horizontalidades são aqui interpretadas como reduto espacial concernente ao início, a gênese do movimento, cujo fim pertence à complexidade multilocacional verificada nas verticalidades. Diz respeito, sobremodo, ao arranjo espacial imediato e contíguo às associações entre atores locais tecidas em um espaço suficientemente restrito, que represente o ordenamento de solidariedades orgânicas. Pensando-se o lugar como um ponto no espaço marcado pela reunião de feixes de relações (SANTOS, 2012), mas também de possibilidades funcionais, as horizontalidades acabam por agrupar o conjunto de situações locais que servem como base à alavancagem vertical de uma corporação.

As verticalidades se inserem no constante esforço por requalificação do espaço demandado por grandes empresas, sequiosas pela instituição dos pontos mais adequados ao alargamento das atividades que geram a acumulação de capitais. Não obstante, esse esforço requer a instituição de um espaço de fluxos hierarquizado por redes que possibilitem, mesmo que à distância, uma união vertical dos lugares, gerando, assim, as necessárias interdependências funcionais. Nessa condição, as interações espaciais[5] são intensificadas por um estrato reticular de notória carga informacional, um sistema técnico alvo de constante requalificação em busca de mais fluidez, um movimento dialético que se torna causa, condição e resultado (SANTOS, 2012).

De fato, as redes técnicas constituem um dado importante à expansão da ordem capitalista pelos lugares (CASTILHO, 2016), e, nessa condição, à difusão das demandas particularistas da grande corporação. Espacialmente organizadas de modo reticular, as grandes empresas, ao obter acesso privilegiado às redes técnicas, impõem de modo eficiente as suas práticas de gestão territorial. Nas palavras de Corrêa (2014, p. 108), as redes geográficas[6] constituem temática cara aos geógrafos,

tendo em vista a necessidade de tornar inteligível a organização espacial na qual as redes das grandes corporações multifacetadas e multilocalizadas e o crescente fluxo de informações passaram a constituir componentes-chave.

Castilho (2016) aborda a noção de rede a partir de duas variáveis não excludentes: as redes técnicas ou infraestruturais são aquelas que fornecem suporte a toda sorte de fluxos materiais ou imateriais, como as ferrovias, as rodovias e as redes de telecomunicações; as redes de serviço ou de organizações, retratam as ações dos diferentes atores sociais ante a estrutura técnica para a realização de suas atividades, com notório viés político e social. Logo, as redes técnicas são entendidas na sua condição de dado sociotécnico (SANTOS, 2012), uma construção social capaz de expressar a escala de alcance das ações que as anima.

Destarte, para a compreensão da dinâmica de um espaço reticular, faz-se oportuno o entendimento das ações e das estratégias dos atores que desenham e administram as redes, uma vez que elas não se inscrevem sobre o vazio, mas em espaços repletos de história (DIAS, 2005). Emerge, no âmago do estabelecimento de divisões territoriais do trabalho, a dimensão política atribuída às redes, entendidas por Raffestin (1993) como imagens do poder exercido por atores dominantes ou deles próprios. Não obstante, para Santos (2012), a existência das redes é inseparável ao exercício do poder.

As redes técnicas constituem um instrumento de elevada importância para a difusão espacial das grandes corporações, um elemento eficaz no que pertence ao efetivo controle do espaço. Por meio do estabelecimento de uma hierarquia vertical, a empresa, sob organização reticular, vai exercer o máximo aproveitamento dos lugares, selecionados, assim, pela lógica da acumulação. Concernente ao estabelecimento de múltiplas trajetórias espaciais e à indução de especializações produtivas orientadas pela corporação multifacetada, acrescenta-se as práticas espaciais arroladas por Corrêa (2010), em análise da trajetória espacial do Grupo Souza Cruz.

Em consonância com as verticalidades orientadas por uma organização em rede, o mencionado autor considera a seletividade espacial; a reprodução da região produtora, onde as demandas da corporação vão se fazer ante a indução de especializações produtivas regionais; a fragmentação espacial, que consiste no movimento de multilocalização por unidades da empresa; o remembramento espacial, que, ao contrário, demandará a aglutinação de suas unidades territoriais, fazendo surgir outra configuração espacial; a antecipação espacial, um estímulo empreendedor em parcelas do espaço que ainda não exibem as demandas locacionais ideias e, por fim, a marginalização espacial, que representa a exclusão de determinada localidade da rede de lugares da corporação em função da perda de predicados locacionais.

Relativas às induções produtivas, especializações regionais, seleção e marginalização de lugares sob a órbita das ações da corporação multilocalizada, essas práticas espaciais expressam a configuração multidivisional da grande corporação mediante o estabelecimento de divisões territoriais do trabalho. Personificam, de modo patente, o ordenamento que mesmo à distância são capazes de determinarem as modalidades internas de ação de certas regiões, regulando as formas do trabalho, da produção propriamente dita, da circulação e do conjunto de realidades espaciais díspares, mas alinhadas ao comando organizacional.

Assim, é possível perceber o ininterrupto processo de reformulação das práticas de ordenamento territorial de uma grande corporação em busca de vantagens competitivas e de novas interações espaciais. Análogo, admite-se a definição de corporação em rede como uma estrutura multilocalizada e multifuncional, caracterizada por diversas interações estratégicas intra e extra empresa, “de modo a possibilitar inúmeras configurações espaciais, flexibilização de atividades, de recursos e de grupos sociais envolvidos com sua dinâmica” (SILVA, 2003, p. 30).

Destarte, para o exame da dinâmica têmporo-espacial do objeto em pauta, diz respeito ao reconhecimento das mudanças que permitem a estruturação de uma ampla rede de lugares instituída a partir de sinergias oriundas de espaços marcados por contiguidade e forças centrípetas funcionais. Para as espacialidades da corporação multilocalizada, diz respeito não só ao ordenamento de diversas localizações, “mas também intensas e complexas interações espaciais” (CORRÊA, 1991, p.62), cujas naturezas expressam conexões técnicas, econômico-financeiras e político-estratégicas.

Em realidade, a perspectiva analítica de uma corporação em rede ocorre por meio da apreciação das reações administrativas internas à empresa, das relações com demais grupos políticos e econômicos, dos inúmeros laços de complementaridade e das inerentes interações espaciais derivadas dessa teia de circunstâncias. Trata-se, sobremodo, de uma complexa dinâmica que se coloca sobre amplo espaço e não prescinde de um sistema de ações que anima ampla cadeia de fixos espaciais, organizados em rede. Mormente, a dinâmica espacial de um grupo empresarial atuante num circuito produtivo, mercantil e financeiro mantém estreito vínculo ao reordenamento técnico-científico da sociedade e ao estabelecimento das redes informacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A apreciação de abordagens e recortes de interpretação, acerca das espacialidades de corporações multilocalizadas, constituiu o objetivo central do presente ensaio. Para tanto, buscou-se evidenciar a importância da categoria espaço para o entendimento dos caminhos de difusão dos mencionados atores, baseado em uma abordagem exploratória que perpassa por diferentes perspectivas acerca da evolução epistemológica do próprio conceito. Destarte, na perspectiva de tornar inteligível um conjunto de estratégias espacialmente seletivas, privilegiaram-se os recortes referentes a horizontalidades, verticalidades, e a noção de rede, como subsídios teóricos admissíveis à representação da concreta manifestação espacial das empresas multilocalizadas.

Longe da pretenciosa tendência de monopolização da categoria ou do próprio objeto, admite-se que a presente proposta busca a demonstração de uma realidade concreta extremamente complexa, marcada pela justaposição de múltiplas associações, atores, tempos e escalas. Com efeito, é possível observar a indução, por parte das demandas particularistas da corporação multilocalizada, de novas formas e ritmos de produção com consequências que levam à alteração das relações sociais vinculadas com a produção do espaço.

Nessa condição, interdependências são tecidas no que tange às estruturas locacionais, aos níveis de decisão e à criação de especializações produtivas, cuja rede de conexões acaba por atribuir novas funções aos lugares, podendo ainda desqualificá-los. Da implementação desse circuito de relações deriva uma organização espacial fundamentada em níveis hierárquicos que denotam a importância de cada lugar em seus vínculos com a rede da grande empresa. Em função da dinâmica espacial, que busca da expansão de suas atividades, as grandes corporações são capazes de minimizar, aprofundar ou reproduzir as desigualdades espaciais.

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Notas

[1] Análogo ao movimento de emergência do ideário acerca da modernidade, Gomes (1996) ratifica que a Nova Geografia representou um novo método, um plano de ruptura que se reporta à própria modernidade e ao sentido de “novo”, em evidente contraposição à corrente Clássica. Os geógrafos engajados buscavam “negar qualquer outra tradição e valorizar exclusivamente as que poderiam se aproximar do procedimento racionalista” (GOMES, 1996, p. 257).
[2] Santorini (1999) designa holding como a empresa que detém o comando sobre outras empresas subsidiárias mediante o controle majoritário das suas ações, representando um dos estágios mais complexos da aglomeração de capitais oriundos de múltiplas frentes de acumulação.
[3] Conforme exposto por Bertalanffy (1976), a Teoria Geral dos Sistemas manteve ampla penetração em diversos campos da ciência, desde a ciência pura até ao que concerne às estratégias das empresas industriais. A noção constituiu o núcleo de um aparato tecnológico e tecnocrático que buscava soluções com máxima otimização, eficiência e custo mínimo e, por essa razão, esteve amplamente difundida entre os setores empresarial e militar.
[4] Castilho (2016) admite a modernização como o conjunto das racionalidades hegemônicas que se inscrevem no espaço na forma de infraestruturas econômicas, envolvendo ainda aspectos políticos e ideológicos.
[5] Para Corrêa (1997), as interações espaciais constituem um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço geográfico, cujo processo de transformação social faz refletir as diferenças entre os lugares ante a necessidades historicamente identificadas.
[6] Entende-se por redes geográficas “um conjunto de localizações geográficas interconectadas entre si, por um certo número de ligações” (CORRÊA, 2014, p. 107).


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