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O CERRADO COMO O “BERÇO DAS ÁGUAS”: potencialidades para a educação geográfica
THE CERRADO AS THE "BERRY OF THE WATERS": potentialities for geographical education
LE CERRADO COMME LE “BERCEAU D’EAUX”: des potentialités pour l’éducation géographique
Revista Cerrados (Unimontes), vol. 17, núm. 1, pp. 86-113, 2019
Universidade Estadual de Montes Claros

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

Recepção: 27 Fevereiro 2019

Aprovação: 09 Abril 2019

Publicado: 30 Abril 2019

DOI: https://doi.org/10.22238/rc244826922019170186113

Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir a importância hidrológica do Cerrado e do seu conhecimento no processo de ensino-aprendizagem na Geografia Escolar. Discutir o Cerrado a partir do termo “berço das Águas”, requer a compreensão de que, embora a água seja um recurso natural renovável, sua dinâmica de circulação no ambiente tem sido afetada pela sociedade, comprometendo sua qualidade e disponibilidade. Para alcançar esse objetivo, foram realizadas pesquisas bibliográficas, relativas aos temas Cerrado, ensino de Geografia e impactos ambientais, e análises de dados primários, disponibilizados pela CPRM, ANA, IBGE e EMBRAPA. Com o intuito de apresentar os resultados obtidos, estruturou-se o presente artigo em três tópicos. No primeiro, discute-se as potencialidades hídricas do domínio morfoclimático do Cerrado. Na sequência, aborda-se os recursos hídricos e sua importância para o Cerrado. Por fim, apresentam-se algumas possibilidades para a conservação desse domínio por meio do ensino de Geografia. Diante disso, conclui-se que, o uso correto dos recursos hídricos requer a construção do conhecimento sobre o Cerrado na Educação Básica. E que a análise em torno dessa temática não pode ser encaminhada criando cisões entre problemas ambientais e sociais, pelo contrário, deve primar pela conscientização, no sentido da construção de cidadãos autônomos.

Palavras-chave: Cerrado, Ensino de Geografia, Conservação.

Abstract: This article aims to discuss the hydrological importance of the Cerrado and its knowledge in the teaching-learning process in School Geography. Discussing the Cerrado from the term "cradle of Waters" requires the understanding that, although water is a renewable natural resource, its dynamics of circulation in the environment has been affected by society, compromising its quality and availability. To achieve this objective, bibliographic research was carried out, related to the Cerrado, geography teaching and environmental impacts, and primary data analyzes made available by CPRM, ANA, IBGE and EMBRAPA. In order to present the results obtained, the present article was structured in three topics. In the first, we discuss the water potential of the Cerrado morphoclimatic domain. In the sequence the water resources and its importance for the Cerrado. Finally, some possibilities are presented for the conservation of this domain, through the teaching of Geography. Therefore, it is concluded that, the correct use of water resources requires the construction of knowledge about the Cerrado in Basic Education. And that, the analysis, around this issue, can not be addressed by creating divisions between environmental and social problems, but, on the contrary, should be based on awareness, in the sense of building autonomous citizens.

Keywords: Cerrado, Geography Teaching, Conservation.

Mots clés: Cerrado, Enseignement de Géographie, Conservation

INTRODUÇÃO

O termo “Cerrado: o berço das águas do Brasil” tem sido utilizado por diversos autores, para discutir a importância do domínio morfoclimático do Cerrado para a distribuição da água em todo o país. Essa discussão está assentada na perspectiva de que é nesse domínio que se encontram os divisores de água das principais Bacias Hidrográficas brasileiras. Considerando que a rede de drenagem é um dos principais elementos dessas bacias, no presente texto, o nosso foco será discutir a importância hidrológica do Cerrado. Embora a água seja um recurso natural renovável, pertencente a um ciclo, sua dinâmica de circulação no ambiente tem sido afetada pela sociedade, comprometendo a disponibilidade desse recurso.

Portanto, considerando a dinâmica atual desse domínio, questiona-se: o Cerrado configura-se como o “berço das águas”? Quais aspectos foram utilizados como referência para atribuir essa designação? Qual relação há entre essa nomenclatura e contexto atual do cerrado? Esses questionamentos amparam-se na análise em torno do processo de uso e apropriação que vêm sendo realizado nos territórios e recursos do Cerrado. Considerando a importância da Educação Geográfica para a compreensão das práticas espaciais e para a formação cidadã, ampliam-se esses questionamentos ao enfatizar se essa formação conseguiria reverter ou, ao menos amenizar essa situação, numa direção que vise a conscientização e a conservação desse domínio. É nesse sentido que, o presente trabalho tem como objetivo discutir a importância hidrológica do Cerrado e do seu conhecimento para encaminhar o processo de ensino- aprendizagem na Geografia Escolar.

Com intuito de alcançar esse objetivo, realizou-se revisão bibliográfica em artigos de livros e revistas, bem como em teses e dissertações, que abordassem o tema Cerrado, considerando tanto os componentes físico-naturais quanto as demandas de ordem social e cultural.

Somou-se à análise bibliográfica o levantamento e investigação de dados disponibilizados pela Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), pela Agência Nacional de Águas (ANA), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Dentre os dados obtidos nessas instituições, destacaram-se a obtenção de dados relativos às unidades de relevo, solos, geologia simplificada e domínios hidrogeológicos que, espacializados para área do Cerrado, permitem refletir tanto sobre a distribuição espacial quanto em torno dos processos físicos-naturais que se relacionam à disponibilidade de água nesse âmbito. Para a confecção dos mapas, os dados foram organizados no ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica), do software ArcGis.

Com o propósito de apresentar os resultados obtidos em torno desse objetivo, estruturou-se o presente trabalho em três tópicos. No primeiro, denominado Potencialidade hídrica do domínio morfoclimático do Cerrado, apresentamos um panorama sobre as potencialidades hídricas desse domínio a partir de características físico-naturais, tais como o relevo, o clima, o solo e a cobertura vegetal. Ademais, buscamos refletir sobre o Cerrado como berço das águas. No tema subsequente, o destaque é atribuído aos Recursos hídricos e sua importância para o Cerrado.

Para essa discussão, apresenta-se uma série de dados que mostram como as águas do Cerrado estão sendo utilizadas e, também, os conflitos que estão sendo gerados a partir de uma gestão ineficaz e/ou ineficiente desse recurso. Para finalizar, no item intitulado Conservação: Possibilidades reais por meio da educação geográfica, discutimos a importância da conservação do Cerrado e apresentamos o papel que o ensino de Geografia possui na educação básica para favorecer a conscientização dos cidadãos.

MATERIAIS E MÉTODOS

A área de estudo trata-se do Cerrado que está localizado basicamente no Planalto Central do Brasil, e que abrange de forma contínua os estados de Goiás, Tocantins e o Distrito Federal, parte dos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia e São Paulo (RIBEIRO E WALTER, 2008).

Para alcançar o objetivo, realizou-se uma análise bibliográfica, como principais contribuições sobre o Cerrado destacam-se Castilho e Chaveiro (2010), Campos Filho (2010), Silva (2009), Lima e Silva (2005), Coutinho (2002). No ensino as considerações de Silva e Bueno (2015), Morais (2013), Costa (2010), Cavalcanti (2002) entre outros.

Optou-se pela análise integrada dos aspectos físico-naturais para análise do potencial fisiográfico do Cerrado. Tal análise foi possível a partir da organização de mapas no software ArcGis, com base nos dados vetoriais disponibilizados pela Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), pela Agência Nacional de Águas (ANA), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).

A confecção do mapa de precipitação média anual do Cerrado (1977-2006) utilizou-se os dados disponibilizados do projeto Atlas Pluviométrico do Brasil da CPRM, em escala 1:5.000.000. Os mapas de compartimentos relevo e de solos, ambos em escala em escala de 1: 5.000.000, foram organizados com dados do Mapa de Unidades de Relevo do Brasil e do Mapa de solos do Brasil do IBGE e EMBRAPA.

A análise da geologia, em virtude da extensão da área em estudo, desdobrou-se a partir dos principais tipos de rochas que predominam no Cerrado. Para tanto, foram utilizados os dados vetoriais do Mapa Geológico Simplificado do Brasil, em escala de 1:6.000.000, da CPRM.

O mapa dos Domínios hidrogeológicos do Cerrado foi organizado a partir do dado vetorial do Mapa Hidrogeológico do Brasil ao Milionésimo (Diniz et al., 2014) disponibilizado pela CPRM, em escala de 1:5.000.000. A partir dessas análises foi possível apresentar os resultados nos próximos itens a seguir.

POTENCIALIDADE HÍDRICA DO DOMÍNIO MORFOCLIMÁTICO DO CERRADO

Devido às especificidades dos componentes físicos-naturais do Cerrado, existe uma elevada potencialidade hídrica nessa esfera, como aponta Lima (2011) ao expressar que esse domínio é conhecido como “o pai das águas do Brasil”, “o berço das águas do Brasil”, ou a “grande caixa d’água do Brasil”.

Essa afirmação de que o Cerrado é o “berço das águas do Brasil” é discutida pelo Biológo e Pesquisador da Embrapa, José Felipe Ribeiro, que confirma o uso desse termo em uma entrevista concedida ao Instituto Humanistas Unisinos realizada por Santos (2017), conforme pode ser observado a seguir. A pergunta é: “O Cerrado brasileiro pode ser considerado berço das águas do mundo? Por quê?”, e Ribeiro responde que, no Cerrado, nascem rios que originam seis das principais regiões hidrográficas brasileira: Parnaíba, Paraná, Paraguai, Tocantins-Araguaia, São Francisco e Amazônica. Ele explica que o Cerrado não tem rios de grande vazão, mas concentra nascentes que alimentam as grandes regiões hidrográficas brasileiras. E ainda relata que, nesse domínio, estão localizados três grandes aquíferos – Guarani, Bambuí e Urucuia –, que são responsáveis pela formação e alimentação desses rios. Dessa forma, afirma que, devido a esse potencial hídrico, o Cerrado recebe o título de Berço das Águas.

Desse modo, pela importância do imenso potencial hídrico, o Cerrado realmente pode ser considerado o “Berço das Águas”. Outro termo que também tem sido utilizado para se referir ao Cerrado é o de “Guarda-Chuva”. De acordo com Caldas (2014), numa reportagem realizada com Jorge Enoch Furquim Werneck, pesquisador em Hidrologia da Embrapa Cerrados, “por estar em área alta e central, o Cerrado é a origem das grandes regiões hidrográficas brasileiras e do continente sul-americano, fenômeno apelidado de Efeito Guarda-Chuva” (Figura 1).


Figura 1
Representação da área contínua do Cerrado no contexto das regiões hidrográficas brasileiras, 2011.
LIMA, Jorge Enoch Furquim Werneck (2011).

O “efeito guarda-chuva” representa a ocorrência de nascentes situadas em áreas de altitudes mais elevadas, no território nacional, que alimentam cursos d’água de diferentes regiões hidrográficas, contribuindo para a formação da rede hídrica local e regional. De tal modo, o Cerrado é considerado o local de origem das grandes bacias hidrográficas brasileiras e sul-americanas (LIMA; SILVA, 2008a), devido à sua contribuição hídrica subterrânea e superficial.

Ao concordarmos com as terminologias de que o Cerrado se configura como o “berço das águas” ou de “guarda-chuva”, estamos trabalhando com três referenciais importantes: água, altitude e infiltração, cuja relação, no contexto da rede hidrográfica, se confirma a partir do ciclo hidrológico, o qual descreve o movimento da água no ambiente, nos seus diversos estados físicos. Essa dinâmica imprescinde de processos físicos-naturais, tais como: evaporação, condensação, precipitação, infiltração, escoamento, transpiração e evapotranspiração. Dentre esses, a infiltração destaca-se por disponibilizar a água proveniente da atmosfera para os horizontes superficiais do solo, contribuindo com a recarga dos aquíferos e para a manutenção do fluxo de base dos rios (MORAIS, F. 2012).

Ressalta-se que as taxas de infiltração do solo dependem de características do ambiente, como a intensidade e frequência das chuvas, porosidade do solo, inclinação do terreno, tipo e densidade da cobertura vegetal, entre outros. O Cerrado, localizado em sua maior parte no Planalto Central Brasileiro, se destaca por sua riqueza em recursos hídricos. De acordo com Lima e Silva (2005), se desconsiderarmos a produção hídrica da bacia Amazônica, onde vive uma pequena parcela da população do país, o Cerrado passa a representar 43% da produção hídrica do território nacional.

Sobre as bacias hidrográficas, Lima e Silva (2005) argumentam que oito bacias brasileiras recebem contribuições de áreas de Cerrado, a saber: Amazônica, Tocantins-Araguaia, Parnaíba, São Francisco, Atlântico Nordeste Ocidental, Atlântico Leste, Paraná, Paraguai. Dessas, seis possuem nascentes na região do Cerrado, são elas: a bacia Amazônica (rios Xingu, Madeira e Trombetas); a bacia do Tocantins (rios Araguaia e Tocantins); a bacia Atlântico Norte/ Nordeste (rios Parnaíba e Itapecuru); a bacia do São Francisco (rios São Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas, Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande); a bacia Atlântico Leste (rios Pardo e Jequitinhonha) e a bacia dos rios Paraná/Paraguai (rios Paranaíba, Grande, Sucuriú, Verde, Pardo, Cuiabá, São Lourenço, Taquari, Aquidauana, entre outros).

Portanto, devido a esse potencial hídrico, é possível a contribuição superficial nas regiões hidrográficas, de acordo com Lima e Silva (2008a), sendo fundamental principalmente nas regiões hidrográficas do Paraguai (135,75%), Parnaíba (105,8%), São Francisco (93,8%) e Araguaia-Tocantins (61,6%), conforme a (tabela 1):


Tabela 1
Contribuição hídrica superficial do Cerrado por região hidrográfica do território brasileiro (2005)
Lima e Silva (2008b).

A precipitação média mensal na região do Cerrado apresenta, de acordo com Coutinho (2002), grande estacionalidade, concentrando-se na primavera e no verão (de outubro a março). Nessas estações, também chamadas de estações chuvosas, podem ocorrer os veranicos, que são curtos períodos de seca. Os índices pluviométricos reduzem-se bastante no período de maio a setembro, quando ocorre uma estação seca de três a cinco meses de duração.

No que diz respeito à precipitação média anual, os dados climáticos analisados (Figura 2) indicam a ocorrência de índices de 770 mm a 1.682 mm na porção leste do Cerrado, e há aumento à medida que avança na direção oeste, podendo atingir valores acima de 2.100 mm. Com isso, observa-se que a variabilidade das chuvas ocorre de oeste para leste em decorrência da influência da região Amazônica, como verificado por Farias, Luiz e Ferreira Júnior (2015). O que, por sua vez, evidencia a impossibilidade de uso de índices hidrológicos médios para toda região do Cerrado, visto que essa não pode ser considerada uma área homogênea em termos hidrológicos, (LIMA; SILVA, 2008b).


Figura 2
Precipitação média anual do Cerrado (1977-2006)
Organização dos autores (2017).

O relevo da região do Cerrado caracteriza-se, em geral, pela topografia plana ou relativamente plana em virtude da ocorrência de planaltos, chapadas e tabuleiros (Figura 3), que juntos representam 45,11% da área total do Cerrado (IBGE; EMBRAPA, 2008). A topografia plana, associada a elevadas altitudes, favorece a infiltração da água em detrimento ao escoamento superficial e propicia, assim, o surgimento de importantes zonas de recarga hídrica.


Figura 3
Compartimentos de relevo do Cerrado (2006)
Organização dos autores (2017).

Outra condição físico-natural que favorece a infiltração da água precipitada e, por consequência, a recarga hídrica no Cerrado, são os solos existentes na região. Os Latossolos, predominantes nessa área (Figura 4), mesmo quando apresentam textura muito argilosa, possuem grande espaço poroso devido à sua estrutura granular. Os agregados granulares, por vezes chamados de “pó de café” por se assemelharem às areias, tornam esses solos bastante porosos e permeáveis (LEPSCH, 2010).


Figura 4
Solos do Cerrado (2006)
Organização dos autores (2017).

Silva (2009) acrescenta que as características dos Latossolos predominantes nas áreas de topografia plana ou suave-ondulada fazem com que eles funcionem como esponja absorvedora de água que alimenta o nível freático. Para o autor, a fisiologia e ecologia da vegetação também favorecem a disponibilidade de água no ambiente. A baixa produção de biomassa faz com que a vegetação do Cerrado retenha menos água; a casca grossa e as folhas coriáceas contribuem com a baixa transpiração da vegetação ao mesmo tempo que possuem boa capacidade de reserva hídrica.

Convém salientar o importante papel da cobertura vegetal para a infiltração da água no solo. Morais, F. (2012) esclarece que a vegetação protege os horizontes superficiais do solo do impacto das gotas da chuva, atenuando a compactação e o encrostamento, e pode aumentar a macroporosidade do solo contribuindo com a quantidade de água disponível para recarga, além de evitar processos que dificultam a drenagem do solo.

A existência de sistema subterrâneo, dotado de raízes pivotantes de 15 ou mais metros de profundidade, permite a vegetação do Cerrado se abastecer de água em camadas permanentemente úmidas do solo, até mesmo na época da seca (COUTINHO, 2002), o que também favorece a porosidade dos solos e a infiltração da água. Considerando a condição geológica, as rochas sedimentares, que predominam em 57,97 % da área total do Cerrado (Figura 5), por apresentarem porosidade granular, são porosas e permeáveis e podem ser classificadas como as de maior vocação aquífera (CARNEIRO; CAMPOS, 2002). Segundo estes autores, essas rochas são encontradas em bacias sedimentares e em várzeas onde se acumulam sedimentos arenosos. Em função da propriedade de armazenar grandes quantidades de água, as rochas sedimentares formam importantes aquíferos porosos.


Figura 5
Geologia simplificada do Cerrado (2015)
Organização dos autores (2017).

O predomínio de bacias sedimentares no Cerrado (Figura 6), que correspondem a 43,89% da área total, também justificam sua riqueza de água, visto que a porosidade desses aquíferos é importante para a descarga do recurso hídrico subterrâneo em cursos de água superficiais (fluxo de base), possibilitando a existência de vazão mesmo durante a época da seca (CARNEIRO; CAMPOS, 2002).


Figura 6
Domínios hidrogeológicos do Cerrado (2014)
Organização dos autores (2017).

Destarte, encontram-se, nesse domínio, três grandes aquíferos, o Guarani, o Bambuí e o Urucuia. O volume de água armazenado no Aquífero Guarani, por exemplo, segundo Carneiro e Campos (2002), é estimado em cerca de 50.000 km³, com volume aproveitável da ordem de 40km³/ano.

Em conformidade com o Ministério do Meio Ambiente - MMA (2007, p. 11), “as águas subterrâneas são aquelas que se encontram sob a superfície da Terra, preenchendo os espaços vazios existentes entre os grãos do solo, rochas e fissuras (rachaduras, quebras, descontinuidades e espaços vazios)”. A figura 7 demonstra a trajetória da água desde a superfície, passando pela zona não saturada onde agrupam-se água e ar, e na zona saturada em que a água preenche os espaços vazios. Segundo o MMA (2007), no limite das zonas, localiza-se o nível freático.


Figura 7
Caracterização das zonas saturadas e não saturadas no subsolo
http://www.mma.gov.br/agua/recursos-hidricos/aguas-subterraneas/ciclo-hidrologico. 2007.

Ainda segundo o MMA (2007), as rochas saturadas permitem a circulação, o armazenamento e a extração de água, processo conhecido como aquíferos, que são responsáveis em armazenar extensa quantidade de água.

Sobre a contribuição dos recursos hídricos do Cerrado, Lima (2011) considera que esses possuem uma importância que ultrapassa as dimensões dessa região de vegetação típica, como as questões de abastecimento, indústria, irrigação, navegação, recreação e turismo. Somam-se a tais usos a forte representação das águas do Cerrado na geração de energia elétrica brasileira. Entre as principais finalidades do consumo das águas do Cerrado, destaca-se a irrigação, o que pode ser observado no quadro 1 a seguir:

Quadro 1
Consumo das águas do Cerrado

Lima, Jorge Enoch Furquim Werneck (2011). Adaptação autores, (2017).

Ao mesmo tempo que a irrigação se converge no principal uso das águas do Cerrado, percebe-se que ela se configura também num dos problemas atuais, pois ao ser realizada de forma descontrolada, sem o manejo apropriado de utilização, colabora para uma série de impactos, que engloba várias outras questões prejudiciais ao Cerrado, como erosões, assoreamento dos cursos d’água e outros problemas ambientais. O próximo item tratará dos impactos ambientais sobre os recursos hídricos, devido à potencialidade hídrica do Cerrado, que vem sendo explorado principalmente pela agricultura.

RECURSOS HÍDRICOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CERRADO

É considerado impacto ambiental, conforme o Conselho Nacional de Meio Ambiente, qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente, cuja causa seja alguma forma de matéria ou energia, resultado das atividades humanas que afetem, assim, direta ou indiretamente (OLIVEIRA FILHO; LIMA 2002):

· A saúde, a segurança e o bem-estar da população;

· As atividades sociais e econômicas;

· A biota;

· As condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

· A qualidade dos recursos ambientais.

Segundo Oliveira Filho e Lima (2002), pode-se determinar o impacto das atividades agrícolas sobre os recursos hídricos através de avaliações na qualidade da água. Embora essa característica possa ser influenciada ou impactada por várias fontes, na agricultura existem atividades típicas que podem ocasionar, direta ou indiretamente, alterações nos padrões de qualidade do corpo hídrico. Mediante a determinação de critérios numéricos ou qualitativos para os parâmetros que representam a sua preservação, as águas podem ser classificadas segundo seus padrões de qualidade. Ainda de acordo com os autores, alguns desses critérios são:

a) O Índice de Qualidade das Águas (IQA) baseia-se em nove parâmetros: temperatura, pH, oxigênio dissolvido (OD), demanda bioquímica de oxigênio (DBO 5 dias a 20 ° C), coliformes fecais, nitrogênio total, fósforo total, sólidos totais e turbidez. Estes parâmetros são ponderados e por meio de uma fórmula matemática geram um índice numérico entre 1 e 100, enquadrando a água em classes de qualidade.

b) O CONAMA 20 normatiza, além de parâmetros físico-químicos e biológicos (coliformes fecais), os teores máximos de substâncias químicas potencialmente perigosas, incluindo vários metais e agrotóxicos.

c) A Portaria 1. 469/2000 estabelece padrões de qualidade da água para consumo humano, definindo o Valor Máximo Permitido (VMP) para parâmetros físico-químicos, biológicos (coliformes) e substâncias químicas, incluindo orgânicas, inorgânicas e agrotóxicos.

O Cerrado brasileiro tem sido considerado, estrategicamente, importante para a ampliação de áreas para a produção de alimentos. Conforme Campos Filho (2010), atualmente, a agricultura é a atividade que responde pelo maior percentual hídrico utilizado nas regiões de Cerrado.

Esse domínio torna-se, portanto, alvo de disputas por parte das grandes empresas agrícolas, principalmente devido à sua rica hidrografia e por causa do seu clima sem grandes alterações, diferentemente do que ocorre em outras regiões brasileiras. E, também, com a recente expansão do setor sucroalcooleiro no Cerrado, no qual dezenas de usinas estão sendo construídas ou planejadas, torna-se necessário o desenvolvimento de mais estudos relacionados à dinâmica do uso e cobertura da terra e do seu impacto na quantidade e na qualidade dos recursos hídricos (CAMPOS FILHO, 2010).

Estima-se, atualmente, que o Cerrado possua 10 milhões de hectares aptos à irrigação, no entanto, menos de 1 milhão são utilizados para esse fim. Isso indica que essa prática ainda tem grande potencial de expansão no Cerrado, caso as condições de infraestrutura, mercado e financiamentos sejam favoráveis. Por causa da ineficiente gestão territorial dos recursos hídricos e da não utilização das técnicas existentes para se efetuar o manejo adequado da irrigação, conflitos se multiplicam pelo uso da água nessa região (LIMA, 2011). Prova da ineficiente gestão territorial dos recursos hídricos, resultado de um longo processo de ocupação dissimétrica do território, é a grande concentração de pivôs-centrais em determinadas localidades, como se observa na figura 8 a seguir.


Figura 8
Pivôs-centrais instalados em área de Cerrado em 2002
LIMA, Jorge Enoch Furquim Werneck (2011).

Muitos técnicos pensam que o único meio capaz de gerar conflitos, por causa do uso da água e dos impactos ambientais no Cerrado, seja o grande número de pivôs-centrais instalados na área, pois eles ocupam cerca de 50% da área irrigada. Contudo, para uma pesquisa mais apurada sobre esses enfrentamentos relacionados à utilização da água e às perturbações ao meio ambiente, torna-se fundamental levar em consideração toda a área irrigada e o fato de haver ou não um manejo adequado da irrigação (LIMA; SILVA, 2008b). Consoante Lima (2011), o total de áreas irrigadas por pivô-central em toda a região contínua do Cerrado é de 478.632 hectares, como se observa na (tabela 2).


Tabela 2
Número de pivôs-centrais e respectiva área irrigada em 2002 na região contínua de Cerrado, por unidade federativa
Lima, Jorge Enoch Furquim Werneck (2011).

Segundo Lima e Silva (2008b), além dos conflitos entre irrigantes pelo uso da água no Cerrado, também se destacam aqueles advindos dos baixos índices relacionados à área de saneamento na extensão, que deterioram a qualidade das águas nas cidades. No Cerrado, ocorrem confrontos por causa do uso da água tanto de forma localizada, em canais, pequenas bacias e entre vizinhos, e de forma sazonal, como, também, em escalas de grandes bacias. Alguns exemplos destes embates em grande escala são os que ocorrem entre os setores agrícola, em que gera grande desperdício da água por parte da irrigação; e no setor elétrico devido ao represamento de cursos d’água, ocasionando impactos ambientais, ações que acometem a bacia do Rio São Francisco; e entre os setores hidroviário e elétrico, nas bacias dos Rios São Francisco, Tocantins/Araguaia e Paraná (LIMA; SILVA, 2008b).

Lima e Silva (2008b) apresentam, ainda, alguns dos desafios que devem ser superados em prol da adequada gestão dos recursos hídricos do Cerrado:

1. Compatibilização das Leis Estaduais de Recursos Hídricos;

2. Compatibilização e avanços dos Sistemas Estaduais de Gestão dos Recursos Hídricos;

3. Investimentos na área de Saneamento (abastecimento de água e tratamento de esgoto);

4. Implantação de redes hidrométricas adequadas às necessidades locais;

5. Transferência de tecnologia ao produtor rural (práticas conservacionistas e uso racional da água na agricultura, com destaque para técnicas de manejo da irrigação);

6. Evolução no conhecimento sobre a forma de ocorrência dos processos hidrológicos em áreas de Cerrado (monitoramento, modelagem hidrológica e regionalização de dados (LIMA; SILVA, 2008b);

7. Desenvolvimento de políticas curriculares para a educação nacional, que tratem da gestão dos recursos hídricos, na perspectiva da correlação entre os componentes físico-naturais e sociais, no que concerne às questões ambientais (MORAIS, 2013).

Ademais, vive-se, atualmente, um grande paradoxo com relação ao imaginário do senso comum a respeito do Cerrado. Observa-se um forte apelo ideológico e simbólico com relação ao nome Cerrado. Não é difícil encontrar este nome em bares, feiras, escolas, eventos, festivais, etc., como uma marca facilitadora para os negócios. Ao mesmo tempo que o Cerrado torna-se marca e moda, é também marcado por grandes problemas ambientais e desigualdades sociais. Como, por exemplo, o grande imbróglio em torno do avanço do desmatamento, nessa região de vegetação típica, repercute não só em seu ambiente físico-natural, mas, similarmente, no cotidiano das pessoas que são expropriadas material e culturalmente.

É exatamente aí que entra a importância da educação, pois é por meio de uma didática adequada que se cria o verdadeiro sentido de pertencimento e de participação social e política do cidadão envolvido nesse processo. Quando se fala em educação favorável, o que se tem em mente é uma pedagogia não dicotômica, que possui plena convicção de que os problemas ambientais não estão separados dos sociais. É na desconstrução de concepções que se naturalizam injustiças e desigualdades, e que são criados espaços para a tomada de consciência e para a busca por cidadania. A próxima seção deste trabalho tratará das possibilidades e do papel da educação geográfica como meio para se chegar a uma maior conscientização e à prática da conservação.

CONSERVAÇÃO: possibilidades reais por meio da educação geográfica

O Cerrado tem alto nível de biodiversidade e de endemismo; seu solo é adaptável a várias culturas; o clima é favorável ao desenvolvimento da vegetação; nele estão presentes as principais bacias hidrográficas brasileiras. Todas essas afirmações, assentadas nas características físico-naturais do Cerrado, têm contribuído para o processo de uso e ocupação desse domínio. Todavia, para que o ambiente seja de qualidade, é necessário haver equilíbrio entre os componentes que perfazem o espaço geográfico.

As questões econômicas e políticas vêm mudando o cenário do Cerrado há anos. Castilho e Chaveiro (2010) salientam que a ocupação e exploração desordenadas, a agricultura comercial, a urbanização, entre outros fatores causaram e ainda causam vários impactos, como já tratados anteriormente. Porém, além de todas as problemáticas já citadas que envolvem o Cerrado, existe outra que está vinculada à área educacional.

Para falar em conservação do Cerrado, é necessária uma formação voltada à sensibilização para a valorização desse domínio. A relação de identidade e de pertencimento ao local são fatores preponderantes para a abertura de um espaço de luta pela preservação dessa vegetação (COSTA, et al., 2010). Mas como é possível construir essa vinculação supracitada com um lugar que não se conhece? Não se pode construir relações de pertencimento e conservacionismo daquilo que é pouco ou mal explorado.

A falta de formação específica implica na repetição do círculo vicioso que não permite a conscientização da população acerca dos problemas que envolvem o Cerrado. Para o rompimento deste paradigma, Silva e Bueno (2015) ressaltam que é essencial a formação de futuros cidadãos conscientes e comprometidos com as questões ambientais do local em que vivem. É preciso discutir sobre o Cerrado no ensino de Geografia, pois só pelo conhecimento amplo e não fragmentado podemos contribuir para que esse possa ser conhecido em sua complexidade e, dessa forma, os sujeitos sintam-se pertencentes a ele.

As representações sociais construídas acerca do Cerrado (solo pobre, vegetação homogênea etc.) não convergem para uma consciência de conservação, pois elas são criadas a partir de objetivos de grupos específicos, com interesses políticos e econômicos diversos, ou seja, a representação do Cerrado para um político, um latifundiário, um camponês e um aluno da educação básica são distintas (SILVA e BUENO, 2015).

É imprescindível que as múltiplas concepções sobre essa vegetação típica em estudo, suas dinâmicas físico-naturais e sociais sejam acessíveis a todos os cidadãos e não se restrinjam apenas aos que elaboram esses conhecimentos nas universidades. Nesse sentido, o ensino de Geografia e a educação básica como um todo têm um importante papel na superação de visões estereotipadas e na construção de conhecimentos, formando sujeitos críticos e reflexivos para a conservação ambiental e valorização dessa área (MORAIS, 2013).

Os documentos que norteiam os processos de ensino têm grande responsabilidade sobre o que é ensinado na educação básica. Estruturam, orientam e organizam os conteúdos que devem ser praticados na escola em nível nacional, regional e local. É de grande importância conhecer o que dizem esses documentos sobre a temática do Cerrado.

Conforme Pires (2017), é necessário destacar que vive-se, hoje, no país, a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A BNCC é uma política curricular que visa estabelecer uma base nacional comum para promover os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento global dos alunos em seus aspectos intelectuais, físicos, afetivos, sociais, éticos, morais e simbólicos. O documento, portanto, pretende definir o conteúdo comum que deverá ser ensinado em todas as escolas do Brasil. Por isso, tem sido tão amplamente discutido e criticado por profissionais das diferentes áreas.

Na verdade, as implicações da execução da Base são bastante complexas e tocam pontos delicados da educação no país: a relação entre o conhecimento acadêmico e o escolar, a elaboração dos livros didáticos, a formação de professores, o futuro das licenciaturas após sua efetivação, as concepções de educação e os interesses que influenciam, predominantemente, a elaboração do documento (PIRES, 2017).

O campo político que determina as leis e os currículos para a educação básica no Brasil é palco de disputas ideológicas acerca dos rumos e dos modelos para a educação pública do país. Com a atual crise política e as novas perspectivas do atual governo, a educação básica brasileira torna-se alvo de interesses de uma classe política que tem se submetido, cada vez mais, aos ditames da esfera econômica internacional (LIBÂNEO, 2013).

Além de compreender como esse tema pode ser discutido no interior da BNCC, cabe ao professor de Geografia, nesse caso específico, os que atuam no estado de Goiás, compreender como esse tema é abordado no Currículo Referência da Rede Estadual de Educação (REE) de Goiás (2012), pois esse estado tem seu território totalmente inserido nos domínios morfoclimáticos do Cerrado. Silva e Bueno (2015) relatam que o currículo do Estado de Goiás “não contempla satisfatoriamente o conceito de Cerrado nos conteúdos e expectativas de aprendizagem referentes do 6º, 7º, 8º e 9º anos do ensino fundamental” (2015, p. 208). Segundo as autoras, o tema Cerrado é abordado apenas uma vez, dentre os conteúdos definidos para o 7º ano do ensino fundamental no conteúdo de domínios morfoclimáticos e ecossistemas. Ele é também citado nas expectativas de aprendizagem que ressaltam que os alunos devem estabelecer relações entre as causas e consequências da degradação dos ecossistemas brasileiros e sua alteração no Cerrado goiano. Nos demais anos do ensino fundamental, é de total responsabilidade do professor a correlação de conteúdos diversos com esse componente.

Diante disso, percebe-se que, diretamente, o currículo formal, que é o responsável pela definição dos conteúdos (MOREIRA, CANDAU, 2007), não dá o suporte necessário à escola e ao professor para a estruturação de seus Projetos Políticos Pedagógicos. Isso implicará no currículo em ação (o que é feito de fato na escola a partir das orientações instituídas) e no currículo oculto, que compreende “as regras e as normas não explicitadas, que governam as relações que se estabelecem nas salas de aula” (MOREIRA, 1997, p. 15).

Embora tenhamos como um dos elementos balizadores do planejamento docente o currículo e ao “nosso alcance” as inovações tecnológicas, e demais recursos pedagógicos, grande parte dos professores tem o livro didático como sua principal fonte de pesquisa, tornando-o um recurso indispensável e orientador de suas aulas. É por meio dele que parcela dos professores tem desenvolvido e avaliado o seu trabalho.

No que tange à abordagem do tema Cerrado nos livros didáticos, Costa et al. (2010) demonstram, em sua pesquisa, que os livros didáticos tem apresentado uma visão estereotipada e reducionista desse domínio, apresentando-o de forma fragmentada (solo, hidrografia, vegetação) e desprovido de uma análise crítica ampliada que relacione todos os aspectos ambientais que o constituem. Ressaltam ainda que há poucas referências de problemas decorrentes de poluição da água e do solo, assoreamento de rios, erosão, uso indiscriminado de agrotóxicos, perda de biodiversidade, desmatamento e êxodo rural.

Por essa breve demonstração, percebe-se quão distante estamos de uma análise mais abrangente do Cerrado, que volte a atenção para fatores relacionados à perda da biodiversidade, ao desmatamento como um todo e à poluição de suas águas. O Cerrado é apresentado com uma visão de fora, e os temas de conservação e biodiversidade são expostos de forma superficial e não somam para a formação de um sujeito crítico reflexivo que atue no ambiente em que vive. Para Cavalcanti (2002), o ensino de Geografia

Contribui para a formação da cidadania por meio da prática de construção e reconstrução de conhecimentos, habilidades, valores que ampliam a capacidade de crianças e jovens compreenderem o mundo em que vivem e atuam, numa escola organizada como um espaço aberto e vivo de culturas. (CAVALCANTI, 2002, p. 47).

Nesse sentido, formar cidadãos críticos e conscientes de sua atuação na sociedade em que vivem é a função social do ensino de Geografia. Aproximar os conteúdos da realidade vivida pelo aluno é primordial na sua formação, o que irá permitir que ele realize uma análise mais completa do espaço geográfico. O trabalho com o conteúdo Cerrado deve ser voltado para a realidade vivenciada, sendo instrumento potencializador e transformador da realidade e de construção da cidadania.

Para a formação de uma compreensão mais ampla sobre o Cerrado, é necessária uma correlação de fatores físico-naturais e sociais. Morais (2013) ressalta que, quando a escola assume que seu papel é possibilitar que os alunos entendam a realidade e atuem sobre ela, é necessário “avançar mais em direção a um método em que natureza e sociedade sejam concebidas de forma integrada, que nos possibilite realizar a análise do espaço geográfico considerando a relação sociedade-natureza como formadora de uma totalidade” (MORAIS, 2013, p. 20).

Faz-se necessário, portanto, enxergar o Cerrado a partir de suas diversas esferas, sendo elas: naturais, políticas, culturais, econômicas e sociais (CASTILHO; CHAVEIRO, 2010). Dessa forma, podemos superar uma visão dualista da realidade e propor uma formação completa e coerente aos nossos alunos, buscando incorporar, cada vez mais, conceitos e valores vinculados à conservação do ambiente.

Nesse aspecto, a formação do professor é condição fundamental para que se construa essa consciência. É preciso uma apropriação concisa dos conhecimentos didáticos do conteúdo, com base em uma visão crítica e totalizadora, o que requer uma boa formação inicial e continuada, de modo que conteúdos das formações específica e pedagógica caminhem juntos para um direcionamento teórico metodológico do processo de ensino e aprendizagem significativo. Assim,

A chave para distinguir a base de conhecimento para o ensino está na interseção entre conteúdo e pedagogia. Na capacidade do professor para transformar o conhecimento de conteúdo que possui em formas que são pedagogicamente poderosas e, mesmo assim, adaptáveis às variações em habilidade e histórico apresentada pelos alunos (SHULMAN, 2014, p. 217).

Para atingir o objetivo de ensino sobre o Cerrado, é necessário que se realize um processo educativo mais próximo do cotidiano do aluno, numa abordagem que contemple questões mais regionais e locais, o que pode ser realizado pela escola em seu projeto político-pedagógico. O estudo do Cerrado, assim como a caracterização correta de todas suas dimensões, os impactos sofridos e as correlações entre os aspectos físico-naturais e sociais devem ser evidenciados para que se construa um sentimento de pertencimento dos alunos envolvidos, pois esses serão futuros cidadãos que atuarão sobre este espaço e poderão desenvolver ações de conservação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista dos argumentos, consideramos a conservação do Cerrado primordial para a manutenção de suas bacias hidrográficas, já que a água é um recurso essencial à vida, que contribui no abastecimento não só dessa região, mas sim de todo o país e do continente sul-americano. Portanto, as eventuais ações degradantes, no Cerrado, podem ecoar para além de seu território. Diante do exposto, foi possível entender que o potencial hídrico desse domínio é real e, a partir de seus aspectos físicos-naturais, podemos considerá-lo como o “Berço das Águas” e também como “Guarda-Chuva”, conforme a pesquisa realizada.

Desse modo, a importância hídrica ultrapassa as dimensões desse domínio, pois é preciso uma adequação do uso dessas águas. Os caminhos para o correto uso desse recurso natural são diversos, mas, no presente trabalho, destacamos a construção do conhecimento sobre o Cerrado na Educação Básica, empenhando-nos para que esta não seja uma educação que separe os problemas ambientais dos sociais, mas que busque e alcance consciência para transformar os envolvidos em cidadãos. Pois acreditamos que, somente quando tivermos reais conhecimentos sobre o Cerrado, poderemos desenvolver uma noção de pertencimento e, dessa forma, expandir a percepção da necessidade de sua proteção, e, consequentemente, das suas águas.

Que possamos, portanto, com esse trabalho, aguçar outras pesquisas que considerem a educação a principal aliada para superar essa visão dualista da realidade e propor uma formação completa e coerente às crianças e jovens, buscando incorporar, cada vez mais, conceitos e valores vinculados à conservação do Cerrado.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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