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POLÍTICA DE ISENÇÃO FISCAL E DINÂMICA ECONÔMICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NOS ANOS 2010
FISCAL EXEMPTION POLICY AND ECONOMIC DYNAMIC IN THE STATE OF RIO DE JANEIRO IN THE YEARS 2010
POLÍTICA DE EXENCIÓN FISCAL Y DINÁMICA ECONÓMICA EN EL ESTADO DEL RÍO DE JANEIRO EN LOS AÑOS 2010
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 16, núm. 2, pp. 189-212, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 28 Novembro 2018

Aprovação: 23 Dezembro 2018

Publicado: 23 Dezembro 2018

DOI: https://doi.org/10.22238/rc2448269220181602189212

Resumo: Neste artigo, propomos analisar os impactos territoriais das sucessivas políticas de isenções fiscais na dinâmica econômica do Estado do Rio de Janeiro (ERJ). O referido estado tem intensificado sua participação na chamada “guerra fiscal” desde meados dos anos 1990, no bojo da abertura neoliberal da economia brasileira e do acirramento entre os entes federativos na atração de investimentos. A “Lei Rosinha”, baseada no discurso de reduzir as disparidades entre as regiões do estado e desenvolver o interior fluminense, reduziu o ICMS de 19% para 2% durante 25 anos. Os procedimentos metodológicos utilizados abrangeram levantamento e leitura bibliográficos, levantamento de dados secundários em fontes institucionais (IBGE, MTE, TCE, SEFAZ), sistematização e análise dos dados à luz das referências. As reflexões teóricas e os dados analisados demostram que as isenções promovidas pelo ERJ, nas diferentes gestões, têm priorizado setores econômicos já consolidados e/ou com poucos encadeamentos setoriais e, em sua grande maioria, localizados na área metropolitana, reforçando a concentração histórica.

Palavras-chave: Estado do Rio de Janeiro, Lei Rosinha, Guerra Fiscal, Isenção Fiscal.

Abstract: This article analyzes the territorial impacts of the successive policies of tax exemptions in the economic dynamics of the State of Rio de Janeiro (ERJ). The state has intensified its participation in the so-called "fiscal war" since the mid-1990s, in the midst of the neoliberal opening of the Brazilian economy and the dispute among federal entities for the attraction of investments. The "Rosinha Law", based on the discourse of reducing the disparities between the regions of the state and developing the interior of Rio de Janeiro, reduced the ICMS from 19% to 2% over 25 years. The methodological procedures used included bibliographic survey and reading, collection of secondary data in institutional sources (IBGE, MTE, TCE, SEFAZ), systematization and data analysis in the light of references. The theoretical reflections and the data analyzed show that the exemptions promoted by the ERJ in the different administrations have prioritized already consolidated economic sectors and / or with few sectorial links and, in the great majority, located in the metropolitan area, reinforcing historical concentration.

Keywords: State of Rio de Janeiro, Rosinha Law, Fiscal war, Tax exemption.

Resumen: Se evalúa los impactos territoriales de las sucesivas políticas de exenciones fiscales en la dinámica económica del Estado de Río de Janeiro (ERJ). El referido estado ha intensificado su participación en la llamada "guerra fiscal" desde mediados de los años 1990, en el seno de la apertura neoliberal de la economía brasileña y de la pugna entre los entes federativos por la atracción de inversiones. La "Ley Rosinha", basada en el discurso de reducir las disparidades entre las regiones del estado y desarrollar el interior fluminense, redujo el ICMS del 19% al 2% durante 25 años. Los procedimientos metodológicos utilizados incluyeron levantamiento y lectura bibliográficos, levantamiento de datos secundarios en fuentes institucionales (IBGE, MTE, TCE, SEFAZ), sistematización y análisis de los datos a la luz de las referencias. Las reflexiones teóricas y los datos analizados demuestran que las exenciones promovidas por el ERJ, bajo los diferentes gobiernos, han priorizado sectores económicos ya consolidados y / o con pocos encadenamientos sectoriales y, en su gran mayoría, ubicados en el área metropolitana, reforzando la concentración histórica.

Palabras clave: Estado de Río de Janeiro, Ley Rosinha, Guerra Fiscal, Exención Fiscal.

INTRODUÇÃO

Os anos 1990 protagonizam o acirramento do embate entre os entes federativos na atração de empresas para seus territórios. Esse acirramento tem a ver com a maior abertura econômica, que culminou num aumento da entrada de investimentos estrangeiros, e com a perda da capacidade do Estado de promover uma política de desenvolvimento nacional que incorpore a herança da dinâmica regional brasileira, marcada por uma desigualdade estrutural. Desse modo, a manipulação das alíquotas de determinados tributos tornou-se o elemento fundamental das políticas relacionadas à atração de empresas. Ou seja, será mais atrativo aquele município ou estado que oferecer uma alíquota de imposto menor às empresas. Essa estratégia de alteração da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de forma desenfreada ficou conhecida como “guerra fiscal”.

É nesse contexto que, em abril de 2005, foi criada a Lei Nº 4533/2005, também conhecida como “Lei Rosinha”, por ter sido sancionada pela então governadora Rosângela Garotinho (2003-2007), com o objetivo de atrair empreendimentos para 31 municípios situados, sobretudo, no Noroeste Fluminense, à época “esvaziado” por conta dos incentivos oferecidos pelo estado vizinho, Espírito Santo. A Lei oferecia atrativo às empresas que se instalassem nos municípios selecionados, mediante a redução do ICMS de 19% para apenas 2%, durante 25 anos.

A “lei Rosinha” foi revogada a posteriori pela Lei Nº 5636/2010, conhecida como “Lei Cabral”, por ter sido sancionada na gestão do governador Sérgio Cabral (2007-2014), e pela Lei Nº 6979/2015, sancionada pelo governador Luiz Fernando Souza (2014-2018). Ou seja, em três gestões do executivo estadual, houve uma intensificação da política de isenção fiscal com o discurso de atrair empresas para o Estado do Rio de Janeiro (ERJ) e reduzir a dependência orçamentária dos royalties do petróleo e os desequilíbrios entre as regiões do referido estado.

Contudo, desde meados de 2015, tem sido veiculada, em diversas mídias digitais, impressas, televisionadas, universidades, entre outros espaços de discussão, a grave crise econômica que tem acometido as finanças do ERJ. Com isso, aumentaram os questionamentos acerca da falta de incentivos à diversificação econômica, do superfaturamento de obras públicas e, sobretudo, da política de isenção fiscal indiscriminada. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o ERJ deixou de arrecadar, entre os anos de 2008 e 2013, R$ 138 bilhões em ICMS. Esses valores foram atualizados por relatórios mais recentes, como o “Observatório dos Benefícios”.

Diante da problemática exposta acima, este trabalho visa analisar o impacto da política de subsídio fiscal do Estado do Rio de Janeiro (ERJ), especificamente a partir de meados dos anos 2000, na dinâmica econômica do estado. Para fins de operacionalização, utilizamos procedimentos metodológicos como revisão de literatura sobre a dinâmica industrial do ERJ e as políticas voltadas ao desenvolvimento, dados sobre a dinâmica do emprego e arrecadação de ICMS, PIB e VAB, além da análise das leis referentes aos subsídios fiscais no referido estado.

Além da introdução e da conclusão, o trabalho está estruturado em três partes. Na primeira parte, apresentamos as especificidades históricas do ERJ (que já foi capital do império e da república) e sua particularidade territorial. Na segunda parte, demarcamos a gênese da guerra fiscal no Brasil e o contexto no qual o ERJ intensifica sua participação nessa política, com a “Lei Rosinha”. Na terceira parte, discutimos, com base nas reflexões teóricas e nos dados empíricos, os impactos das isenções fiscais sobre a dinâmica econômica do ERJ.

Rio de Janeiro: um Estado marcado por forte “singularidade territorial”

O atual Estado do Rio de Janeiro surgiu em março de 1975, fruto da fusão entre os antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. No contexto nacional, a cidade do Rio de Janeiro passou a exercer a função de Estado-Capital, simultaneamente, e representando o interior fluminense[1], tendo à época como capital a cidade de Niterói. Oliveira (2008, p. 101) afirma que a fusão surgiu num momento estratégico, pois, na década de 1970, o governo militar, com sua lógica desenvolvimentista, “teria levado a economia brasileira a uma grande marcha forçada”, definindo estratégias e prioridades nacionais que atendessem aos interesses do setor produtivo. Segundo o autor, durante os primeiros anos da fusão, os conflitos foram atenuados com os investimentos feitos pelo governo federal, com a finalidade de “sustentar o projeto”.

Segundo Marafon et. al (2011, p. 24), pensou-se à época que, com a fusão, o estado da Guanabara – com grande arrecadação fiscal - poderia contribuir com a execução de investimentos ao restante do estado, ou seja, na nova área pós fusão. Havia a possibilidade de empresas de grande porte se expandirem para a periferia metropolitana. Contudo, de acordo com o autor, a capital possuía uma ligação maior com a hinterlândia nacional do que com o interior do seu próprio estado, pois o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil, “com a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional e da Refinaria de Duque de Caxias, por exemplo”, afastou a área metropolitana do seu interior.

Davidovich (2000) atribui a atual configuração espacial do atual ERJ ao papel desempenhado pela empresa estatal e às políticas federais, que tiveram sede de decisões, por muito tempo, na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com a autora, “a atuação da empresa estatal envolveu, basicamente, aplicações na siderurgia, em períodos distintos, e investimentos sucessivos na produção de álcalis, na petroquímica, no petróleo, na energia nuclear”. Dessa forma, a atuação da empresa estatal contribuiu para que o ERJ se transformasse numa base logística desencadeadora de interesse de investimento nacional.

De acordo com Oliveira (2008, p.58), os investimentos industriais fora do núcleo metropolitano [cidade do Rio de Janeiro] só ocorreram em áreas localizadas ao longo dos eixos viários, que ligam a cidade do Rio de Janeiro aos estados de São Paulo e Minas Gerais. Além disso, segundo o autor, esse processo privilegiou alguns setores importantes da economia fluminense, promovendo uma verdadeira fragmentação do território. Para ele, “a industrialização ocorre associada aos eixos viários que ligam a cidade do Rio de Janeiro a São Paulo - através da BR-116 Sul, Rodovia Presidente Dutra e BR-101 Sul, Rodovia Rio-Santos - e ao estado de Minas Gerais – através da BR-040, Rio-Juiz de Fora”. Trata-se de três eixos que possuem como ponto de partida a Cidade do Rio de Janeiro.

Ainda segundo o mesmo autor, o espaço metropolitano é marcado por uma intensa fragmentação, por ser parte de dois estados, duas unidades da federação, sem uma política que integre as ações, instituições e diretrizes públicas de ocupação e desenvolvimento do território. Em consequência disso, temos, historicamente, o desempenho das atividades industriais fora da cidade do Rio de Janeiro com pouca industrialização nos municípios que hoje formam a região metropolitana e no interior do estado. Nesse cenário, de acordo com Motta (2001), um fato polêmico e, ao mesmo tempo interessante, foi a integração das duas economias, a fluminense (antigo Estado do Rio) e a carioca (Guanabara), pois,

de um lado, a cidade do Rio de Janeiro, capital do país por mais de cem anos, há 15 ocupando um lugar singular na federação, o de estado-capital, e lutando para conservar o seu tradicional papel de “caixa de ressonância” do país; de outro, o antigo Estado do Rio, a “Velha Província”, dividido entre a atração pela “cidade maravilhosa” e o medo da suburbanização (MOTTA, 2001, p. 19).

Segundo a autora supracitada, a fusão tornou-se uma questão polêmica, porque se tratavam de estados com níveis diferenciados no que diz respeito aos diversos setores econômicos. Além de possuírem identidades políticas e econômicas diferentes e, até mesmo, conflituosas, trazendo à tona a necessidade de reflexão sobre os limites e desafios impostos pela fusão. De acordo Davidovich (2000) é preciso, ainda, levar em conta que, como capital de uma unidade da federação, a cidade do Rio de Janeiro enfrentava uma situação nova, a de administrar um território perpassado por múltiplos problemas, entre eles a disseminação da pobreza, os impasses do porto de Sepetiba, os confrontos entre governo municipal e governo estadual, as dificuldades financeiras, entre outros.

De acordo com Silva (2012, p. 105), os desequilíbrios regionais do ERJ podem ser observados nas mais variadas escalas geográficas, contudo, “a de maior destaque é a que contrapõe as estruturas urbano-produtivas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro às do interior estadual”. Colocando em lados opostos à “região econômica”, que foi beneficiada pela herança da infraestrutura urbana da antiga capital do império e da república brasileira, e o espaço heterogêneo e de articulação frágil, que representa quase todo território do antigo ERJ. Assim, as regiões menos atrativas e competitivas são relegadas a um segundo plano, acentuando a desigualdade regional, sob a égide da “guerra de lugares”, que intensifica o processo de fragmentação e hierarquização territorial.

Com a transferência da capital federal na década de 1960, ecoou um forte discurso que “com a fusão teria sido instaurada uma relação parasitária do interior em relação a capital”, na qual a cidade do Rio de Janeiro, por ser rica, sustentaria o resto do estado (LIMONAD, 2004, p. 79). Nesse contexto, a fusão trouxe à tona o discurso que o atual estado do Rio de Janeiro estaria fadado ao esvaziamento econômico e, consequentemente, a um intenso processo de deterioração urbana e social, associados, em grande parte, ao baixo dinamismo econômico do interior fluminense.

A tese levantada por Limonad (2004) é que não houve um esvaziamento econômico no ERJ. Para ela, o avanço da extração mineral, nas duas últimas décadas do século XX, com a descoberta do petróleo na bacia de campos, e o crescimento do turismo nas cidades do interior e das atividades de construção civil têm provocado alteração na tendência de crescimento demográfico, de modo a desencadear o surgimento de novos fluxos econômicos no entorno de grandes eixos viários que cruzam o estado. Portanto, de acordo com a referida autora, tais mudanças em curso no ERJ têm provocado uma “inflexão” na relação capital interior. Ou seja, o que tem acorrido é uma mudança na histórica centralidade da capital em detrimento do baixo dinamismo econômico do interior, alterando a antiga relação entre o binômio capital-interior.

Conforme aponta Natal (2004, p. 88), a partir da metade dos anos 1990, a economia fluminense, em decorrência dos investimentos privados – muitos com recursos públicos (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDES) -, entrou numa fase definida por ele de inflexão econômica, num cenário de forte ideologia antiEstado e pró-mercado. Contudo, apesar da inflexão econômica experimentada pela econômica fluminense, nesse período, o PIB, de maneira geral, pouco se alterou.

Além disso, de acordo como referido autor, o setor petrolífero, apesar de ter incrementado e dinamizado a composição do PIB, tem privilegiado (sob a ótica dos royalties) municípios localizados em pontos específicos do território, especialmente aqueles localizados na Região Norte e Baixadas Litorâneas. “Instaurou-se uma espécie de desenvolvimento regional, restrito”. Além disso, temos a acentuação da dependência em torno da economia da cadeia produtiva do petróleo, que é altamente volátil, por conta das oscilações no mercado internacional.

O ERJ é constituído por 92 municípios. Destes, 17 estão localizados nos limites metropolitanos e 75 no interior do estado. O estado está dividido em oito Regiões de Governo: Metropolitana, Noroeste Fluminense, Norte Fluminense, Baixadas Litorâneas, Serrana, Centro-Sul Fluminense, Médio Paraíba e Costa Verde. Esta divisão está apoiada na Lei n° 1.227/87, que aprovou o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social 1988/1991. Desde então, foram feitas algumas alterações tanto na denominação quanto na composição dessas Regiões (CEPERJ, 2018). Um mesmo território formado por “dois subespaços” caracterizados, historicamente, por “falta de laços históricos de solidariedade e de pertencer coletivo da população no novo Estado do Rio de Janeiro”, marcado por uma integração precária e enormes disparidades regionais, dotando o estado de uma forte “singularidade territorial” (DAVIDOVICH, 2000, p. 10).

Portanto, após a fusão, o ERJ surge marcado por forte tensão política e ideológica, descortinando uma histórica fragmentação entre a capital e o seu interior. Apesar do protagonismo recente, com a descoberta do petróleo na Bacia de Campos e o crescimento das cidades médias, sobretudo, impulsionado pelo aumento da atividade turística, o Interior ainda mantém uma enorme disparidade em relação à região metropolitana. É nesse contexto, com o discurso de levar o “desenvolvimento” ao interior do Estado, reduzindo as disparidades econômicas entre as regiões de governo, que a então governadora Rosângela Garotinho sanciona a Lei Nº 4533/2005 (“Lei Rosinha”). Essa lei marca a intensificação do referido Estado na guerra fiscal, já experimentada e acirrada entre outros entes federativos.

A “Lei Rosinha” e a inserção do Estado do Rio de Janeiro na guerra fiscal

Entende-se por guerra fiscal as políticas de atração de investimentos via isenção fiscal. De acordo com a literatura que versa sobre a temática, trata-se de uma política que não é nova no cenário econômico brasileiro, pois esteve em voga desde os anos 1960. Nos anos 1950 e 1960, a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a Superintendência para o Desenvolvimento do Norte (SUDAM) administraram subsídios por meio dos Banco do Nordeste (BNB) e Banco da Amazônia (BASA). Tais políticas se acentuaram, no Brasil, a partir da década de 1990, no bojo da abertura da economia e da diminuição do papel do Estado na economia, com maiores disputas entre estados e municípios pela atração de capitais. Esse mecanismo de atração de investimentos gerou inúmeros debates e opiniões antagônicas. Para os defensores da referida estratégia, as referências foram, e ainda são, o discurso da redução das desigualdades regionais e do aumento do número de empregos.

Conforme Santos e Silveira (2006, p. 113), no atual estágio do processo de globalização, a velocidade com que os territórios são valorizados e desvalorizados determinam mudanças de usos de forma temerária. Além disso, as empresas reforçam o discurso de modernização do território, por meio de objetos modernos. Dessa forma, “os lugares entram em guerra, num embate por oferecer os melhores dados técnicos e políticos as empresas”. A manipulação das alíquotas de determinados tributos tornou-se o elemento fundamental das políticas relacionadas à atração de empresas. Ou seja, será mais atrativo aquele município ou estado que oferecer uma alíquota menor aos agentes econômicos.

Cardozo (2010) afirma que a guerra fiscal consiste em um fenômeno que se acirra nos anos 1990, cuja principal característica é o embate entre os entes federativos na atração de empresas para seus territórios. Esse acirramento tem a ver com a maior abertura econômica, que culminou num aumento da entrada de investimentos estrangeiros, e com a perda da capacidade do Estado de promover uma política de desenvolvimento nacional que considere a dinâmica regional brasileira.

No tocante à guerra fiscal, Alves (2001) destaca que a reforma tributária realizada na década de 1960, mais precisamente em 1966, trouxe novos contornos apara a autonomia fiscal dos estados. A reforma substituiu o antigo Imposto Sobre Vendas e Consignações (IVC) pelo ICM (atual ICMS), mantendo-o sob competência estadual. A autora supracitada levanta a tese que a guerra fiscal pode ser considerada como um fenômeno permanente, pois a sua operacionalização se dá por meio de programas estaduais de desenvolvimento que datam, no cenário político e econômico brasileiro, desde a década de 1960. No entanto, vale destacar que os instrumentos utilizados e o próprio formato dos programas têm sido modificados ao longo dos anos, de acordo com o cenário político vigente e o contexto internacional, com suas pressões cada vez mais sob os auspícios neoliberais, sobretudo nos países periféricos.

Segundo Cataia (2003, p. 397), “a guerra fiscal é um instrumento jurídico de uso difundido por todo território brasileiro”. Para o autor, essa política territorial de distribuição de incentivos/subsídios e isenções fiscais, que são utilizados como forma de atrair investimentos, se traduz numa verdadeira transferência de recursos públicos para o setor privado, principalmente quando tal transferência vem acompanhada de obras de infraestruturas promovidas pelos estados e municípios. Nesse contexto, o autor fala em “alienação do território”, que

[...] diz respeito aos lugares que preparam seu território com todo um conjunto de obras de infra-estruturas e isenções fiscais no intuito de atrair investimentos, mas acabam por se transformar em reféns da política das empresas em função do poder econômico que as empresas transnacionais possuem. Falamos em território alienado quando municípios ou mesmo estados inteiros se subordinam à política das empresas (CATAIA, 2003, p. 402).

Embora o Estado do Rio de Janeiro tenha intensificado sua participação na guerra fiscal, especialmente a partir do final dos anos 1990, o estado já vinha estabelecendo uma política de incentivo industrial desde os anos 1970. Nesse período, seguindo a mesma tendência de outros estados brasileiros, o ERJ, a fim de apoiar investimentos em seu território, criou o Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro - BD/RIO. O banco “financiava especialmente projetos de pequenas e médias empresas fluminenses. Contudo, no final dos anos 1980, o BD-RIO estava enfraquecido, iniciando seu processo de liquidação extra-judicial em 1988” (MELLO, 2008, p. 75).

Conforme aponta Natal (2004, p. 76), a economia fluminense enfrentou, entre os anos de 1980 e 1995, uma longeva e complexa crise econômica a ponto de criar no ideário dos cariocas a sensação que o Rio de Janeiro estava em fase terminal, sem qualquer perspectiva do retorno dos tempos de glórias, quando era a capital da nação. Ainda de acordo com o mesmo autor, no período exposto (1980/1995), a indústria fluminense apresentava-se com baixa competitividade, acentuada quando comparada com o estado de São Paulo; redução dos gastos públicos via governo federal no Estado; aumento dos conflitos de cunho federativo entre o governo estadual e federal. Em meados dos anos 1990, o quadro de crise começou a dar sinal de reanimo com o lançamento do Plano Real a imediata “derrubada da inflação e ulterior crescimento econômico e do emprego”.

Em 1992, com a chegada de César Maia ao poder municipal, houve diversas intervenções de cunho urbanístico na cidade do Rio de Janeiro que, de certa forma, “procuraram passar a ideia de que essas obras, em seu conjunto, confeririam ao município do Rio de Janeiro maior capacidade de ingresso nas grandes correntes econômicas de um mundo supostamente globalizado” (NATAL, 2004, pg. 76). Por meio da oferta de infraestrutura, o objetivo dessas intervenções urbanísticas era atrair capitais destinados a dinamizar a economia da capital e, consequentemente, do próprio Estado.

Nesse mesmo período, o poder do executivo estadual passou a ser ocupado por Marcelo Alencar, partidário do diagnóstico que o problema da economia, no caso da fluminense, seria o do financiamento dos gastos, e que para tal seria necessário invocar a “solução via mercado”. Em seu governo, estabeleceu um novo marco de atuação do Estado, pautado nas privatizações e em um novo modelo de desenvolvimento (NATAL, 2004, p. 76). Ainda segundo o mesmo autor, o Plano Plurianual de Aplicação de Recursos/1996-1999 (PPA, 1996-1999), na gestão do então Governador Marcelo Alencar, apresentou o diagnóstico da capital, ou seja, a necessidade de investimentos urbanísticos a fim de atrair capitais e dinamizar a economia. No entanto, os diagnósticos apontavam que “o problema” era a crise do Estado e sua capacidade de gasto, passando assim o desenvolvimento para as mãos da iniciativa privada. Nesse contexto,

uma das expressões mais emblemáticas desses novos tempos foi o lançamento do chamado Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro. Esse Plano (sic), apesar do seu vezo ideológico conservador, de “venda da cidade”, de substituição do democrático planejamento por gestão e projeto etc., indicou um caminho: o da adequação da Cidade do Rio de Janeiro à nova ordem internacional, devendo o poder local agir de modo a tornar seu espaço mais atrativo para os grandes capitais, particularmente os estrangeiros (Op Cit).

Portanto, no bojo da inserção internacional da economia brasileira e do ERJ na tendência neoliberal partir de meados da década de 1990, a dinâmica industrial do ERJ, nos primeiros anos do século XXI, passa por intensos debates no que tange às políticas públicas voltadas para a atração de investimentos. Nos anos 1990, houve uma forte pressão política e empresarial, ancorada no discurso de esvaziamento econômico, para que o ERJ entrasse na chamada “guerra fiscal”, para tentar atrair empresas ao seu território e competir com o estado do Espírito Santo, onde já existia a prática de isenção fiscal para atrair investimentos. Esse discurso está presente no próprio documento produzido pela Casa Civil do ERJ, intitulado “Incentivos fiscais no Estado do Rio de Janeiro”, no qual afirma:

No caso do Estado do Rio de Janeiro, um grande mercado consumidor que passava, na década de 90, por um processo de desindustrialização e esvaziamento econômico, era imperativo reagir, defendendo-se. A administração estadual de então (1995-1998), decide, assim, entrar nessa frente de batalha (2016, p. 4).

No mesmo documento, a Casa Civil afirma que “sem a concessão dos incentivos, praticada pelos governos estaduais a partir dos anos 1990, muito provavelmente a quase totalidade desses empreendimentos não teria escolhido o Estado do Rio de Janeiro” (2016, p. 1). Ou seja, defendem que, caso não houvesse a entrada do ERJ na guerra fiscal, diversas empresas deixariam de se instalar no território fluminense, com impactos negativos sobre os investimentos, o desenvolvimento tecnológico e a geração de postos de trabalho diretos e indiretos.

Um dos objetivos centrais da política de isenção seria não só manter a importância do ERJ no cenário da indústria de transformação nacional, senão também reduzir a elevada concentração, histórica, na área metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, que concentra a maior parte dos investimentos logísticos, estabelecimentos comerciais, equipamentos urbanos e aglomerados populacionais. É nesse contexto que, em abril de 2005, foi criada a Lei Nº 4.533/05 (“Lei Rosinha”), cujo objetivo era atrair empreendimentos para 31 municípios situados no estado do Rio de Janeiro, sobretudo, no Noroeste Fluminense, à época “esvaziado” por conta dos incentivos oferecidos pelo Espírito Santo e da baixa produtividade da atividade agropecuária.

Impacto das isenções fiscais no ordenamento industrial do Estado do Rio de Janeiro

Desde meados de 2015, tem sido veiculada, em diversas mídias, a grave crise econômica que tem acometido as finanças do ERJ, trazendo à tona duros questionamentos acerca da falta de incentivos à diversificação econômica, do superfaturamento de obras públicas e, sobretudo, da política de isenção fiscal. Diante da crise econômica enfrentada pelo estado, os benefícios fiscais concedidos por meio da política de isenção têm sido duramente criticados, pois passaram a ser considerados os responsáveis pela crise, quase que unanimemente.

Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o ERJ deixou de arrecadar, entre os anos de 2008 e 2013, R$ 138 bilhões em ICMS. Esses valores foram atualizados por relatórios mais recentes, como o “Observatório dos Benefícios”[2]. Apesar dos questionamentos e da maior fiscalização dos órgãos de controle, como tribunal de contas do estado, ministério público, secretaria da fazenda e organizações da sociedade civil, o ERJ manteve a política de isenções fiscais para atração de capitais privados, sob os auspícios de modernização do território, geração de postos de trabalho, aumento da arrecadação, entre outros. “Os benefícios fiscais do ICMS nunca foram tão questionados como no atual momento, e por quase todos os segmentos da sociedade” (OBSERVATÓRIO DOS BENEFÍCIOS, 2016, p. 1).

Na verdade, os auditores apresentam certa contestação, afirmando não reconhecer os números, do governador e da Secretaria de Estado de Fazenda e Planejamento do Rio de Janeiro (SEFAZ), em relação ao valor de R$ 138 bilhões. O relatório é fruto de um trabalho feito por conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE), divulgado pela imprensa em março de 2016, correspondente aos anos de 2008 a 2013. Conforme é apontado no relatório, “este total acumulado equivale a quantidade de recursos que seriam suficientes para pagar os salários de todos os servidores ativos e inativos do Estado do Rio de Janeiro por um período de mais de 3 anos” (OBSERVATÓRIO DOS BENEFÍCIOS, p. 1).

De acordo com o TCE (2016), existem algumas exclusões que impactam o montante final renunciado, chamado de renúncia efetiva. Essas exclusões se dão por diferentes fatores, tais como: possível transferência de obrigatoriedade do pagamento do imposto para um contribuinte que participe das etapas subsequentes de circulação; suspensão temporária, postergando a obrigatoriedade do pagamento e reduções da base de cálculo e isenções no meio da cadeia produtora. Além disso, há a possibilidade dos contribuintes não informarem a fruição de incentivos fiscais, por ser uma obrigação acessória. Isso pode, segundo o relator do referido relatório, José Gomes Graciosa, aumentar o imposto não pago.

Mesmo em se tratando de dados que não correspondem, em sua totalidade, aos reais números de benefícios oferecidos pelo ERJ ao longo dos anos, os dados acima revelam um aumento da renúncia declarada. Embora haja diferença nos valores referentes aos benefícios declarados e a renúncia efetiva, este último é bastante significativo, atingindo quase 10 bilhões de reais somente em 2015 (tabela 1). Não se trata de negar a importância desse tipo de política industrial num cenário de mercado globalizado altamente competitivo e guerra de lugares travada entre os entes federativos.

Tabela 1
Evolução anual da renúncia efetiva informada pela SEFAZ (2007-2015), em reais

DUB-ICMS 2007 a 2015; SEFAZ. Organizado pelos autores com base em Observatório dos Benefícios (2016).

Contudo, a forma pela qual essa política tem sido conduzida, marcada pela baixa transparência, fiscalização e planejamento, os valores renunciados, associados à grave crise econômica, colocam em xeque a efetividade da referida política. Ela padece dos mesmos problemas de políticas industriais adotadas anteriormente[3], como a ausência de metas, prazos e contrapartidas, o descaso com a inovação, a ausência de ênfase exportadora, a ausência de uma preocupação sistêmica etc.

Além disso, levando-se em consideração o estado como um todo, ou seja, do ponto de vista territorial, o Rio de Janeiro conta com 92 municípios e população estimada superior a 16 milhões de pessoas, a questão das isenções fiscais torna-se ainda mais complexa, porque 25% das arrecadações de ICMS pertencem aos municípios, conforme exposto no inciso IV do Art. 158 da Constituição Federal. Por isso, a crise fiscal não é apenas do estado, senão dos municípios, que têm apresentado problemas para oferecer serviços básicos à população, como saúde e educação, por conta das dificuldades de pagamento dos servidores públicos municipais.

Como podemos observar, os incentivos fiscais de ICMS são de alta complexidade. Por se tratar de valores vultosos que deixam de ser arrecadados, dependendo do contrato com as empresas por longos anos, permanece a dúvida sobre a forma que esses contratos são feitos, sob o ponto de vista legal. A concessão de benefícios fiscais do ICMS pelos entes federados só pode se dar de forma consensual, concedidos por meio de acordos (convênios) no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ)[4]. Ou seja, deve haver o consentimento de todos os demais entes. O intuito do referido convenio é uma tentativa de evitar, ou amenizar, a chamada guerra fiscal.

No entanto, o Observatório dos Benefícios (2016) mostra que a renúncia fiscal no ERJ, entre os anos 2015 e 2016, ocorreu sem acordo com os demais entes federados, conforme apresentado na tabela 2, representando quase 80% do total da renúncia fiscal. Grande parte dos benefícios destinados a isenções fiscais foi sansionada por meio de decretos e leis aprovadas pela assembleia legislativa do estado. Nesse sentido, entramos no campo jurídico, pois, por não atenderem ao requisito constitucional, que exige a obrigatoriedade de passar pela CONFAZ, são alvos de questionamento judicial por parte de outros entes federados.

Tabela 2
Benefícios de ICMS decorrentes de atos do Poder Executivo e do Poder Legislativo estadual (2015 a 2016)

SEPLAG/SEFAZ RJ - LOA 2016, LOA 2015. Elaborado pelos autores com base em Observatório dos Benefícios (2016).

Conforme sinalizam os auditores, esses decretos, concedidos de forma unilateral pelo ERJ, baseiam-se na justificativa que representam um mal necessário, em razão da guerra fiscal entre os entes federados, para proteger e incentivar determinados setores. Além disso, outro discurso recorrente é reduzir os desequilíbrios regionais no território do referido estado, marcado pela elevada concentração em sua região metropolitana. De acordo com o TCE (2016), os decretos do poder executivo, mesmo sendo inconstitucionais, por não terem sido submetidos ao crivo da CONFAZ, em relação às isenções, revelam um grande impacto no montante renunciado.

A maior crítica à política de isenção não deve ser direcionada à arrecadação de impostos, que, aliás, exibe expansão durante o período de adoção das políticas de subsídios (gráfico 1). O único ano em que a arrecadação de ICMS caiu foi entre 2015 e 2016, em decorrência da crise econômica e política no país. Portanto, a análise critica deve ser direcionada aos setores e às empresas beneficiados e à geração de postos de trabalho.


Gráfico 1
Arrecadação de ICMS no ERJ, entre 2001 e 2017, em valores nominais (R$)
SEFAZ, 2018. Elaborado pelos autores.

Após 2005, período da criação da “Lei Rosinha”, que promoveu redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 19% para apenas 2% por 25 anos, a participação do ERJ na composição do PIB tem sido caracterizada por um processo de estagnação até o ano de 2006, seguindo para um crescente declínio. Isso mostra que a política de subsídios tem sido insuficiente para aumentar, manter ou diminuir a perda de importância do estado no cenário nacional quanto à participação na geração de riquezas (tabela 3).

Tabela 3
Participação da Região Sudeste e seus estados no Produto Interno Bruto - 2002-2016 (%)

Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA. Elaborado pelos autores.

A diminuição da perda de importância relativa do ERJ precisa ser vista no bojo de um processo mais complexo e com ocorrência em outras escalas, ligado à desconcentração da atividade econômica desde os anos 1970, à abertura e desregulamentação econômica e consequente aumento dos setores industriais vinculados a recursos naturais (florestais, beneficiamento de commodities etc.). Natal (2005) destaca que a crise por que passa o Rio de Janeiro tem a ver com uma série de causas, que abrangem a industrialização paulista, a ida da capital para Brasília, a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, as crises do padrão fiscal e financeiro e a reiteração da ideologia de expiação e externalização de culpas.

Outro importante elemento na análise da dinâmica econômica é o valor adicionado bruto (VAB)[5], pois é um importante indicador que nos permite mensurar o valor agregado de determinada atividade econômica. No que se refere à indústria de transformação do ERJ, entre os anos de 2002 a 2016, o VAB apresentou uma ligeira queda (tabela 4).

Tabela 4
Participação no Valor Adicionado Bruto (%) na Indústria de Transformação - 2002-2016 (%)

Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA. Elaborado pelos autores.

É importante frisar que os outros estados, além da própria Região Sudeste, seguiram a mesma tendência de declínio. No entanto, o que chama a atenção é que, nos períodos de criação das Leis 4.533/05, 5636/2010 e 6979/2015, respectivamente, nas gestões de Rosangela Garotinho, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Souza, ocorreu um declínio do VAB.

Além disso, ainda com base na tabela 4, entre os anos de 2010 e 2016, o VAB caiu de 6,4% para 5.8%. É importante lembrar que, conforme apresentado anteriormente, nesse período, a renúncia fiscal saltou de R$ 3.852.381.642 para R$ 9.318.710.499. Ou seja, o aumento da renúncia fiscal não se traduziu em agregação de valor na indústria de transformação. O percentual de valor agregado de 2016 exibe ligeira queda em relação ao de 2002. Com isso, podemos salientar um dos principais problemas da política de isenção, marcada por uma ausência de preocupação setorial, impossibilitando um adensamento do aparelho produtivo fluminense. Assim, a política de subsídios não foi capaz de manter a importância do Estado no PIB nacional, tampouco teve papel na maior agregação de valor na indústria de transformação.

Convém lembrar, ainda, que a diminuição da indústria de transformação na composição do valor adicionado não está restrita ao Rio de Janeiro, tampouco é um fenômeno apenas nacional. Rowthorn (1999) mostra que essa tendência está presente nos países centrais, onde há uma diminuição do papel da indústria e um incremento dos serviços no valor adicionado e na geração de empregos. Para ele, a queda do emprego manufatureiro nos países centrais tem a ver com mudanças na produção e produtividade, quer dizer, deslocamento de produção de bens mais intensivos em trabalho ou recursos naturais para países periféricos e controle sobre atividades intensivas em capital e tecnologia e, ao mesmo tempo, poupadoras de mão de obra nos países mais desenvolvidos.

Quanto ao VAB na indústria extrativa, o desempenho do ERJ foi ainda pior, ficando atrás de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo (tabela 5). Todos os demais estados aumentaram sua importância na região, enquanto o Rio de Janeiro, embora o mais importante, apresentou uma tendência de queda. A maior queda ocorreu a partir da chamada “Lei Cabral”.

Tabela 5
Participação no Valor Adicionado Bruto (%) na Indústria de Extrativa - 2002-2016 (%)

Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA. Elaborado pelos autores.

Esses dados revelam dois pontos importantes para a reflexão. Primeiro, o ERJ, apesar da perda de importância, detém uma participação expressiva na indústria extrativa, especialmente naquelas atividades vinculadas à exploração do petróleo e gás. Segundo, mesmo com a expansão da exploração nos campos de petróleo em alto mar nos últimos anos, o estado perdeu importância no contexto da Região Sudeste, ao

Esses dados revelam dois pontos importantes para a reflexão. Primeiro, o ERJ, apesar da perda de importância, detém uma participação expressiva na indústria extrativa, especialmente naquelas atividades vinculadas à exploração do petróleo e gás. Segundo, mesmo com a expansão da exploração nos campos de petróleo em alto mar nos últimos anos, o estado perdeu importância no contexto da Região Sudeste, ao passo que Espírito Santo e São Paulo incrementaram sua participação. Isso quer dizer que a expansão da exploração de campos de petróleo e gás foi insuficiente para incrementar o valor adicionado e demais atividades vinculadas no ERJ ou que esses efeitos de arrasto podem estar sendo desempenhados por outros Estados vizinhos. Portanto, qualquer política de subsídio, por mais que reforce a estrutura produtiva extrativa do estado, precisa criar condições para que atividades subsidiárias e de agregação de valor possam ser internalizadas na economia fluminense.

Se considerarmos a participação das atividades econômicas no valor adicionado bruto, entre os anos de 2002 a 2015, a única atividade econômica que apresentou aumento no VAB foi o setor de serviços (tabela 6). O VAB da indústria exibiu um aumento entre os anos de 2002 e 2006, seguidos de uma tendência de declínio até o ano de 2016, quando os percentuais se tornaram menores que os apresentados no início da década. Na verdade, a indústria do ERJ manteve o padrão histórico de priorização do setor extrativista, reforçando a dependência da indústria petrolífera. Já a Agropecuária apresentou uma estagnação histórica, revelando que a base produtiva do ERJ pouco se alterou no período selecionado. Trata-se de um setor com pouca ou quase nenhuma expressividade na economia fluminense, sendo importante nos municípios da Região Noroeste Fluminense.

Tabela 6
Participação das atividades econômicas no valor adicionado bruto, Rio de Janeiro - 2002-2016 (%)

IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA. Elaborado pelos autores.

Do ponto de vista da geração de postos de trabalho formais na indústria de transformação, os dados não são nada animadores. No período, tivemos aumento de 8% no âmbito nacional, mas o ERJ exibiu expansão apenas de 3%, inferior aos Estados do Espírito Santo (10%) e Minas Gerais (9%). No Sudeste, o estado superou apenas São Paulo, cuja taxa foi 0% (tabela 7).

Tabela 7
Empregos formais na indústria de transformação na Região Sudeste, entre 2006 e 2016

RAIS/CAGED, 2018. Elaborado pelos autores.

Os indicadores mais gerais analisados mostram que, se não contribuiu para o aumento do PIB, VAB industrial ou postos de trabalho e estabelecimentos produtivos na indústria, talvez a política de isenção fiscal apenas tenha contrabalanceado a tendência de queda da importância do ERJ no cenário nacional. Uma análise macro, portanto, permite-nos afirmar, tendo como base os valores envolvidos na renúncia fiscal, a pouca eficiência da política de isenção para o adensamento e maior complexificação da estrutura produtiva fluminense.

Ao focarmos a análise na escala das regiões de governo, em relação ao número de estabelecimentos, entre os anos 2006/2016, todas as regiões tiveram um significativo aumento, principalmente a partir de 2010, período da chamada “Lei Cabral”, conforme apresentado na (tabela 8). No entanto, como estamos nos referindo a uma política industrial que, na prática, deveria pensar o território em sua totalidade, ou seja, desenvolvê-lo de forma menos desigual, podemos notar uma contradição: temos um reforço da concentração de investimentos e criação de estabelecimentos em regiões tradicionalmente privilegiadas.

Tabela 8
Número de estabelecimentos na indústria de transformação por regiões de governo 2006-2016

RAIS/CAGED, 2018. Elaborado pelos autores.

Nesse sentido, os dados sinalizam que as Regiões Metropolitana e Médio Paraíba concentram a maior parte dos estabelecimentos da indústria de transformação e, consequentemente, dos postos de trabalho. Em 2006, a Região Metropolitana respondia por 64% de todos os estabelecimentos e, ao final de 2016, apesar da queda de importância, ainda detinha 59%. A segunda região em importância, a Serrana, ampliou de 15% para 17%. O Médio Paraíba manteve sua participação em torno de 6% dos estabelecimentos. Essas alterações estão relacionadas às diferentes cadências de crescimento apresentadas por cada região, sendo que a Região Metropolitana foi a que menos expandiu percentualmente seus estabelecimentos no período, com taxa de 7%.

Trata-se de uma taxa inferior à média apresentada pelo Estado, que esteve em torno de 17%. Baixadas Litorâneas e Costa Verde exibiram, respectivamente, taxas de 70% e 66% de incremento no número de estabelecimentos, seguidos por Centro-Sul Fluminense (49%) e Noroeste Fluminense (38%). Regiões Serrana (29%) e Norte Fluminense (21%) também apresentaram aumento superior à média estadual. Contudo, conforme mencionamos, esses ritmos de expansão foram insuficientes para uma mudança estrutural na distribuição dos estabelecimentos produtivos pelas regiões de governo no Estado.

No tocante ao perfil das empresas que receberam isenções fiscais, de acordo com o TCE (2016), beneficiando-se do Decreto Nº 41.483 de 18 de setembro de 2008, as sociedades empresárias Procter & Gamble do Brasil S.A e Procter Gamble Industrial e Comercial, pertencentes à multinacional estadunidense Proctor & Gamble, produtora de uma gama de produtos que inclui higiene pessoal e limpeza, alimentos etc., deixou de pagar, em função da renúncia fiscal, entre os anos de 2009 a 2013, R$ 1.271.309.592,23 (tabela 9).

Tabela 9
ICMS não pagos pelo Grupo P&G entre 2009 e 2013

DUB-ICMS Elaborado pelos autores com base em TCE (2016)

O Relatório Observatório dos Benefícios (2016) apresenta, ainda, uma lista com 100 empresas que, juntas, somam um total de 29.502.449.911 recebidos em isenções. Conforme apresentado na tabela 10, das 100 empresas, 10 respondem por 54% de isenções recebidas. O questionamento que fazemos é que uma política voltada para atrair nos investimentos concede isenção fiscal a empresas do segmento de varejo (supermercados), como Casas Guanabara Comestiveis LTDA, que aparece na quinta posição, de acordo com o valor de incentivo recebido.

Tabela 10
Empresas beneficiadas no RJ.

Observatório dos Benefícios (2016). Organizado pelos autores.

Se analisarmos os dados com maiores detalhes, notaremos que algumas atividades econômicas apoiadas descaracterizam o propósito da política industrial de adensamento do aparelho produtivo. Contudo, atividades como varejo e atacado (redes de supermercados, farmácias, lojas de departamentos, shopping centers), apesar do potencial na geração de empregos, são caracterizados pela condição de no tradables (não comercializáveis), ou seja, independentemente de qualquer apoio, tendem a realizar investimentos em novas unidades ou ampliação das já existentes, em compasso com aumento da demanda por consumo dos bens oferecidos. Trata-se de produtos que, invariavelmente, não podem ser ofertados desde outros estados ou países. Além disso, a expansão de grandes empresas do varejo não necessariamente significa aumento dos empregos e expansão do setor, porque pode ocorrer às custas do fechamento de pequenos e médios estabelecimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vultosas isenções fiscais concedidas pelo governo estadual não têm sido capazes de diversificar a base econômica do estado, tampouco têm reduzido as disparidades regionais no interior dos limites do estado. A região metropolitana, polarizada pela cidade do Rio de Janeiro, continua concentrando a maior parte dos investimentos, estabelecimentos e empregos no setor da transformação industrial, arrecadação de ICMS etc.

O protagonismo do interior não foi suficiente para romper com essa lógica altamente concentradora. Se, no início, a política de isenção tinha uma diretriz marcada pela questão da distribuição desigual das forças produtivas, as sucessivas modificações dessa política, posteriormente, quando todos os municípios e regiões do Estado foram inseridos de forma indistinta, em vez de colocar a questão regional e as diferenças territoriais em foco, reforçaram ainda mais a concentração espacial dos investimentos e da dinâmica econômica no território fluminense.

Nossas conclusões mostram que, além das isenções fiscais, o mal-uso da receita advinda dos royalties e a falta de uma política voltada para a diversificação produtiva do ERJ são elementos determinantes de sua atual crise econômica. Portanto, segue a política de transferência de recursos e fundos públicos à iniciativa privada, o uso corporativo do território (normas e infraestruturas), sem que haja uma redefinição da política industrial, rumo a uma política que permita escolher setores e empresas beneficiadas e avaliar os impactos territoriais dos projetos beneficiados.

REFERÊNCIAS

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