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ODES AO SOCIALISMO
Caminhos da História, vol. 29, núm. 1, pp. 137-140, 2024
Universidade Estadual de Montes Claros

Resenha

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 29, núm. 1, 2024

Recepção: 29 Novembro 2023

Aprovação: 14 Dezembro 2023

PRADO JUNIOR Caio. URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo. 2023. São Paulo. Boitempo. 290pp.

A reedição de Caio Prado Júnior é, por si só, algo que deve ser comemorado. Por um lado, pela grandeza intelectual do autor; por outro, pela oportunidade da sua produção para uma compreensão crítica da sociedade capitalista e, particularmente, do lugar do Brasil nela. A Editora Boitempo, ao relançar duas obras relativas à visão de Prado Jr. sobre a constituição da URSS, torna viva tal comemoração. As obras republicadas tratam de relatos feitos pelo autor sobre duas viagens à União Soviética, em dois momentos distintos do século XX.

O livro URSS, um novo mundo (publicado originalmente em 1934), trata da primeira visita do autor à nova nação, entre maio e junho de 1933, quase dezesseis anos após o triunfo da Revolução Russa. Nesta obra, dividida em quatro partes, além de uma conclusão, são realizadas distintas considerações concernentes aos temas da organização política, econômica e social da URSS, bem como às realizações empreendidas pela nova sociedade que emergiu do antigo Império Russo.

O livro não é, como alerta o próprio autor, um “relato de viagem”. Exatamente por isso, combina elementos da observação direta (não etnográfica) do visitante com reflexões propriamente teóricas, constituindo-se em importante e valioso documento de época. Nele, o autor descreve, de fato, um novo mundo, o qual conseguiu consolidar-se como alternativa nacional e estatal ao capitalismo em meio às heranças das ruínas do czarismo, da I Guerra Mundial e da pressão capitalista que se desenvolveu simultaneamente ao avanço da nova organização sociopolítica soviética.

As observações apresentadas no livro tratam da Revolução Russa e da sua continuidade na obra soviética; do Estado, governo, burocracia e partido como fundamentos da democracia socialista; do trabalho social; da democracia e da ditadura de classe; das desigualdades sociais e individuais; do planejamento global, setorial e por ramos da produção; do trabalho, empregos e salários; dos preços; do artesanato e do cooperativismo; da formação de novos sujeitos sociais; da família; da religião; do lugar e do papel das mulheres; da ciência; e da evolução do nível material da vida. Os fatos narrados e analisados constituem, conjuntamente, um quadro muito interessante da vida e das promessas soviéticas, ainda mais que retratadas por um estrangeiro que recém aderira formalmente a uma agremiação política marxista.

O livro, assim, é de leitura imperdível. Mais ainda porque sustenta, refletidamente, que pensar sobre o socialismo é pensar em termos da política como “verdadeira obsessão’ (op. cit., p. 49), isto é, como mecanismo de produção da e para a comunidade. Daí a conclusão metafórica feita pelo autor sobre a visita a um imenso arranha-céu em construção: na aparente desordem do processo construtivo, revela em essência o caminho em direção ao acabamento, o ajuste final que proverá um lugar melhor para seus habitantes.

O segundo livro, O mundo do socialismo (publicado pela primeira vez em 1962), reflete as observações colhidas e analisadas a partir de nova visita, realizada pelo autor à URSS entre julho e setembro de 1960, 27 anos após a primeira. Nesta obra, estando com 53 anos de idade e já sendo um intelectual de reconhecida importância no Brasil, Prado Jr. objetivou compreender de que modo, no então existente mundo do socialismo, se realizavam as tarefas de edificação da coordenação econômica em função do interesse coletivo. À página 174 desta obra, ele pergunta: “[...] até que ponto se alcançou, naquele mundo [do socialismo], a convivência humana na base da cooperação?”.

Partindo deste objetivo, o autor procurou descrever e discutir o que observou em torno de cinco capítulos, além de uma conclusão. A obra está assentada sobre os eixos temáticos da liberdade, do Estado, do partido e da “marcha para o comunismo”.

A partir destas referências, o autor discute em perspectiva comparada (com o modo de produção capitalista) as questões que se referem à produção e valorização do sujeito novo que foi e está sendo produzido pelo socialismo; as distinções entre liberdade jurídica e liberdade materialmente determinada; as formas da democracia; as desigualdades no socialismo (o que implica discutir a questão da igualdade); o Estado; o trabalho e o emprego; a religião; o papel do partido e as forma de participação social na condução das políticas; e o comunismo.

Mais acentuadamente do que no livro anteriormente comentado, nesta obra Prado Jr. utilizou elementos teóricos para pensar a comparação entre capitalismo e socialismo, indicando não só a inevitabilidade do último modo de produção, como caracterizando a superioridade do socialismo.

Chama a atenção, neste contexto, a discussão empreendida sobre os temas da “nova ética” que estava sendo produzida pelo avanço da organização social e política soviética, a qual substituía o ímpeto competitivo e insaciável do sujeito humano produzido e sustentado pelo capitalismo, em especial porque nesse último sistema as necessidades e as possibilidades que cada pessoa tem não são pautadas pela organização coletiva de interesses e objetivos de vida.

Nesse sentido, ao indicar como o socialismo encaminha a solução para a coordenação das atividades sociais e econômicas humanas, articulando as necessidades pessoais (e seus limites) com as possibilidades da cooperação para uma melhor repartição do produto socialmente criado, o autor apresenta uma leitura que revela um dos mais importantes fundamentos do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels que anima, até os dias atuais, o debate marxista e a busca por alternativas consistentes ao capitalismo e à sua dinâmica destrutiva.

Poder-se-ia dizer, não obstante, que a leitura marxista apresentada por Prado Jr. sobre as dimensões da (re)organização econômica da URSS e da dinâmica da economia capitalista, em ambas as obras, padecem de certa fragilidade.

Ela é perceptível quando se considera que os temas do mais valor e do dinheiro são ausentes da discussão, resumindo-se a uma única referência ao primeiro dos dois conceitos nas duas obras e à descrição, quase sempre em notas de pé de página, da moeda e do funcionamento do câmbio. Deixando-as de lado, revela-se uma inadequação da apropriação do repertório marxiano e do debate marxista sobre o valor (conhecida como teoria marxista do valor), desde pelo menos as proposições lançadas por Isaak I. Rubin nos anos 1920.

O mesmo poderia ser dito sobre as impressões acríticas sobre o planejamento no âmbito das empresas soviéticas a partir das reformas econômicas dos anos 1960. Mais do que isso, a fragilidade da análise, neste sentido, revela-se na forma como o autor concebeu as explicações sobre concorrência e preço no capitalismo, misturando elementos da teoria neoclássica do equilíbrio com outros da concorrência imperfeita.

Poder-se-ia dizer, ademais, que a interpretação comum a ambos os livros foi ortodoxa, refletindo tão somente o posicionamento oficial do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual o autor foi membro, ou das interpretações dominantes entre os economistas alinhados ao Partido Comunista da União Soviética. Outra crítica possível, na esteira da anterior, é que os livros seriam peças de propaganda, filhas do alinhamento ortodoxo do autor. Uma terceira observação aos trabalhos é que não configuram entre as obras mais importantes de Prado Jr.

Mesmo que contenham fundamentos teóricos e políticos consistentes, estas críticas devem ser consideradas à luz do contexto no e pelo qual se forjou o pensamento comunista, dado pelos embates sobre a formulação de um projeto nacional (popular?) para o desenvolvimento econômico. Especialmente, tais críticas devem levar em conta o trabalho de reflexão marxista que sustenta as relevantes posições do autor sobre a formação socioeconômica e política brasileira.

Consideradas as críticas, elas não desmerecem o valor do que é apresentado por Caio Prado Jr. para nós, leitores e leitoras neste século XXI. Em conjunto, os dois livros expressam uma reflexão sobre um conjunto de questões importantes para a compreensão do pensamento e da prática comunista no Brasil e no mundo. Por isso só, devem ser considerados uma contribuição oportuna para que pensarmos soluções para as “graves questões” postas pelo capitalismo ao longo da sua história, “[...] que dizem tão de perto com a própria existência humana” (op. cit., p. 275).

Autor notes

i Doutor em Ciências Sociais (CPDA-UFRRJ). Professor Associado II, Departamento de Ciências Econômicas. Programa Interdepartamental de Pós-graduação Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade – Pipaus. Universidade Federal de São João del-Rei. E-mail: mucio@ufsj.edu.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2717-3828.

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