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VIOLÊNCIA HOMICIDA: uma análise dos índices de homicídios no núcleo Cidade Nova, Marabá (PA) nos anos de 2014 a 2016
HOMICIDAL VIOLENCE: an analysis of homicide rates in the New City nucleus, Marabá (PA) in the years 2014 to 2016
VIOLENCIA HOMICIDA: un análisis de los índices de homicidios en el núcleo Cidade Nova, Marabá (PA) en los años 2014 a 2016
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 17, núm. 1, pp. 131-163, 2019
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 25 Maio 2018

Aprovação: 21 Maio 2019

Publicado: 22 Maio 2019

DOI: https://doi.org/10.22238/rc2448269220191701131163

Resumo: Violência e criminalidade estão se tornando elementos fundamentais para discussão acerca do espaço urbano no Brasil. A cidade de Marabá, assim como as demais cidades brasileiras, carrega em seu arcabouço histórico a materialização da violência em suas diversas faces. Este trabalho tem como objetivo analisar e compreender os elevados índices de homicídios no núcleo Cidade Nova, nos anos de 2014 a 2016. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) o município de Marabá está em 11º no ranking das cidades mais violentas do Brasil, e através de dados oficiais fornecidos pelo Comando de Policiamento Regional II (CPR II) foi possível identificar o crescimento demasiado dos índices de homicídios no núcleo Cidade Nova, visto que a cidade de Marabá é polinucleada contendo cinco núcleos (Marabá Pioneira, Cidade Nova, Nova Marabá, São Félix e Morada Nova), sendo que a Cidade Nova é o local que teve maior crescimento do índice de homicídios. A partir das análises foi possível espacializar a localização das ocorrências, o que mostrou a maior presença de homicídios nos bairros mais periféricos, bem como foi possível delimitar um perfil da violência homicida, correlacionando a espacialização com outras questões, como horário, meio utilizado e perfil das vítimas.

Palavras-chave: violência, Criminalidade, Homicídios, Marabá, Cidade Nova.

Abstract: Violence and crime are becoming fundamental elements for discussion about urban space in Brazil. The city of Marabá, like other Brazilian cities, carries within its historical framework the materialization of violence in its various faces. According to the Institute of Applied Economic Research (IPEA), the municipality of Marabá is in 11th place in the ranking of the most violent cities in Brazil. This study aims to analyze and understand the high homicide rates in the Cidade Nova nucleus, from 2014 to 2016. According to the Institute of Applied Economic Research , and through official data provided by the Regional Policing Command II (CPR II), it was possible to identify too much growth of homicide rates in the Cidade Nova nucleus, since the city of Marabá is polynucleate containing five nuclei (Marabá Pioneira, Cidade Nova, Nova Marabá, São Félix and Morada Nova), with the Cidade Nova being the one with the highest growth rate of homicide rates. From the analyzes, it was possible to spatialize the location of the occurrences, which showed the greater presence of homicides in the more peripheral neighborhoods, as well as it was possible to delimit a profile of homicidal violence, correlating the spatialization with other issues, such as time, means used and profile of the victims.

Keywords: Violence, Criminality, Homicides, Marabá, Cidade Nova.

Resumen: La violencia y la criminalidad se están convirtiendo en elementos fundamentales para la discusión sobre el espacio urbano en Brasil. La ciudad de Marabá, así como las demás ciudades brasileñas, lleva en su marco histórico la materialización de la violencia en sus diversas caras. Este trabajo tiene como objetivo analizar y comprender los elevados índices de homicidios en el núcleo Ciudad Nova, en los años 2014 a 2016. Según el Instituto de Investigación Económica Aplicada (IPEA) el municipio de Marabá está en el 11º en el ranking de las ciudades más violentas de Brasil (CPR II) fue posible identificar el crecimiento demasiado de los índices de homicidios en el núcleo Cidade Nova, ya que la ciudad de Marabá es polinucleada que contiene cinco núcleos (Marabá Pionera, Cidade Nova, Nova Marabá, São Félix y Morada Nova), siendo que la Cidade Nova es el local que tuvo mayor crecimiento del índice de homicidios. A partir de los análisis fue posible espacializar la localización de las ocurrencias, lo que mostró la mayor presencia de homicidios en los barrios más periféricos, así como fue posible delimitar un perfil de la violencia homicida, correlacionando la espacialización con otras cuestiones, como horario, medio utilizado y perfil de las víctimas.

Palabras clave: Violencia, Criminalidade, Homicidios, Marabá, Cidade Nova.

INTRODUÇÃO

A temática da violência urbana está sendo bastante discutida – e por razões relevantes – no Brasil, decorrente dos índices elevados de violência e criminalidade nas cidades brasileiras. São inúmeros fatores condicionantes dessas ações, contudo, destaca-se o acelerado processo de urbanização das cidades, que, em sua grande maioria, não conseguem atender a demanda das populações. Com isso, essa aceleração traz consigo alguns problemas, como a infraestrutura precária urbana atrelada às péssimas condições de moradia, causando também, precários indicadores sociais (CHAGAS, 2014).

Não obstante a isso, diferentemente do que se imagina, a violência urbana está disseminada por todas as classes sociais, desmistificando a ideia de que esse fenômeno só pode ser encontrado nas áreas mais pobres das cidades. Logo, vale ressaltar que a diferença do fenômeno entre as classes está no seu espraiamento, ou seja, é necessário analisar as áreas de ocorrência da criminalidade para poder entender a dinâmica a qual está inserida. E por esses e outros motivos sociais, econômicos e culturais que uma significativa parcela da população residente de áreas menos favorecidas sofrem diariamente discriminação.

A exclusão social, a pobreza e a favelização presentes nas cidades brasileiras são alguns dos contribuintes do fenômeno da violência no espaço urbano. Esses fatores se apresentam com maior intensidade nas áreas periféricas, desvalorizadas e abandonadas pelo Poder Público, e a partir disso, tornam-se áreas propícias para a difusão e estabelecimento da criminalidade (CHAGAS, 2014).

Chagas (2014) enfatiza que a especulação fundiária decorrente do aumento o preço da terra e consequentemente o valor dos imóveis urbanos, resulta na migração forçada e/ou espontânea da camada mais pobre para as áreas menos valorizadas, o qual o valor da terra é mais “acessível” e podem ser encontradas nas periferias das cidades. No entanto, essas áreas não estão ligadas diretamente à lógica do mercado das cidades, e esse fator influencia demasiadamente nas condições de infraestrutura das áreas periféricas, onde o Estado às exclui direcionando recursos para as classes dominantes.

No caso Amazônico, as transformações socioeconômicas e espaciais estão ligadas aos produtos naturais encontrados nessa região, das drogas do sertão, passando pela borracha e chegando à mineração, os ciclos econômicos retratam a história desse território (SOUZA, 2015). A colonização capitalista avistou nesse espaço recursos valiosos, pouco explorados, podendo permitir a instalação do mercado nacional e internacional através de incentivos governamentais para se fixarem no território (RODRIGUES, 2010).

O processo de modernização da Amazônia incentivado pelo governo, nas décadas de 1970 e 1980, atraiu os investimentos nacionais e internacionais que, ao se efetivarem na região, criaram uma promissora base produtiva, empreendimentos esses com base “racional”, os quais visaram o lucro incessante inseridas na lógica de mercado. A moderna base produtiva em algumas cidades substituiu as atividades praticadas pelas populações tradicionais, visando apenas a sua subsistência. A partir dessa nova lógica, a região passaria a se inserir nas trilhas dos países avançados (GUIMARÃES; LOUREIRO, 2007).

Anteriormente a esse processo, as cidades amazônicas eram habitadas por populações tradicionais, cuja composição se dava por caboclos, ribeirinhos, pequenos agricultores e extrativistas. A inserção dos grandes empresários na região para expandir os negócios de acordo com a necessidade do capital, necessitaram de mais terras, e com isso, as terras pertencentes às populações tradicionais foram ocupadas por esses agentes, vale ressaltar que grande parte dessas terras não possuíam titulação, logo, tornaram-se mais “fáceis” de ocupar.

O Estado, naquele momento, foi o protagonista do processo que impulsionou essa mudança, e com ela, a violência e os conflitos se fizeram presente. O elemento desencadeador dos conflitos foi o fato do Estado ter posto à venda numerosos lotes de terra pública, até então habitadas pelos moradores tradicionais da região e migrantes advindos da extração vegetal. Além disso, o principal fator concebido pela política desenvolvimentista e modernizadora do Estado para atrair novos capitais para a região, está na prática de incentivos fiscais, o barateamento das terras atrelado a diminuição ou isenção de impostos chamou a atenção dos grandes empresários (nacional e internacional). Uma das principais contradições acarretadas durante esse período é que ao invés de modernizar também as atividades consideradas tradicionais, o Estado e as elites os excluíram e os marginalizaram , tanto sob a ótica econômica quanto sob a ótica social (GUIMARÃES; LOUREIRO, 2007).

Como exemplo do projeto modernizador da Amazônia, tem-se o caso de Marabá, que passou a ocupar uma posição importante e estratégica servindo como “porta de entrada” para a região. A cidade passou por transformações decorrentes dos grandes projetos e planos do Governo Federal, principalmente durante o período da ditadura militar em 1964. Na década de 1970, uma série de planos diretores e projetos urbanísticos foram implementados para que a cidade desse suporte para o crescimento populacional decorrente da implantação da exploração da mina de Carajás. Grande parcela do crescimento populacional foi decorrente do intenso fluxo migratório induzido pelas políticas governamentais, principalmente a partir da abertura de estradas. No entanto, o fluxo migratório tornou-se maior do que a cidade poderia atender, especialmente ao que se referia aos serviços públicos e infraestrutura (ALMEIDA, 2008).

Assim como aconteceu em muitas cidades amazônicas, na cidade de Marabá, decorrente dos programas e projetos desenvolvimentistas, os moradores com o seu modo de vida “rústico” e economia baseadas na extração harmônica dos recursos naturais, deram lugar a uma outra estrutura socioeconômica que obedecia aos interesses do capital nacional e estrangeiro. Não obstante a isso, a cidade foi obrigada a adequar o seu espaço urbano para atender as políticas de integração e da produção mineral (ALMEIDA, 2008; RODRIGUES, 2010).

A cidade de Marabá sofreu uma grande transformação no seu espaço urbano, com grandes repercussões na sua estrutura social. A cidade deixa de ter suas características voltadas para a lógica ribeirinha – típica da região amazônica – para se tornar um centro urbano, acarretando também os problemas sofridos pelos demais centros urbanos no Brasil, recheada de desigualdades sociais, crescimento demasiado de áreas periféricas, favelização e crescentes disparidades no processo de apropriação do espaço urbano pelos diversos grupos sociais (ALMEIDA, 2008).

Em Marabá não é diferente, o presente trabalho traz uma análise do crescimento da violência homicida no segundo maior núcleo da cidade, o núcleo Cidade Nova. Como visto anteriormente, decorrente de um acelerado processo de urbanização impulsionados pelos projetos desenvolvimentistas do governo, houve a valorização de terras e como consequência os moradores locais e os migrantes foram obrigados a migrar para as áreas periféricas dos núcleos, surgindo assim, as ocupações espontâneas e forçadas. Com isso, foram desencadeando diversos problemas infraestruturais, alarmando os índices de desigualdade, além de crescer demasiadamente os índices de criminalidade, especialmente as ocorrências de homicídios. A falta de oportunidade de emprego, moradias precárias, a não qualificação e o aumento da necessidade de sobrevivência tornaram-se fatores fundamentais para a materialização da violência, principalmente no que diz respeito à inserção da camada mais pobre na lógica do tráfico de drogas.

Nessa perspectiva, o objetivo desse trabalho é analisar a dinâmica espacial das ocorrências de homicídios no núcleo Cidade Nova, nos anos de 2014 a 2016. Além disso, para alcançar o objetivo geral proposto, apresentamos como objetivos específicos identificar a concentração das ocorrências dos homicídios no núcleo urbano da Cidade Nova e discutir sobre as causas das ocorrências de homicídios levando em consideração a realidade do núcleo e da cidade. Os anos escolhidos para a pesquisa estão relacionados à disponibilidade de dados oficiais sobre as ocorrências de homicídios, bem como a cidade estar apresentando um acelerado processo de expansão urbana decorrente a rumores sobre a vinda de grandes empreendimentos para a cidade.

Para a efetividade deste trabalho, a priori, iniciou-se um levantamento bibliográfico acerca da temática da violência urbana. Para adentrar na temática, foi necessário identificar os conceitos de violência, pois a violência é múltipla, não única. A análise dos conceitos é de fundamental importância para compreender a materialização do homicídio, quais os agentes envolvidos nessa dinâmica, e não apenas analisa-lo como um dado feito.

Para a compreensão do fenômeno da violência homicida no núcleo Cidade Nova, o levantamento de dados do Sistema Integrado de Segurança Pública, fornecidos pelo Comando de Policiamento Regional II (CPR II) que norteou toda a pesquisa, uma vez que a análise dos dados permitiu identificar não somente o quantitativo de homicídios, mas também a causa presumível, o gênero das vítimas, a faixa etária das mesmas, os horários das ocorrências e o endereçamento, relevantes para identificação da existência (ou não) de disparidades sociais nas áreas das ocorrências.

Reflexões acerca da temática da violência urbana

A violência multifacetada

A violência sempre esteve presente na história da humanidade, desde os primeiros indícios de civilização até os dias atuais, adquirindo diferentes roupagens de acordo com o período histórico. A opressão, dominação, intolerância e o abuso são algumas formas de violência que marcaram o processo civilizatório do mundo e que continua sendo utilizada na sociedade contemporânea. Assim como possui diferentes formas quanto a sua execução, existem diferentes conceitos acerca da temática da violência. É necessário analisá-la minunciosamente para que não ocorra equívocos e não passe despercebido aos olhos de quem combate a diminuição da violência na sociedade.

A complexidade da violência aparece na polissemia do seu conceito. Ao expor o conceito de violência deve-se saber em qual sentido está inserido para melhor compreensão do fenômeno, visto que pode ser consequência de um ataque físico, excesso de uso da força, bem como o ataque verbal. De maneira geral, a violência resulta do desentendimento entre duas ou mais pessoas e não necessariamente tem, por conseguinte, o toque físico (lesões, mortes, deficiências físicas), apenas ao fato de se dirigir a outra pessoa com ameaças e palavras de baixo calão pode ser considerado um tipo de violência, que, às vezes, é mais fatal que uma morte, podendo, então, acarretar outros problemas, como os danos psicológicos (traumas, pânico, depressão, etc.) (COELHO, et al, 2014).

Assim como em outros países, o Brasil em seu arcabouço histórico carrega as formas mais brutais de violência. Do Brasil Colônia ao Brasil Contemporâneo a violência esteve (e continua) presente por meio das relações de dominação. Para Cademártori e Roso (2012. p. 397):

A relações de dominação ocorrem quando as relações de poder são sistematicamente injustas, efetivadas em decorrência da posse de capital seja material (econômico) ou simbólico por uma pessoa, grupos ou instituições, emperrando a comunicação dialógica, a cidadania e a singularização do sujeito, constituindo-se, assim, a própria violência uma forma de relação de dominação.

Kosovski (2003) analisa o fenômeno da violência a partir de possíveis fatores etiológicos: revolução tecnológica, explosão demográfica, mudanças geopolíticas, sociedade permissiva, adaptações da sociedade em constante tensão (incertezas quanto a impunidade), meios de comunicação de massa e disseminação das drogas. A explosão demográfica é um fenômeno causado por diferentes motivações, em sua maioria estão associados à modernização da sociedade. O inchaço populacional é inversamente proporcional à disponibilidade de espaços e recursos para todos, com isso, a distribuição desigual do espaço resulta em uma precarização da qualidade de vida de determinados grupos na sociedade. A violência torna-se um produto das desigualdades socioespaciais.

A análise do progresso da sociedade implica diretamente nas questões geopolíticas. Entende-se que a relação do homem com a natureza é determinada a partir de processos políticos e geográficos predeterminados pelo Estado no que diz respeito a estruturação e organização do território. Um dos objetivos do processo geopolítico dos Estados está vinculado em estreitar relações com outros territórios para fins estratégicos, ademais, o uso da violência é comumente utilizado como ferramenta para conquistas individuais ou em grupo.

Uma sociedade pode ser considerada permissiva quando os seus conceitos e valores morais estão em constantes mudanças. Os conceitos e valores morais são relativizados e não são tratados como verdade única e absoluta, logo, há certa dificuldade em discernir o que é certo ou errado, a concretização desse modo de vida pode ocasionar uma falta de comunicação entre as pessoas, além provocar possíveis desentendimentos e descumprimentos de normas ou leis.

Os meios de comunicação de massa transformaram o mundo em uma “aldeia global”, influenciando diretamente no comportamento, criando necessidades e novos hábitos. Além disso, encurtou distâncias, acelerou o processo de socialização entre pessoas físicas e jurídicas e impulsionou a cadeia midiática. Este último é de fundamental importância para fazer circular as notícias sobre o cotidiano da sociedade, no entanto, em sua maioria, as notícias são retratadas como verdades absolutas e de caráter tendencioso, por exemplo, a violência quando vista sob a ótica da imprensa se materializa apenas entre as camadas populares, mascarando a real espacialização desse fenômeno na sociedade (KOSOVSKI, 2003).

O tráfico de drogas interliga os países desenvolvidos e subdesenvolvidos através de redes que auxiliam no transporte tanto de matéria quanto de informação, se propagando demasiadamente nas cidades. As áreas de atuação são escolhidas de forma estratégica para que haja a reprodução desse sistema, sumariamente, em sua grande maioria as áreas onde as desigualdades sociais são alarmantes facilitam a fixação desses agentes. A violência na dinâmica do tráfico de drogas é utilizada como forma de controle do território entre rivais. Esses fatores produzem um estado de “anomia” (ausência de normas) ou adoção do desvio como norma, decorrente da mudança de valores que seriam motivos de incremento da criminalidade (KOSOVSKI, 2003. p. 173-174).

Hannah Arendt (1985, p. 22) analisa a violência a partir da lógica do poder, este pode ser utilizado como instrumento de dominação, e a dominação ao instinto de dominar algo ou alguém, em outras, “um homem sente-se mais homem quando se impõe e faz dos demais instrumentos de sua vontade”. O que lhe proporciona “incomparável prazer”. A violência é uma arma revolucionária, capaz de construir e moldar sociedades, expandir poderes, solucionar conflitos políticos e conquistar direitos. As guerras existem, em sua essência, não para garantir vitórias, mas para mostrar ao (s) inimigo (s) que a dissuasão é a melhor garantia de paz. Ao passo em que as atividades humanas foram se sucedendo, a violência passou a se tornar algo nem tão sério, nem preciso, apenas acidental, e com isso, tornou-se um fenômeno marginal e corriqueiro.

Em sua crítica a autora ressalta que a violência não cria nenhum poder, somente deixa o mundo mais violento. É precipitado equiparar a força à violência, haja vista que a primeira é uma característica física e biológica do ser humano em resposta a algo, já a violência não necessariamente necessita da força para se materializar por haver outras formas de consumá-la (principalmente através de instrumentos, como as armas, por exemplo). Além disso, a cultura da violência utilizada como poder engendrada nas atividades humanas não diminui as mazelas da sociedade, muito pelo contrário, faz refletir nos seres humanos como a única forma de resolver as diferenças, sejam elas econômicas, culturais e/ou sociais.

A violência também pode ser classificada de acordo com a relação social entre os indivíduos. Dentre os diferentes tipos de violência tem-se a violência doméstica, a violência no casal, a violência contra as mulheres, a violência intrafamiliar e violência por parceiros íntimos. A violência doméstica ocorre dentro do ambiente doméstico como em um casamento ou em união estável, não podendo ser considerada fora desse ambiente, como nas ruas, ônibus etc. Já a violência no casal pode acontecer antes, durante e depois de ser estabelecida uma relação formal entre duas pessoas, dentro e fora do espaço considerado doméstico ou familiar.

A violência contra a mulher é definida a partir do ataque físico ou verbal contra a pessoa do sexo feminino, prejudicando a integridade física, psicológica, sexual e/ou mental da vítima. A violência intrafamiliar acontece quando qualquer ação prejudique a integridade física e/ou mental e o bem-estar de outro membro da família, esta é mais ampla que a violência doméstica por enquadrar crianças, irmãos, homens e idosos. E por último, a violência por parceiros íntimos pode ser considerada a partir do comportamento de violência tanto na unidade doméstica como em qualquer outra relação íntima de afeto (COELHO, et al, 2014. p. 15-16).

Violência e criminalidade: um medo urbano

A violência no Brasil carrega em seu arcabouço histórico rastros de destruição e caos e se destacam por sua intensidade e magnitude no que tange ao processo de urbanização. De acordo com o Atlas da Violência 2017 divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em apenas três semanas são assassinadas mais pessoas no Brasil do que o total de mortos em ataques terroristas no mundo nos primeiros meses do ano de 2017.

O acelerado processo de urbanização e modernização de algumas cidades brasileiras em detrimento de outras impulsionou a migração de pessoas residentes de áreas não tão desenvolvidas em busca de melhores condições de vida. Essa incessante busca por ascensão social levou migrantes – em sua grande maioria pobre – às grandes cidades, no entanto, a falta de dinheiro atrelado a pouca ou nada qualificação levou essas pessoas a ocuparem áreas que se encontravam às margens dos centros urbanos, haja vista que esses centros eram ocupados por grupos com maior poder aquisitivo.

A partir disso, foram surgindo áreas marginais aos centros com condições precárias de moradia e sem nenhum planejamento urbano, além de que o número de morados cresceu demasiadamente com o passar dos anos, aumentando cada vez mais a exclusão social. E por que exclusão social? As elites residentes das áreas mais valorizadas das cidades denominavam os moradores das áreas periféricas de “classes perigosas” (CADEMARTORI; ROSO, 2012). As ditas “classes perigosas” eram compostas por pobres e/ou migrantes que possuíam valores que os caracterizariam como “subdesenvolvidos”, motivo pelo qual não fora permitida sua integração socioeconômica, o preconceito que estava enraizado nas elites não permitia dar a chance de trabalho e dignidade para essas pessoas e quando davam, exploravam muito e pagavam pouco pela força de trabalho.

Os agentes do Estado também utilizam da generalização do preconceito de que os pobres são violentos e criminosos para justificarem suas ações brutais nos bairros periféricos, morros e favelas das cidades. Nenhum espaço está isento de violência, para Chagas (2014) existem equívocos quando o assunto é a violência, visto que há uma generalização de que os crimes são inerentes às regiões mais pobres da cidade, quando na verdade ela está espacializada e se dissemina por todas as classes sociais. Não obstante a isso, o que existe de diferente entre as classes é a forma como a violência se materializa, a classe mais favorecida utiliza de aparatos tecnológicos e segurança privada para inibir a ação de criminosos, já as classes mais pobres não possuem condições financeiras em investir na sua segurança privada, tornando-os mais vulneráveis à violência. Ainda segundo o autor, o crime é tipificado de acordo com a área em que ele se materializa, ou seja, há uma forte incidência de criminalidade violenta (homicídios, por exemplo) nas áreas populares das cidades, enquanto nas áreas mais elitizadas os crimes são contra o patrimônio.

Beato (2012) utiliza a teoria de que a criminalidade e a violência se materializam a partir de fatores de risco que predispõem o crime, como por exemplo, a concentração de pobreza, a exclusão social, as desigualdades socioeconômicas, dentre outros. A participação ou ausência do Estado também é um fator condicionante na atuação dos criminosos no espaço urbano, tendo em vista que o Estado participa de forma ineficiente nas áreas periféricas da cidade em relação às áreas centrais onde sua atuação se faz com maior rigor. Para o Beato (2012, p. 28) “a estrutura física, as atividades rotineiras de uma sociedade, ou o acesso a armas e serviços médicos de emergência são aspectos mais imediatos do ambiente físico e social que podem afetar as taxas de criminalidade”.

É importante frisar que nem todas as pessoas residentes de áreas periféricas são criminosas, há um preconceito por parte de vários agentes componentes do espaço urbano em generalizar a criminalidade. Esse preconceito é vivido diariamente por moradores dos bairros pobres e praticado pela polícia enquanto representante do Estado, pelas classes média e alta, dificultando a inserção dessas pessoas na sociedade, seja no mercado de trabalho, bem como universidades, no meio social de forma geral.

De acordo com Souza (2008) as cidades sociopolítico-espacialmente fragmentadas são consideradas fobópoles (cidade do medo) por excelência. A fragmentação tem a ver com o processo de segregação de determinado grupo social em relação a outro, onde uma parcela da população é forçada ou induzida a deslocar-se para viver em um local contra a sua vontade, no entanto, é o que pode estar sendo oferecido no momento. Com isso, a partir das áreas fragmentadas das cidades pode-se identificar a geografia da violência devido a ação da criminalidade se especializar de diferentes formas no ambiente urbano. Essa fragmentação influencia na mobilidade espacial dentro da malha urbana tanto da classe pobre quanto da classe rica, isso quer dizer que os moradores ocupantes das favelas onde o tráfico de drogas gerencia essas áreas, são impedidos de visitar outras áreas por ser chefiada por grupos rivais, já os ricos evitarão frequentar vários espaços por medo da violência.

Os hábitos sociais são modificados ao passo em que a violência avança por entre as classes. As pessoas não se sentem mais seguras nas ruas, deixam de frequentar espaços públicos devido a insegurança, são impedidas de saírem em qualquer horário por medo e se trancam em suas casas. As moradias passam a se tornar uma espécie de “fortaleza” contra possíveis ataques criminosos. A arquitetura do medo diz respeito às formas estéticas que as cidades influenciadas pela violência e criminalidade vão ganhando, a partir da construção de muros muito altos, cercas elétricas, sistemas de monitoramento, casas totalmente gradeadas, moldadas na tentativa de garantir o máximo de proteção. Ademais, as formas como as ocupações em bairros periféricos vão sendo construídas e moldadas também causa motivo de medo para quem trafega nessas áreas. As ruas com pouca ou nenhuma iluminação, além de não pavimentadas, com pouco tráfego de pessoas e serviços, dentre outras características a priori causam medo em quem está tentando acessar essas ruas, tanto por parte da população quanto por parte da polícia ostensiva.

Na prática, o cuidado, o olhar para os lados, a desconfiança e o estranhamento são algumas formas de expressão do medo nos espaços públicos. O medo modifica e altera as formas de agir e de pensar, com isso, a cidade em sua essência respira esse sentimento e se opõe ao ideal de urbanidade, aumentando as diferenças e impossibilitando o convívio sadio entre as pessoas, logo, a segregação e a auto segregação reforçam cada vez mais a ideia de espaço urbano fragmentado.

A violência urbana no núcleo Cidade Nova, Marabá (PA): espacialização das ocorrências de homicídios nos anos de 2014 a 2016

O município de Marabá, assim como as demais regiões amazônicas, decorrente dos projetos desenvolvimentistas e modernizadores do Governo, refletiu em um processo de ocupação do espaço urbano, após o pontal caminhar para um processo de esgotamento e a abertura de estradas, fundamental na ligação do município com o restante do Brasil. Para melhor entendimento do capítulo, faz-se necessário uma análise acerca da expansão do espaço urbano da cidade de Marabá, a partir do surgimento de seus núcleos, para que, a posteriori, focar no núcleo de maior importância para este trabalho, o núcleo Cidade Nova.

O processo de ocupação do espaço urbano de Marabá devido ao crescimento populacional e a chegada de migrantes fez com que adentrassem o pontal (ocupação inicial do município), marcando uma temporalidade antes ribeirinha para uma temporalidade da rodovia/estrada. Com isso, a chegada dos migrantes que, a priori, ocupavam às margens dos rios, a posteriori, passam a ocupar as margens das estradas formando novos aglomerados populacionais (LIMA, 2013). O comércio também foi um dos fatores fundamentais para o surgimento de ocupações mais afastadas das beiras dos rios, com casas um pouco melhores, se transformando aos poucos em uma pequena cidade (VELHO, 2009).

O desenvolvimento dos processos socioespaciais ao longo dos períodos, Marabá passa a se configurar como uma cidade polinucleada com três principais centros, Marabá Pioneira, Nova Marabá e Cidade Nova, e dois secundários, São Félix e Morada Nova. Além disso, os rumores sobre a instalação da Aços Laminados do Pará (ALPA) trouxeram novas tendências a expansão urbana da cidade (RIBEIRO, 2010).

A evolução da área urbana da cidade foi tomando a forma de um “V”, à margem esquerda do rio Tocantins nas proximidades do porto, conhecido como “Marabazinho”. Nas áreas de varjão, iniciou-se o processo de ocupação nos meados da década de 1950, onde surgiu o bairro Santa Rosa (ALMEIDA, 2008). A Marabá Pioneira ou Velha Marabá, marca o ponto inicial de ocupação do município de Marabá no século XIX, tornou-se um ponto importante de circulação de produtos regionais por estar localizado às margens dos rios Tocantins e Itacaiúnas. Atualmente, o núcleo continua com sua característica original a partir do comércio e serviços, através do mercado formal e informal, além da importância no setor turístico por sua localização, bem como a presença da orla fluvial construída para fomentar essa atividade (RIBEIRO, 2010).

O núcleo Nova Marabá trata-se de ser uma área planejada pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) para remanejar a população da Marabá Pioneira em função das constantes enchentes do rio Tocantins. Este núcleo concentra grande parte das instituições municipais, estaduais e federais, além de instituições financeiras, comércios e serviços de médio porte, e possui dois terminais rodoviários. Não obstante, está no entroncamento dos principais eixos de circulação que ligam Marabá à outras regiões, funcionando como um dos principais pontos de circulação de capitais, bens, serviços e pessoas (RIBEIRO, 2010).

Nas margens do rio Itacaiúnas surgiu o bairro Amapá, sua importância se deu por abrigar na década de 1930 os moradores do pontal oriundos das enchentes, por ser um local elevado. A abertura da rodovia Transamazônica trouxe uma nova configuração para o bairro Amapá, dividindo-a ao meio, a construção da rodovia atraiu migrantes além do projeto de colonização oficial, outro bairro se efetivava nessa área, denominado de Jarbas Passarinho, posteriormente Vila Transamazônica, até ser nomeada Cidade Nova (ALMEIDA, 2008). Este núcleo se caracteriza por sua dinâmica econômica voltada para o setor de comércio e serviços, onde se localiza as matrizes de lojas de departamento (GRUPO LEOLAR), filiais de redes regionais do setor farmacêutico, instituições financeiras e setor hoteleiro, além do aeroporto de Marabá. Os núcleos secundários correspondem ao São Félix e Morada Nova. O primeiro, por se localizar nas proximidades dos principais núcleos destacados anteriormente, abriga a população mais carente da cidade, além de possuir nessa área projetos de habitações de alto padrão econômico. O segundo, surgiu no entroncamento da BR-222 com a PA-150, sua economia está voltada para o setor varejista, possui uma população de cerca de 11.118 habitantes e dependem dos serviços (escolas, hospitais, etc.) das áreas centrais de Marabá (RIBEIRO, 2010).

Marabá está situada no sudeste do Estado do Pará, na mesorregião do sudeste paraense. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao ano de 2010, o município possui cerca de 233.669 habitantes, ocupando o quarto lugar na posição entre os municípios mais populosos do Estado, ficando atrás de Belém, Ananindeua e Santarém. Além disso, Marabá ocupa a quarta posição referente ao maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado (SOUZA, 2015).

Para Ribeiro (2010) a partir da inserção da indústria na cidade de Marabá ocorreram transformações socioespaciais, o qual passam de uma dinâmica atrelada ao extrativismo para uma dinâmica mais voltada à produção mineral. As ações do Estado favoreceram a entrada de grandes projetos mínero-metalúrgicos (Programa Grande Carajás, Albras-Alunorte, Hidrelétrica de Tucuruí, dentre outros), alterando tanto a paisagem quanto a dinâmica da cidade.

Violência homicida no núcleo Cidade Nova

Um dos fatores resultantes da suposta vinda da ALPA na cidade de Marabá, como retratado no tópico anterior, foi o aumento das disparidades sociais, produzindo um espaço socialmente desigual, onde o Estado volta as suas políticas públicas para as áreas estratégicas, excluindo demasiadamente as populações menos favorecidas acerca do desenvolvimento econômico da cidade. A exclusão social, a precária atuação do Estado, o desemprego crescente e a fragmentação do espaço urbano são processos que impulsionam o fenômeno da violência e criminalidade na cidade de Marabá, em especial, o segundo maior núcleo[1] desta, o núcleo Cidade Nova.


Mapa 01
Localização do núcleo Cidade Nova, Marabá
SISP (2014). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Em conformidade com o Atlas da Violência de 2017, o Pará é o 15º Estado com elevadas taxas de homicídios por 100 mil habitantes, e o município de Marabá é considerado o 11º mais violento entre os 30 municípios do país. Esses estudos foram realizados conforme o agravamento desse fenômeno nos Estados e municípios de todo o Brasil, para que possam planejar, propor e executar políticas penais e no campo da segurança pública que garantam os direitos da cidadania da sociedade brasileira (IPEA, 2017).

Os elevados índices de homicídios revelam a naturalidade do fenômeno no espaço urbano, motivado pelo descompromisso por parte das autoridades nos níveis federal, estadual e municipal, face a problemática da violência. Segundo o IPEA (2017), esses índices trazem outras consequências para a sociedade, como as implicações na saúde, na dinâmica demográfica e no processo de desenvolvimento econômico e social. O medo também é um fator transformador da paisagem urbana, Lyra (2017) reforça essa ideia a partir da “arquitetura do medo”, onde as pessoas são obrigadas a modificar suas vidas e habitações para se sentirem seguras.

Conforme o IPEA (2017) existe quatro principais fatores econômicos que influenciam direta ou indiretamente nos índices de criminalidade. O primeiro está de acordo com o mercado de trabalho, levando em consideração que, cada vez mais, há uma exigência maior de qualificação da mão-de-obra, o que dificulta a inserção de todos cidadãos no mercado, tendo em vista que nem todos possuem as mínimas qualificações adequadas, facilitando, então, a inserção no mundo do crime. A geração de renda é um outro fator, pois de um lado atrai coisas boas para a economia de mercado, e do outro lado, atrai algumas mazelas, como o mercado ilícito, a exemplo dos anos 2000, onde a maior circulação de dinheiro em algumas pequenas cidades estava voltada para o mercado de drogas ilícitas. Em terceiro, juntamente com o emprego e o mercado ilícito, o desempenho econômico pode levar a uma desorganização social, através dos fluxos migratórios. E, por último, a qualidade das políticas públicas é um dos elementos cruciais para a diminuição das dinâmicas criminais.

A questão relacionada a violência homicida é uma das contradições da sociedade capitalista, por ser uma manifestação acerca da questão social, sendo multifacetada e multicausal, se faz presente em todas as áreas das cidades, mas com especificidades e distribuições diferentes. Muchembled (2012) apud Gomes (2014) afirma que o homicídio é uma construção social, onde as forças repressivas do Estado estabelecem um grau de importância de acordo com a sua interpretação, privilegiam aspectos que os interessam, deixando outros ocultos. Nesse caso, o Estado tem como alvo principal em relação aos homicídios, a figura do jovem de sexo masculino, matando o seu semelhante.

A violência, neste contexto, se expressa de diferentes formas e insere os sujeitos em um conjunto de relações sociais. Os avanços modernos distribuídos desigualmente desencadearam o aumento da pobreza e enclaves nos centros urbanos através da periferização, oferecendo precários serviços públicos e pouco (ou nada) suporte social e institucional, ocasionando condições diretas e indiretas para a explosão de conflitos violentos.

O homicídio, segundo Hungria (1955) apud Silveira Júnior (2013) é um crime por excelência, é o ápice dos crimes contra a vida e a mais chocante violação do senso moral da humanidade civilizada. Este crime conceituado por “matar alguém” possui o significado de destruir a vida humana, e sua incriminação varia de acordo com o modo de execução, elemento subjetivo e os motivos pelo qual levaram a cometer tal delito. A importância da problemática da violência homicida está no fato de que todos temos o direito à vida, inerente à condição de ser humano, logo, nenhuma legislação é permitida que interfira no exercício de viver.

Os anos de 2014 a 2016 são fundamentais para o entendimento da violência homicida no núcleo de Marabá. Os anos que antecedem esse recorte temporal é marcado por intensas transformações no núcleo Cidade Nova, especialmente, do inchaço populacional causado pelos projetos desenvolvimentistas da região. A produção do espaço urbano se deu de forma desigual, de acordo com a lógica de Corrêa (1989) ao analisar os produtores deste espaço, são eles, dentro da realidade de Marabá: os proprietários dos meios de produção, na figura dos grandes empreendimentos da cidade; os proprietários fundiários, representados pelos compradores de terra para especular; os promotores imobiliários, responsáveis pela comercialização de imóveis (lotes, condomínios fechados, loteamentos fechados, etc.); o Estado, como principal impulsionador do desenvolvimento econômico a partir dos grandes empreendimentos; e os grupos sociais excluídos, composta, principalmente, pela população de baixa renda.

No ano de 2014, no núcleo Cidade Nova, de acordo com os dados do Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP), foram registrados 24 homicídios. Segundo a análise criminal disponibilizada a partir desses dados, os índices estão dentro dos limites estabelecidos pelos órgãos de Segurança Pública. É possível identificar, a priori, a não concentração de homicídios apenas em áreas periféricas, estando distribuídas por todo o núcleo.


Mapa 02
Localização de homicídios no núcleo Cidade Nova, Marabá-PA 2014
SISP (2014). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

O fato das ocorrências de homicídios estarem distribuídas por todo o núcleo, está de acordo com o que Chagas (2014), Souza (2008), Lyra (2017) e Couto (2014) retratam em suas falas sobre a violência e criminalidade ter atingido todas os espaços urbanos e classes sociais. Visto que, segundo o Mapa 02, existem pontos de homicídios na rodovia Transamazônica, na avenida Manaus (considerada uma avenida valorizada por suas inúmeras casas de alto padrão e presença de escolas particulares), dentre outras ruas bem localizadas.

Os pontos de homicídios identificados no mapa 02 são de extrema importância para entender a dinâmica deste delito. É interessante ressaltar que, não necessariamente, as vítimas dos homicídios registrados residam nessas ruas, em alguns casos, a mesma estava apenas transitando pela via quando foi surpreendida pelo homicida. Além disso, existem outros fatores que facilitam essas ações, como o horário, a movimentação de pessoas no local, bem como a oferta de segurança pública, fundamental para a inibição do crime.

A causa presumível[2] registrada nos dados está relacionada, em maior número, ao “ódio ou vingança”, desinente de algum desentendimento, briga ou rixa que antecederam o momento do crime. Dentre as causas presumíveis o “ódio ou vingança” registram 13 ocorrências dentre as 24 mortes. Em segundo lugar, constam outras motivações, estas não esclarecidas no ato do registro da ocorrência. E as demais causas registram 1 homicídio em cada.

Gráfico 01
Causa presumível das ocorrências de homicídios no ano de 2014

SISP (2014). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Sob as desigualdades sociais na produção do espaço urbano, o núcleo Cidade Nova, como já foi enfatizado, também está inserido nessa realidade, e essas diferentes formas de produzir o espaço também passa a produzir novas formas de violência e reproduzem as existentes. A nova fase de modernização do espaço devido ao avanço do capital tornou a cidade mais vulnerável, o Estado, focado em atender as demandas advindas da corrida econômica, deixou de “olhar” para os outros espaços.

No ano de 2015, é possível identificar a duplicação das ocorrências de homicídios no núcleo. De 24 homicídios em 2014 passa a conter 49 homicídios. Diferentemente do ano anterior, devido ao aumento, esse crime está mais concentrado nas áreas periféricas, porém, ainda pode-se reconhecer a existência em outras localidades. Um dos fatores possíveis do aumento dos homicídios nessas áreas está ligado ao que Souza (2015) discute acerca das ocupações urbanas, onde são dotadas de péssimas condições de moradia e habitação, predominando a população de baixa renda, dentre outros fatores negativos.

Ademais, a partir das localizações dos pontos de homicídios ao longo do ano estão próximos aos bares noturnos presentes nos bairros periféricos de maior incidência, são os bairros Liberdade e Laranjeiras. Além disso, a infraestrutura das ruas pertencentes a esses bairros carece de qualidade, muitas estão esburacadas, outras são inacessíveis, o que dificulta a ação da polícia na resolução das ocorrências de criminalidade em geral.


Mapa 03
Localização das ocorrências de homicídios no núcleo Cidade Nova, 2015
SISP (2014). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Como pode-se identificar no mapa 03, os homicídios passaram a se localizar nos bairros periféricos chamando a atenção da expansão das ocupações urbanas no núcleo, importantes para entender a dinâmica da criminalidade. Os bairros periféricos do núcleo Cidade Nova, assim como muitos bairros no Brasil sofrem como a precarização da qualidade de vida decorrente ao descaso do Poder Público municipal, que é responsável por subsidiar toda a infraestrutura necessária para habitação, como rede de esgoto, água, pavimentação, planejamento urbano, fatores escassos nesses espaços ou até mesmo inexistentes.

Gráfico 02
Causa presumível das ocorrências de homicídios em 2015

SISP (2015). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

As causas presumíveis dos homicídios também estão relacionadas ao “ódio ou vingança”, trazendo à tona a existência de pistolagem na área urbana, visto que o Pará herdou esse conceito devido seus ciclos passados, onde a resolução de conflitos se restringia ao acerto de contas efetivados pelos pistoleiros no campo, a mando de seus patrões (SILVEIRA JR, 2013). No espaço urbano não há tanta diferença, essa questão também pode estar envolvida na dinâmica do tráfico de entorpecentes, crimes passionais, além de situações de dívidas. O núcleo Cidade Nova é claramente fragmentado, no qual as classes sociais estão cada vez mais afastadas. E essa segmentação diminui a mobilidade espacial intraurbana, uma vez que a elite não frequenta os bairros mais pobres e os pobres são discriminados ao tentar usufruir de espaços predominantemente da elite. Isso intensifica a exclusão e a auto exclusão, estas são criadas e reforçadas. A relação próxima entre essas classes pode ser exemplificada através do comércio das drogas ilícitas, já que a elite é uma das principais consumidoras que abastecem financeiramente o tráfico de drogas (SOUZA, 2008).

No ano de 2015, o “ódio ou vingança” continua liderando como um dos maiores causadores dos homicídios. Em segundo lugar está o “alcoolismo/embriaguez”, essa causa atenta para o número de casas noturnas existentes no núcleo, localizadas nas áreas periféricas, onde os frequentadores desses locais são residentes da área, além de pessoas de fora, geralmente, estes são considerados de baixa renda dado a precariedade do local. O aumento desenfreado dos índices de homicídios causa uma fobópole não somente no núcleo Cidade Nova, como na cidade de Marabá como um todo. Vale ressaltar, que, além deste núcleo ser o segundo maior em população, torna-se o mais perigoso, tendo em vista que o núcleo mais populoso (Nova Marabá) mesmo com também elevados índices de homicídios, pois quanto menor for o número de habitantes e maior for os índices de criminalidade, logicamente este também se tornará o mais perigoso.

O ano de 2016 é marcado por 52 ocorrências de homicídios no núcleo Cidade Nova e se mostram cada vez mais concentrados nas áreas periféricas, diferentemente do ano de 2014. É presumível a presença desse delito mais evidente nos bairros Liberdade, Laranjeiras e Cidade Nova, locais onde há presença de festas noturnas nos finais de semana, a exemplo da casa de show Casarão, Recanto Azul, entre outros. O policiamento nessas áreas diminui devido ao horário em que as festas iniciam, além da dificuldade de acesso a esses locais serem precários. Novamente o sexo masculino é predominante nos registros, levando em consideração o instinto agressivo dos mesmos serem “comuns” na sociedade em que vivemos, as vítimas também são jovens, levando a questionamentos sobre as políticas públicas ineficientes quando se trata da inclusão social desses jovens, da oferta de emprego, assistência social, cultural e de saúde.


Mapa 04
Localização das ocorrências de homicídios no Núcleo Cidade Nova, 2016
SISP (2016). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Gráfico 03
Causa presumível das ocorrências de homicídios em 2016

SISP (2016). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Em 2016, o “ódio ou vingança” se faz presente em maior número no que diz respeito aos homicídios. A incidência do crime motivado por essa causa, chama a atenção para uma sociedade totalmente dominada pela raiva, onde procuram resolver seus problemas por meio da violência e causando, consequentemente, a morte de pessoas e propagação da cidade do medo.

Outro ponto importante a se destacar é a questão do número de jovens inseridos na dinâmica da violência homicida. Os jovens, na maior parte, são atraídos para a criminalidade, em consequência das poucas oportunidades ofertadas para as classes mais pobres da cidade. A falta de qualificação dos pais leva ao surgimento de empregos informais, Couto (2014) exemplifica acerca da realidade dos jovens inseridos na dinâmica do tráfico em Belém, ao trabalho na feira do bairro da Terra-Firme, que, muitos largaram a escola para ajudar seus pais, abdicando assim, do direito à educação.

No que diz respeito às causas presumíveis em entrevista verbal com os integrantes do Setor Estratégico do CPR II, o tráfico de drogas é um dos maiores causadores de homicídios na cidade de Marabá, onde o “ódio e vingança” estão atrelados a esse condicionante. O acerto de contas é derivado dessa causa presumível, devido a desentendimentos entre grupos rivais ou decorrentes de dívidas não pagas entre os consumidores e os traficantes.

Ademais, a busca por dinheiro também atrai os adolescentes. A dificuldade de se conseguir dinheiro para o sustento da família, que, muitas das vezes, os empregos informais não dão conta da demanda necessária, estes veem na criminalidade uma forma de se conseguir dinheiro “fácil e rápido”, através de assaltos e tráfico de drogas. Este primeiro, geralmente acontecem nas áreas onde as classes média e alta habitam, tendo em vista o maior poder aquisitivo. O segundo diz respeito à venda de drogas ilícitas para essas mesmas classes, o elevado consumo de entorpecentes também eleva o comércio ilícito, com preços altos e venda rápida.

As condições socioeconômicas de muitos jovens nas periferias, que vivem em meio a pobreza e à desestrutura familiar juntamente com a precária atuação do Estado, mostram ser fatores favoráveis à inserção dos mesmos na dinâmica da criminalidade. Couto (2014) utiliza as redes sociais dos jovens da periferia para entender as experiências vividas pelos indivíduos, como a família, o trabalho, a escola, os amigos, a comunidade e o meio em que vive, para saber como se estabelece as relações com a criminalidade.

Gráfico 04
Faixa etária das vítimas de homicídios nos anos de 2014 a 2016

SISP (2014; 2015; 2016). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

A realidade das ocupações urbanas do núcleo Cidade Nova é semelhante aos bairros estudados por Couto (2014), o qual mostra que os jovens da periferia possuem sua rede social reduzida ao enfrentarem problemas de isolamento social ou algum tipo de preconceito ou exclusão, visto que há uma grande discriminação generalizada com as pessoas residentes de bairros pobres. Estes são inseridos nas redes ilegais, contribuindo cada vez mais para o fortalecimento da criminalidade na cidade de Marabá. No período de 2014 a 2016, conforme o Gráfico 04 demonstra, a faixa etária com maior índice de homicídios está voltada para os jovens de 18 a 24 anos. Em segundo lugar, os adultos de 35 a 64 anos e em terceiro os adultos de 25 a 29 anos. Pode-se atentar para o considerável quantitativo de ocorrências de homicídios onde não foram informados a faixa etária da vítima, podendo dificultar um estudo com maior efetividade sobre o caso.

Além dos jovens serem os grandes alvos da violência homicida, em sua grande maioria são homens, como mostra o gráfico 05. Para Silveira Jr. (2013) a agressividade e a competitividade dos homens tornam mais expostos ao crime de homicídio, haja vista a agressividade masculina ser culturalmente e socialmente aceita, que, especialmente nos jovens, veem a violência como modo mais aceitável de resolver conflitos. O sexo feminino claramente se mostra inferior aos homens no que diz respeito aos homicídios, no entanto, este tipo de homicídio não deixa de se fazer presente no núcleo Cidade Nova, e estão relacionados, significativamente, às questões passionais, ou seja, decorrente de brigas entre casais, bebedeira, etc.

Gráfico 05
Gênero das vítimas de homicídios nos anos de 2014 a 2016

SISP (2014; 2015; 2016). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Segundo o IPEA (2017) o drama da juventude perdida possui dois lados, de um lado a perda de vidas humanas e do outro lado a falta de oportunidades educacionais que condenam o jovem a uma vida de restrição material e de anomia social, impulsionadores da criminalidade violenta.

Gráfico 06
Dia da semana das ocorrências de homicídios nos anos de 2014 a 2016

SISP (2014; 2015; 2016). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Os dias da semana também são essenciais para entender a dinâmica da violência homicida. Os dias de sábado, domingo e segunda apontam os números mais elevados de homicídios, e isso se deve ao fato das casas noturnas funcionarem aos finais de semana, o que também eleva o consumo de álcool e o maior número de pessoas nas ruas, tornando o ambiente propício para a criminalidade em geral. A quarta-feira também se destaca com um significativo número de homicídios no meio da semana.

O gráfico 07 vem mostrar a faixa horária dos homicídios, que, atrelado aos dias de maior incidência (nos finais de semana), está diretamente ligado ao horário de funcionamento de festas, bares, dentre outras casas noturnas, evidenciando os fatores já citados anteriormente. Outro detalhe está no horário de patrulhamento das viaturas da Polícia Militar, que, depois da 00:00h diminuem na cidade, logo, os criminosos veem a partir desse horário maior chance de concluir o delito.

Os horários em que mais ocorreram os homicídios estão entre 18|--00 e das 00|--06 horas. Horários em que as casas noturnas abrem e encerram seu expediente, além do patrulhamento reduzidos nessas áreas. Logo, o turno da noite é preferencial não somente para a violência homicida, mas para a criminalidade de modo geral.

Gráfico 07
Faixa horária das ocorrências de homicídios nos anos de 2014 a 2016

SISP (2014; 2015; 2016). Organização: MARTINS, A.K.M. (2017).

Em entrevista verbal com os integrantes do CPR II os homicídios prevalecem no turno da noite devido ao funcionamento de casas de show e bares nesses horários, com isso, aumenta-se o quantitativo de pessoas nas ruas e possíveis alvos para a criminalidade. Outro fator importante a se destacar é a infraestrutura das ruas do núcleo Cidade Nova, a maioria destas não são pavimentadas, são esburacadas, o que dificulta a entrada de viaturas nesses locais, dificultando então, o atendimento da ocorrência, não podendo inibir algumas ações criminosa.

O meio empregado está relacionado ao meio utilizado no momento do crime, e durante a pesquisa foi possível concluir que na maioria dos homicídios (73,6%) a arma de fogo foi a utilizada. De acordo com Silveira Jr. (2013) a justificativa para o uso da arma de fogo está na facilidade de acesso a esse instrumento no mercado ilegal, além da forma mais “viável” de resolver qualquer conflito interpessoal, por ser letal, além do alto nível de impunidade, uma vez que ao fugir do flagrante dificilmente o homicida será encontrado. As armas de fogo vendidas no mercado ilegal não são registradas no nome do comprador, outro fator que dificulta as investigações.

Ainda segundo a entrevista verbal no CPR II, há uma certa facilidade na inserção de armas de fogo na cidade de Marabá, principalmente para atender necessidades dos “soldados” tráfico de drogas. Estas são advindas do mercado negro e são comercializadas na cidade com grande frequência, algumas armas são de uso exclusivo das policias municipais, estaduais e federais, bem como das forças armadas, e estão nas mãos de criminosos que as utilizam como instrumento de poder.

As análises acerca da violência homicida no núcleo Cidade Nova chamam atenção para a necessidade da presença da segurança pública com maior intensidade nos bairros periféricos. Para Beato (2012) a violência urbana é uma questão pública que está relacionada às mazelas sociais e ao tipo de desenvolvimento imprimido às cidades. Com isso, os impactos negativos causados pela violência urbana que vem acarretando para as instituições e para o convívio social (exercício dos direitos de cidadania), têm tornado essas estatísticas uma preocupação política de primeira grandeza.

Souza (2008) e Chagas (2014) enfatizam a importância de entender que a criminalidade violenta está espacializada por todas as classes sociais, diferenciando apenas na questão do espraiamento, é heterogêneo e não homogêneo, como muitas pessoas pensam. Sobre o núcleo Cidade Nova, o objetivo não é causar uma generalização das ocorrências de homicídios, muito menos fazer pensar que apenas as ocupações urbanas são as mais violentas, o que acontece é que por se tornar uma área “excluída” pelo Poder Público e pelas elites, a criminalidade violenta se instala com mais “facilidade” nessas áreas. Além disso, o esquecimento do Poder Público em se fazer presente também nessas áreas, deixam a população temerosa quanto a criminalidade, causando um medo generalizado.

O núcleo Cidade Nova carece de mais investimentos na segurança pública, haja vista que não possuem um quantitativo adequado de viaturas e policiais. A infraestrutura física das ruas também dificulta a atuação dos mesmos, tendo em vista que as ruas esburacadas e outras em que veículos não conseguem adentrar, dificulta o patrulhamento nessas áreas, deixando-as expostas para qualquer tipo de criminalidade. Em contrapartida, o Estado foca seus olhares para as áreas centrais deste núcleo, ou seja, os bairros mais elitizados, onde as rondas policiais se fazem presentes. Apesar da segurança pública ser um direito de todos, existem áreas em que há mais necessidade de patrulhamento em detrimento de outras, haja vista que os bairros considerados nobres detêm de tecnologias e segurança privada, que, apesar de ser uma falsa sensação de segurança, consegue inibir a ação de criminosos.

Diante de tais constatações, levanta-se o questionamento: O que pode ser feito para diminuir os índices de violência homicida na cidade de Marabá? Logo, as respostas são várias, visto que o que se busca é uma cidade livre de criminalidade e desigualdades sociais, mas para que haja uma diminuição nesses índices a mudança deve vir “de cima para baixo”, ou seja, deve-se fazer um planejamento urbano que melhore as condições das ocupações urbanas, principalmente por ser dever do Estado e direito de todos os cidadãos enquanto usuários da cidade. Uma melhor articulação dos órgãos de segurança pública, desde o trabalho ostensivo, investigativo e judiciário, para que todos os espaços possam se tornar seguros, os criminosos serem punidos perante a lei, e maior efetividade no sistema judiciário, para que não haja impunidade.

Além disso, deve-se investir na educação, os jovens são os principais alvos da criminalidade, muitos estão fora das escolas, a educação é capaz de transformar a vida de muitos jovens, focando sua vida para coisas que realmente interessem, sem discriminação e mais acesso à educação. E, por último e não menos importante, é que todos são usuários da cidade, independentemente da classe social o qual pertencemos, a discriminação generalizada das pessoas residentes dos bairros periféricos pode levar a vida de muitos cidadãos de bem, visto que nem todos que residem nesses bairros são criminosos.

Esta pesquisa chama a atenção do Poder Público sobre a questão da violência urbana não apenas no núcleo Cidade Nova, mas como a cidade de Marabá como um todo. A partir da análise das ocorrências de homicídios nesse núcleo, faz-se necessário chamar atenção para os outros núcleos que também sofrem com a violência homicida. Pois foi a partir desse estudo que ficou claro que a produção do espaço urbano da cidade de Marabá é desigual, segregacionista e influencia diretamente no processo de criminalidade violenta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender, a temática da violência urbana nos remete, a priori, entender o seu processo histórico, no que diz respeito em como a violência se fez presente na historicidade da humanidade. Esta perpassou por todos os períodos históricos, carregando consigo funções diferentes, utilizada como estratégia de defesa, ataques, protagonizou guerras, levou a vida de muitas pessoas. E, com o passar dos períodos, a violência se tornou um fenômeno cada vez mais complexo e intenso na sociedade, acompanhando todos os passos do desenvolvimento humano. A violência sob todas as suas manifestações se mostra como uma força que transgride os limites dos seres humanos, tanto na sua realidade psíquica, quanto no campo de suas realizações sociais, éticas, políticas e religiosas. A violência desrespeita os direitos fundamentais do ser humano e é capaz de transformar vidas, sociedades e ditar condicionamentos.

A exclusão social, a precária atuação do Estado, o desemprego crescente e a fragmentação do espaço urbano são processos que impulsionam o fenômeno da violência e criminalidade na cidade de Marabá, em especial, o núcleo Cidade Nova, que permeou todo o desenvolvimento da pesquisa. A partir dos dados coletados e da metodologia aplicada, viu-se que a ocorrência de homicídios neste núcleo se encontra em maior concentração nos bairros periféricos, onde o Poder Público se mostra ineficiente, são áreas ocupadas pela camada menos favorecida, carentes de infraestrutura básica que garanta a qualidade de vida dos moradores.

O total de 125 homicídios nos três anos da pesquisa induz ao levantamento da eficácia das ações do Poder Público, enquanto esfera responsável pela segurança. Levando em consideração o quantitativo populacional da cidade de Marabá, os índices de homicídios apresentados mostram que o núcleo Cidade Nova, especialmente, vive um constante medo generalizado. Diante disso, este trabalho foi elaborado para contribuir positivamente com estudos acerca da temática da violência urbana na cidade de Marabá, para que perpasse dos limites da universidade e chegue até aos órgãos competentes em segurança pública, para que a partir desses estudos mais aprofundamentos, possam implementar políticas públicas com maior eficiência, em locais onde os mapas confeccionados neste trabalho, permitiram identificar as áreas mais afetadas por esse fenômeno, que, consequentemente, também carece de outros serviços públicos, ao invés de concentrar suas atividades apenas em locais estratégicos, predominantes das classes média e alta.

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Notas

[1] De acordo com as áreas de ponderação identificadas pelo IBGE (2010), o núcleo Cidade Nova possui 80. 743 habitantes.
[2] Entende-se por “causa presumível” a intitulação da motivação do crime de homicídio, de acordo com o Comando de Policiamento Regional II (CPR II).


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