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A IMPORTÂNCIA DA AGRICULTURA URBANA: um estudo sobre o programa Eco Hortas Comunitárias no município de Campos dos Goytacazes – RJ
THE IMPORTANCE OF URBAN AGRICULTURE: a study on the Eco Hortas Comunitárias programme in the municipality of Campos dos Goytacazes – RJ
LA IMPORTANCIA DE LA AGRICULTURA URBANA: un estudio sobre el programa Eco Hortas Comunitárias en el municipio de Campos dos Goytacazes – RJ
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 16, núm. 2, pp. 51-68, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 25 Junho 2018

Aprovação: 21 Julho 2018

Publicado: 12 Novembro 2018

DOI: https://doi.org/10.22238/rc24482692201816025168

Resumo: A prática da Agricultura Urbana tem se otimizado e ganhado visibilidade nos últimos anos, tanto no campo das políticas públicas, quanto nos debates acadêmicos, principalmente quando se trata do acesso a uma alimentação saudável. Entretanto, esta atividade não se restringe apenas ao cultivo e produção de alimentos, pois possui uma gama de modalidades com funcionalidades distintas. Esta pesquisa tem por objetivo expor a importância da agricultura produzida no tecido urbano, além de fomentar o debate acadêmico sobre a atividade laboral, entender de que forma este fenômeno está instituído no município de Campos dos Goytacazes-RJ, sobretudo a partir das hortas vinculadas ao programa Eco Hortas Comunitárias, criado em 1990 por lei municipal. A metodologia adotada para a consecução do trabalho é qualitativa descritiva, com o levantamento bibliográfico, sistematização de dados secundários (IBGE e Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes), levantamento de dados primários (agricultores urbanos, supervisores, técnicos) e análise dos dados e informações levantadas. Dessa forma, buscamos entender todo o processo de estruturação e a dinâmica socioeconômica desta atividade no município. Sendo um elemento de ocupação do solo que produz alimentos de qualidade, expansão de áreas verdes e criação de novos postos de emprego.

Palavras-chave: Agricultura Urbana, Eco Hortas Comunitárias, Campos dos Goytacazes.

Abstract: The practice of urban agriculture has been optimized and gained visibility in recent years, both in the field of public policies and in academic debates, especially when it comes to access to healthy eating. However, this activity is not only restricted to the cultivation and production of food, because it has a range of modalities with different features. This research aims to expose the importance of agriculture produced in the urban space, and to promote the academic debate on the work activity, to understand how this phenomenon is established in the municipality of Campos dos Goytacazes-RJ, especially the From the gardens linked to the program Eco Hortas Comunitárias, created in 1990 by municipal law. The methodology adopted for the achievement of the work is qualitative descriptive, with the bibliographical survey, systematization of secondary data (IBGE and municipal Municipality of Campos dos Goytacazes), survey of primary data (urban farmers, supervisors, technicians) and analysis of the data and information raised. In this way, we seek to understand the whole process of structuring and the socio-economic dynamics of this activity in the municipality. Being a land-occupying element that produces quality food, expanding green areas and creating new jobs.

Keywords: Urban agriculture, Eco Hortas, Campos dos Goytacazes.

Resumen: La práctica de la Agricultura Urbana ha sido optimizada y ha obtenido visibilidad en los últimos años, tanto en el ámbito de las políticas públicas como en los debates académicos, especialmente cuando se trata de acceder a la alimentación sana. Sin embargo, esta actividad no sólo se limita al cultivo y producción de alimentos, ya que tiene una gama de modalidades con diferentes características. Esta investigación pretende exponer la importancia de la agricultura producida en el tejido urbano, y promover el debate académico sobre la actividad laboral, para entender cómo se establece este fenómeno en el municipio de Campos dos Goytacazes RJ, especialmente desde los jardines vinculados a la comunidad del programa Eco Hortas Comunitárias, creada en 1990 por la ley municipal. La metodología adoptada para el logro de la obra es cualitativamente descriptiva, con el estudio bibliográfico, la sistematización de datos secundarios (IBGE y Municipalidad de Campos dos Goytacazes), estudio de datos primarios (agricultores urbanos, supervisores, técnicos) y análisis de los datos e información planteados. De esta manera, buscamos comprender todo el proceso de estructuración y la dinámica socioeconómica de esta actividad en el municipio. Ser un elemento de ocupación de la tierra que produce alimentos de calidad, expandiendo áreas verdes y creando nuevos empleos.

Palabras clave: Agricultura Urbana, Eco Hortas Comunitárias, Campos dos Goytacazes.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da prática da Agricultura Urbana – AU – e sua discussão têm crescido nos últimos anos, tanto no âmbito acadêmico, quanto no campo das políticas públicas, fundamentada especialmente pelo processo de adensamento rápido das cidades e suas problemáticas, tais como: insegurança alimentar, perda de áreas verdes urbanas e pobreza urbana. Esses são alguns dos problemas fundamentais ocasionados por uma estrutura urbana conservadora que produz e reproduz espaços de segregação espacial. O fenômeno da AU perpassa por questionamentos que vão desde sua conceituação até as suas diferentes formas organização espacial e política.

Todavia, a AU não se restringe apenas ao abastecimento das cidades, mas abarca diferentes questões nas esferas sociais, políticas e econômicas. Sendo compreendida como o desenvolvimento das atividades agrícolas em áreas dentro do perímetro urbano, que podem ser realizadas, além do plantio direto no solo, em canteiros suspensos ou em vasos, geralmente em pequena escala.

O processo da AU é resultado de atividades antes entendidas como propriamente rurais, mas que ganham ressignificação no espaço urbano, preservando saberes tradicionais agrícolas, por meio de técn ica de manejo, no qual sua produção é diretamente voltada à população da cidade, fortalecendo também a criação de uma nova categoria profissional, a de ‘agricultor(a) urbano(a)’. Outro aspecto importante a ser ressaltado é que a prática da AU não se restringe a um modelo específico em sua estruturação, pois possui uma gama de possibilidades, as quais variam de acordo com as especificidades de cada local, como os contextos político, econômico e social, em que o planejamento urbano, aliado a uma gestão participativa, exerce fundamental importância para garantia e continuidade desta “nova” forma de ocupação do solo urbano.

Com análise nos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), 84,72% da população brasileira vivem em espaços urbanos, enquanto 15,28% vivem em espaços rurais. A principal região em percentual de população urbana, segundo o último censo, é a Sudeste, contando com 93,14% de pessoas residindo em áreas urbanas, enquanto a região Nordeste é a que possui o maior percentual de habitantes vivendo em áreas rurais, com 26,88% de sua população total (IBGE, 2010). Além da migração campo-cidade, há a ampliação do perímetro urbano por parte do poder local, ação destinada a viabilizar o aumento da arrecadação do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

Segundo Souza (2011), não é tão simples enxergar o fato que a população urbana tenha crescido em proporção e em tamanho absoluto, seja no Brasil seja na América Latina, como em qualquer outra escala, sem considerar os crescentes problemas urbanos. A cidade, especificamente as grandes cidades de países periféricos, é vista como um espaço de concentração de oportunidades de satisfação: necessidades básicas materiais (moradia, saúde etc.) e imateriais (cultura, educação etc.), como também um local contínuo de poluição, engarrafamentos, violência e criminalidade (SOUZA, 2011).

Dessa forma, quando se fala das dificuldades notadas nas cidades, normalmente se pensa no planejamento urbano como solução (SOUZA, 2011). Todavia, não basta ter um planejamento urbano se este for conservador, que alimenta espaços de segregação espacial, é necessário que haja uma reforma urbana, cuja finalidade seja mudar as bases políticas sociais, atendendo a população como um todo e não apenas uma parcela exclusiva,

No município de Campos dos Goytacazes não é diferente, tendo sua população urbana sobrepondo à rural, os problemas urbanos, sobretudo os diretamente ligados à segregação residencial, são um dos principais atributos para entendermos a forma como está estruturada a experiência da AU no município, tendo como base a organização locacional em que as hortas estão distribuídas. Campos dos Goytacazes-RJ (Figura 01) encontra-se na porção norte do Estado do Rio de Janeiro, cuja área territorial é de 4.026,696 Km, sendo o maior município do Estado em extensão territorial, com uma população total, segundo os dados do Censo 2010 (IBGE, 2010), de aproximadamente 463.731 habitantes, dos quais 418.725 são urbanos e o restante, 45.006, vivem no espaço rural.

Segundo Alentejano (2005), nos anos 1970, várias mudanças ocorreram no município, tanto pela crise do setor sucroalcooleiro quanto pela possibilidade de sua reativação (via Programa Proalcool). Segundo Bernardes (2014), a década de 1970 marcou o “início do fim”, pois as usinas com quase um século de funcionamento estavam competindo com novas áreas produtoras de açúcar e, também, de álcool. “As usinas se renovaram tecnicamente, mas a produção de cana não correspondia em quantidade e qualidade”. Diante desse quadro de agravamento da crise do setor canavieiro-açucareiro, o Estado interviu com ações[1], mas foram incapazes de possibilitar a reconversão desse setor. É nesse período que a população urbana campista se incrementou e aumentaram os problemas atinentes a essa migração campo-cidade.


Figura 1
Mapa de localização do Município de Campos dos Goytacazes-RJ
IBGE, 2014.

O principal objetivo desse artigo é apresentar e analisar de que forma se sucedeu a implementação da prática da AU no município de Campos dos Goytacazes – RJ, além de discuti-la à luz das políticas públicas. A pesquisa buscou contextualizar o conceito de AU e, além disso, entender como a atividade se estruturou no município de Campos dos Goytacazes-RJ, trazendo para o debate a importância de políticas públicas específicas voltadas para esta prática, reconhecendo também a importância da figura dos agricultores urbanos.

Partimos da hipótese que a AU tem a função de amenizar problemas, tais como: insegurança alimentar; distância entre produtor e consumidor; oferta e consumo de produtos frescos; custos de produção; utilização dos dejetos das cidades; ausência de novos mercados alternativos (como feiras) nas cidades; acesso e divulgação de concepções ecológicas – e que proporcionam também a criação de novos postos de emprego e expansão de áreas verdes.

Desse modo, levantamento bibliográfico foi uma etapa importante para a consecução da pesquisa. Levantamos referências atinentes aos seguintes temas: Agricultura Urbana, políticas públicas e produção do espaço urbano. A utilização do Google Maps tornou-se uma ferramenta fundamental para a programação das rotas que seriam executadas no trabalho de campo, ademais, permitiu pontuar a localização das hortas e possibilitou a elaboração dos mapas. O trabalho de campo permitiu conhecer os agricultores urbanos e a realidade das hortas vinculadas ao programa Eco Hortas Comunitárias. Utilizamos, nessa fase, a técnica da observação sistemática para descrição das áreas e obtenção dos registros fotográficos para o acervo de fotografias, além da aplicação dos questionários.

Agricultura Urbana e a discussão teórica

A AU pode ser compreendida como o desenvolvimento de atividades agrícolas em espaços dentro do perímetro urbano, por conseguinte, a mesma pode ser realizada, além do plantio direto no solo, em canteiros suspensos ou em vasos, sendo geralmente em pequena escala, diferenciando-se do modo de produção agrícola convencional.

A aplicação da atividade da AU pode ser compreendida como um elemento que interfere em diferentes âmbitos - sociais, econômicos e também ecológicos -, além de oportunizar a ocupação de espaços que não estejam sendo utilizados dentro do perímetro urbano, promovendo, assim, a expansão de áreas verdes e a formação alternativa de novos postos de empregos. Mas, para a efetivação dessa prática, ela não pode ser considerada apenas como uma solução às problemáticas causadas pelo crescimento das cidades, mas sim como uma política pública efetiva que possibilita inclusão social.

De acordo com o conceito aplicado pela FAO (Organização das Nações Unidas da Agricultura e Alimentação), no documento chamado Cidades mais Verdes, a Agricultura Urbana abarca a produção de alimentos dentro do perímetro urbano, englobando quintais, telhados e jardins de frutas, sendo em espaços abertos ou em estufas, geralmente ocorrem em pequena escala (FAO, 1996). Para Mougeot (2000), a AU se dá ao largo de todo o limite municipal das cidades, incluindo a agricultura praticada no interior da cidade (agricultura intraurbana) ou na periferia (agricultura periurbana). Além disso, o autor traz como questionamento o que há de próprio na AU para que ela então seja considerada um objeto de investigação e estudo.

Mougeot (2000) dá visibilidade também à importância dos conceitos como ferramentas mentais que criamos – e eventualmente recriamos – para melhor compreender, interagir e modificar nossas experiências no mundo real. Eles são influenciados pela dinâmica cultural e histórica, podendo ser mais relevantes em alguns lugares do que outros, atendendo melhor as necessidades de hoje do que as de amanhã. O conceito de agricultura precisa ser trabalhado a partir de nossa necessidade de codificar e refinar nossa experiência perceptiva com relação a um fenômeno mundial, embora relativamente novo, de modo a assegurar que ele continue ou se torne mais útil para nós, quando e onde precisamos dele. Sua identidade depende dessa funcionalidade externa tanto quanto depende de sua coerência interna (MOUGEOT, 2000).

A localização é o elemento mais comumente citado nas definições do que seja a Agricultura Urbana, pois é o local onde ela é praticada: as cidades e seus arredores imediatos; porém, até mesmo esse elemento tem sido causa de um importante conflito conceitual. Para a agricultura periurbana, sua definição quanto ao local é mais problemática, pois as áreas periurbanas estão em contato mais próximo com as áreas rurais e tendem a sofrer, no decorrer do tempo, mudanças agrícolas mais profundas que os locais mais centrais e as partes construídas da cidade.

Os termos AU ou hortas urbanas referem-se a pequenas áreas de produção situadas dentro dos limites das cidades, que são voltadas ao cultivo intensivo e criação de animais, sendo uma prática desenvolvida, usualmente, em espaços urbanos públicos ou privados. Entretanto, a agricultura periurbana (praticada nas áreas periféricas) possui conotação mais ampla e pode ser tanto uma agricultura intensiva quanto de subsistência e também pode ser destinada à agricultura comercial (MENDES, 2012).

Dessa forma, podemos considerar que a agricultura periurbana é praticada ao redor dos centros das cidades, em um espaço entre o urbano e o rural, sendo áreas de “confrontação” ou de transição que, dependendo de sua localização, podem também exercer outros tipos de cultivos, como a silvicultura, a criação de animais ou a piscicultura (MENDES, 2012).

Os sistemas e as escalas de produção são elementos que incluem ou excluem tipos específicos dos sistemas de produção da Agricultura Urbana, apesar disso, todos são aceitos. Muitas pesquisas reúnem dados sobre diferentes tipos de sistemas encontrados sobre a temática estudada, mas, normalmente, estes se concentram nas micros, pequenas e médias produções, individuais ou familiares. Não obstante, também se diferenciam os tipos de colheita (grãos, raízes, hortaliças, ervas aromáticas e medicinais, plantas ornamentais, árvores frutíferas e outras) e os tipos de animais (galinhas, coelhos, cabras, carneiros, bovinos, suínos, ramsters, peixes etc.) que também podem ser produzidos dentro das hortas. O destino dos produtos pode ser voltado tanto para o consumo próprio como para a comercialização (MOUGEOT, 2000).

Contudo, mesmo que a prática em si seja uma alternativa que pode vir a reduzir determinados impactos causados pelo processo de urbanização, é preciso evidenciar e compreender os processos e dinâmicas da produção do espaço que integram as cidades, com maior atenção aos países em desenvolvimento (ATTIANI, 2011). Podemos perceber que, em todas as diferentes concepções aqui discutidas, as conceituações sobre a AU não possuem muitas distinções, principalmente quando relacionada a sua questão locacional. É certo que cada autor tem sua forma particular de definir o que seja a atividade e que cada experiência de AU possui suas especificidades, o que a difere das demais, tornando-a única em seu processo de estruturação.

É sempre difícil caracterizar e apresentar tipologias de Agricultura Urbana, levando em consideração a dimensão da atividade, mesmo assim é possível dizer que esta é praticada por pessoas em suas residências, quintais, lajes, terraços, telhados, terrenos baldios, ruas e áreas públicas ociosas, podendo também ser praticada de forma coletiva, em escolas, creches, asilos, centros de saúde e associações públicas ou privadas. Também temos a Agricultura Urbana comunitária, que pode acontecer de forma institucionalizada, com o apoio de ONGs e do poder público (ABREU, 2013).

O Programa Eco Hortas Comunitárias

A Lei Municipal n. 5.101/1990 criou o programa denominado “Hortas Comunitárias”, que trata da limpeza, manutenção e plantio de hortas populares em terrenos cedidos pela Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, cuja produção é destinada à população, por meio das instituições e da rede municipal de ensino (SMA, 2016). O objetivo do programa é otimizar os terrenos desocupados com a implementação das hortas urbanas, possibilitando inserir os cidadãos que não tenham empregos e contribuir para a dinâmica econômica da cidade.

A prática da Agricultura Urbana se refere exclusivamente ao plantio dentro do perímetro urbano. Em Campos dos Goytacazes, grande parte das hortas urbanas está localizada no distrito sede do município. No contexto da Agricultura Urbana no referido município, os terrenos não edificados são destinados, em concordância com o proprietário, para a consecução das EcoHortas Comunitárias. Os proprietários dos terrenos recebem o incentivo de isenção de impostos (IPTU), ao passo que os agricultores do programa têm sua produção totalmente subsidiada pela prefeitura, com a isenção do aluguel do terreno, da taxa de luz e água, além de terem as sementes e os equipamentos para trabalho e assistência técnica.

Segundo a SMA, os terrenos não edificados e não utilizados na cidade e que estejam ociosos dentro de escolas públicas podem ser transformados em hortas comunitárias, garantindo, dessa forma, o cultivo de legumes e verduras mais saudáveis e possibilitando novos postos de trabalho dentro da cidade (SMA, 2016). Em 2011, foi retomada a política das Hortas Comunitárias, cujo objetivo principal é a utilização dos terrenos e a inserção laboral de famílias de classe baixa, com base nos princípios da agroecologia.

No ano de 2014, o programa passa a ser denominado como Eco Hortas Comunitárias, com 57 de suas hortas reestruturadas e cerca de 150 hortas cadastradas. Para tanto, a prefeitura promoveu as chamadas “Clínicas”. Nessas oficinas, os agricultores cadastrados no programa participavam de cursos sobre práticas agroecológicas e também para debater o programa. Os agricultores receberam orientações realizadas por meio de parcerias com a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (PESAGRO), que condicionavam os agricultores às regras do programa, como, por exemplo, a nova ocupação de 60 cm de altura máxima dos terrenos, proibindo culturas acima desta altura, para evitar o crescimento de mato e o acúmulo de lixo, além de dar o suporte técnico na produção.

No ano de 2016, segundo a Secretaria Municipal de Agricultura, o programa Eco Hortas Comunitárias continha 127 terrenos cadastrados, desse montante, 57 encontravam-se produzindo (23 em comercialização da produção e 34 com as culturas já plantadas), 27 estavam em processo de implementação - sendo limpas e encanteiradas para o preparo - e 43 hortas estavam inativas (SMA, 2016).


Figura 2
Mapa de Localização das Eco Hortas Comunitárias
Pesquisa de Campo

Por meio do mapa de localização (Figura 02), foram pontuados os bairros onde estão situadas as 15 hortas estudadas e todos estão no distrito-sede. Nesses bairros há intensa especulação imobiliária, cujo valor do m² é superior às áreas mais afastadas, pois são bairros com infraestrutura e equipamentos de uso coletivo.

As 15 hortas selecionadas para o trabalho de campo e aplicação dos questionários foram escolhidas com o auxílio do Google Earth como ferramenta na pré-seleção, utilizado para verificar o maior número de hortas ativas próximas. Estas, por sua vez, localizam-se no distrito sede e no seu entorno. Das 15 hortas selecionadas para a aplicação dos questionários, 10 encontram-se ativas e 05 estão inativas (Figura 3).


Figura 3
Mapa de Situação das Hortas
Pesquisa de Campo

Segundo o responsável pela SMA, após a seleção do imóvel pela Prefeitura, são necessários vários serviços para regularizar sua situação estrutural, tal como a adequação do espaço físico, preparo do solo, plantio de mudas, preparo de canteiros, tudo visando à implantação das Eco Hortas. No primeiro momento, é realizada a limpeza manual do terreno, serviço que consiste na retirada de lixo, entulho, cascalho e realização de capina manual. Quando não existe muro no local é realizada a construção de cerca de arames farpados e telas de proteção para evitar o acesso de pessoas não autorizadas. A última etapa de preparação é a distribuição de matéria orgânica no solo e o acabamento dos canteiros visando o plantio. Subsequentemente é feita a realização do primeiro plantio e o replantio de olerícolas e o controle de plantas invasoras (capina).

A SMA informou que são realizados os serviços de instalação hidráulica e, em alguns casos, a implantação de sistema de irrigação, quando há energia elétrica. As instalações hidráulicas são realizadas pelos agricultores responsáveis pelas hortas (foto 01).


Foto 01
Horta urbana no Parque Califórnia, Campos dos Goytacazes, RJ.
Pesquisa de Campo, set. 2016.

A foto 01 representa uma horta ativa vinculada ao programa e que faz parte das 15 hortas selecionadas para o trabalho de campo e aplicação do questionário. Segundo a SMA o programa Eco Hortas Comunitárias é pautado em seis fatores elementares, são estes: a) aproveitar terras antes improdutivas; b) fomentar a produção de alimentos básicos e necessários; c) evitar a proliferação de insetos, moscas, mosquitos, ratos etc.; d) evitar o despejo desordenado de lixo na área urbana da cidade; e) gerar renda; f) garantir a segurança alimentar e disseminar a prática agroecológica.

Os terrenos classificados para o banco de dados do Programa não estão ociosos sem intencionalidades, pois os proprietários fundiários recebem a isenção do IPTU, mesmo que a horta não esteja implementada, apenas como área apta a receber o programa. Embora os incentivos formais do programa estejam direcionados aos princípios da agroecologia com a finalidade da segurança alimentar, nenhum suporte técnico ou de extensão é realizado periodicamente.

A agroecologia nos faz lembrar de uma agricultura menos agressiva ao meio ambiente, que promove a inclusão social, proporciona melhores condições econômicas para os agricultores, aliada à segurança alimentar dos próprios produtores e consumidores em geral (SAQUET, 2008, p. 143).

A agroecologia é considerada adequada para o entorno urbano, posto que sistemas de produção orgânicos com foco agroecológico caracterizam-se como um instrumento interessante para viabilização da agricultura em pequena escala, em regime de administração familiar, tanto em sistemas de parcelas individuais como em explorações associativas. Além disso, a baixa dependência de insumos externos facilita a adoção dessa forma de produção por esse tipo de agricultor (AQUINO; ASSIS, 2007).

Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. Ela utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional – genética, agronomia, edafologia – incluindo dimensões ecológicas, sociais e culturais (ALTIERI, 2004, p.23).

Em relação à produção final das hortas, segundo a descrição do programa, 20% são destinadas para o agricultor responsável e a outra parte, 80%, seria destinada às instituições beneficentes, como asilos, creches e escolas. A prefeitura também deveria realizar o repasse ao agricultor como ajuda de custo, sob a forma de “cesta básica”, referente ao valor de R$350,00 em gêneros alimentícios.

No entanto, o repasse dos 80% da produção não segue à risca, há hortas onde esse montante, ou parte dele, nunca foi recolhido, o que nos mostra outro déficit na gestão do programa, porém que acaba por ser benéfico, pois uma vez retirado 80% da produção, os agricultores não teriam condições de permanecer nas hortas, o que remeteria até mesmo a um trabalho explorado, já que estes não têm seus direitos trabalhistas como um trabalhador que é respaldado pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), e o repasse da ajuda de custo em forma de cesta básica não são efetuados periodicamente.

Outro agravante ao programa Eco Hortas Comunitárias é o fato do não reconhecimento dos indivíduos que estão relacionados diretamente com o programa como agricultores (foto 02), o que é um grande problema para o reconhecimento destes como protagonistas de sua reprodução social/econômica por parte dos gestores, em entender o significado da denominação “agricultor”. Segundo dicionário Aurélio (2010), o significado de agricultor se refere àquele que agriculta, que lavra a terra, o que nos leva a entender de forma básica que aquele que lavra a terra é o agricultor, entretanto, a denominação utilizada para tratar esses indivíduos é o de “cuidador”, o que leva ao não reconhecimento desse grupo de indivíduos como sendo os principais protagonistas desta atividade e de sua reprodução socioeconômica. A denominação de cuidador nos remete à imagem de que o indivíduo estaria trabalhando com o intuito de dar suporte à horta e não como o principal sujeito ativo no desencadear de cada processo da horta, desde sua implementação no terreno, até o momento final da colheita de seus produtos.


Foto 02
Agricultor trabalhando, responsável pela horta no Pq. Califórnia
esquisa de Campos, set. 2016

Além da denominação utilizada pelo programa, existem problemas relacionados à manutenção das hortas, pois todos os agricultores entrevistados relataram que os equipamentos nunca chegaram às hortas e aqueles que foram oferecidos, como as enxadas, por exemplo, são de péssima qualidade e não chegam a durar sequer dois meses, obrigando-os a comprar novos equipamentos por conta própria, o que leva a um gasto a mais com o cuidado na horta. Os agricultores enfatizaram que efetuaram a compra de telas, mangueiras e regadores com recursos próprios.

Há também a questão das sementes, que não são distribuídas regularmente pelo programa e, quando são, geralmente de má qualidade, o que leva os agricultores a terem que arcar com o gasto na compra de sementes e também do esterco de gado (adubação orgânica). A instalação da energia elétrica nos terrenos é outro problema, dado que a ausência deste recurso em alguns terrenos acarreta a insegurança dos agricultores em permanecer nas hortas no período noturno e impede a instalação de uma bomba na caixa d’água, o que facilitaria a irrigação com uso do sistema elétrico.

É importante dar visibilidade às dificuldades enfrentadas pelos agricultores que, muitas vezes, não têm voz frente à gestão do programa, para que, futuramente, possam ser reconhecidos na dignidade de sua profissão como agricultores urbanos, agentes importantes para a dinâmica da cidade. Eles se tornam, assim, os principais atores da prática da Agricultura Urbana, que proporciona à população citadina um alimento mais saudável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que a AU é um elemento fundamental ao planejamento e gestão urbanos, pois o desenvolvimento e a presença de áreas voltadas para a implementação da Agricultura Urbana são importantes para a dinâmica urbana, tendo em vista que a mesma se constitui como uma possível solução para amenizar problemas socioeconômicos da população menos favorecida, bem como para proporcionar o acesso a alimentos necessários ao desenvolvimento humano e ao equilíbrio do ecossistema urbano.

O programa Eco Hortas Comunitárias criado pela prefeitura de Campos dos Goytacazes, mesmo favorecendo a intensificação da AU no município, apresenta contradições em sua estrutura, sendo assim, é uma política pública deficitária que não atende as necessidades dos agricultores e a manutenção devida para a continuidade e permanência das hortas. O programa só existe e resiste em função dos agricultores urbanos que se dedicam para que a horta seja um espaço de produtividade.

A maioria das hortas está concentrada na área central e no entorno dela, levantando assim a hipótese que estes terrenos não estão sendo usados apenas como uma refuncionalização do espaço, cultivos e novos postos de emprego, mas sim em favor da especulação imobiliária, levando em consideração fatores como a segregação habitacional e áreas privilegiadas pelo mercado imobiliário.

Essa utilização do solo em favor do capital também pode ser percebida, em algumas exceções, nas áreas centrais da cidade, como é o caso das hortas vinculadas ao programa Eco Hortas Comunitárias no município de Campos dos Goytacazes, onde a grande maioria das hortas está presente no distrito-sede e seu entorno, ao passo que muitas dessas hortas encontram-se inativas, o que abre o questionamento de que estes espaços estariam sendo utilizados em favor da especulação imobiliária. Não obstante, a prática da AU, mesmo sendo promovida por ações pontuais, acaba por favorecer uma produção de alimentos, gerar novos postos de empregos - categoria profissional de agricultor urbano - e expandir áreas verdes na cidade.

A preocupação com os agricultores e sua reprodução socioeconômica é outra constatação, uma vez em que grande parte dos agricultores cadastrados é de aposentados e outros só têm esta atividade como fonte de renda. A valorização dessa profissão é bem incipiente, aliada a uma divulgação falha, o trabalho do agricultor urbano necessita de maior divulgação e valorização. Dessa forma, compreendemos que é necessário que o Estado introduza de fato a prática nas agendas, viabilizando elaboração de políticas e legislações específicas para o respaldo dessa atividade.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pela concessão de bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).

REFERÊNCIAS

ABREU, Marcos José de. COEP Rede Nacional de Mobilização Social. 2013. Disponível em: http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C20139911185473&TIPO_ID=1>. Acessado em: 17. Jan. 2017.

ALENTEJANO, Paulo Raposo R. A evolução do espaço agrário fluminense. Geographia. Ano 7, n. 13, p. 49-70, 2005.

ALTIERI, M. Agroecologia: A dinâmica Produtiva da Agricultura Sustentável – Ed. UFRGS. 2004. Disponível em: https://www.socla.co/wp-content/uploads/2014/Agroecologia-Altieri-Portugues.pdf>. Acessado em: 7 dez. 2016.

AQUINO, Adriana Maria de; ASSIS, Renato Linhares de. Agricultura Orgânica em áreas Urbanas e Periurbanas com base na Agroecologia. Ambiente e Sociedade. Campinas, 2007.

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MENDES, Francisco Coelho. Políticas e Inovações para a Agricultura Urbana: estudos no caso de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro – Brasil) Rio Cuarto (Córdoba –Argentina) e Servilha (Andalucía – Espanha). Tese. (Doutorado em Ciência Tecnologia e Inovação Agropecuária, Área de Concentração em Políticas Públicas Comparadas)- UFRRJ. Rio de Janeiro. 2012.

MOUGEOT, Luc J. A. Cultivando Cidades, Cultivando Comida. International Development Research Centre (IDRC), Cities Feeding People Programme, Ottawa, Canadá, 2000. Disponível em: http://agriculturaurbana.org.br/RAU/AU01/AU1conceito.html>. Acessado em 27 out. 2016.

SOUZA, Marcelo Lopes de Souza. ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

SAQUET, Adriano Arriel. Reflexões sobre a Agroecologia no Brasil. Desenvolvimento territorial e agroecologia. Expressão Popular, São Paulo, 2008.

SMA - SECRETARIA MUNICIPAL DE AGRICULTURA. jun.2016.

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Notas

[1] Já nos anos de 1960, o IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool - implementou o Plano de Expansão da Indústria Açucareira Nacional com o objetivo de mecanizar as etapas do processo produtivo e, em 1971, o Programa de Racionalização da Agroindústria Canavieira, com o intuito de modernizar o parque industrial (Usinas). Todavia, esses programas refletiram negativamente na atividade canavieira no território campista (GONÇALVES, 2012: 50).


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