Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


FRONTEIRA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO MUNICÍPIO DE PEDRO AFONSO – TO
BORDER AND REGIONAL DEVELOPMENT IN THE MUNICIPALITY OF PEDRO AFONSO – TO
FRONTEIRA Y DESARROLLO REGIONAL EN EL MUNICIPIO DE PEDRO AFONSO – TO
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 17, núm. 1, pp. 03-25, 2019
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 30 Junho 2018

Aprovação: 03 Janeiro 2019

Publicado: 20 Março 2019

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692201917010325

Resumo: O objetivo do artigo é estudar as transformações sócio-territoriais no município de Pedro Afonso, onde já existe fortes sinais de mudanças econômicas em função da expansão e desdobramento da política de modernização agrícola implementada, inicialmente pelo PRODECER III. E abordar o processo de modernização na agricultura da região e mensurar e avaliar o desempenho do desenvolvimento regional e humano através da análise de indicadores sociais. Os indicadores sociais foram coletados no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e no Atlas de Desenvolvimento Humano (PUND) de 2000 e de 2013. O conceito de fronteira analisado no texto baseou-se na frente pioneira a partir da concepção do sociólogo José de Souza Martins e do geógrafo Pierre Monbeig. A revisão bibliográfica baseou-se nos conceitos teóricos sobre fronteira como espaço de conflitos sociais e contraditório. Juntamente com a revisão bibliográfica fez-se também uma pesquisa de campo em lócus.

Palavras-chave: Desenvolvimento regional, Fronteira pioneira, Indicadores sociais.

Abstract: The objective of this article is to study the socio-territorial transformations in the municipality of Pedro Afonso, where there are already strong signs of economic changes due to the expansion and unfolding of the agricultural modernization policy implemented initially by PRODECER III. And address the process of modernization in agriculture in the region and measure and evaluate the performance of regional and human development through the analysis of social indicators. Social indicators were collected at the Brazilian Institute of Geography and Statistics and the Human Development Atlas (PUND) of 2000 and 2013. The concept of frontier analyzed in the text was based on the pioneer front from the conception of the sociologist José de Souza Martins and the geographer Pierre Monbeig. The bibliographic review was based on the theoretical concepts about frontier as a space of social conflicts and contradictory. Along with the literature review, a field survey was also carried out in locus.

Keywords: Regional development, Pioneer frontier, Social indicators.

Resumen: El objetivo del artículo es estudiar las transformaciones socio-territoriales en el municipio de Pedro Afonso, donde ya existen fuertes señales de cambios económicos en función de la expansión y desdoblamiento de la política de modernización agrícola implementada, inicialmente por el PRODECER III. Y abordar el proceso de modernización en la agricultura de la región y medir y evaluar el desempeño del desarrollo regional y humano a través del análisis de indicadores sociales. Los indicadores sociales fueron recolectados en el Instituto Brasileño de Geografía y Estadística y en el Atlas de Desarrollo Humano (PUND) de 2000 y de 2013. El concepto de frontera analizado en el texto se basó en el frente pionero a partir de la concepción del sociólogo José de Souza Martins y el geógrafo Pierre Monbeig. La revisión bibliográfica se basó en los conceptos teóricos sobre frontera como espacio de conflictos sociales y contradictorios. Junto con la revisión bibliográfica se hizo también una investigación de campo en locus.

Palabras clave: Desarrollo regional, Frontera pioneira, Indicadores sociales.

INTRODUção

A fronteira de expansão é um conceito teórico dos sociólogos e antropólogos em que se refere à agricultura tradicional onde atua os camponeses, seringueiros, indígenas, pescadores e ribeirinhos. A frente pioneira é uma noção teórica de espaço dos geógrafos Pierre Monbeig e Leo Waibel que esta vinculada a reprodução ampliada do capital onde há o fazendeiro, o latifúndio, a agricultura comercial e os investimentos do Estado. Em resumo, a trajetória entre a fronteira de expansão e a frente pioneira refere aos diversos estágios do tradicional ao mais moderno (ao capitalismo).

Para Nogueira (2013), nos Estados Unidos, a fronteira ganhou uma acepção própria para designar a zona móvel de assentamento ou colonização no limite das áreas “não desbravadas”. A palavra fronteira designa a zona de contato entre uma região onde vigoram os padrões de ocupação considerados “civilizados” e a região ainda a ser incorporada a sociedade capitalista. O uso e o emprego da palavra frontier ao longo da história nos Estados Unidos desde o século XVI, já era utilizada para designar os limites políticos ou os espaços de colonização agrária, havendo até mesmo a possibilidade de se pensar os aspectos políticos e econômicos de forma integrada, pois uma área poderia ser intencionalmente colonizada para se garantir sua soberania política.

Martins (1997) procura fazer um debate teórico sobre as noções de fronteira de expansão e frente pioneira entre geógrafos e antropólogos. Para ele, os geógrafos nos anos 1940 nomearam fronteira de zona pioneira, outras vezes frente pioneira. Na caracterização sociológica da fronteira, Martins (1997) associa a interpretação geográfica sobre as frentes pioneiras, tal como esta aparece nos trabalhos de Monbeig e Waibel, à visão que os geógrafos teriam do processo de expansão da fronteira econômica, ou seja, o que estaria em jogo, através da fundação de cidades e ferrovias, seria a modernização das novas áreas incorporadas à economia de mercado. Para o referido autor, quando os geógrafos abordavam frente pioneira, estavam referindo de uma das faces da reprodução ampliada do capital. A reprodução extensiva e territorial do capital é essencialmente mediante a conversão da terra em mercadoria e, portanto, renda capitalizada. Na concepção de Martins (1997), a teoria da fronteira é basicamente, um desdobramento da teoria da expansão territorial do capital.

Atualmente, na fronteira agrícola está presente o agronegócio. No mundo atual, a economia do agronegócio atua vinculado ao processo de globalização neoliberal, estabelece condicionamentos para a imposição de sua lógica territorial nos lugares por onde se territorializa. No Tocantins, em alguns pontos estratégicos, essa racionalidade do agronegócio está presente. Constata-se que agronegócio é uma atividade econômica altamente concentradora de renda e condiciona o fortalecimento de uma classe social. Esta classe social vinculada ao agronegócio se territorializa nos lugares e cria uma ordem territorial para o agronegócio e uma desordem territorial nos lugares.

As transformações e impactos territoriais compreendem as mudanças das relações de capital-trabalho e de produção. Neste processo, os territórios locais têm uma inserção na lógica do capital transnacional colocando-os, dentro de uma lógica de dependência do mercado global. Por outro lado, o crescimento econômico da atividade econômica do agronegócio, no que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, para as localidades onde praticam o agronegócio, não tem um desempenho adequado e desejado como esperado.

A relevância da pesquisa se dá pelo fato da abordagem científica dos fenômenos observados e analisados e pela responsabilidade acadêmica de diagnosticar e verificar os impactos do agronegócio no desenvolvimento regional e humano no município de Pedro Afonso. Os indicadores sociais foram coletados no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e no Atlas de Desenvolvimento Humano (PUND) de 2000 e de 2013. Para proceder esta análise foi necessário fazer uma mensuração e avaliação do grau de desenvolvimento humano e das condições sociais, a partir dos indicadores sociais. Este procedimento metodológico permite-nos ter uma radiografia mais apurada sobre o desenvolvimento regional e humano de Pedro Afonso.

A fronteira de expansão e frente pioneira

Para o sociólogo José de Souza Martins os conceitos de fronteira de expansão e frente pioneira, são noções deferentes. A partir deste pressuposto, ele procura fazer um debate teórico sobre as noções de fronteira de expansão e frente pioneira entre geógrafos e antropólogos. Para ele, alguns geógrafos nos anos 1940 nomearam fronteira de zona pioneira, outras vezes frente pioneira. Para Martins (1997) quando os geógrafos dizem frente pioneira, indica uma das faces da reprodução ampliada do capital: terra como mercadoria, negócios imobiliários – a fronteira econômica.

Ainda que os geógrafos tenham acentuado a importância da urbanização, das modernas vias de comunicação, dos empreendimentos econômicos modernos, da mentalidade moderna, sugeriram com razão a precedência dos fatores econômicos no deslocamento da frente pioneira, a conversão da terra em mercadoria. Entretanto, os que incorporaram a distinção entre frente de expansão e frente pioneira, simplificadamente, como instrumentos de classificação e definição da realidade da fronteira, transferiram, inclusive os críticos, a precedência do econômico para a análise também da frente de expansão (MARTINS, 1996). Os geógrafos, desde os anos 1940, importaram a designação de zona pioneira para nomeá-la, outras vezes referindo-se a ela, como frente pioneira.

Segundo Martins (1996), quando se difundiu no Brasil, a expressão frente pioneira, alguns geógrafos mal viam os índios no cenário construído por seu olhar dirigido. Monbeig define os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira no Oeste de São Paulo, como precursores dessa mesma frente, como se estivessem ali transitoriamente, à espera da civilização que acabaria com eles. A ênfase original de suas análises estava no reconhecimento das mudanças radicais na paisagem pela construção das ferrovias, das cidades, pela difusão da agricultura comercial em grande escala, como o café e o algodão. Não há, à primeira vista, nessas concepções de frente de expansão e de frente pioneira, a intenção de supor uma realidade específica e substantiva. Por isso mesmo, não são propriamente conceitos, mas, apenas designações através das quais os pesquisadores na verdade reconhecem que estão em face dos diferentes modos como os civilizados se expandem territorialmente (MARTINS, 1996).

Quanto aos antropólogos, Martins diz que nos anos 1950, definem essas frentes de deslocamento da população “civilizada” e das atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado, como frente de expansão. Para Darcy Ribeiro, as frentes na Amazônia constituem fronteiras civilizatórias. Frente de expansão é conhecida por antropólogos, historiadores e sociólogos. Esta expressa a concepção de quem tem como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira: não leva em conta os índios, mas tem como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante, o pequeno produtor moderno e o empreendedor. Os antropólogos estão preocupados com os impactos da expansão branca sobre a população indígena. Os antropólogos quando falam de frente de expansão, geralmente, referem-se a frente demográfica - não necessariamente econômica (MARTINS, 1997, p. 151-152)

A sobreposição da frente pioneira e da frente de expansão produz uma situação de contemporaneidade dessas relações de tempos distintos. E nela a mediação das relações mais desenvolvidas faz com que a diferença apareça, na verdade, como atraso. As relações mais avançadas, mais caracteristicamente capitalistas, por exemplo, não corroem nem destroem necessariamente as relações que carregam consigo a legitimidade de outras épocas (MARTINS, 1996). O debate teórico sobre frente de expansão para Martins (1996) ficou caracterizada como uma frente demográfica de populações camponesas e a população de baixa renda vinculadas ao mercado. O avanço da frente pioneira sobre a frente de expansão e a conflitiva coexistência de ambas é mais do que contraposição de distintas modalidades de ocupação do território. Ao coexistirem ambas na situação de fronteira, dão aos conflitos que ali se travam, entre grandes proprietários de terra e camponeses e entre civilizados, sobretudo grandes proprietários, e indígenas, a dimensão de conflitos por distintas concepções de destino.

Para a compreensão de fronteira no Brasil, é necessário distinguir, no interior das fronteiras políticas do país, a fronteira demográfica e a fronteira econômica. A fronteira política diz respeito a um projeto geopolítico governamental com objetivo de instaurar o povoamento no interior do país e, sobretudo, ter o controle político territorial do espaço. A fronteira econômica se refere, sobretudo, ao processo de desenvolvimento econômico regional e territorial e como expansão do modo capitalista de produção. E a fronteira demográfica se refere ao povoamento e ocupação humana na fronteira.

O debate acerca das frentes pioneiras brasileiras, especificamente aquele proposto por Pierre Monbeig entre as décadas de 1940 e 1950, põe em seus termos básicos, certos aspectos atinentes à discussão teórica sobre as fronteiras feita na geografia política. A problematização da fronteira e de temáticas a ela relacionadas, como a questão do povoamento e colonização de novas terras por meio da expansão da ocupação produtiva do solo, naquilo que se convencionou denominar de avanço das fronteiras, e, mais especificamente, o processo de desenvolvimento e constituição das chamadas fronteiras políticas (NOGUEIRA, 2013). Principalmente, quando a fronteira de ocupação demográfica ou econômica tem um viés geopolítico de manipular o espaço. Não resta dúvida que o povoamento e o processo de colonização de novas terras na fronteira constituem um jogo de interesses políticos, geopolíticos e econômicos para a consolidação do modo de produção capitalista.

No entendimento de Monbeig, as frentes pioneiras paulistas têm no imaginário da expansão territorial da sociedade brasileira, desde ao menos a Era Vargas, iniciada em 1930, a compreensão do processo de formação do país à integração do território. Isto é, ao imperialismo interiorizado exercido dentro dos limites do Estado nacional e por ele incentivado em programas colonizadores oficiais como o “Marcha para o Oeste”. Certo que essa ideia busca compreender, inicialmente, o modo como o tema das franjas pioneiras foi analisado no Brasil por Pierre Monbeig, um dos nomes mais importantes para a institucionalização acadêmica da geografia no Brasil, durante sua longa estadia no Brasil (1935-1948) (NOGUEIRA, 2013).

Monbeig ressalta a sobreposição de circunstâncias políticas e econômicas mundiais, regionais e locais num complexo e intrincado jogo de escalas dentro do contexto da fronteira, onde há formas muito distintas de organização territorial, influenciando diretamente nos movimentos de conquista e ocupação de terras. Sobre a fronteira da Marcha para o Oeste em meados da década de 1940, Monbeig observa que:

Reduzir a marcha para o Oeste a um fenômeno local, contentar-se com explicá-la por circunstâncias estritamente brasileiras, seria restringir abusivamente seus quadros e não enxergar mais que seus aspectos estreitos. Desde o seu início, a Marcha para o Oeste foi um episódio da expansão da civilização capitalista, surgida nas duas margens do Atlântico. (MONBEIG, 1952, p.105).

Ou seja, segundo Monbeig a Marcha para o Oeste contribuiu para a fronteira no Oeste e para o Norte brasileiro, como forma da ocupação humana e econômica e, sobretudo, essa fronteira deve ser entendida no contexto da civilização capitalista. Diante deste ensaio teórico, o conceito de frente pioneira analisado por Pierre Monbeig está de acordo com as orientações colocadas de fronteira como um espaço do conflito social e étnico como espaço que envolve o espaço urbano e o rural. No contexto amazônico, debater este conceito se justifica pelo fato da Amazônia ser um espaço que atualmente, encontra-se em expansão do capitalismo em suas várias formas. Ao mesmo tempo em que de um lado, temos o agronegócio baseado na biotecnologia e na biogenética, de outro temos, economias baseadas ainda na extração tradicional e atividades econômicas praticamente caracterizadas pelo extrativismo vegetal e mineral sem um processo de inovação industrial.

Em outras palavras, podemos dizer que na Amazônia e no Tocantins temos a fronteira agrícola mecanizada em que no seu interior contém os ingredientes do agronegócio. A fronteira agrícola mecanizada caracteriza-se pela incorporação de equipamentos industriais como máquinas, colheitadeiras, plantadeiras, aviões para borrifar a plantação, o uso de agrotóxicos e fertilizantes. Neste momento de ocupação do espaço, temos uma ocupação meramente econômica totalmente voltada para criação de commodities e não mais uma preocupação com a ocupação demográfica da fronteira. Mas as contradições sociais e internas do capitalismo continuam. É o espaço do conflito entre indígenas, ribeirinho, camponeses e quilombolas e, o espaço da concentração fundiária e de renda.

Fronteira agrícola mecanizada recente no Tocantins

O processo de modernização recente da agricultura tem acentuado as transformações sócio-territoriais do espaço agrário por todo o país, no entanto, esse é um processo que atualmente se desenvolve mais nas regiões consideradas como fronteiras agrícolas, especificamente nos estados que formam a Amazônia Legal. A distribuição geográfica do processo de modernização da agricultura no Tocantins é pontual e estratégica. É como diz Oliveira (1987), o modo de produção capitalista na agricultura desenvolve-se de maneira desigual e contraditoriamente combinado[1].

Desigual porque no capitalismo, a sociedade se reproduz de forma desigual geográfica e socialmente no espaço geográfico. Combinado porque o capital para se reproduzir e continuar sobrevivendo, há necessidade de conquistar novos espaços onde o que não é moderno ou não considerado favorável a sua reprodução, ele se adapta ao preexistente. O capital não destrói bruscamente as relações políticas, sociais, culturais e econômicas preexistentes, vai se interagindo e articulando até ter a sua totalidade - o suficiente para continuar se reproduzindo. Contraditório porque gera conflitos sociais, reproduz a sociedade de classes e uma sociedade contraditória socialmente.

Segundo Boscariol at alli (2009) a teoria de Trotsky é capaz de explicar o desenvolvimento a partir da combinação de elementos modernos e arcaicos internalizados no seio das formações sociais nacionais. Neste particular ele se refere a “queima de etapas” por parte do capitalismo russo. Segundo Trotsky, as combinações tratam de amálgamas (mesclar), de articulações dos estágios de desenvolvimento das sociedades, ou seja, de seus estágios mais “primitivos” (locais) com seus estágios mais avançados (gerais e dominantes). Estes diferentes estágios se combinam. Daí a proposição de um desenvolvimento combinado e que se alicerça sob as combinações enquanto categorias que são.

Para Boscariol, at alli (2009), as mudanças quantitativas constituem processos mais lentos, progressivos e contínuos, enquanto as mudanças qualitativas são mais bruscas e por isso, também denominadas “saltos”. Essa categoria é notável para elucidar as questões relativas ao desenvolvimento desigual e combinado, uma vez que este se caracteriza pela “queima de etapas” por parte dos países subdesenvolvidos. Boscariol, at alli (2009) diz que há dois tipos de “saltos”:

Há dois tipos de saltos, o primeiro é o salto-ruptura (revolucionário), aquele que se faz brutalmente, que desaloja a antiga qualidade da formação material e faz surgir uma nova essência à matéria, cujo exemplo formidável é o da revolução social armada. O segundo tipo é o salto proveniente da “acumulação gradual dos elementos” da nova qualidade e que se dá dentro do quadro da essência da coisa, não promove uma nova essência, caracterizando-se por uma evolução (dialética). Assim, quando se passa de uma formação sócio-econômica a outra, isto é, do capitalismo ao socialismo trata-se de uma revolução, enquanto que, a passagem do capitalismo pré-monopolista ao monopolista representa uma evolução (2009, p. 14)[2].

No mundo ocidental, o segundo o tipo de “salto” comentado pelo autor é algo que aconteceu de forma muito compreensível para a teoria social e crítica interpretada pelo materialismo histórico dialético. Este “salto” dentro do modo de produção capitalista acontece das mais variadas formas e de graus de intensidade possível. Por exemplo, da passagem do capitalismo industrial ao financeiro ou pode acontecer pequeno “saltos” pontuais como é o caso da formação da fronteira capitalista no território brasileiro. Onde há o capitalismo do mundo moderno (capitalista) com o mundo não capitalista que são grupos sociais dos camponeses, indígenas e quilombos.

Boscariol, at alli (2009) compartilha com Neil Smith (1988), em afirmar que a geografia do capitalismo é mais sistemática e completamente uma parte integral do modo de produção, mais do que ocorreu com qualquer modo de produção anterior. O referido autor ressalta que a produção do espaço no capitalismo é determinada por duas tendências contraditórias, a de diferenciação e de igualização, que estabelece o padrão atual de desenvolvimento desigual. Smith (1988) considera a diferenciação espacial como resultado da divisão territorial do trabalho e do capital. Esta divisão territorial do trabalho e do capital é baseada na divisão social do trabalho e do capital, formuladas por Marx.

Para Marx, “O fundamento de toda divisão do trabalho desenvolvida é processada através da troca de mercadorias, é a separação entre a cidade e o campo” (MARX, 2002, p. 407). Ao longo da história do capitalismo, a cidade e o campo apareceram como termos antagônicos. As relações entre ambos são vistas em termos da dinâmica social, culminando com a “vitória da cidade sobre o campo” a partir da grande indústria, como afirmam Marx e Engels (1998). A divisão do trabalho a partir da separação cidade campo é uma das formas da divisão social e territorial do trabalho. Segundo Marx “A divisão territorial do trabalho, que confina ramos[3] particulares e de produção em áreas determinadas de um país, recebe novo impulso com a atividade manufatureira, que explora todas as peculiaridades”. (MARX, 2002, p. 408). A ideia de divisão territorial envolve ramos da produção como a agricultura e a indústria que se manifesta em determinados recortes espaciais, os quais são aqueles que favorecem a reprodução do capital.

A divisão social do trabalho faz confrontarem-se produtores independentes de mercadorias, os quais não reconhecem outra autoridade além da concorrência, além da coação exercida sobre eles pela pressão dos recíprocos interesses, do mesmo modo que no reino animal a guerra de todos contra todos, o bellum omniun contraomnes[4], preserva mais ou menos as condições de existência de todas as espécies. O mesmo espírito burguês que louva, como fator de aumento da força produtiva, a divisão manufatureira do trabalho, a condenação do trabalhador a executar perpetuamente uma operação parcial e sua subordinação completa ao capitalista, com a mesma ênfase denuncia todo controle e regulamentação sociais conscientes do processo de produção como um ataque aos invioláveis direitos de propriedade, de liberdade e de iniciativa do gênio capitalista. (MARX, 2002, p. 411).

A ideia de divisão social do trabalho para Marx (2002) pressupõe que o trabalhador é explorado pelo capitalista. Há uma pressão que existe pelo fato da concorrência entre as empresas que se tornam uma verdadeira guerra, de todos contra todos. É uma querendo abocanhar a maior fatia possível do mercado, para obter a mais-valia. A pressão para obter mais lucro, recai sobre os ombros do trabalhador. Nesse processo o trabalhador se torna subordinado ao capital. O modo de produção capitalista cria um mundo irracional e hostil, para o trabalhador, onde ele executa continuamente operações parciais sem ter uma ideia do todo. O que dificulta a sua compreensão de todo o processo de produção industrial, tornando-o um técnico e não um ator político pensante. Para Marx (2002, p. 406), “A divisão social do trabalho e a correspondente limitação dos indivíduos a esferas profissionais particulares desenvolvem-se, como a divisão do trabalho na manufatura, (...)”. Ou seja, há uma limitação dos trabalhadores nas esferas profissionais que desenvolvem a divisão social do trabalho na sociedade capitalista, que torna o trabalhador cada vez mais, ter um conhecimento especializado e parcial de todo o processo de produção e de trabalho na indústria, que inclusive, começou no período da manufatura.

É a partir desta noção de divisão territorial do trabalho e do capital formado por Marx, que Smith (1988) argumenta sobre a diferenciação espacial. Esta diferenciação ocorreria em diferentes escalas espaciais e seria motivada principalmente pela divisão do trabalho e do capital em diferentes setores particulares (automotivo, construção civil, informática, etc.) e a divisão do capital social entre diferentes capitais individuais (empresas específicas). Por sua vez, a tendência à igualização seria resultante da necessidade do capitalismo de criar condições para a sua reprodução ao redor de todo o mundo, produzindo espaços ótimos para a sua propagação (e de sua classe dominante) em diversas regiões do planeta. Ou seja, a tendência do capitalismo é a universalização espacial e histórica dos seus princípios filosóficos, políticos, ideológicos e econômicos.

Boscariol, at alli (2009) faz também uma leitura do desenvolvimento desigual e combinado a partir da concepção do geógrafo inglês David Harvey. Para Harvey (2004), o capitalismo não pode sobreviver sem seus “ajustes espaciais”, sem seu recurso à reorganização geográfica (tanto em termos de expansão como em termos de intensificação) como solução parcial para suas crises e seus impasses, sem seu recurso ao desenvolvimento geográfico desigual e combinado. Neste processo, dispersa geograficamente a produção pelo mundo, ao mesmo tempo em que, centraliza o poder corporativo por meio de fusões, assunções (investidas) agressivas de controle ou acordos de produção (entre empresas e corporações) que conjuntamente transcendem as fronteiras nacionais, controlam o espaço, tornando os lugares individuais cada vez mais vulneráveis aos seus caprichos. Esta é a lógica capitalista. Em outras palavras, o modo de produção capitalista para superar as suas crises, há necessidade constantemente de se reorganizar espacialmente e também se adaptando e articulando ou mesmo destruindo o preexistente (o mundo não moderno).

No Brasil, no século XX, período do Estado desenvolvimentista, o capitalismo de desenvolveu de forma dúbia, isto é, o capitalismo (mundo moderno) foi se articulando e adaptando ao mundo considerado não moderno para se estabelecer no espaço. Ou seja, em seu desenvolvimento combinado houve uma combinação dos elementos considerados modernos com os elementos menos modernos ou arcaicos no espaço. Boscariol, at alli (2009) reforça este raciocínio, inclusive citando Ignácio Rangel e Armen Mamigonian.

Autores como Ignácio Rangel[5] e Armen Mamigonian[6], na medida em que levam a cabo a ideia de uma combinação entre elementos atrasados e elementos mais dinâmicos na esfera econômica, no caso do desenvolvimento capitalista do Brasil e, em especial, à época das substituições de importação, na qual conviviam relações que caracterizam um desenvolvimento desigual e nas quais se observava a combinação entre elementos modernos (máquinas importadas, por exemplo), com elementos menos modernos e locais (relações patriarcais entre patrões e empregados, cooptação de sindicatos etc.). (BOSCARIOL, at alli, 2009, p.12).

Puxando o debate para ao nosso tema que é a compreensão da fronteira capitalista na Amazônia, é compreensível que quando se trata do mundo moderno e do mundo não moderno (camponeses, indígenas, quilombos) que na reprodução do capitalismo na Amazônia, inevitavelmente, há um conflito social e cultural entre estes grupos sociais e a aristocracia agrária para a formação da fronteira capitalista. Necessariamente, a fronteira vivencia esta lei do desenvolvimento desigual e combinado no espaço. É exatamente na fronteira que o capital precisa superar os elementos considerados “obstáculos” (arcaicos e não modernos) para a sua reprodução. É na fronteira que o capital depara com o mundo moderno e não moderno. O não moderno são os elementos que não faz parte do mundo do capitalismo. Na fronteira, há o camponês, o indígena, os quilombolas. A existência destes grupos sociais é ameaçada, para que a existência do capitalismo se estabeleça. O objetivo é criar condições para que de alguma forma, a reprodução do processo de acumulação capitalista se estabeleça na fronteira.

No processo de modernização do espaço regional, os investimentos em infraestrutura são fundamentais. É exatamente isso que o Estado e os atores hegemônicos (multinacionais, BIRD, ONU, organizações supranacionais) estão fazendo na Região Norte, tendo o Tocantins como uma área estratégica para as aplicações de inovação tecnológica na agricultura no início do século XXI. Acoplado aos investimentos agrícolas e em infraestrutura, há também investimentos em tecnologia e em ciência, como biogenética, biotecnologia e na ciência da informação. Empresas como a Bunge, Cargil e outras dotadas de grande inovação tecnológica investem maciçamente nestas áreas. É importante ressaltar que no Tocantins, embora, seja um estado recente, essas empresas já estão presentes.

No Tocantins, já está presente à frente de modernização da agricultura, a partir do sistema de investimentos públicos e privados destinado a expansão de áreas agrícolas no cerrado - a fronteira agrícola mecanizada. Uma delas pode ser convencionada de frente de investimentos privados e públicos que compreende a região de Formoso, Lagoa da Confusão na Bacia do Araguaia onde há o PRODOESTE e as áreas de desdobramento do Projeto Mimoso-BA que compreende a região centro/sudeste do Tocantins. Estas são áreas onde o modo de produção capitalista na agricultura está se estruturando de forma dirigida pelo poder público e pelo capital privado.

Outra frente caracteriza-se pela iniciativa por parte dos empresários do agronegócio baseada na grande lavoura de soja com sua logística territorial que vem se estabelecendo no estado, como resultado do avanço da fronteira agrícola no município baiano do Mimoso atual Eduardo Magalhães e nos municípios de Santa Rosa – TO, Natividade – TO, Silvanópolis – TO, Campos Lindos e Mateiros – TO no sudeste do estado e no Jalapão – TO. O Projeto Manuel Alves na região de Dianópolis – TO também é resultado desse mesmo modelo de política agrícola para o Tocantins, conduzido pelo Ministério da Integração Nacional e o capital privado.

A outra é o PRODECER III, considerada como frentes de investimentos dirigidos, isto é, são áreas determinadas, por políticas públicas, oferecendo uma serie de incentivos e concessões por parte dos governos federal, estaduais e municipais como principal objetivo de promover políticas de desenvolvimento regional baseado na criação de novos projetos agropecuários, novas demandas de consumo e circulação de novas mercadorias. As áreas do PRODECER III no município de Pedro Afonso se constituem como um modelo de modernização da agricultura que foi a porta de entrada par a ampliação da fronteira agrícola mecanizada para os municípios vizinhos. Isto é, o PRODECER III foi um ponto de partida para o capital privado do agronegócio se instalar em Pedro Afonso. Parte do nordeste do Tocantins a atividade do agronegócio já está presente.

Uma das características do agronegócio é seu funcionamento totalmente regulado pela economia de mercado, em razão das demandas industriais. As relações entre os setores agrícola e industrial propiciam o desenvolvimento de muitos ramos industriais, notadamente aqueles que fornecem os insumos e bens de capital para a agricultura, assim como das indústrias que processam os produtos agropecuários (as agroindústrias). Cria-se uma economia urbana com fortes correlações com o agronegócio, onde a cidade social perde espaço para a cidade econômica como afirma o geógrafo Milton Santos.

A atividade econômica da fronteira agrícola mecanizada é comandada e disciplinada por uma “elite do agronegócio”. Para Castro (1992), trabalhar com o conceito de elite significa trabalhar empiricamente com diferenças sociais, ou seja, com níveis hierárquicos de poder na sociedade. Como as relações sociais assimétricas são conformadas pela distribuição desigual do poder econômico e de poder político, o conceito de elite, contém, implicitamente, uma qualificação de poder, no qual o político e o econômico interagem e se reforçam.

As áreas de modernização de expansão agrícola no nordeste do estado estão avançando vertiginosamente sobre os territórios de ocupações tradicionais, seja eles indígenas; quilombolas ou dos camponeses no espaço urbano e rural. Há desarticulação e impactos territoriais ocorridos nas comunidades tradicionais do Tocantins em detrimento de uma política de investimentos nacionais e internacionais, para o desenvolvimento acelerado das áreas destinadas a plantação de soja no cerrado.

Sabemos que as práticas tradicionais de agricultura no estado: a agricultura indígena, a quilombola e a camponesa são experiências históricas de cultivo de produtos agrícolas que sempre alimentou o povo brasileiro. Entretanto, esta realidade pode ser comprometida com as atividades agrícolas de cunho para exportação que para sua expansão depende de vastas áreas desmatadas e aplicação de agrotóxicos, comprometendo também a sustentabilidade da biodiversidade e da cultura tradicional. E pouco se contribui a distribuição de renda, pois, o agronegócio é uma atividade econômica altamente concentradora de renda.

Fronteira agrícola mecanizada e o desenvolvimento regional e humano em Pedro Afonso – TO

Com a implantação do PRODECER III, as terras do município de Pedro Afonso vão aparecer nas políticas de planejamento e desenvolvimento como área de avanço tecnológico na agricultura. Isto significa dizer que as áreas destinadas à monocultura da soja, ou seja, áreas especificamente “preparadas” para investimento de capitais internacionais e nacionais com o objetivo de alavancar o processo de desenvolvimento regional. Entretanto, o modelo de desenvolvimento implantado pelas políticas públicas de investimentos juntamente com o capital interno e externo, implica em outras condicionalidades territoriais. Dentre as quais, podemos citar a de territorializar “novas” relações de produção globais e desterritorializar “velhas” relações de produção local desencadeando impactos territoriais na região.

O PRODECER III iniciado em 1996, numa área de 40 mil hectares instalado no município de Pedro Afonso-TO, é a continuação da frente de expansão da agricultura moderna no cerrado, iniciada pelos governos militares no cerrado mineiro, capitalizada pelo JICA, uma empresa de capital nipo/brasileiro. É um modelo de desenvolvimento regional que parte de uma lógica de inserção da produção agrícola regional ao sistema de comodities internacionais e coloca a economia do Tocantins sob os ditames da economia global. Este projeto não foi bem-sucedido, mas permitiu ampliar a fronteira agrícola mecanizada na região e as frentes do capital privado.

O município de Pedro Afonso tem uma área de 2.050,3 km², a altitude da sede do município está a 201 m ao nível do mar, a distância da capital é de 134,4 km e está localizado na Microrregião de Porto Nacional na Mesorregião Oriental do Tocantins. No mapa no 01 seguir podemos visualizar a localização do município de Pedro Afonso-TO. Rodrigues et al., (2009), em uma pesquisa realizada em Pedro Afonso, afirma que apesar dos investimentos públicos no espaço rural, os números indicam uma grande migração do campo para os espaços urbanos em Pedro Afonso-TO, no período 1991-2000, contribuindo para um aumento da taxa de urbanização em 22,71%. A população do município diminuiu, entre 1991 e 1996, devido à desaceleração do plantio de arroz na região, porém, veio a crescer a partir de 1996, com a implantação do PRODECER III. O referido autor coloca ainda que a desigualdade social em Pedro Afonso cresceu, conforme ilustra o Índice Gini de renda que passou de 0,58, em 1991, para 0,59 em 2000, da mesma forma que o estado passou de 0,63 para 0,66, no mesmo período.


Mapa nº 01
Mapa de localização do município de Pedro Afonso – TO
Seplan –TO, 2012. Elaboração e organização pelo autor.

Houve, também, maior concentração de renda, tanto no município quanto no estado, ficando, respectivamente, os 20% mais ricos com 61,5% e 67% da renda, em 1991. Em 2000, esse índice foi, respectivamente, 62,1% e 69,3% da renda, ou seja, aumentou a concentração de renda no município e no estado. Levando em conta que o Tocantins nos últimos anos a atividade econômica do agronegócio vem se ampliando, e principalmente em Pedro Afonso, era de se esperar que esta concentração de renda fosse diminuir a partir do processo de modernização da agricultura no município e na região, porque segundo os seus promotores gera riqueza e traz prosperidade.

Observando a tabela no 01 seguir, podemos perceber que nos quesitos renda, pobreza, desigualdade social e a proporção de pobres em percentual em Pedro Afonso, durante o intervalo de 1991 a 2010, houve uma considerável evolução, principalmente entre 2000 e 2010. No quesito proporção de pobres houve uma evolução significativa de 50,8 em 1991 para 12,59 em 2010. O índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M) em Pedro Afonso durante este mesmo intervalo de tempo, nos quesitos de indicadores sociais de longevidade, educação e renda, houve uma evolução aceitável, conforme demonstra a tabela no 02 a seguir. O quesito educação foi o que houve maior evolução entre 1991 e 2010, de 0,204 para 0,664.

Tabela no 01
Renda, pobreza e desigualdade (Pedro Afonso, TO, 1991- 2010)

Atlas (2000, 2013); Rodrigues et al., (2009). Organizado pelo autor.

Tabela no 02
Índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M – Pedro Afonso – TO 1991-2010

Atlas (2013). Organizado pelo autor

Embora, o PRODECER III foi implantado no município a partir de 1996, cinco anos após o ano de 1991 que é a referência da tabela no02, esta evolução dos indicadores sociais nos leva a crer que seja uma resposta deste programa na economia local para o ano de 2000, não pelo programa em si, mas pela sua condição de desencadear novos investimentos na fronteira agrícola mecanizada. As taxas de analfabetismo reduziram no período de 1991 a 2000 de forma positiva, conforme demonstra a tabela 03.

Tabela no03
Nível educacional da população adulta (25 anos ou mais), 1991- 2000 – Pedro Afonso – TO

Atlas (2000); Rodrigues et al., (2009). Organizado pelo autor

O PRODECER III implantado em Pedro Afonso tem um preço (custo) muito alto. Podemos notar duas características marcantes na execução deste Programa: o alto custo por assentado e a trajetória crescente do custo desta ocupação ao longo do tempo. Destaca-se que, no PRODECER III, os custos médios por assentado são bem mais elevados que nas fases anteriores. Por exemplo, no município de Pedro Afonso (TO), o investimento por assentado foi de U$ 1.682.926,00, bastante superior àquele realizado no estado do Mato Grosso do Sul (U$ 464.285,00), em uma fase anterior do Programa, conforme podemos observar na tabela no04 a seguir.

Considerando-se, que instalar uma família em um assentamento da reforma agrária no Brasil custa entre R$ 13,5 mil e 17 mil, e que cada lote voltado para a agricultura familiar gera de três a quatro empregos, é possível estabelecer uma comparação com o Programa PRODECER III, em Pedro Afonso (TO). Onde os lotes geraram entre 6 e 8 empregos diretos ao custo de, aproximadamente, U$ 1.682.926,00 por lote, ou seja, um valor quase 100 vezes superior ao gasto para assentar uma família em programas de Reforma Agrária, afirma RODRIGUES, et al., (2009, p. 303). No Maranhão, os investimentos para assentar uma família foram da ordem de 1.725.000 dólares no PRODECER III, superior ao do Tocantins, conforme demonstra a tabela 04.

Tabela no04
Projetos executados com recursos do PRODECER, de 1978 a 2005

Rodrigues et al., (2009).

A aplicação dos recursos do PRODECER III é questionável, observa-se que o custo do mesmo para sua implantação por vaga de emprego gerada (cerca de R$ 240.418,00 por vaga), em comparação com investimentos necessários para se criar postos de trabalho na agricultura familiar (R$ 4.857,14, em média), afirma Rodrigues et al., (2009). Não há como negar que o modelo de desenvolvimento fomentado pela lógica do PRODECER (monocultor e concentrador de renda) contribua, de forma significativa, para a ampliação da concentração fundiária. O PRODECER é um programa direcionado para médios e grandes produtores.

Observando o quadro no 01 a seguir, no quesito família beneficiadas, comparadas com os valores investidos em cada unidade federativa, podemos constatar que os montantes aplicados são muito altos para beneficiar poucas famílias. No caso da Bahia, com um montante de U$ 67.000.000 para beneficiar apenas 86 famílias. Se pegarmos os valores por família assentada no programa de Reforma Agrária do governo federal que custa entre R$ 13,5 mil e 17 mil e que gera de 3 a 4 empregos por lotes, iremos perceber que os U$ 67.000.000 daria para assentar 7.094 famílias. No caso pegando o valor de 17 mil. Se pegarmos o valor de R$ 13.500, 00, estes recursos darão para assentar mais famílias. E se multiplicarmos o número de família beneficiadas de 7.094 por 4, que é o número aproximado de emprego gerado, teremos um resultado de 28.376 de pessoas beneficiadas.

Quadro no01
Relação de custos por família beneficiada pelo PRODECER e nos assentamentos de Reforma Agrária no Brasil. (Bahia)

Rodrigues et al., (2009). Organizado pelo autor.

No caso do PRODECER III no Tocantins, a situação é mais assustadora. Com um montante de U$ 69.000.000 beneficiou apenas 41 famílias. Se convertermos este montante para R$, teremos um montante de aproximadamente de R$ 131.100.000,00. Se dividirmos este valor por 17 mil teremos um número referencial de famílias beneficiadas da ordem de 7.711[8]. Mas se dividirmos por 13.500, o número de famílias beneficiadas aumenta de forma considerável. Ou seja, se pegarmos R$ 131.100.000,00 e dividirmos 13.500, obterá um resultado de aproximadamente de 9.711 famílias beneficiadas, conforme podemos visualizar no quadro no 02. Se pegarmos o número de famílias beneficiadas de 9.711 e multiplicarmos por 4 (número de empregos gerados em um lote do assentamento agrário) teremos um resultado de 38.844 de pessoas beneficiadas. Neste caso, os investimentos beneficiarão mais pessoas no campo. Este número demográfico de 38.844 representa uma cidade media para os padrões do estado de Tocantins, ou seja, milhares de pessoas seriam beneficiadas, contribuindo definitivamente para a distribuição de renda da terra.

Quadro no02
Relação de custos por família beneficiada pelo PRODECER III e os assentamentos de Reforma Agrária no Brasil. (Tocantins)

Rodrigues et al., (2009). Organizado pelo autor.

O que se constata, é que as políticas territoriais direcionadas para o Tocantins, não proporcionaram um desenvolvimento social de forma a atingir o desenvolvimento social mais homogêneo entre as diversas regiões e municípios do estado. O agronegócio, que é uma atividade econômica altamente concentradora de renda e socialmente excludente, não é novidade para ninguém, que trará riquezas apenas para a burguesia a ela associada, por isso, não eleva o Índice de Desenvolvimento Humano para as localidades que praticam a agricultura de precisão e muito menos, não distribui a renda, pelo contrário, concentra-a.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos, o governo brasileiro tem incentivado substancialmente a atividade econômica do agronegócio, um setor da economia altamente concentrador e excludente socialmente. No entanto, as políticas públicas de Reforma Agrária continuam em passos miúdos e, não passam das gavetas do Congresso Nacional. A expansão recente da soja e da atividade econômica baseada no agronegócio no território brasileiro continua sendo objeto de debates nacionais e internacionais, quanto aos impactos socioeconômicos e ambientais.

Esse debate se estabelece no sentido de questionar de forma crítica sobre os conceitos de desenvolvimento econômico e, sobretudo, para identificar as dimensões da mitigação aos impactos ambientais. A problemática existente não está condicionada somente à preservação do meio ambiente, mas também à redução das desigualdades regionais e estaduais em que se encontram nas regiões mais pobres brasileiras.

A fronteira agrícola mecanizada e o agronegócio caracterizam-se por uma atividade que gera as commodities para exportação. É uma atividade econômica concentradora de renda, não oferta muitos empregos e o que é pior, é financiado com dinheiro público além de ter incentivos fiscais. Do outro lado, os camponeses são invisíveis pelo Estado. A fronteira representa uma das faces do capitalismo que gera um espaço construído e formado de maneira desigual geográfica e socialmente, dentro de uma lógica contraditória. Isto é, reproduz uma sociedade de classes onde há uma minoria com as maravilhas da riqueza e maioria a margem do consumo e da renda.

AGRADECIMENTOS

Agradeço o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

REFERÊNCIAS

Atlas de desenvolvimento humano- PNUD- 2013.

Atlas de desenvolvimento humano- PNUD-2000

BOSCARIOL, Renan. Amabile, at alli. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado e a geografia. In: Revista Geografia e Pesquisa-Universidade Estadual Paulista. Campus Experimental de Ourinhos. Curso de Geografia, v. 3, n .2, jul./dez, 2009.

CASTRO, Iná Elias de. O mito da necessidade– discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de janeiro: Bertrand Brasil S.A., 1992.

CHEPTULIN, Alexandre. A dialética materialista: categorias e leis da dialética. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.

HARVEY, David. O Novo imperialismo. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.

MACHADO, Lia Osório. Urbanização e migração na Amazônia Legal: sugestão para uma abordagem geopolítica. In: BECKER, Bertha K.; MIRANDA, Mariana Helena P.;

MACHADO, Lia Osório. Fronteira Amazônica: questões sobre a gestão do território. Brasília-DF: Editora da Universidade de Brasília; Editora da Universidade Federal de Rio de Janeiro, 1990.

MARTINS, José de Souza. Fronteiras: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997

MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social. Rev. Sociologia. USP, S. Paulo, 8(1): 25-70, maio de 1996.

MARTINS. José de Souza. A militarização da questão agrária no Brasil. 2 ed. Petrópolis-RJ: 1985.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro, 20ª ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna, rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Introdução – Jacob Gorender. Tradução – Luiz Claudio de Castro e costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MONBEIG, Pierre. Pionnies et Panteurs de São Paulo. Paris: Armand Colin, 1952

NOGUEIRA, Carlo Eugênio. Fronteiras e frentes pioneiras: aproximações teóricas. Revista Geonorte, Edição Especial 3, V.7, N.1, 2013. P.1135-1154,.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo capitalista de produção e agricultura. São Paulo: Ática, 1987.

PRATES, Arlene M.M. et alli. Entrevista com o professor Armen Mamigonian. GEOSUL - no 12/13 - Ano VI – 2º semestre de 1991 e 1º semestre de 1992.

RODRIGUES, Waldecy; VASCONCELOS, Silvio Jucá; BARBIERO, Alan Kardec. Análise da efetividade socioeconômica do PRODECER III no Município de Pedro Afonso, Tocantins. - Pesq. Agropec. Trop., Goiânia, v. 39, n. 4, p. 301-306, out./dez. 2009.

SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988.

Notas

[1] As reflexões acerca do desenvolvimento desigual perpassam a história do desenvolvimento do conhecimento científico desde a antiguidade clássica, sendo posteriormente aprimoradas pelo pensamento dialético desde Hegel, adquirindo em Marx um arcabouço dialético-materialista e finalmente com Leon Trotsky, afirmando-se como teoria capaz de explicar o desenvolvimento a partir da combinação de elementos modernos e arcaicos internalizados no seio das formações sociais nacionais. A ciência geográfica acolheu estas reflexões como teoria explicativa, explorando a produção da diferenciação geográfica, seja numa releitura mais enviesada em relação a teoria original, como é o caso de Neil Smith, ou ampliando a base explicativa da teoria, como é o caso de David Harvey. (BOSCARIOL, at alli, 2009).
[3] Como ramos Marx cita a agricultura e a indústria. “Considerando apenas o trabalho, podemos chamar a separação da produção social em seus grandes ramos - agricultura, indústria etc. – de divisão do trabalho em geral; a diferenciação desses grandes ramos em espécies e variedades, de divisão do trabalho em particular; e a divisão do trabalho numa oficina, de divisão do trabalho individualizada, singularizada” (MARX, 2002, p. 406).
[5] O marxismo de Rangel se vincula aos grandes nomes do pensamento marxista do século XX que souberam se deixar influenciar pelo pensamento de Lenin, tal como teria ocorrido com as obras de Gramsci e Lukács. Ignorado, atualmente, pelas escolas de orientação neoliberal ou da economia neoclássica e posto no ostracismo por pesquisadores marxistas, é de se reconhecer que o socialista Ignácio Rangel foi um dos mais agudos, criativos e originais analistas do desenvolvimento capitalista no Brasil. Ignácio Rangel (1914-1994). Fonte - http://marxismo21.org/ignacio-rangel/.
[6] ARMEM MAMIGONIAN - nasceu em 1935, em São Paulo. Licenciou-se em Geografia e Histeria pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1956. Após cursar especialização em Geografia, fez estágio em Estrasburgo, França em 1960-61, onde obteve grau de Doutor em 1962. Trabalhou na Universidade Federal de Santa Catarina, na UNESP de Presidente Prudente e na Universidade de São Paulo. (PRATES, et alli. 1992).
[7] Levando em conta que o dólar atualmente está valendo por volta de R$ 1,80, é só multiplicar 67 milhões por 1.80 e teremos um resultado de R$ 120.600.000. Agora podemos pegar este valor e dividir por R$ 17 mil que é o valor gasto aproximado para assentar uma família no assentamento de Reforma Agrária. Ou seja, 120.600.000 divido por 17 mil teremos um resultado de 7.094 famílias. Estes valores podem mudar de acordo com a dinâmica do dólar.
[8] Estes valores podem mudar de acordo com a variação do dólar.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por