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PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO E ÁREAS INUNDÁVEIS: análise comparativa dos conceitos mediante aplicação nas bacias hidrográficas do ribeirão Bom Jardim e rio das Pedras, Triângulo Mineiro
FLOOD PLANS AND FLOODING AREAS: comparative analysis of the concepts through application in the hydrographic basin of Riverside Bom Jardim and Pedras River, Triângulo Mineiro
PLANES DE INUNDACIÓN Y ÁREAS INUNDABLES: análisis comparativo de los conceptos mediante aplicación en las bacias hidrográficas del Ribeirón Bom Jardín y Rio de las Piedras, Triángulo Minero
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 17, núm. 1, pp. 114-130, 2019
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 29 Agosto 2018

Aprovação: 30 Abril 2019

Publicado: 30 Abril 2019

DOI: https://doi.org/10.22238/rc2448269220191701114130

Resumo: As planícies de inundação são áreas que margeiam os cursos d’água, podendo inundar em períodos de cheia. Possuem gradiente topográfico baixo, declividades brandas e solos aluviais. As áreas inundáveis podem também ser imergidas em eventos extremos de precipitação, porém não possuem as mesmas características fisiográficas das planícies de inundação, ou seja, estas podem não possuir uma larga margem horizontal no entorno do canal fluvial, não haver deposição de sedimentos, ser encaixadas, porém podem sofrer com o fenômeno da inundação. Sendo assim, este artigo tem como objetivo fazer uma revisão conceitual de planícies de inundação e áreas inundáveis, comparando os dois conceitos e aplicando-os nas bacias hidrográficas do ribeirão Bom Jardim e rio das Pedras, localizadas no Triângulo Mineiro. A partir da fisiografia das áreas, por meio da revisão conceitual e aplicação de ferramentas geocartográficas, constatou-se que toda a planície de inundação do Ribeirão Bom Jardim coincide com as áreas inundáveis, o que não ocorre com o Rio das Pedras. Tais áreas, indistintamente, devem ser preservadas para evitar danos materiais e humanos no futuro.

Palavras-chave: Dinâmica fluvial, Deposição sedimentar, Fisiografia, Geocartografia.

Abstract: Flood plains are areas bordering waterways, which may flood during flood periods. They have a low topographic gradient, gentle slopes and alluvial soils. Flooded areas can also be immersed in extreme precipitation events, but they do not have the same physiographic characteristics of floodplains, ie they may not have a large horizontal margin around the river channel, no sediment deposition, no nesting , but may suffer from the flood phenomenon. Thus, this article aims to make a conceptual review of flood plains and flooded areas, comparing the two concepts and applying them in the river basins of Riverside Bom Jardim and Pedras’s River, located in the Triângulo Mineiro. From the physiography of the areas, through the conceptual review and application of geocartographic tools, it was verified that the entire floodplain of ribeirão Bom Jardim coincides with the flooded areas, which does not occur with the Pedras’s River. Such areas, without distinction, must be preserved to avoid material and human damages in the future.

Keywords: Fluvial dynamics, Sediment deposition, Physiography, Geocartography.

Resumen: Las planicies de inundación son áreas que bordean los cursos de agua, pudiendo inundar en períodos de lleno. Poseen gradiente topográfico bajo, declividades blandas y suelos aluviales. Las áreas inundables también pueden ser sumergidas en eventos extremos de precipitación, pero no poseen las mismas características fisiográficas de las planicies de inundación, o sea, éstas pueden no poseer un amplio margen horizontal en el entorno del canal fluvial, no hay deposición de sedimentos, ser encajadas pero pueden sufrir con el fenómeno de la inundación. Siendo así, este artículo tiene como objetivo hacer una revisión conceptual de planicies de inundación y áreas inundables, comparando los dos conceptos y aplicándolos en las cuencas hidrográficas del ribeirão Bom Jardim y río das Pedras, ubicadas en el Triángulo Minero. A partir de la fisiografía de las áreas, por medio de la revisión conceptual y aplicación de herramientas geocartográficas, se constató que toda la planicie de inundación del Ribeirão Bom Jardim coincide con las áreas inundables, lo que no ocurre con el Río das Pedras. Tales áreas, indistintamente, deben ser preservadas para evitar daños materiales y humanos en el futuro.

Palabras clave: Dinámica fluvial, Deposición sedimentaria, Fisiografía, Geocartografía.

INTRODUÇÃO

As planícies de inundação são caracterizadas como unidades geomorfológicas formadas por deposições sedimentares desenvolvidas pela ação da água. Ocorrem em áreas de gradiente topográfico baixo, nos vales dos rios, onde os declives mais brandos favorecem a deposição e permanência dos materiais transportados pela água. Essas formações sedimentares possuem, em sua composição, sedimentos predominantemente finos que, juntamente com a presença da água, formam solos aluviais, ricos em matéria orgânica.

A morfologia de um canal fluvial depende da interação de processos hidrológicos e geomorfológicos, os quais consistem na erosão, transporte e deposição dos materiais desagregados ao longo do canal e de suas margens. No entanto, para entender a formação das planícies de inundação, bem como seu funcionamento, é preciso ter conhecimento desses processos de forma conjunta e compreender como eles atuam modelando a paisagem.

Cada canal fluvial possui uma dinâmica hidrogeomorfológica que influencia fortemente na evolução e dinâmica da paisagem no qual está inserido. Por serem áreas planas, com declividades brandas, próximas aos cursos d’água, a ocupação das planícies de inundação torna-se atraente aos agentes econômicos. O uso e ocupação das mesmas é diverso: são utilizadas para cultivo agrícola devido à alta fertilidade do solo; pastagem pelo fácil acesso do gado e proximidade com a água para dessedentação e, em áreas urbanas, sendo substituídas por grandes avenidas, principalmente. Cada um desses usos gera impactos negativos nas planícies de inundação, mas a impermeabilização dessas áreas para estruturação urbana tem sido o problema mais sério e recorrente.

Dessa forma, o estudo das planícies de inundação tornou-se frequente após as recorrentes enchentes em áreas urbanas, que acontecem em situações de eventos pluviométricos extremos, somados a outros fatores, causando perdas materiais, humanas e ambientais. Porém, é comum ver trabalhos que mapeiam as áreas que já ocorreram inundação, trazendo apenas a comprovação de que o evento existe e sempre acontecerá quando houver condições para isto, não havendo ações mitigadoras suficientes que transformem tal realidade.

Neste contexto, se justifica a discussão conceitual, bem como o estudo dessas áreas nas bacias hidrográficas do ribeirão Bom Jardim e rio das Pedras, ambas localizadas nas proximidades da atual mancha urbana da cidade de Uberlândia (MG). Nelas, ainda não há ocupação urbana significativa e seus usos estão voltados principalmente para atividades agrossilvipastoris. Porém, visto que tais bacias estão localizadas em áreas onde o crescimento urbano está se expandindo, tem-se a preocupação de definir corretamente as planícies de inundação como forma de prevenção a possíveis desastres naturais no futuro. Em outras palavras, a delimitação dessas áreas servirá como base para preservação das mesmas, configurando assim uma ação mitigadora com o intuito de impedir ou controlar a ocupação pela mancha urbana.

As bacias adotadas para efeito demonstrativo evoluíram sobre rochas da Formação Serra Geral (Grupo São Bento), arenitos da Formação Marília (Grupo Bauru) e coberturas detrítico-lateríticas cenozoicas, integrantes da Bacia Sedimentar do Paraná. A maior parte da área encontra-se acima da curva de nível de 600m, onde o relevo apresenta-se relativamente plano, em forma de chapada, com vertentes suaves. No caso do Rio das Pedras, entre 800 e 600m a declividade aumenta consideravelmente e o entalhamento da rede de drenagem atinge os basaltos da Formação Serra Geral (NETTO; FERREIRA, 2012, p.9).

A conceituação correta dos termos é fundamental, evitando possíveis conflitos entre terminologias específicas. Estudar as planícies de inundação por si só, é falar sobre unidades geomorfológicas de características fisiográficas próprias que permanecem ou não inundadas, ou que podem ser imergidas em períodos de cheias. Porém, a linha média de inundação, ou as áreas inundáveis, podem ser superiores ao limite das planícies de inundação, caracterizando assim como áreas inundáveis, que não são uma unidade geomorfológica em que não há sedimentação, podendo até mesmo ocorrer em canais encaixados, pedregosos, mas que a topografia permite que a água extravase os limites do leito principal em eventos específicos.

Na bacia hidrográfica do ribeirão Bom Jardim, as planícies de inundação e as áreas inundáveis coincidem, pois, ao mesmo tempo em que são formas deposicionais de gradiente topográfico baixo, suas margens estão propensas a sofrer com o fenômeno da inundação. Já na bacia do rio das Pedras, há trechos às margens do canal principal que são inundáveis e não são caracterizados como planícies de inundação. Então, buscando uma maneira de facilitar a compreensão, evitar confusão de conceitos e englobar na delimitação tanto as planícies de inundação, enquanto configuração geomorfológica, como as áreas inundáveis, enquanto áreas sujeitas à inundação, propõe-se a adoção do termo Áreas com Tendência a Inundações – ATIs.

O objetivo desse trabalho, portanto, é fazer uma revisão conceitual sobre planícies de inundação e áreas inundáveis, comparando os dois conceitos e aplicando-os nas bacias hidrográficas do ribeirão Bom Jardim e rio das Pedras, sub-bacias da bacia do rio Uberabinha. As duas bacias incorporam áreas do município de Uberlândia-MG.

Este artigo está divido em três tópicos que apresentarão a fisiografia das planícies de inundação, discursando sobre sua formação, composição, vegetação característica e comportamento da drenagem; a diferenciação dos conceitos planície de inundação e áreas inundáveis e sua aplicação nas referidas bacias hidrográficas, e, por fim, sobre a dinâmica de inundação, quais as influências que levam à sua ocorrência e quais os movimentos da água. Tal divisão contribui para com o objetivo principal deste artigo o qual trata de uma revisão conceitual de planícies de inundação e áreas inundáveis e sua diferenciação, utilizando-se de exemplos demonstrativos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para diferenciação dos conceitos de planície de inundação e áreas inundáveis, foi realizado um levantamento bibliográfico que pudesse nortear a pesquisa acerca dos termos que estão sendo utilizados em trabalhos relacionados ao tema e como estão sendo aplicados. Já para o mapeamento, buscando demonstrar a diferença entre os dois elementos analisados, planície de inundação e áreas inundáveis, aplicando-os em situações reais, montou-se um banco de dados com arquivos georreferenciados, em formato raster e shapefile.

Faz parte desse banco de dados vinte cartas topográficas digitalizadas, em formato raster (imagem), na escala de 1:25.000, elaboradas pelo Departamento de Engenharia e Comunicações do Serviço Militar (1979) e obtidas no Laboratório de Cartografia e Sensoriamento Remoto - LACAR da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, sendo elas: Cachoeira do Sucupira (SE.22-Z-B-VI-4-SO), Córrego da Fortaleza (SE.22-Z-D-III-2-SE), Córrego da Harmonia (SE.22-Z-D-III-2-SO), Córrego do Barbosa (SE.22-Z-D-III-1-NE), Córrego Formiga (SE.22-Z-III-4-NO), Córrego Natureza (SE.22-Z-D-III-3-NE), Córrego Racharia (SE.22-Z-D-III-2-NE), Estação Buriti (SE.22-Z-D-III-4-NE), Granja Planalto (SE.22-Z-D-III-2-NO), Ilha do Funil (SE.22-Z-B-VI-4-SE), Ribeirão Água Limpa (SE.22-Z-D-III-1SE), Uberlândia (SE.22-Z-B-VI-4-SE), Rio das Pedras (SE-22-Z-B-VI-SO), Usina dos Martins (SE-22-Z-B-VI-3-NO), Palma da Babilônia (SE-22-Z-B-V-4-SE), Xapetubas (SE-22-Z-B-V-4-NE), Martinésia (SE-22-Z-B-VI-1-SO), Palmital (SE-22-Z-B-V-2-SE) e Taperão (SE-22-Z-B-V-2-SO). Todas foram georreferenciadas no Sistema de Coordenadas Projetadas (UTM), no Referencial Geodésico SIRGAS 2000, fuso 22S, no software QGIS, versão Las Palmas 2.18.

Também compõem a base de arquivos os shapefile de curvas de nível com equidistância de 10 m, limites das bacias e redes hidrográficas. As curvas de nível e os limites das bacias foram vetorizados manualmente tendo como base cartográfica o mosaico das vinte cartas topográficas que recobrem as áreas das bacias. A rede hidrográfica foi obtida por meio da base de dados da Infraestrutura de Dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – IDE-SISEMA, na escala de 1:100.000 (que atende ao mapeamento da pesquisa), recortada nos limites das bacias, extraindo apenas as bacias estudadas e seus afluentes, e convertida do Referencial Geodésico WGS 84, sistema cartográfico original, para o Referencial da pesquisa, SIRGAS 2000, fuso 22S.

As curvas de nível configuram o principal arquivo para a delimitação das áreas de inundação. Dessa forma, tendo em vista sua importância para o mapeamento, foi realizada a correção topológica deste arquivo a partir da ferramenta “Verificação de Geometria” do QGIS. Esta ferramenta indica as falhas de vetorização da geometria como: lacunas entre uma geometria e outra, nós duplicados, nós sobrepostos, entre outras. A ferramenta apresenta uma lista com a localização e a descrição dos erros onde estes são corrigidos manualmente. O processamento dessa ferramenta é importante para evitar possíveis imprecisões que podem trazer resultados negativos em tratamentos posteriores dependentes das curvas de nível.

As planícies aluviais, ou planícies de inundação, conforme já mencionado, foram definidas a partir de revisão bibliográfica, tomando como base conceitos essenciais para auxiliar no mapeamento das mesmas, diferenciando-as e comparando-as às áreas inundáveis que não acumulam sedimentos. Para a delimitação das planícies de inundação, foi feita a sobreposição da declividade, do relevo sombreado, juntamente com imagens do Google Satélite dispostas no complemento QuickMapServices, dentro do próprio QGIS. Foi feita a identificação de feições geomorfológicas características de ambientes de planícies, de acordo com a bibliografia, tais como: a baixa declividade, a proximidade com canais fluviais, vegetação típica de ambientes úmidos. Na bacia hidrográfica do ribeirão Bom Jardim, essas áreas são muito expressivas, sendo facilmente identificadas nas imagens orbitais pelo aspecto molhado do solo, além do próprio traçado das formas de uso da terra presentes na área, que isolam as planícies. Para a bacia do rio das Pedras foi necessária a realização de trabalhos de campo, pois os indicadores não são facilmente evidenciados pelas referidas características, especialmente no trecho jusante. Para englobar tanto as feições geomorfológicas como as áreas de risco à inundação, nomeou-se os polígonos como Áreas com Tendência a Inundações – ATIs, evitando erros conceituais.

PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO E SUA FISIOGRAFIA

As planícies de inundação, sinônimo de planícies aluviais, são formações sedimentares de deposição desenvolvidas pela ação da água em ambientes de gradiente topográfico baixo. São “formas superficiais dominadas por processos sedimentares deposicionais” (GIANNINI; RICCOMINI, 2009, p. 168). Trata-se de feições deposicionais no vale de um rio, sendo associadas a um regime climático e/ou hidrológico, estocando os sedimentos ao longo de um tempo, caracterizando uma condição de equilíbrio (ROCHA; COMUNELLO, 2009, p. 60).

As planícies aluviais ocorrem em vales abertos e são caracterizadas como áreas planas adjacentes ao nível do topo do canal, estendendo-se para ambos os lados do curso d’água. É nesta em que acontece o extravasamento do leito em suas margens, provocando inundações do vale, carregando silte e areia para além do canal original (PRESS et. al., 2006, p. 346). Segundo Christofoletti, (1974, p. 60) as planícies de inundação,

(...) conhecidas como várzeas na toponímia popular do Brasil, constituem a forma mais comum de sedimentação fluvial, encontrada nos rios de todas as grandezas. A designação é apropriada porque nas enchentes toda essa área é inundada, tornando-se o leito do rio (CHRISTOFOLETTI, 1974, p. 60).

Hidrólogos e engenheiros classificam as planícies de inundação como uma superfície próxima a um canal fluvial que sofre inundação uma vez durante um período de retorno, independentemente de ser uma forma aluvial ou não (NANSON; CROKE, 1991, p. 460, tradução nossa), porém, geomorfologicamente falando, esta definição não atende às características reais dos processos envolvidos. “The genetic floodplain we define as the largely horizontally-bedded aluvial landform adjacente to a channel, separeted from the channel by banks, and built of sediment transported by the presente flow-regime.” (NANSON; CROKE, 1991, p. 460).[1]

Em outras palavras, a planície de inundação é originada pela migração de um canal fluvial sobre o fundo de vale (PRESS et. al., 2006, p. 349), bem como pelo transporte e deposição de sedimentos por meio do regime de fluxo nas margens de um curso d’água, um processo denominado sedimentação. Entende-se por sedimentação fluvial a remoção, o transporte e a deposição das partículas do regolito – camada solta de material intemperizado. Sedimento, do latim sedis, significa assento, deposição, ou seja, tudo “aquilo que se deposita, que se depositou ou é passível de se depositar” (GIANNINI; RICCOMINI, 2009, p. 170). Trata-se do material sólido desagregado de rochas que sofreram alterações físicas ou químicas que foi transportado e depositado. Esse transporte pode ser de origem fluvial, carregado pelos rios, ou por escoamento pluviais e/ou movimentos gravitacionais nas vertentes.

Existem duas forças mecânicas que atuam no fluxo de um canal fluvial e na sua capacidade de erosão e transporte de sedimentos: a força gravitacional e a de fricção. A força gravitacional atua no sentido da declividade do terreno, onde a água irá escoar do ponto mais alto para o mais baixo, ou seja, na direção de escoamento da água e sua aceleração ao longo do declive. “A força da gravidade atua verticalmente e possibilita o escoamento das águas das partes mais altas para as mais baixas.” (CHRISTOFOLETTI, 1981, p. 01). Já a força de fricção diz respeito à força contrária à declividade. É a resistência exercida pelo leito e suas margens. “A fricção exercida pelas superfícies delimitantes do canal no escoamento do fluido promove ação de retardamento, cuja direção é contrária à do fluxo.” (CHRISTOFOLETTI, 1981, p. 01-02). “The relationship between these two forces ultimately determines the ability of flowing water to erode and transport debris” [2](KNIGHTON, 1998, p. 96).

Atuadas as duas forças supracitadas, o processo de sedimentação, ou deposição, na formação das planícies de inundação ocorre onde a variação topográfica é baixa e onde há a ruptura do relevo, ou seja, nos locais em que a declividade deixa de ser acentuada e passa a ser mais branda, “onde o baixo declive favorece a longa manutenção, em superfície, de solos, depósitos e sedimentos em trânsito” (GIANNINI; RICCOMINI, 2009, p. 173).

Nas terras baixas, onde o soerguimento tectônico cessou há muito tempo, a erosão fluvial das vertentes do vale é limitada pelo intemperismo químico e pelos deslizamentos de massa. Com um longo período de atividade, esses processos produzirão encostas suaves e planícies de inundação de muitos quilômetros de largura (PRESS et. al., 2006, p. 347).

Contudo, Nanson e Croke (1991), consideram três principais processos deposicionais na formação das planícies de inundação: (1) acreção lateral de pontos de barra (lateral point-bar accretion), que resulta da deposição de pontos de barra sobre o banco convexo do meandro; (2) acreção vertical sobre banco de estoque (overbank acretion-vertical), resultante da sobreposição de sedimentos do banco de depósito durante uma inundação; (3) acreção de canal trançado (braid-channel accretion), resultado da combinação de três processos: mudança de um curso fluvial para outra parte do vale, agradação local e formação extensiva de barras elevadas durante uma inundação intensa.

(1) Lateral point-bar accretion results from the progressive deposition of points bar on the convex bank of a meandre bend as the result of helical and divergente flow and a complex paterno of shear stress distibruition within the bend (NANSON; CROKE, 1991, p. 461).

(2) Overbank acretion-vertical results from overbank deposition of sediment during floods. It has been shown to be dominant processes along certain low-gradient single-thread channels and anastomosing channels where there insuficiente stream power to permit channel migration (NANSON; CROKE, 1991, p. 462).

(3) Braid-channel accretion is the product of a combination of processes including: (i) the shifting of primary braid channels to another part of the valley allowing the stabilisation of previously active areas of braid bars river bed; (ii) local agradation and later channel incision resulting in the formation of abandoned braid-bars as partly erosional, elevated features; (iii) the formation of extensive, elevated bars during a large flood forming a stable surface beyond the reach of regular events. These combine to form of deposits along braided rivers (NANSON; CROKE, 1991, p. 462).

Na formação das planícies de inundação é levado em consideração os processos hidrológicos (fluxo do canal, capacidade de transporte de sedimentos) e geomorfológicos (agradação, acumulação de sedimentos nas margens), juntamente com as características físicas do relevo, como declividade e altimetria. Porém, a geometria do canal fluvial é também um importante fator na caracterização das suas unidades morfológicas, pois ela “(...) reflete um estado de quase equilíbrio entre vários fatores inter-relacionados.” (SUGUIO; BIGARELLA, p. 19).

Alguns desses fatores como descarga, carga sedimentar e diâmetro dos sedimentos transportados, atuam independentemente dentro do canal, pois são controlados por elementos externos, tais como, litologia, e estrutura do substrato, relevo e clima (SUGUIO; BIGARELLA, p. 19).

Dessa forma, a geometria do canal interfere diretamente na dinâmica do fluxo de transporte e no modelo deposicional. Outro fator de importância é a configuração de um canal fluvial. Canais retilíneos e meandrantes, por exemplo, possuem baixo volume de carga de fundo, porém alto volume de carga suspensa, em declividades acentuadamente baixas. Já os canais anastomosados são mais largos e possuem rápido transporte de sedimentos e contínuas migrações laterais. Formam barras arenosas que podem ficar submersas em períodos de inundação, favorecendo a deposição de sedimentos mais finos (SUGUIO; BIGARELLA, p. 22). No entanto, a configuração do canal fluvial interferirá na velocidade de transporte e deposição dos sedimentos, no volume de carga transportada, bem como na granulometria do sedimento carregado.

Os sedimentos transportados e constituintes das planícies de inundação possuem características aluvionares e predominância de textura arenosa nas bordas das planícies. Este material, somado às áreas mais baixas, dá origem a solos hidromórficos, que são periodicamente ou permanentemente saturados por água,

(...) constituídos por material mineral, que apresentam horizonte glei, que pode ser um horizonte subsuperficial (C, B ou E) ou superficial A. O horizonte superficial apresenta cores desde cinzentas até pretas, espessura normalmente entre 10 e 50 cm e teores médios a altos de carbono orgânico (EMBRAPA, 2006, p. 120).

É comum nestas áreas de influência fluvial, de solos hidromórficos, a ocorrência de vegetação rasteira do tipo gramíneas e ciperáceas (ervas que crescem em terrenos alagadiços), arbustiva ou outras espécies adaptadas à inundação. No Domínio dos Cerrados, os vales aluviais estão recobertos, geralmente, por florestas de galeria de médio e grande porte. Ainda nesses vales, ocorrem corredores herbáceos intercalados com as florestas de galeria, comumente conhecidos por veredas, os quais estão associados à presença das palmeiras, ou buriti (como conhecido popularmente), como principal representativo desse arranjo fitogeográfico de áreas úmidas (AB’SABER, 2012, p. 116).

PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO E ÁREAS INUNDÁVEIS

Como visto, as planícies de inundação representam uma configuração geomorfológica modelada por processos geomorfológicos e hidrológicos que atuam em conjunto na paisagem.

O entrelaçamento das ações erosivas e deposicionais, no tempo e no espaço, produz complexos de formas topográficas que surgem como respostas a ambientes de sedimentação em escala de grandeza maior, caracterizando as planícies de inundação, os deltas, os cones aluviais e as formações sedimentares (CHRISTOFOLETTI, 1981, p. 210).

Quanto às áreas inundáveis, não há bibliografia que conceitue o termo, porém entende-se que as mesmas, diferente das planícies de inundação, não correspondem a uma feição geomorfológica desenvolvida por ações de deposição que modelam as margens de um curso d’água. Pelo contrário, são áreas vulneráveis à ocorrência de enchentes devido à topografia (baixas declividades) e outros fatores que contribuem para o evento, como precipitação e atividades humanas, sem necessariamente haver deposição de sedimentos nos eventos de transbordamento.

O esquema da Figura 1 representa a diferença entre os dois termos utilizados para áreas susceptíveis à inundação: (A) curso d’água com margens deposicionais, constituídas basicamente por sedimentos finos transportados e depositados pela ação da água em conjunto com uma topografia suave e vegetação característica de áreas úmidas; (B) áreas inundáveis de um curso d’água sem formas deposicionais, com topografia também plana, porém margens mais encaixadas que podem vir a ser inundadas em períodos de cheia. As áreas inundáveis podem ocorrer em cursos d’água situados em vales pedregosos, sem ocorrência de acúmulo de material aluvionar.

Na bacia hidrográfica do ribeirão Bom Jardim, mais especificamente no curso principal, a planície de inundação coincide com as áreas inundáveis, pois, ao mesmo tempo, são formas deposicionais de gradiente topográfico baixo, suas margens estão propensas a sofrer com o fenômeno da inundação (FIGURA 2). Na bacia do rio das Pedras, no setor jusante, há trechos encaixados susceptíveis a eventos de inundações, mas que não configuram áreas de deposição sedimentar, ou seja, não são planícies de inundação (FIGURA 3). As áreas de planícies de inundação somadas às áreas inundáveis representam as Áreas com Tendência a inundações – ATIs.


Figura 1
Esquema demonstrativo de planícies de inundação e áreas inundáveis.

A: planícies de inundação, com margens deposicionais e vegetação característica. B: Áreas inundáveis em canal encaixado, não havendo margem deposicional.

BORGES, F. O (2018)


Figura 2
Delimitação da planície de inundação da bacia hidrográfica do ribeirão Bom Jardim
BORGES, F. O (2018)


Figura 3
Delimitação da planície de inundação e áreas inundáveis da bacia hidrográfica do rio das Pedras
BORGES, F. O (2018).

A delimitação dessas áreas partiu da sobreposição de imagens do Google Earth, relevo sombreado e declividade, onde, estes dois últimos são resultados de processamentos no software QGIS a partir de curvas de nível vetorizadas manualmente, com equidistância de 10 m, tendo como base cartográfica cartas topográficas na escala de 1:25.000. Sabendo que as planícies de inundação margeiam os cursos d’água, estas foram facilmente identificadas nas imagens orbitais do Google Earth, baseando-se na resposta espectral dos elementos da paisagem como: cor, rugosidade, forma, e pelo aspecto molhado do solo. Já as áreas inundáveis são tudo aquilo que se avizinha do curso d’água até a ruptura do relevo entre encosta e áreas marginais, porém sem ocorrência de depósitos aluviais, ou seja, são as áreas “secas”, mas que ainda mantém o gradiente topográfico relativamente baixo.

DINÂMICA DE INUNDAÇÃO

Para um melhor entendimento da dinâmica de inundação, é importante diferenciar os conceitos de cheia e inundação. A cheia refere-se a uma elevação temporária do nível normal da água em função de um acréscimo de descarga (RAMOS, 2013, p. 11). Nas cheias, não há extravasamento do limite da calha fluvial. Já a inundação, trata-se de um alagamento exterior à calha fluvial, resultante do aumento do volume de águas em consequência de fortes chuvas, ocupação incorreta do solo, topografia plana e outros fatores. É a invasão da água nas margens mais baixas de um curso d’água, ou seja, é o extravasamento do limite da calha principal do rio para as áreas marginais, imergindo aquelas que normalmente não são ocupadas pelas águas. “As inundações são fenómenos hidrológicos extremos, de frequência variável, naturais ou induzidos pela acção humana, que consistem na submersão de uma área usualmente emersa.” (RAMOS, 2013, p. 11). Este fenômeno constitui o risco natural de maior ocorrência nas áreas urbanas.

Segundo Ramos (2013, p.11) as inundações podem ocorrer de vários tipos. Dependendo de suas causas, elas podem ser: inundações fluviais ou cheias, inundações de depressões topográficas, inundações costeiras e inundações urbanas (Quadro 1).

Quadro 1
Tipos de inundações e suas causas

Ramos (2013, p. 12).

A água precipitada encontra caminhos diferentes ao entrar em contato com a superfície terrestre. Parte dessa água infiltra para aquíferos subterrâneos ou escoa subsuperficialmente, chegando ou não a um canal fluvial, e a maior parte dessa água é escoada superficialmente das partes mais altas até as mais baixas, desaguando no canal fluvial mais próximo. Ao encontrar esse canal, há um acréscimo no volume de água na calha principal fazendo o nível da área molhada subir. Sendo assim, a inundação ocorre quando essa calha principal não suporta o volume de água recebido e a sobrecarga é extravasada para as margens laterais, alargando o canal e atingindo áreas que, até então, estavam emersas.

Um exemplo bastante didático sobre a dinâmica da inundação pode ser dado fazendo uma analogia com um copo d’água. Enquanto houver espaço até o limite do copo, este será preenchido com água normalmente, porém, quando este espaço é totalmente preenchido e a água chega até a borda, ocorre o transbordamento.

Em áreas urbanas esse transbordamento pode ser catastrófico. A impermeabilização das áreas de contribuição provoca o aumento da velocidade de escoamento superficial e, não havendo infiltração, o volume de água também aumenta. Assim, os leitos dos rios mais próximos atingem rapidamente o seu volume máximo, sendo que a água ultrapassa as margens laterais, invadindo ruas e casas, causando perdas materiais e humanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste artigo foram discutidos os conceitos de planícies de inundação e áreas inundáveis, a fisiografia das planícies de inundação e a dinâmica de inundação, propondo-se a adoção do termo Áreas com Tendência a Inundações – ATIs para aglutinar as superfícies que podem receber inundações, independentemente de serem ou não planícies aluviais. As planícies de inundação são aquelas que margeiam os cursos d’água, formadas em áreas de gradiente topográfico baixo por deposição de sedimentos a partir da ação da água, constituindo uma forma topográfica. Já as áreas inundáveis são também aquelas que margeiam um curso d’água, em regiões mais planas, porém podem ocorrer em canais entalhados e pedregosos, não havendo deposição sedimentar.

Na bacia hidrográfica do ribeirão Bom Jardim há uma coincidência entre as planícies de inundação e as áreas inundáveis, ou seja, ao mesmo tempo em que são formas deposicionais, são também áreas planas, de topografia baixa, em que o curso d’água pode invadir em períodos de intensas chuvas. Na bacia do rio das Pedras há trechos mais encaixados no setor jusante que não configuram planícies de inundação, mas que são temporariamente inundáveis em situações de eventos pluviais extremos.

A delimitação e a correta definição dos conceitos acerca de planícies de inundação e áreas inundáveis são importantes na prevenção de desastres naturais que tanto ocorrem nas áreas urbanas. A aplicação deste estudo em bacias hidrográficas que ainda estão fora do perímetro urbano garante a possibilidade da prevenção aos desastres e a preservação dessas áreas frágeis do ponto de vista ecossistêmico.

Foi discorrido também sobre a dinâmica de inundação e a diferenciação entre os conceitos de inundação e cheias, observando que nem toda cheia vai gerar ou culminar numa inundação. Importante lembrar que as inundações podem ser induzidas devido a uma depressão topográfica, em áreas costeiras por influência do nível do mar ou por ações antrópicas como descarte incorreto de lixo, canalização de córregos e impermeabilização de extensas áreas de contribuição aos cursos d’água. Portanto, foi apresentada a conceituação e diferenciação dos termos de planície de inundação e áreas inundáveis e sua aplicação em duas áreas modelo, a bacia hidrográfica do ribeirão Bom Jardim e a bacia do rio das Pedras. A delimitação dessas áreas pode contribuir para um planejamento estratégico preventivo, advertindo para possíveis danos futuros.

REFERÊNCIAS

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