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O MOVIMENTO ILUSTRADO EM PORTUGAL E AS OBSERVAÇÕES DE SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO SOBRE AS RELAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS ANGLO-LUSITANAS
EL MOVIMIENTO ILUSTRADO EM PORTUGAL Y LAS OBSERVACIONES DE SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO SOBRE LAS RELACIONES POLÍTICAS Y ECONÓMICAS ANGLO-LUSITANAS
THE ILUSTRATED MOVIMET IN PORTUGAL AND THE OBSERVATIONS OF SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO ON ANGLO-LUSITAN POLITICAL AND ECONOMIC RELATIONS
Caminhos da História, vol. 29, núm. 1, pp. 78-95, 2024
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 29, núm. 1, 2024

Recepção: 16 Abril 2023

Aprovação: 16 Junho 2023

Resumo: O artigo aborda as relações políticas e econômicas Anglo-lusitanas nos escritos de Sebastião José de Carvalho e Melo em Londres, entre 1741 e 1742, época da Ilustração portuguesa. Carvalho e Melo (1699 -1782) esteve a serviço da Coroa lusa na Inglaterra entre 1738 e 1744, representando seus interesses. No exercício de sua função atuou em diversas frentes, como na mediação dos conflitos territoriais entre Portugal e Espanha na América, na defesa das possessões portuguesas na Ásia e, sobretudo, na revisão das alianças políticas e tratados comerciais entre Portugal e Inglaterra. Evidenciamos que sua preocupação não era somente de diagnosticar os problemas do comércio lusitano, mas sugerir os “remédios” que considerava, úteis e modernos, ao desenvolvimento econômico do Reino e de seu Império Ultramarino.

Palavras-chave: Iluminismo, Carvalho e Melo, Política, Economia, Anglo-Lusitano.

Resumen: El artículo aborda las relaciones políticas y económicas Anglo-portuguesas en los escritos de Sebastião José de Carvalho e Melo en Londres, entre 1741 y 1742, época de la Ilustración portuguesa. Carvalho e Melo (1699-1782) estuvo al servicio de la Corona portuguesa en la Inglaterra entre 1738 y 1744, representando sus interesses. En el ejercicio de su cargo, el diplomático actuó en varios frentes, como en mediación en los conflictos territoriales entre Portugal y España en América, en defensade posesiones portuguesas en Asia y, sobre todo, revisar las alianzas políticas y los tratados comerciales entre Portugal y Inglaterra. Mostramos que su preocupación no era sólo diagnosticar los problemas del comercio lusitano, sino sugerir los “remedios” que consideraba, útiles y modernos, para el desarrollo económico del Reino y su Imperio de Ultramar.

Palabras clave: Ilustración, Carvalho e Melo, Política, Económica, Anglo-Lusitano.

Abstract: The article discuss political and economic relations Anglo Lusitanian in the writings of Sebastião José de Carvalho e Melo in London, between 1741 and 1742, time of the ilustrated in Portugal. Carvalho e Melo (1699 -1782) was in the servisse of the portuguese crown in england between 1738 and 1744, representing its interests. In the exercise of his functionacted in several fronts, as in mediation of territories conflicts between Portugal And Spain in America, in defense of Portuguese possessions in Asia, and above all, in the review of alliances and trade treaties between Portugal and England. We evidenced that his concern was not only to diagnose the problems of the backwardness of the Lusitanian, but suggesting the “remedies” which he considered, useful and modern, to the economic development of the Kingdom and his Overseas Empire. Key-words: Ilustrated; Carvalho e Melo; Political; Economic; Anglo Lusitanian.

Keywords: Ilustrated, Carvalho e Melo, Political, Economic, Anglo Lusitanian.

Introdução

O século XVIII testemunhou transformações significativas no campo das ideias, das ações políticas e econômicas, da cultura científica, das práticas jurídicas e religiosas do ponto de vista da “razão”. O Iluminismo foi o movimento cultural síntese dessas transformações. Surgido no Ocidente europeu chegou também à América e não expressou uma homogeneidade de ideias e práticas, pois “[...] rejeitou sempre definições precisas, seja pelas suas origens esparsas, seja pelas especificidades das circunstâncias históricas que o viram nascer [...]” (SILVA, 2015, p.414).

Na particularidade portuguesa, o movimento começou a ser desenvolvido nas primeiras décadas do século XVIII e, partindo da ideia de progresso, intencionava reaver a importância econômica, científica e cultural do Reino durante os séculos XV e XVI quando apresentava soberania nos oceanos e grande potencial científico e econômico. Mas, os princípios das “luzes” – como racionalidade, secularização e progresso – se desenvolveram em meio a visões que explicavam o mundo a partir de fenômenos não naturais, baseados em crenças populares e superstições. Mesmo assim, nessa realidade de coexistência entre “luzes” e “escuridão”, D. João V enxergou no movimento ilustrado uma forma de “modernizar” o Reino e solucionar problemas internos por meio da renovação da cultura cartográfica, geográfica e astronômica, bem como da otimização das atividades econômicas e práticas administrativas de governo.

A nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782) como enviado em Londres ocorreu nesse contexto de reformas empreendidas pela Coroa portuguesa. Carvalho e Melo era um homem público e “estrangeirado”, preocupado com as fragilidades econômicas de Portugal nas relações comerciais com a Inglaterra. Durante seu trabalho na Corte londrina, entre os anos de 1738 e 1744, produziu uma quantidade expressiva de documentos de caráter diplomático que expressam seu pensamento econômico no período de formatação das concepções ilustradas em Portugal, bem como suas convicções políticas, filosóficas e culturais.

Tendo por base esses escritos de Sebastião José de Carvalho e Melo em Londres abordamos nesse artigo as relações políticas e econômicas Anglo-Lusitanas. Para isso, utilizamos como fonte os “Escritos económicos de Londres: 1741-1742”[1], obra publicada pela Biblioteca Nacional de Lisboa, no ano de 1986, e organizada pelo historiador José Barreto que seleciona e introduz a coletânea documental.

O entendimento do pensamento Carvalho e Melo durante sua missão em Londres sugere uma análise no campo teórico da “História das Ideias”, que possibilita refletirmos o nosso objeto de estudo na relação que estabelece com a sua realidade histórica, bem como perceber o significado das ideias apresentadas em nossa fonte de pesquisa. Fazemos também referência aos autores do campo cultural e empregamos conceitos e recursos metodológicos por eles utilizados, como o de “lugar social” manifestado por Certeau (1994) em referência ao contexto social, econômico, político e cultural em específico do autor, ou seja, ao seu lugar de fala, que direciona regras, determinações e limites interpretativos na elaboração do seu discurso.

A discussão a que apresentamos se divide em duas partes. Na primeira apresentamos a Ilustração em Portugal, logo que a enviatura de Carvalho e Melo à Londres ocorreu justamente no período do desenvolvimento do movimento Ilustrado lusitano. Na segunda parte discutimos as relações políticas e econômicas Anglo-Lusitanas observadas nos Escritos económicos de Londres: 1741-1742, assim como alguns desafios enfrentados pelo futuro Marquês de Pombal em sua missão.

O movimento ilustrado português

O Iluminismo foi um movimento cultural particular, amplo e complexo, não expressando uma homogeneidade de ideias e práticas. Alguns traços, no entanto, podem associar-se ao movimento e ajudar na tarefa de defini-lo, como a “[...] razão, direitos, natureza, liberdade, igualdade, tolerância, ciência, progresso [...]”, assim como a “virtude”[2], a justiça e o bem estar (HIMMELFARB, 2011, p.17).

As particularidades e ambiguidades que marcaram o Iluminismo foram construídas no tempo e no espaço, sobretudo, no decurso do século XVIII quando o movimento ganhou impulso e a historiografia contemporânea passou a descrevê-lo em suas diferenças regionais ou locais. Na França, conforme Himmelfarb (2011), a bandeira do Iluminismo foi a “razão” e o seu emprego na promoção de uma reforma religiosa e política.

A ideia de razão definiu e permeou o Iluminismo como nenhuma outra. Em certo sentido, o Iluminismo francês foi uma Reforma atrasada, uma Reforma empreendida não por uma religião mais excelsa e mais pura, mas por mais excelsas e puras autoridade e razão. Foi em nome da razão que Voltaire lançou a famosa declaração de guerra contra a Igreja, ‘Écrasez I`infame [Esmague o infame], e que Diderot propôs ‘enforcar o último rei com as tripas do último padre’ (HIMMELFARB, 2011, p.33).

Segundo Tocqueville (1805-1859), a França anterior a Revolução de 1789 era um Reino apático com costumes, hábitos e instituições tradicionais, pois apresentava uma estrutura social desigual em termos políticos, jurídicos e tributáveis, constituída segundo o modelo piramidal de origem feudal, formado pelo Primeiro Estado (Clero), Segundo Estado (nobreza) e Terceiro Estado (povo). Apresentava um poder político com regras rígidas e práticas de governo ineficientes[3], bem como uma economia pouco dinâmica, basicamente agrícola, mantida pelo pequeno camponês submetido a diversos encargos de herança feudal. Contra esse estado de coisas os filósofos franceses se posicionaram, intencionando construir aos olhos da “razão” uma nova sociedade, uma nova política, novos costumes e instituições que atendessem as necessidades do momento.

Não foi por acaso que os filósofos do século XVIII conceberam noções tão opostas àquelas que ainda serviam de base à sociedade de seu tempo: essas idéias foram-lhes naturalmente sugeridas pela própria contemplação dessa sociedade que tinham sob os olhos. O espetáculo de tantos privilégios abusivos e ridículos, dos quais sentiam sempre mais o peso e percebiam sempre menos as causas, empurrava ou, melhor, precipitava simultaneamente o espírito de cada um para a idéia da igualdade natural das condições. Vendo tantas instituições irregulares e estranhas, oriundas de outros tempos, que ninguém tentara harmonizar entre si ou acomodar com as novas necessidades e que pareciam eternizar sua existência após terem perdido sua virtude, os filósofos ficaram desgostosos com um tudo que era antigo e com a tradição, o que os levou naturalmente a querer refazer a sociedade de seu tempo conforme um plano inteiramente novo, que cada um esboçava à única luz da razão (TOCQUEVILLE, 1997, p.144).

Na Inglaterra, opostamente, o esforço dos representantes das “Luzes” não era somente evidenciar a “razão” como arma de combate à Monarquia absolutista, pois essa havia sofrido um abalo significativo com a reforma política advinda das Revoluções Inglesas que, no século XVII, firmaram o Parlamento como instituição liberal-democrática em combate ao crescimento do Absolutismo real[4]. Do mesmo modo, os iluministas britânicos deram pouca importância à religião uma vez que desde o século XVI, com a reforma religiosa de Henrique VIII, o Catolicismo havia diminuído sua atuação nos assuntos da Monarquia inglesa, definindo o próprio monarca, segundo Alencar (2012, p.52), “[...] como chefe supremo da igreja na Inglaterra ou ao Catolicismo, separando assim, oficialmente, os católicos ingleses da comunhão com a Igreja universal e seu chefe, o bispo de Roma”.

O grande objeto de preocupação dos filósofos das “luzes” na Inglaterra era, assim, promover o “bem estar social” por meio do caminho da “virtude”. Por “virtude” os pensadores britânicos entendiam, segundo Himmelfarb (2011, p.52-53), os sentimentos da “benevolência”, da “simpatia”, da “compaixão”, da “solidariedade”, da “piedade” e “empatia”, que formavam “virtudes sociais” ou “afecções sociais”, a base de fundamentação do Iluminismo.

Notar-se-á que em cada “lugar social” o Iluminismo expressou um conjunto de características particulares, correspondentes aos objetivos e as necessidades conjunturais dos promotores do movimento. Observamos essa problemática no desenvolvimento do Iluminismo português. Iniciado nas primeiras décadas do século XVIII, com D. João V, o movimento intencionava modernizar o Reino por meio dos princípios da razão, do progresso e da secularização do sistema de ensino, retomando a importância econômica, científica e tecnológica expressada durante os séculos XV e XVI, período da expansão ultramarina e comercial europeia.

No reinado de D. João V os ideais do movimento desenvolveram-se em meio ao misticismo e as superstições decorrentes de uma hierarquia monárquica e de um tradicionalismo católico comum à cultura portuguesa, pois o elemento religioso fazia parte da sua mentalidade, das suas tradições e instituições na primeira metade do Setecentos. Desse modo, na realidade lusa desse período Falcon (1993) afirma que as “luzes” e a “escuridão” coexistiam na explicação dos fenômenos naturais.

[...] no universo mental ilustrado, [...], nem tudo se resume a expressões de pura racionalidade. O racional e o irracional, aí como sempre, coexistem. Bruxarias, milagres e superstições múltiplas vão de braços dados com a tolerância, o anti-racismo, igualitarismo referido à natureza humana (FALCON,1993, p.98).

No contexto de coexistência entre a tradição e a inovação, D. João V enxergou no movimento ilustrado uma forma de “regenerar” e laicizar o Reino, estimulando reformas de cunho racional na política, na economia, nas artes, no ensino e, principalmente, na cultura científica. Segundo Cortesão (2001, p.92), o Rei queria “[...] difundir no reino a cultura científica estrangeira e as técnicas de seu de seu tempo, como instrumento indispensável da expansão e da soberania política nas províncias ultramarinas”.

Buscando essa “regeneração”, novas instituições foram criadas, como a Academia Real da História Portuguesa (1720) que possibilitou, segundo Mota (2003), o desenvolvimento de estudos históricos, cartográficos e geográficos a partir parâmetros científicos modernos. Houve também a instalação da Biblioteca em Mafra e a ampliação da Biblioteca da Universidade de Coimbra, a edição e a publicação de estudos sobre a ciência moderna, o desenvolvimento das áreas da Cartografia, da Geografia e da Astronomia, bem como a contratação de profissionais dos mais diferentes campos do conhecimento para formar uma rede de saber interdisciplinar.

Carneiro, Simões e Diogo (2000) evidenciam D. João V como patrono do desenvolvimento científico em Portugal, ao estimular as ciências experimentais, autorizar a aquisição de novos livros, mapas e atlas por instituições de ensino e apoiar as atividades astronômicas dos jesuítas[5], além de financiar as práticas pedagógicas dos Oratorianos[6]no sistema de ensino.

Without directly confronting the influence of the Jesuits, King Joao V also encouraged the activities of the Oratorians, their main competitors for supremacy over the teaching system. The latter were endowed with an appropriate building, the Casa das Necessidades, in which they ran courses on experimental physics, established a library open to external demand, a cabinet for natural sciences equipped with appropriate apparatus, and a printing-office. They impressed their mark upon various intellectuals and men of science who were either educated by them or belonged to their congregation. The King himself put forward strategies for the promotion of the experimental sciences. He allowed the diplomat Luis da Cunha (1661-1749), a strong advocate of political and economic reforms based on mercantilism, to endow the Royal Library and the University of Coimbra with new books, maps and atlases. Joao V was in effect the single patron during this period. He supported many of the astronomical activities of the Jesuits, and actually funded the scientific endeavours of the Oratorians and of various foreign astronomers[7](CARNEIRO; SIMÕES, DIOGO, 2000, p.597).

No interior das reformas da primeira metade do XVIII salientamos também os chamados “estrangeirados”, homens eruditos pertencentes, segundo Cortesão (2001), às classes médias, setores da aristocracia e integrantes do Clero contrários ao fanatismo da Inquisição e a manutenção do método de ensino jesuítico. Na estruturação do Iluminismo lusitano os “estrangeirados” tiveram importante papel, pois por meio de seus trabalhos – de tradução de clássicos da ciência moderna, estágios em grandes centros de ensino europeus e contato com experiências estrangeiras – introduziram em Portugal novas ideias que culminaram na formação de uma nova corrente de pensamento ou escola intelectual específica. Para Maxwell (1996, p.10):

Os trabalhos mais importantes que se originaram dessa escola intelectual em Portugal incluíram os de Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693- 1743), que tentou adaptar a Portugal algumas das teorias de Locke; os escritos do cristão-novo Dr. Jacob de Castro Sarmento (1692-1762), que introduziu em Portugal as ideias newtonianas, e os trabalhos do Dr. Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), também cristão-novo e conhecido de Pombal em Viena”.

Além do incentivo as discussões científicas e produção intelectual, durante a governação joanina houve investimento em atividades que, em sentido prático e concreto, visaram reestruturar o Reino e dar, conforme Ribeiro (2018, p.549), “[...] impulso às indústrias da metalurgia, da fabricação de sedas, de louça e de papel, as obras de encanamento do rio Tejo, obras para regularizar o abastecimento de água de Lisboa e um esforço para reflorestamento [...]”. Do mesmo modo iniciou a reformulação da cultura geográfica, astronômica e cartográfica, tendo em vista a imprecisão da demarcação das fronteiras entre as Coroas ibéricas na América do Sul e a pretensão da Espanha em querer alargar seus domínios em territórios pretendidos por Portugal, como a Colônia do Sacramento.

[...] D. João V compreendeu que era necessário, para obviar a futuras alegações da Espanha, fundadas na situação do meridiano de Tordesilhas, renovar, por meio da cultura astronômica, a cartografia [sic] portuguêsa e dar uma nova base à sua diplomacia. E é o que fez (CORTESÃO, 1953, p.8-9).

Cortesão (1953, p. 7) mostra que, por volta do ano de 1720, o geógrafo e cartógrafo francês Guillaume Deslile fez observações importantes sobre as fronteiras americanas entre os dois Reinos ibéricos, afirmando que o Cabo Norte e a Colônia do Sacramento não se encontravam “[...] dentro da zona de soberania portuguesa, delimitada pelo meridiano de Tordesilhas”. Essas observações prejudicavam diretamente os interesses da Coroa, logo que a Colônia do Sacramento era ocupada por Portugal desde o final do século XVII e os lusitanos tinham intenções na região do rio da Prata em razão da sua estratégica posição comercial. Assim, como questão de urgência D. João V compreendeu, conforme Cortesão (2001, p.92), “[...] a renovação da escola portuguêsa de cartografia; e o impulso dado ao estudo da geografia e à formação, em bases científicas, dum novo Atlas do Brasil [...]”[8].

No contexto do desenvolvimento do Iluminismo nas diferentes áreas do conhecimento, as autoridades lusitanas compreendiam que o século XVIII era o momento de renovar a cartografia de Portugal para então identificar as potencialidades mineralógicas e fluviais da sua possessão territorial na América, assim como verificar na região ocupações humanas de origem portuguesa no interior do continente para usar como argumento diplomático em uma nova divisão de fronteiras com a Espanha.

Observamos que todas essas reformas de cunho iluminista empreendidas pela Coroa portuguesa, a partir dos anos de 1720 e 1730, podem ser agrupadas em torno do conceito “Razão de Estado”. De acordo com Ribeiro (2015, p.92-93), o conceito em questão pode ser aplicado na realidade lusitana do século XVIII, uma vez que no período citado ocorreram

[...] mudanças profundas na estrutura de pensamento político e na prática governativa e administrativa correspondente, trazendo inovações consistentes e concretas para a constituição do território analisado, consubstanciadas por uma racionalidade e um ordenamento fiscal, econômico e político diferentes das que se apresentavam em um momento anterior.

Ribeiro (2015) mostra ademais que as mudanças significativas no Reino português e nos territórios sob a sua jurisdição ganharam força maior quando Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 -1782), mais conhecido como Marquês de Pombal, passou a exercer o controle sobre as estâncias política, econômica, fiscal, religiosa e educacional. No entanto, pontuamos que as grandes transformações da segunda metade do século XVIII tornaram-se realidade graças às primeiras iniciativas modernizadoras de D. João V e experiências adquiridas por Carvalho e Melo ainda como enviado dos interesses da Coroa lusitana em Londres (1738 -1744) e em Viena (1745-1749), pois no exterior, segundo Santos (s/d, p.150), teve contato com leituras e opiniões correlacionadas ao comportamento de um estadista moderno, que em Portugal certamente não teria acesso, além, da “[...] doutrina do direito natural e à filosofia política dos teóricos do absolutismo esclarecido”.

Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 -1782) era um estrangeirado que no posto de secretário português de Estado dos Negócios Estrangeiros na Corte inglesa produziu uma quantidade expressiva de documentos, de caráter diplomático, que expressam seu pensamento econômico no período de formatação das concepções ilustradas em Portugal. Além disso, sua produção remete aos problemas do Reino e a sua real situação econômica, as relações comerciais Anglo-lusitanas, os interesses políticos e diplomáticos internacionais e os inúmeros desafios que encontrou no exercício da sua função.

Os desafios de Sebastião José de Carvalho e Melo em Londres

A nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo para a missão em Londres preparou grandes desafios, dado a fragilidade econômica em que se encontrava Portugal na primeira metade do século XVIII. Assim, além de traçar uma radiografia sobre os problemas que afligiam o Reino e a sua economia, Carvalho e Melo teve que se posicionar diante dos acordos político-econômicos entre Portugal e Inglaterra e de uma possível aliança defensiva e comercial Luso-Francesa, além de mediar conflitos que colocavam em risco a posse de territórios portugueses no Ultramar.

Sua indicação ao exercício da representação portuguesa na Corte londrina foi cuidadosamente analisada por D. João V durante dois anos, entre maio de 1736 a julho de 1738. A imagem que o Rei tinha do futuro Marquês era a de um homem erudito, culto, talentoso e prudente, porém novato e pobre para ocupar um cargo de tamanha importância. Para os intelectuais da época, como D. Luís da Cunha, a falta de bens e fortuna era um impeditivo para que os nomeados do Rei no exterior desempenhassem com perfeição suas funções, abrindo brecha inclusive à corrupção (BARRETO, 1986).

Para a decisão do monarca favoreceu, sem dúvida, a mudança da condição socioeconômica de Carvalho e Melo após a morte de seu tio, Paulo de Carvalho e Ataíde, em 1737. O futuro Marquês recebeu uma fortuna de herança que “[...] veio deixa-lo numa situação de relativo desafogo, não lhe assentando já inteiramente a acusação de pobre como muitos outros”. Atiçou também a nomeação as influências exercidas pelos conselheiros e pessoas muito próximas ao Rei, como o cardeal da Cunha, Francisco Luís da Cunha Ataíde[9] e Marco António de Azevedo Coutinho[10] (BARRETO, 1986, p. IX e X).

A nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo foi efetivada em julho de 1738. No dia 8 de outubro desse mesmo ano partiu para o exterior, desembarcando poucos dias depois, em 19 de outubro, para substituir na Secretária de Estado dos Negócios do Reino Marco António de Azevedo Coutinho. No início das suas funções na Corte de Jorge II, Carvalho e Melo contou com o apoio de Azevedo Coutinho para “introduzi-lo no meio londrino e a instruí-lo nos negócios diplomáticos” (BARRETO, 1986, p. X). Encerrada essa fase, de cerca de dois meses, precisou tomar sozinho decisões importantes frente aos problemas que lhe eram colocados.

Uma das primeiras questões que enfrentou foi a de conseguir apoio militar inglês para expulsar rebeldes em Goa e na Ilha do Salsete, assegurando assim o controle português em territórios da Índia. Em carta particular, datada em 19 de fevereiro de 1742 e endereçada ao cardeal da Mota, Carvalho e Melo mostra que o comércio na Ásia era bastante vantajoso, pois a Europa carecia de produtos que existiam somente na Índia, como as especiarias. Era também muito lucrativo quando feito pela própria nação interessada, pois motivava as manufaturas locais, o comércio marítimo e o fortalecimento das atividades marítimas, enriquecendo assim a economia e os súditos do Reino com a entrada e a não saída de riquezas[11].

Além das grandes utilidades que tras este comercio, provadas pella experiencia dos Estados que hoje o cultivam, se consideram os prejuizos que a falta delle faz aos outros Estados onde não florece. Como entre as nações da Europa não há algũa que possa actualmente passarse dos generos orientaes, vem a ser hũa consequência necessaria que ou os há de receber da mão dos seus próprios mercadores ou das dos estrangeiros. Se recebe aquelles generos da mão dos estrangeiros, não sómente se priva o Estado do aumento da Marinha, do util meyo de empregar e enriquecer os vassallos que exercitam as muitas artes fabris e liberaes de que depende o manejo de hũ tal comercio, mas tambem padece o damno de se lhe extrahir e ouro todo o cabedal que montam as fazendas que se lhe introduzem. Se porem são os naturaes aquelles que fazem o negocio, se conseguem os interesses e se evita o damno, ficando em caza para nutrir e aumentar o cabedal do reyno todo o ouro que aliás deveria sahir delle para outro estranho (CARVALHO E MELO. Carta ao cardeal da Mota, 19 fev. 1742. In.: BARRETO, 1986, p.146-147).

Marco António de Azevedo Coutinho, ainda no exercício da função de enviado dos interesses da Coroa portuguesa em Londres, também tinha tentado em vão o auxílio dos ingleses na expulsão dos dissidentes em Goa e em Salsete, uma vez que a Companhia das Índias Orientais tinha grande interesse em comercializar com os dissidentes e, ao mesmo tempo, “[...] lucrar com a expulsão dos Portugueses daquela zona” (BARRETO, 1986, p. XII). Mas, contra as solicitações de Azevedo Coutinho e de Carvalho e Melo, o governo britânico “usou de toda espécie de escapatórias e delongas, fazendo-se eco também as velhas queixas da Companhia Oriental contra os portugueses da Índia” (BARRETO, 1986, p. XII e XIII). Em face da negativa inglesa, D. João V enviou em 1740, por própria conta e risco, uma esquadra militar à Índia em socorro aos lusitanos de Salsete e Goa, entretanto, a tardia decisão não surtiu efeito, logo que outras praças portuguesas, como Bombaim, foram parar nas mãos de rebeldes e ingleses.

Outro desafio enfrentado por Carvalho e Melo foi o de impedir a ameaça espanhola em ocupar a colônia do Sacramento. A posse da região era disputada pelos espanhóis desde 1735, “[...] que, além disso, entendiam chegado o momento de fazer cessar o contrabando que da colónia portuguesa se fazia para Buenos Aires e outros pontos da América espanhola” (BARRETO, 1986, p. XIII). A perda da colônia do Sacramento para Portugal significava a impossibilidade da entrada de produtos da América Portuguesa nos territórios da América Espanhola e, consequentemente, prejuízos para os comerciantes portugueses e ingleses que mantinham alianças comerciais com Portugal.

A pretensão da Espanha em ocupar a região e sua hostilidade era evidente, o que poderia levar a uma guerra entre os dois reinos ibéricos já em 1735. Carvalho e Melo, assim como seu antecessor Marco António de Azevedo Coutinho, atuou buscando mediar o conflito e conter a atitude ameaçadora dos espanhóis. Por outro lado, D. João V buscava, desde que a ameaça espanhola iniciou, o apoio infrutífero dos ingleses. Diante na nova recusa da Corte londrina em ajudar Portugal na difícil negociação, além dos ataques frequentes espanhóis à colónia do Sacramento, o Rei mostrava-se desiludido com a aliança Luso-britânica.

Essa atitude inglesa – a que se seguiria, dois anos depois, a recusa na prática em auxiliar Portugal contra a ofensiva dos maratas na índia – ia suscitar, já em 1736, uma séria reflexão de D. João V e dos seus colaboradores acerca das vantagens e desvantagens da aliança luso-britânica consubstanciada na liga defensiva e no tratado de comércio recíproco (Methuen) assinados em 1703 (BARRETO, 1986, p. XIV).

Desde 1736 D. João V estudava uma possível aproximação com a França e a formação de uma aliança defensiva e comercial, mas sem alimentar ilusões. Conforme Barreto (1986, p. XIV), o grande objetivo do monarca era assustar os ingleses “[...] para conseguir deles um cumprimento mais escrupuloso dos tratados recíprocos”. Outra intenção do Rei era explorar a influência que Luís XV mantinha junto à Corte de Madri para assegurar seus interesses na área disputada pela Espanha na América e, quiçá, firmar uma aliança entre portugueses e espanhóis. Em troca do favorecimento é óbvio que o governo francês exigia tratamento de nação mais favorecida ao comércio, o que não agradava D. João V, pois “[...] perder a Inglaterra como aliada poderia também significar ganhá-la como inimiga [...]” (BARRETO, 1986, p. XVI).

Nesse clima tenso por novas nações aliadas, dois acontecimentos se destacaram na conjuntura político-diplomática de Portugal: a investidura de Carvalho e Melo e o início das hostilidades entre ingleses e espanhóis nos mares da América Espanhola. A declaração de guerra do primeiro ministro francês Walpole à Espanha determinou grande parte dos trabalhos de Carvalho e Melo em Londres, pois o cenário de guerra “[...] parecia favorecer o poder negocial português perante Londres, Madrid e Paris, dada a importância geoestratégica de Portugal no Atlântico Norte e Sul, onde se dariam os confrontos anglo-espanhóis” (BARRETO, 1986, p. XVII). Em face ao risco de perder o parceiro comercial de longa data, a Inglaterra reagiu à possível aliança Luso-Francesa devolvendo a Portugal a proposta de uma nova aliança, na qual “[...] oferecia Jorge II uma esquadra para libertar a colónia do Sacramento do bloqueio espanhol, pedindo em troca a livre admissão dos navios mercantes e de guerra britânicos nos portos portugueses enquanto durasse a guerra anglo-espanhola”. Conforme a nova aliança, Portugal ainda não poderia oferecer qualquer tipo de assistência à Espanha (BARRETO, 1986, p. XVII).

Nas observações feitas por Carvalho e Melo a respeito das alianças entre Portugal e as duas potências europeias notamos a preocupação em analisar com prudência os dois tratados, pois a França e a Inglaterra conheciam muito bem a condição econômica de Portugal, suas fragilidades e limitações.

Sendolhe poes tudo notorio como he na realidade, e não como os tratados o reprezantão, não ha de pedir a El Rey Nosso Senhor que por algum principio quebre com a Gram Bretanha, accordando a França hua convenção excluziva para introduzir só ella os lanificos em Portugal (CARVALHO E MELO, Carta de ofício à Marco António de Azevedo Coutinho, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.10).

Para Carvalho e Melo, a exemplo do comércio de lanifícios, não havia condições de pedir ao Rei que rompesse com a Inglaterra em favor da França. Era muito arriscado, seria trocar seis por meia dúzia, uma vez que os franceses imitavam os ingleses em matéria de comércio com Portugal, além disso poderia nascer do tratado Luso-francês “[...] hum motivo de vingança de Inglaterra contra Portugal, em razão dos lucros que fizessemos cessar aos seus mercadores para os transferir aos Francezes, seus grandes inimigos [...]” (CARVALHO E MELO, Carta de ofício à Marco António de Azevedo Coutinho, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.26). Nesses termos, para o futuro Marquês era menos arriscado continuar a parceria com os britânicos, aguardando a oportunidade para rever as alianças e acordos já firmados.

De todos os desafios reservados ao futuro Pombal no cargo de suas funções em Londres, o mais evidente foi o de se colocar diante dos tratados comerciais Anglo-Lusitanos. Nota-se que a relação diplomática entre Inglaterra e Portugal não era harmônica e de amizade, mas de conflito e tensões em face da fragilidade econômica e militar portuguesa. Na teoria, os tratados, os acordos e as alianças comerciais firmados entre as duas monarquias assinalavam liberdade de comércio recíproca e sem limitação, mas na prática quem gozava dessa liberdade era somente a Inglaterra.

Se se combinão as poucas liberdades de que gozamos com as muitas que nos pertencem, e os exorbitantes direitos que se nos extorquem com os que justamente devíamos pagar segundo as convenções, se alcança logo demonstrativamente que, suposto que entre nós se intende comumente que a desigualdade dos tratados que temos com Inglaterra [...] (CARVALHO E MELO, Carta de ofício à Marco António de Azevedo Coutinho, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p. 5).

Nos Escritos Económicos de Londres: 1741-1742 Carvalho e Melo afirma que os ingleses usavam de diversos artifícios e fraudes para violar, prejudicar e até mesmo proibir o comércio português na Inglaterra e em regiões da Europa. Essas proibições tinham começado pelos “Atos de Navegação”[12], que monopolizaram o transporte de mercadorias pelos ingleses, desestimulando a indústria de navegação por outras nações. Assim, “Antes daquelle Acto era livre a todas as nações transportarem a Inglaterra sobre os navios de cada huma dellas todos os generos e fructos sem limitação [...]. Por este Acto porem se restringio e limitou a liberdade que antes delle havia”. No caso específico de Portugal, o futuro Marquês observou que a lei privou “[...] de transportarmos a Inglaterra e aos seus dominios os frutos e mercadorias dos payzes estranhos sobre os proprios navios, e de navegarmos às colonias inglezas e de traficarmos nellas” (CARVALHO E MELO, Relação dos Gravames, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.44).

Da mesma maneira, o “Ato de peso e medida” também trouxe sérios prejuízos a Portugal, uma vez que estabeleceu impostos excessivos sobre as mercadorias e embarcações estrangeiras que entravam na Inglaterra. Os navios portugueses, por exemplo, pagavam três vezes mais de impostos que os navios ingleses.

O projecto de fraude que Inglaterra ordenou e estableceo com esta ley ao intento que deixo referido, consistio em summa na desigualdade da tarifa que então publicou conforme com o Acto. Por este, os mesmos generos de pezo e medida que transportados a Inglaterra ou exportados della por hum inglez, pagavão menos, sendo trazidos por hum estrangeiro como fructos da sua própria terra e no seo proprio navio, foi ordenado que pagarião mais. Além de outras desigualdades de que darei ideya (CARVALHO E MELO, Relação dos Gravames, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.45).

Outra desigualdade no comércio português com a Inglaterra seria o valor do seguro pago pelas embarcações portuguesas[13]. Carvalho e Melo, em suas observações, afirmou que era bem mais caro que aquele pago pelas embarcações inglesas, o que possibilitava mercadores ingleses negociarem seus produtos com preço mais baixo.

Navio portuguez de cento e sincoenta tonelladas, a razão de 5$ por cada huma, importão os fretes singelos 750$000 rs. Importão os seguros da sua carregação de doze mil libras sterlinas, a sete por cento, em 840 libras sterlinas, que fazem da nossa moeda 3:101$538 rs. Vem a somar tudo o que se paga a este navio de fretes e seguros 3:851$538 (CARVALHO E MELO, Relação dos Gravames, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.55).

Navio inglez da mesma lotação vence de frete e meyo, à razão de 7$500 por tonellada, 1:100$000. De seguro, indo comboyado, a dous e meyo por cento, 300 libras, que fazem na nossa moeda 1:107$692. Juntas estas duas parcelas, somão 2:207$692. Donde sahe que nesta hypothezy faz o navio inglez de menos despeza aos carregadores 1:643$846 (CARVALHO E MELO, Relação dos Gravames, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.55).

Na avaliação do enviado português no exterior contribuía ainda para a falência da economia portuguesa a dificuldade que os comerciantes lusos tinham de transportar mercadorias finas[14]da Inglaterra para Portugal e outras regiões da Europa, logo que não havia nesse local correspondentes portugueses que fizessem a ponte de comércio para despachar as mercadorias.

Para carregarem os navios portugueses para a generalidade dos nossos mercadores, seria necessario haver aqui outro igual ou grande numero de correspondentes que os communicassem, assim como e à mesma proporção que os mercadores de Inglaterra para sustentar entre nós o comercio necessitão de grande numero de commissarios, que estableceram por todo o Portugal e Ilhas adjacentes. Não basta que haja em Portugal quem faça encomendas; he necessario que respectivamente haja em Inglaterra quem as avie e informe dos interesses e oportunidades para ellas primeiro se pedirem e depoes despacharem. Estes comissários poes, no grande numero em que são precizos ao nosso comercio, ou devem ser portugueses aqui stablecidos ou os mesmos ingleses e gente do pays (CARVALHO E MELO, Relação dos Gravames, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.56-57).

Como é possível notar, Carvalho e Melo não apontava somente os descaminhos que impediam a economia portuguesa de prosperar, mas também as soluções que considerava mais apropriadas para que seu Reino pudesse superar os diversos problemas econômicos.

Considerações Finais

Observar-se-á que o pensamento expressado por Sebastião José de Carvalho e Melo nos escritos londrinos se inserem em um amplo movimento de ideias que pretendia apontar os problemas econômicos do Império português e propor possíveis soluções para uma grave crise identificada na primeira metade do século XVIII. Nesse momento, não havia uma separação clara e definida na realidade lusitana sobre o que era campo religioso, político, econômico, cultural e científico, o que demonstrava a interferência do Estado em assuntos religiosos e vice-versa, o envolvimento entre ciência e religião, explicações supersticiosas aos fenômenos naturais, a convivência entre o pensamento sobrenatural e o racional.

Nessa especificidade lusa em que Carvalho e Melo foi nomeado funcionário real estrangeiro para atuar na Corte londrina, o interesse principal da Coroa portuguesa era “regenerar” o Reino em termos científicos, culturais e econômicos. Dessa maneira, a missão em Londres conferiu grandes desafios, como o de assegurar o controle português em territórios no Ultramar e, principalmente, rever políticas e tratados comerciais entre Portugal e Inglaterra. Na avaliação do enviado, as relações comerciais entre os dois reinos eram conflituosas em face das violações e fraudes que os ingleses usavam para obstaculizar e, até mesmo, impedir à navegação e o comércio português.

O período de permanência em Londres possibilitou a Carvalho e Melo perceber não somente os problemas econômicos de Portugal, mas também ter contato com racionalidade das práticas de administração político-econômica e as “novas ideias” de ciência moderna que circulavam na Europa e que, por seu turno, agiram em sua formação intelectual e política anos mais tarde, quando se tornou homem de máxima confiança de D. José I e passou a ocupar o cargo de Secretário de Estado dos Negócios do Reino, em 1755. É nesse sentido, que o “lugar social” ocupado pelo enviado português no exterior serviu para moldar a governação pombalina, calcada em princípios iluministas – como racionalidade, secularização e progresso – que tinha por objetivo construir uma nova nação portuguesa, por meio de reformas no aparelho do Estado, na economia, na educação e na religião.

Na política buscou, conforme Assunção (2006), fortificar e centralizar o poder real por meio da diminuição da influência e privilégios da velha nobreza e da Igreja sob o Estado português. Na economia, segundo o mesmo autor (2006), se esforçou em equilibrar as contas do Reino, incentivando a criação da Companhia do Grão-Pará e do Maranhão (1755) e da Companhia de Pernambuco e Paraíba (1759), bem como a modernização das manufaturas em Portugal. Na educação procurou, segundo Villalta, Morais e Martins (2015), secularizar o conhecimento e transformar o sistema pedagógico sob a ótica da racionalidade, diminuindo a interferência das ordens religiosas, como a Companhia de Jesus, no sistema de ensino. Do mesmo modo, na religião buscou submeter o Clero regular ao poder régio, empregando-o como veículo de propagação dos novos ideais de governo (SOUZA, 2015).

Sebastião José de Carvalho e Melo entedia Portugal como um Reino imobilizado e não competitivo no cenário europeu. Nesse sentido, para ele era preciso promover amplas reformas para superar o que se entedia como “atraso” econômico, científico e cultural. No entanto, compreendemos que essas reformas, mesmo intencionando modernizar o Reino sobre os moldes da “razão”, não pretendiam destruir a ordem existente formada pela Igreja Católica, pela Nobreza e pela Monarquia absolutista.

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Fontes

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Notas

[1] Os Escritos Económicos de Londres – que se compõe de cartas de ofício, cartas particulares e outros escritos de autoria de Carvalho e Melo que foram remetidas a autoridades lusitanas e amigos próximos, entre os anos de 1741 e 1742 – trazem reflexões relevantes sobre as relações diplomáticas entre Portugal e outros Estados Monárquicos, os acordos e as alianças econômicas Anglo-lusitanas, as possessões territoriais portuguesas sob sua jurisdição, o comércio externo, as manufaturas e a situação econômica do Reino, a política econômica seguida pela França e pela Inglaterra, etc.
[2] O adjetivo “virtude”, segundo Himmelfarb (2011, p.17), é empregado não em referência a “virtude pessoal”, mas sim “virtude social”, como “compaixão, benevolência, simpatia”.
[3] Empregamos a expressão “poder político com regras rígidas e práticas de governo inoperantes” em referência ao poder absolutista que confundia a figura do Rei com a do Estado, como na célebre frase do Luís XIV: “Eu sou o Estado”.
[4] Conforme Stone (2000), o Parlamento inglês era uma instituição política tradicional de herança feudal, na qual os diversos setores sociais – como Clero, nobreza e burguesia – tinham participação política, embora o poder real tentasse interferir em suas decisões.
[5] Buscando desenvolver as ciências, em 1722, a Coroa determinou a aquisição de avançados instrumentos matemáticos e Atlas geográficos, a contratação de dois jesuítas italianos habilitados em matemática e astronomia, Giovanni Baptista Carbone e Domingos Capasse, e determinou a instalação de um observatório astronômico no Colégio de Santo Antão, o mais antigo colégio jesuítico em território português. Entre 1590 e 1759 a “Aula da Esphera” fazia parte do currículo do colégio, com ênfase nas questões relacionadas à ciência náutica e à cosmografia (CORTESÃO, 1953).
[6] A Congregação dos padres Oratorianos foi fundada em Roma por S. Filipe Neri, em 1565. Em Lisboa a instituição foi instalada, em 1659, pelo Padre Bartolomeu do Quental, nomeado por Decreto por D. João IV, de 22 de Outubro de 1654. Com o apoio de D. João V, que inclusive fez a doação do edifício Nossa Senhora das Necessidades em 1745, os padres da Congregação desenvolveram atividades científicas e pedagógicas, ministrando aulas de ensino, na área da Matemática e da Física Experimental (ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO, 2011).
[7] Sem confrontar diretamente a influência dos jesuítas, D. João V também encorajou as atividades dos oratorianos, seus principais concorrentes pela supremacia sobre o sistema de ensino. Esses últimos obtiveram um edifício adequado, A Casa das Necessidades (The Necessity House), onde lecionavam cursos de física experimental, estabeleceram uma biblioteca aberta à demanda externa, um gabinete de ciências naturais equipado com aparatos apropriados e uma gráfica. Eles imputaram sua marca em vários intelectuais e homens da ciência que foram educados por eles ou pertenciam à sua congregação. O próprio Rei apresentou estratégias para a promoção das ciências experimentais. Ele permitiu ao diplomata Luis da Cunha (1661-1749), forte defensor de reformas políticas e econômicas baseadas no mercantilismo, prover a biblioteca Real e a Universidade de Coimbra com novos livros, mapas e atlas. João V foi de fato o único patrono deste período. Ele apoiou muitas das atividades astronômicas dos Jesuítas, e na verdade financiou os esforços científicos dos oratorianos e de vários astrônomos estrangeiros (CARNEIRO; SIMÕES; DIOGO, 2000, p. 597) (TRADUÇÃO NOSSA).
[8] Furtado (2012) aborda o processo de produção de um mapa, em específico, que serviu de base para as negociações do Tratado de Madri: a “Carte de I´Amérique Méridionale” (1748), de autoria de Jean-Baptiste Bourguignon D´Anville, também geógrafo francês representante de um saber pautado nos princípios iluministas. O documento foi produzido a pedido de D. Luís da Cunha, embaixador português na França, para servir aos propósitos da Coroa lusitana em melhor conhecer suas fronteiras na América e, assim, respaldar o trabalho de seus representantes diplomáticos com informações precisas para resolver as disputas das fronteiras portuguesas com a Espanha.
[9] Francisco Luís da Cunha Ataíde era conselheiro do Rei, desembargador do paço, chanceler da Casa da Relação do Porto e esposo, em segunda núpcia, da mãe de Carvalho e Melo
[10] Marco António de Azevedo Coutinho era primo de quarto grau de Carvalho e Melo. Exerceu o cargo de embaixador em Londres, entre 1735 a 1738, até tomar posse do cargo de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra em novembro de 1738.
[11] Na primeira metade do século XVIII Portugal vivia o chamado Mercantilismo, que não representava, segundo Magalhães (1967, p.144), uma “[...] doutrina económica coerente e fixa mas antes um conjunto de medidas práticas de política económica ou de teorias baseadas no princípio chamado ‘crisohedónico’, ou seja, no princípio que afirma a proeminência da riqueza monetária”. Para o autor (1967, p.145), as origens do Mercantilismo “[...] acham-se intimamente ligadas à história nacional” e, no caso dos reinos ibéricos, ao tempo das grandes viagens marítimas e colonização da América, que fizeram afluir para o continente europeu considerável quantidade de metais precisos. Desse modo, a corrente ibérica do Mercantilismo pode ser identificada com os princípios do Metalismo ou Bulionismo.
[12] Os Atos de Navegação restringiram a liberdade de navegação e comércio das nações europeias, definindo que somente os navios ingleses e os súditos ingleses poderiam fazer o transporte de mercadorias, caso essas nações não tivessem condições de fazer. O objetivo da lei era prejudicar certos concorrentes marítimos.
[13] Toda embarcação que saía ao mar pagava uma espécie de seguro de navegação. Na época da enviatura de Carvalho e Melo para Londres, as companhias de seguro pertenciam aos ingleses.
[14] Carvalho e Melo enumera como mercadorias finas “[...] todas as manufaturas de sedas de ouro e simples, de lam, de metaes, vidros, madeiras. &ª.” (CARVALHO E MELO, Relação dos Gravames, 2 de jan. 1741. In: BARRETO, 1986, p.56)

Autor notes

i Doutoranda em História, professora da rede básica de ensino do Estado do Paraná e tutora a distância do curso de História da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: gisellerodrigues3029@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-3808-3402.

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