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CRISE ESPIRITUAL E CRISE POLÍTICO-ECONÔMICA. GNOSES E PROJETOS POLÍTICOS PAGÃOS ANTE A CIVILIZAÇÃO CRISTÃ OCIDENTAL E SECULAR EM BUSCA DOS CONTINENTES PERDIDOS
CRISIS ESPIRITUAL Y CRISIS POLÍTICO-ECONÓMICA. GNOSIS Y PROYECTOS POLÍTICOS PAGANOS FRENTE A LA CIVILIZACIÓN CRISTIANA OCCIDENTAL Y SECULAR EN BUSCA DE LOS CONTINENTES PERDIDOS
SPIRITUAL CRISIS AND POLITICAL-ECONOMIC CRISIS. GNOSES AND PAGAN POLITICAL PROJECTS IN FRONT OF WESTERN AND SECULAR CHRISTIAN CIVILIZATION IN SEARCH OF THE LOST CONTINENTS
Caminhos da História, vol. 29, núm. 1, pp. 42-66, 2024
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 29, núm. 1, 2024

Recepção: 26 Novembro 2023

Aprovação: 30 Dezembro 2023

Resumo: O artigo propõe, como questão, o debate analítico de concepções epistemológicas que se pretendem renovadoras, no âmbito dos movimentos de Direita em curso, no século XXI e que se apresentam como inovações, tendo em vista concepções originais sobre as relações entre Passado mítico e Presente distópico, em suas próprias perspectivas, pois consideram que o desenvolvimento da História Universal teria rompido com uma Ordem Natural religiosa, ou espiritual, forjado por cultura ancestral que fora destruída ao ser substituída por outro processo civilizatório progressista que as teriam invisibilizado, produzido perdas culturais continentais, mas não as destruído, pois emergiriam das forças políticas das Direitas renovadas. Neste trabalho, será apresentado a análise sobre dois movimentes exemplares quanto à categorização: Novas Direitas, configuradas no âmbito do Tradicionalismo. Um deles, a Nova Direita Francesa e o outro, o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro. A análise propõe diálogo teórico a partir da explanação de algumas abordagens em curso sobre a trajetória da Política, enquanto desenvolvimento progressivo das relações sociais complexas e movimentos antagônicos que, sem abandonar o campo da Política, se opõem às disputas na ágora democrática progressista e desenvolvem alternativas míticas e místicas para legitimarem seus pontos de vista, enquanto projeto futuro de humanidade sob o comando racial continental, seja a Pátria original (Ur), a Europa ou Atlântida.

Palavras-chave: crise de valores, Crise espiritual, crise de valores, Novas Direitas, escatologias temporais e geracionais.

Resumen: : El artículo propone, como interrogante, el debate analítico de las concepciones epistemológicas que pretenden renovarse, en el ámbito de los actuales movimientos de derecha, en el siglo XXI y que se presentan como innovaciones, considerando concepciones originales sobre las relaciones entre el Pasado mítico y el Presente distópico, en sus propias perspectivas, al considerar que el desarrollo de la Historia Universal habría roto con un Orden Natural religioso o espiritual, forjado por una cultura ancestral que fue destruida al ser reemplazada por otro proceso civilizador progresivo que habría los hizo invisibles, produciendo pérdidas culturales continentales, pero no los destruyó, tal como surgirían de las fuerzas políticas de la derecha renovada. En este trabajo se presentará el análisis de dos movimientos ejemplares en cuanto a categorización: Nuevos Derechos, configurados en el ámbito del Tradicionalismo. Uno de ellos, la Nueva Derecha francesa y el otro, el Movimiento Integralista y Linealista Brasileño. El análisis propone un diálogo teórico a partir de la explicación de algunas aproximaciones en curso a la trayectoria de la Política, como un desarrollo progresivo de relaciones sociales complejas y de movimientos antagónicos que, sin abandonar el campo de la Política, oponen disputas en el ágora democrática progresista y desarrollan alternativas míticas. y místicos para legitimar sus puntos de vista, como un proyecto futuro de la humanidad bajo el mando racial continental, ya sea que la patria original (Ur) sea Europa o la Atlántida.

Palabras clave: crisis de valores; Nuevos Derechos; Escatologías temporales y generacionales, crisis espiritual, crisis de valores, Nuevos Derechos, Escatologías temporales y generacionales.

Abstract: : The article proposes, as a question, the analytical debate of epistemological conceptions that are intended to be renewing, within the scope of the current Right-wing movements, in the 21st century and that present themselves as innovations, considering original conceptions about the relations between the mythical Past and the Present dystopian, in their own perspectives, as they consider that the development of Universal History would have broken with a religious or spiritual Natural Order, forged by ancestral culture that was destroyed when replaced by another progressive civilizing process that would have made them invisible, producing continental cultural losses , but not destroyed them, as they would emerge from the political forces of the renewed Right. In this work, the analysis of two exemplary movements in terms of categorization will be presented: New Rights, configured within the scope of Traditionalism. One of them, the French New Right and the other, the Brazilian Integralist and Linearist Movement. The analysis proposes theoretical dialogue based on the explanation of some ongoing approaches to the trajectory of Politics, as a progressive development of complex social relations and antagonistic movements that, without abandoning the field of Politics, oppose disputes in the progressive democratic agora and develop alternatives mythical and mystical to legitimize their points of view, as a future project of humanity under continental racial command, whether the original homeland (Ur) is Europe or Atlantis.

Keywords: crisis of values; New Rights; temporal and generational eschatologies, spiritual crisis, crisis of values, New Rights, temporal and generational eschatologies.

Introdução

A percepção da unidade das Direitas é, usualmente, considerada nos aspectos que lhes são “tangíveis”, ou observados a “olho nu”, como a intolerância ao que lhes é diferente ou divergente, em relação produção de discursos de ódio, quanto à “escolha” de bodes-expiatórios, e, especialmente, o conservadorismo antipopular. Este artigo propõe reflexões acerca da importância que as chamadas Novas Direitas concebem à História Universal, contemplando-a como História da Humanidade a partir do sentido cronológico progressivo do avanço civilizatório, desde a Mesopotâmia, refutando, porém, o mesmo progresso, ao recolocarem, ou mesmo inaugurarem, origens míticas nativistas, compreendendo a geopolítica nacionalista como referência identitária cultural, mas relacionando-a com as posses clânicas continentais das ancestralidades europeias ou atlantes, que antecederiam o processo da globalização civilizada.

A atenção dispensada por Teixeira da Silva à construção vulgar da oposição conservadorismo/iluminismo em torno do pacto social demonstra a importância das análises dialéticas das contradições internas e externas às categorizações de Direita e Esquerda em relação às oposições conservação e revolução, demonstrando que, no interior do Pensamento, as argumentações consistem em sustentação de ideologias que se pretendem coerentes e que correspondem à visões de mundo contextuais e contextualizadas. Retomando, através de Teixeira da Silva, a opinião de Alain de Benoist sobre o fato de algumas apreciações englobarem, sob um mesmo rótulo, diferentes tendências de pensamento sem análise crítica, considerando estes posicionamentos analíticos como ofensas, propõem-se a compreensão das alternativas políticas das Novas Direitas ao Pacto Social contratualista, entendendo-as como produtoras e produtos da Modernidade à qual se opõem, preconizando um futuro fundado por valores culturais ancestrais.

Para exemplificar a hipótese aqui apresentada acerca das contradições presentes nas negações epistemológicas que sustentam argumentos modernos em oposição à Modernidade, tratar-se-á, neste artigo, da análise de duas obras doutrinárias, ou seja, que visam demonstrar a coerência de certas compreensões históricas e suas historicidades de projetos singulares de dois movimentos das Direitas contemporâneas, ora tratado endogenamente como Nova Direita, como o caso da Nova Direita Francesa, e, outro movimento que, por se auto considerar a continuidade doutrinária de uma organização político-cívica-cultural, como se autodefinira o Integralismo na década de 1930, se apresenta como “renovação” pois entendem que o processo histórico que separa o movimento da década de 1930 e o do século XXI acrescentou outros conhecimentos filosóficos e científicos entre tantos anos que separam as duas experiências integralistas sem, contudo, perder a liderança do Chefe Nacional, já falecido, Plínio Salgado, o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL_B).

Tratadas como fontes primárias, foram selecionadas duas obras que são produto das reflexões dos líderes dos movimentos analisados: Manifeste pour une renaissance européenne: À ladécouverte du GRECE, Son histoire, ses idées, son organization, escrito por Alain de Benoist e , e A Filosofia Linear, escrito pelo presidente do MIL-B e fundador do Linearismo, Cassio Guilherme Reis.

Utilizar-se-á referências de historiadores e cientistas sociais e políticos que se debruçam sobre os estudos sobre os temas das Diretas contemporâneas quantos aos aspectos de renovação que apresentam e que os inclui na concepção de Ur-fascismos e Tradicionalismos. De acordo com as considerações de Teitelbaum (2020), os tradicionalismos “aspiram a ser tudo o que a modernidade não é – comungar com o que eles acreditam serem verdades e estilos de vida transcendentes e atemporais, em vez de buscar o ‘progresso’” (TEITELBAUM, 2020. P.30. Para este autor, esta definição de “Tradicionalismo”, abrange diversos movimentos das Direitas contemporâneas, entre estas as que têm, entre seus intelectuais Dugin, Banon e Olavo de Carvalho, teriam sido inspirados René Guénon (1886-1951) e Julius Evola (1898-1974). Neste sentido, o ideal tradicionalista abarcaria a guerra pela eternidade e, deste modo, seria, segundo a e, deste modo, teria, segundo a perspectiva de Teitelbaum, uma tradição comum a todos os tipos de “tradicionalismos”.

Apontando as diversidades de definições do termo “Tradicionalismo” e as características que acompanham este modo de projetar Passado-Presente-Futuro, Victor Gama, em exercício analítico manuscrito (Dezembro de 2013), considera que há divergências profundas entre concepções tradicionalistas, justamente, no que tange os mitos de origem. De acordo com o estudioso das Ciências da Religião, apesar de pontos em comum, como “estruturas de castas”, organizada hierarquicamente, há pontos que são incompatíveis, como aos que se referem pontualmente às “Pátrias de origem”, há profundas diferenças entre estes movimentos.

Conforme a leitura de Rocha Vasconcelos a sobre a interpretação de Julius Évola acerca do Tradicionalismo, este seria adepto de tradição do pensamento radical e reacionário que teria iniciado, em conformidade com alguns intérpretes, como reação à Revolução Francesa. De acordo com o autor “outros acreditam que suas raízes são mais antigas e remontariam à reação da cultura helênica ao racionalismo grego na Antiguidade” e, como Eco, em O fascismo eterno, ainda, em relação às tradições cristãs, católicas, principalmente.

Vasconcelos assinala que o Tradicionalismo ainda salvaguarda o desenvolvimento do gnosticismo “crença milenar, em geral conflitante com espírito (ao qual apenas uma elite esclarecida teria acesso) e o da matéria (lugar da maioria)” (ROCHA VASCONCELOS, 2023, p.21).

Para os gnósticos, o mundo não seria uma obra da razão divina, mas de um demiurgo, distante do Ser Absoluto que, por ser uma realidade imperfeita, precisa ser alterada. Nessa interpretação, como forma de gnosticismo, o Tradicionalismo compartilharia raízes comuns com as ideologias ou religiões políticas totalitárias (VAZ, 2018). (ROCHA VASCONCELOS, incluindo referências a outro autor, 2023, p.21).

“Tradicionalismo” pode ser interpretado de forma diversa à “tradição” inaugurada por Évola. Pois, segundo Hobsbawm, diverge de “costumes”.

Modelo Econômico e Crise de valores ou Crises espirituais?

Quando, em 1954, Karl Mannheim escreveu sobre “A crise dos valores”, como tantos outros intelectuais do seu tempo, enfrentou o que ele descreveu como uma atitude “diferente da dos sistemas precedentes” e que “suas diferenças internas parecem desvanecer-se” (MANNHEIM, 1973, p. 25). De acordo com Mannheim, para os que denominou “idealistas filosóficos”, as causas da crise espiritual vivenciada na primeira metade do século XX era debitada ao abandono dos valores cristãos e, posteriormente, os humanitários, pelo homem moderno. De outro lado, para os marxistas, segundo Mannheim, a crise dos valores seria o resultado das transformações de sistemas econômicos em processo de superação dialética: o “embate entre dois sistemas”.

Considerando, com Mannheim, que diferentes condições sociais geram crises de valores diversas e que estas se ajustam conjuntura e contextualmente, há que se considerar que se pode falar sobre crises espirituais em todas as épocas da humanidade, em todas as sociedades humanas, desde que o primeiro ser humano, pondo-se em posição ereta, colocou-se como centro no espaço e vislumbrou o infinito. Em um trecho de sua obra História das Crenças e das Ideias Religiosas, aqui reproduzido, Mircea Eliade contribui para a compreensão da importância da percepção e concepção da localização espacial para a humanidade:

o espaço deixa-se organizar em volta do corpo humano, como se estendendo na frente, atrás, à direita, à esquerda, em cima e embaixo. É a partir dessa experiência originária – sentir-se “lançado” no meio de uma extensão, aparentemente ilimitada, desconhecida, ameaçadora – que se elaboram os diferentes meios da orientatio; com efeito, não se pode viver por muito tempo na vertigem provocada pela des-orientação. Essa experiência do espaço orientado em torno de um “centro” explica a importância das divisões e repartições exemplares dos territórios, das aglomerações e das habitações, e o seu simbolismo cosmológico.” (ELIADE, 1978, p. 19)

A citação acima aponta a importância da orientatio, como regra da existência: demarcação do território; o domínio sobre o território e o controle sobre o lugar do qual se avança, recua e por onde atravessam os seus lados. Eliade aponta a importância da consciência do sagrado como característica humana.

No sentido da orientatio civilizatória, Cronos e Europa se cruzam no mesmo território. É a Europa que, mortal, fora seduzida por Zeus em forma de touro, avança da Ásia levando ao continente que nomeia, a raça e o alfabeto fenício. A hibridação mítica entre a Ásia e a Europa refletiria, posteriormente, uma constatação que causara impacto ao imperialismo britânico: a língua indo-europeia, de mesma raiz linguística entre povos dominantes e coloniais. Outra perspectiva, a racialista, levara os ávidos pela pureza da raça e pela filosofia perene, aos tempos míticos persas, o Ērānšahr, país dos arianos.

A Filosofia Perene, a Verdade original “absoluta” é uma importante referência mítica que mobiliza parte da humanidade que sempre busca um sentido para sua própria existência. É o persistente desafio da Humanidade, das religiosidades e, particularmente da Filosofia que se propõe traduzir “o mundo em conceito”, que Leonardo Alves Vieira esclarece:

O ideal da Filosofia Perene foi tomado de Steuchus, do século XV, por Leibniz, no século XVII. Este ideal foi reapresentado por Aldous Huxley na primeira metade do século XX, ao fim da Segunda Guerra Mundial, posteriormente à sua clássica obra Admirável Mundo Novo, de 1932. A relação dessincronizada entre as duas obras revela, à distância do tempo, transpassa esta análise, particularmente subjetivada, mas não dispensável, das relações temporais, na obra do autor: o Futuro distópico e o passado perfeito. (VIEIRA, 2003, p. 1)

Para Vieira, a Filosofia Perene se refere ao núcleo comum, experiência espiritual, grandeza humana e teria por objetivo mais elevado a unidade universal, a unio mystica.

Dois intelectuais são as referências principais deste Tradicionalismo: René Guénon e Julius Evola. Guénon, francês convertido ao islamismo, elaborou as bases de uma “filosofia perene” espiritualista, baseada na crença em uma religião original perdida (a Tradição, o cerne, ou a Tradição perene), cujos fragmentos se encontram espalhados entre valores e conceitos de diferentes religiões, principalmente as religiões indo-europeias (hinduísmo e zoroastrismo) e religiões europeias pagãs pré-cristãs.

No Brasil, o Chefe Nacional da Ação Integralista Brasileiro, Plínio Salgado, em seu livro O Soffrimento Universal,de 1934, descreveu, ante ao que considerava como a angústia do espírito diante ao “rumor da procela” que modernidade industrial traria:

É no rumor da procela há vozes, há algumas vozes que falam...

Só as escutam os que conservam a consciência da grandeza humana. Só as entendem os que trazem consigo a fortaleza do Espírito Perene e a permanência das secretas energias indestrutíveis... (itálico e reticências no texto original) (SALGADO, 1936, p. 24).

Este pequeno trecho do livro de Salgado, e todo o opúsculo, traz informações importantes sobre as perspectivas teóricas/ideológicas do Pensamento Integralista como exemplar ao Pensamento das Direitas no século XX e que atravessam a barreira temporal do século XXI. A abordagem filosófica contém o refinamento crítico opositor ao marxismo quando, em outro trecho, Salgado conclui, dialeticamente: “O Estado Marxista, partindo do materialismo histórico, em oposição ao espiritualismo, sistematiza de tal forma e tão corajosamente a negação, que esta se torna afirmativa.” (SALGADO, 1936, p.28).

Plínio Salgado, escrevendo nos primeiros anos da década de 1930, utiliza criticamente a lógica dialética hegeliana como exercício analítico comparativo entre três monumentos representativos de três nações: a Estátua da Liberdade, nos EUA; a estátua de Lênin, na URSS e o Cristo Redentor no Brasil. Considerando cada estátua como monumento religioso, a concepção dialética empregada, apesar de concluir acerca da interrelação entre negação como potência na afirmação, não concebe o resultado como síntese geradora de outra tese, mas como teleologia. Teleologia como providência divina, como conclusão “filosófica”, antikantiana, antimetafísica, mas religiosamente transcendente. A metafísica, embora presente no Ideário Integralista, posto que está neste incluída a polifonia acumulada das reflexões ocidentais, esta elimina quaisquer contribuições iluminista, como a transcendência kantiana, pois o seu a priori não estaria estabelecido à forma pura do objeto e à forma pura da consciência, mas aos desígnios divinos.

Eric Vogelin definiria o “problema” do “triunfo da Vontade” sobre a Política enquanto unidade conceitual de modo em que se constataria a diluição do confronto Estado X Religião como herança do processo civilizatório ocidental quando

A ascensão e o declínio dos Estados na história constituem o derradeiro julgamento do espírito, face ao qual o espírito de cada povo está condenado à morte mal tenha cumprido a sua hora na terra. Não é um destino cego, o que guia o combate dos Estados pelo poder, antes é nele que se cumpre a Razão do mundo. Os destinos dos povos, tal como são vividos por eles próprios enquanto atores do desenvolvimento da história mundial, têm perante o decreto da Razão o mesmo valor que os destinos dos homens perante o poder absoluto do Estado (VOGELIN, p. 27).

Embora Adorno tenha considerado o iluminismo o a superação da “crença supersticiosa na feitiçaria”, quando escreveu The Authoritarian Personality, em 1950, a análise neste artigo pretende demonstrar que o misticismo se mantém como suporte às demarcações míticas das origens “raciais”, como aspecto resultante das relações culturais entre povos desde o surgimento das primeiras comunidades. Religião, seja se qual tipo institucional, em todas as partes do planeta, onde haja seres humanos convivendo, é um aspecto importante da humanidade na busca consciente para explicações sobre a sua fragilidade e transitoriedade da corporeidade fisiológica.

A busca pela imortalidade nas Novas Direitas, estaria relacionada ao Belo denotando o estável, o que não muda, porque é o marco fundador da origem, aquela orientatio imutável. Por isto, perene. Enquanto Tempo destrói a manifestação física, o ens realissimum, enquanto identidade existencial cotidiana, em oposição a outra identificação ôntica a existencial. Esta relação ôntica assume importância fundamental no Pensamento Integralista, na perspectiva da oposição ao Fascismo italiano, na década de 1930. A questão da Existência individual (Moderna) em oposição à Existência pessoal das criaturas de Deus. Quanto a estas relações, o jovem advogado Miguel Reale, em 1936, assumira uma abordagem ontognosiológica na sua concepção do Ser integralista.

Os eventos que especulam certezas mitológicas e pretende desvendar a luz, no sentido de “retirar o véu” da escuridão, não teria o significado da αλήθεια (aletheia) grega, mas o de “dogma”. Neste sentido, o falecido Papa emérito, Bento XVI, em 3 de dezembro de 2008 por meio de pronunciamento doutrinário condenou o gnosticismo, não só como mistificação pagã, mas como produto iluminista, paradoxalmente atribuindo-o à antiguidade pagã e que teria sido derrotado pelo Cristianismo:

A falsa solução da Gnose. Ela considera que o mal é inerente ao Ser, e mesmo ao ser da Divindade, e que, consequentemente, o próprio Deus transmitiu o mal ontológico aos seres existentes no mundo. O mundo criado seria obra do Deus mau, e fruto da queda da própria Divindade. Portanto, em todo ser, haveria dois princípios contrários e iguais: o bem e o mal constituindo cada ser numa perpétua luta dialética. O ser então não seria idêntico a si mesmo. O dualismo seria o fundo de todo ser, e a luta entre o princípio bom contra o princípio mau causaria a evolução dialética, tal como, por exemplo, Hegel a explica em sua Gnose. (FEDELI, 2008, p.1)

No sentido de “especular”, a partir do significado em latim de Do latim speculâris, o espelho mostra o seu oposto. E configurando-se a oposição entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens, o “mundo do pecado” é mimético[1], tendendo à imitação da Vida de Cristo e à construção pedagógica do seu exemplo oposto.

Em contraposição às concepções gnósticas do conhecimento restrito e exercendo a tarefa de “atravessar” certa gnose fascista, Theodor Adorno dia - gnostica:

A tarefa de diagnosticar o potencial de fascismo e estudar seus fatores determinantes exigiu técnicas especialmente desenhadas para esses propósitos; não se poderia pedir que servissem também para os vários outros tipos de padrão. No entanto, foi possível distinguir vários tipos de estrutura de personalidade que nos pareceram particularmente resistentes às ideias antidemocráticas, como se pode ver pela atenção que lhes demos no último capítulo. (ADORNO, 1989, p. única)

E Umberto Eco contribui à análise, exemplificando:

A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincréticos e ocultos. A fonte teórica mais importante da nova direita italiana, Julius Evola, fundiu o Santo Graal e os Protocolos dos Sábios de Sião, alquimia e Sacro Império Romano-Germânico. O próprio fato de a mesma direita italiana, para mostrar largueza de vistas, ter recentemente ampliado seu rol de autores de modo a incluir De Maistre, Guenon e Gramsci é prova gritante de sincretismo. (ECO, 1998, p. 7)

Política sem polis

As definições da categoria “Direita” têm na Revolução Francesa seu parâmetro opositor, ao mesmo tempo que o seu “princípio norteador”. Porém, Direita e Esquerda não devem ser traduzidas, simplesmente, como lugar de acentos dos grupos opostos na Assembleia Constituinte de 1789.

A oposição entre os dois “princípios”: aristocracia versus democracia, segundo Toqueville (2005), teria se instaurado com a Revolução Francesa, no ambiente europeu. Neste contexto, dois sentidos de “liberdade” teriam sido defrontados: uma liberdade “original” da América e a liberdade revolucionária, de acordo com o mesmo Toqueville. Este confronto foi anunciado por Graco Babeuf, em 1796, no Manifesto dos Iguais, por meio do qual proclamou a Igualdade como primeira promessa da natureza e necessidade do homem.

O choque que abrigaria a oposição povo-povo, desde o ocaso político das aristocracias europeias, explicitaria este antagonismo no contexto de crise do Antigo Regime francês, no ambiente civilizatório/iluminista que vislumbrou, relacionalmente, a emergência política do Terceiro Estado.

Com a ascensão burguesa, motivada pela representação, ascende, também, outro setor popular, ao mesmo tempo caudatário e “inadaptado” à inclusão política, pela igualdade: o lumpemproletariado. Estimulado pela liberdade, este “tipo social” emergente em fins do século XIX, cujos radicais linguísticos reúnem os termos alemães: lumpen (farrapo) e proletariat (proletariado), deu significado a certos traços de parcela da sociedade que surgiria, justamente, do vácuo das formações das representações de classes após o boom popular da Revolução Francesa e da ascensão de uma massa, cuja definição especular ascenderia à Era Medieval, conforme argumentam alguns setores tradicionalistas, e que é ainda atual entre alguns conservadorismos.

Se Marx detectou o surgimento do lumpén em meio à sua análise do império de Luís Napoleão, ante o receio da ascensão popular, no âmbito da política. A sua definição de proletariado, segundo Marcel van der Linden recorreria à dada no contexto do Império Romano a um “grupo relativamente grande, mas pouco definido, de cidadãos livres e pobres, cujas proles poderiam servir como soldados para o Império” ((Zaniewski, 1957: 15-53 apud VAN DER LINDEN, 2016, p. 89). A indefinição em relação à identidade de classe, impossibilitando a consciência de um estatuto do Trabalho definido no âmbito das relações de produção, implicaria em relação do lumpemproletariado, ou lumpesinato, aos setores que não se reconhecem pertencentes às classes econômicas às quais e inserem, mas, ideologicamente, ou ilusoriamente, às classes que lhes são superiores cultural e ou materialmente.

Hannah Arendt localiza a “ralé moderna” entre os “dé-classés provenientes de todas as camadas” (ARENDT, 1979, p. 35) que, fundamentalmente, teriam elegido os judeus como seus principais opositores e causas de todos os males globais.

Se Freud, por exemplo, percebeu no processo civilizador a ação coercitiva de uma minoria sobre a massa, Wilhelm Reich, ao analisar a recepção do discurso nazista pelo homem comum alemão, entendeu-o como o “Zé Ninguém”, indivíduo a quem se prometeu o mundo a partir das conquistas “em batalhas sangrentas” que se percebe enganado. Mas, ao perceber-se lubridiado, submete-se porque não procura a verdade em si mesmo, porque ignora a liberdade de sua consciência.

O lumpesinato, este setor social confuso e contraditório é, ao mesmo tempo recusado por qualquer por ambas as correntes de pensamento em disputa, a Esquerda e a Direita. No entanto, o reacionarismo também caracteriza o lumpesinato, pois o receio de um futuro incerto, lhe impulsiona à acomodação e subalternização acrítica, se posicionando à Direita.

A Revolução Burguesa na França, em 1789, portanto, representa o primeiro baque conservador de “um tempo” em que a Ordem natural correspondia à Ordem escolástica e suas Sumas com respostas tão prontamente respondidas. Mas não seriam as Sumas que seriam objeto de conservação para o autor de Reflections on the Revolutionin France. Edmund Burke era um cético em relação à Política, tanto quanto ao modelo revolucionário francês, quanto ao posicionamento político de “certas sociedades em Londres”, a quem Burke endereçou a crítica. Como narra Marcos Paulo Quadros (2015) sobre o pensamento de Burke: “Da consciência das limitações inerentes à natureza humana nasce a desconfiança diante de doutrinas seculares subitamente ‘reveladas’: sendo imperfeito, o Homem não pode pretender formatar um sistema político perfeito.” (QUADROS, 2015, p. 172).

Pode-se elencar, neste projeto de conservação de um “tempo estável”, outra obra, a Consideraçõessobre a França, de Joseph de Maistre, que entendera que o divino providencialismo teria intervindo na França, impondo-lhe o castigo pedagógico da Revolução.

Alexis de Toqueville, por sua vez, critica o processo revolucionário francês por sobrepor a Igualdade à Liberdade, que teria passado por perdas durante o Antigo Regime provocando, portanto, a Revolução que o enterrou.

Uma avaliação sobre as disputas acerca do efeito da Revolução Francesa como motor das mudanças superestruturais, enquanto valores cívico-políticos, encontra na obra de Furet uma explicação que se coaduna com as interpretações das Novas Direitas sobre o tipo de ruptura engendrada pela Revolução de 1789, em França:

a dupla vantagem de restituir à Revolução Francesa sua mais evidente dimensão, que é de natureza política, e de colocar no centro da reflexão a verdadeira solução de continuidade pela qual ela separa o antes e o depois, a das legitimações e das representações da ação histórica (FURET, 1989, p. 42).

Contrapondo-se a Furet e demonstrando a importância do processo revolucionário, Teixeira da Silva afirma: “Os diversos projetos intentados e suas fases vividas resultariam do experimentalismo racionalista e abstrato e das lutas inter-burguesas transcorridas entre 1790 e 1804,” (TEIXEIRA DA SILVA, 2020, p. 45).

E, embora o “furacão” revolucionário tivesse no Terror sus memória, ao mesmo tempo, mais significativa e mais sombria, segundo Hobsbawm (1996), no aniversário dos 100 anos da Revolução Francesa, comemorado em Paris, em 1889, o Terror não teria provocado maior temor quanto ao regicídio, mas sim pela Democracia. Esta seria uma consequência mais preocupante para as representações de Estado e outros políticos presentes nas comemorações, incluindo Woodrow Wilson, então jovem político, que ocuparia a presidência dos Estados Unidos de 1913 a 1921.

Porém, o período que sucedeu os tempos revolucionários, incluindo nestes a expansão napoleônica, desde 1815, segundo observação de Polanyi, “em nome do progresso e da liberdade, às vezes pela autoridade do trono e do altar, às vezes por corrupção e suborno, às vezes por argumentos morais e apelos iluministas, às vezes às custas de bordoadas e de baionetas – o resultado conseguido era sempre o mesmo, e a paz foi preservada.” (POLANYI, 1980, p. 20.). Até 1914, quando eclodiria a Grande Guerra.

Segundo Francisco Carlos Teixeira da Silva, uma certa concepção de que a História precisava ter um fim definido, “contra o destino”, que o príncipe Metternich havia projetado, desmoronaria aos olhos e todos os sentidos do próprio Metternich.

Teixeira da Silva localiza entre 1883 e 1945, uma frágil estabilidade ‘universal”, concebida como proveniente da instalação abstrata de um “Direito Internacional sobreposto aos Estados por meio da força de uma federação universal.” (TEIXEIRA DA SILVA, 2015, pp. 48-49, com itálicos originais). Constituindo-se como “Concerto das Nações”, com toda uma gama de contradições, disputas e presenças ativas das análises históricas coevas, como aponta a análise de Teixeira da Silva: “A anarquia internacional, com as consequentes guerras, seria somente uma fase do desenvolvimento humano” TEIXEIRA DA SILVA, 2015, p. 49), entendendo, deste modo, que as crises são parte do processo histórico.

A Direita, portanto, enquanto espectro político, um termo tão assombrador, tal como foi anunciado ironicamente em contradito, como antítese, por Marx, no Manifesto Comunista, apenas se realizaria como locus e ethos conservador no âmbito dos Estados-Nação no século seguinte, enquanto delimitadores de fronteiras e de identidades nacionais. Limites fixos territoriais, não apenas mobiliário nos Parlamentos ocidentais. Tomando da História política o paradigma civilizatório, com anúncios de fundações, auges e decadências imperiais, as Novas Direitas constroem linearidades próprias que rompem pragmaticamente com o passado nacionalista-iluminista, invocando a espiritualidade como um seguro paradigma, pois mítico.

Outra questão importante para se levar em conta nesta análise, no que se refere à construção teórica do que é o “político” para as Direitas, este deve ser entendido como relacional, alterando-se “segundo as forças e os poderes que se ligam uns com os outros ou que se separam entre si para se afirmarem.” (SCHMITT, 2018, p 30). Vinda a citação anterior de um pensador alemão, é possível considerar a importância política de Otto von Bismarck, o Chanceler de Ferro do II Reich, que teria declarado “A política é a arte do possível”.

Críticos da Modernidade, posto que esta se constituiria como secularização, as Diretas, enquanto constructo intelectual, são produtos da modernidade e existem em relação à racionalidade europeia. A mesma Europa que na gestação de si mesma esteve em prenhez múltipla: do Helenismo, do avanço imperial, colonial bélico e linguístico romano e dos irmãos sacrificados: os conhecimentos asiáticos, africanos e semitas, que constituem a sua negação, num constructo analítico que elimina, no âmbito da Filosofia e da Teoria do Conhecimento, a transcendência da síntese metafísica.

Para o jurista alemão, o teólogo político Carl Schmitt, o esforço contratualista por secularizar as relações políticas rompera as relações metafísicas harmônicas entre o soberano e seus súditos. Ao analisar O Leviatã, de Thomas Hobbes, Schmitt compreendeu-o no “sentido e fracasso de um símbolo político” ao utilizar o dragão marinho mitológico, impingindo-lhe um poder superior ao de Beemot, “a força da terra firme”. É Jürgen Habermas que observa que estaria implícito o antagonismo semita quando Schmitt considera que “aos judeus esta luta entre monstros sempre pareceu uma imagem temível e odiosa da vitalidade pagã. Por desconhecer esta versão subversiva, Hobbes se equivocou na escolha de seu símbolo. Sua intenção oposta sucumbiu à força perniciosa da figura mítica.”. Habermas cita Schmitt: “Este símbolo não foi adequado ao sistema de pensamento a que foi relacionado (...). A interpretação tradicional judaica teve um efeito prejudicial sobre o Leviatã de Hobbes” (HABERMAS, Apresentação In SCHMITT, 2008, p. ix).

Da Europa, Platão avista a Atlântida "para lá das Colunas de Hércules". Apesar de supostamente real e desaparecida, a Atlântida é uma orientatio genérica: um locus espiritual perpétuo, pois ideal. A perenidade existe porque ela está no mundo das ideias. Mas a Atlântida, derrotada por Atenas, em que contexto ressurgiria? Como observa Menezes Neto “a narrativa de Crítias coaduna-se, particularmente, com a celebração à deusa tutelar de Atenas, traduzindo-se em um elogio à cidade.” (MENEZES NETO, 2020, p.14). A cidade é a representação da política Ocidental, da celebração da realização social do homem, para Aristóteles. Esta é uma das certezas ocidentais que Carl Schmitt discordaria e para quem a Política é relação humana que visa a distinção “em que os motivos e ações políticos podem ser reduzidos é aquela entre amigo e inimigo.” (SCHIMITT, s/p, apud ARAÚJO, 2013, s/p).

Para Habermas, em Schmitt, “O político não se mostra no caráter vinculativo das decisões de uma autoridade estatal; ele se manifesta, preferencialmente, na autoafirmação, organizada coletivamente, de um povo ‘politicamente existente’ contra inimigos externos e internos.” (HABERMAS, Apresentação, In SCHIMITT, 2008).

Influências dispersas de uma “secularização” intrínseca no pensamento de Carl Schimitt se mostram presentes em projetos de movimentos: a “Nova Direita” francesa, a partir do Manifesto e do Movimento Integralista e Linearista Brasileiro, com A Filosofia Linear. Ainda, a crítica ao poder econômico que se aglutinara ao conceito político clássico é informada como discordância à concepção apaziguadora do Estado, seja laico ou religioso e as marcas medievas e modernas restringiriam o sentido da guerra a um inimigo externo e antitético.

No sentido de localizar no período Medieval europeu o surgimento de setores sociais que não possuíam “aquela disposição interior que permite compreender e praticar a perfeição cristã em sua totalidade e altitude.” (DE CASALE, U. apud Magalhães, 2010, p. 102), as palavras do frade franciscano Ubertino de Casale ressoavam aos temerosos das incongruências católicas como apelo à busca da Verdade cristã e crítica aos movimentos sociais que respondiam aos chamamentos que anunciavam o Apocalipse, especialmente os liderados pelos ideais do monge místico calabrês Joachin de Fiori. Este, ao proclamar o apocalipse do reino do Espírito Santo como símbolo da Idade da Perfeição realizada na terra, teria antecedido e inspirado os movimentos de massa modernos, de acordo com a reflexão de Eric Voegelin. Segundo Jacob Schmut (SCHMUT in VOEGELIN, 2002, p. 11), Voegelin entendera que tais escatologias medievais marcaram uma etapa decisiva na relação do Ocidente com a sua história porque inauguravam esta tendência recorrente de querer precisamente extinguir oposições, identificando a ideologia do presente como a única “detentora da verdade quanto à ordem última das coisas.” (SCHMUT in VOEGELIN, 2002, p. 11).

Ainda, de acordo com Voegelin, os movimentos de massa modernos refletiriam as escatologias medievais. Estas teriam contribuído para o entendimento do estabelecimento de ritmos históricos demarcados por seguidos fins, por ciclos finitos e inéditos começos que invocam referências míticas para comporem identidades heroicas dos grupos em questão.

Assim sendo, o pensamento das Direitas tem, entre suas características comuns, o apelo ao “Novo início”, à constituição do “Novo homem” que traria em suas entranhas morais os ensinamentos dos “Velhos Tempos”. Como Moral e não como determinação historicista, pois as rupturas finalizariam definitivamente os ciclos de ordem econômica e política e, com estas finalizações, finalizar-se-iam as crises.

O passado “fundante” sendo selecionado, mitificado e mistificado, transmitiria, do mesmo modo, a seleção das culturas ancestrais, devendo ser resguardadas como Moral e Ethos, assim, seriam preservadas. Esta postura legitimaria as resistências às mudanças culturais, compreendidas como globalistas, concebidas como decorrente de uma outra crise e outra ruptura: a da de 1968, com os eventos das juventudes críticas ao “modelo cartesiano” que dominava (e domina) o pensamento ocidental. O rompimento, no seio do moderno estruturalismo francês, ante o “mal-estar da modernidade”, como Bauman “traduzira” o título de outra tradução da obra de Sigmund Freud, Das Unglück in der Kultur (A infelicidade na cultura), seria, de acordo com o sociólogo polonês, uma das outras tentativas de Freud em tentar sintetizar no título o sentimento de insatisfação com o processo civilizatório que levara a humanidade a um mal-estar humano ante a Modernidade. Considerando pleonasmo a correspondência Civilização/Modernidade, traria no seu bojo, “o fim das certezas”, a ruptura com o sujeito cartesiano, Bauman (1998) põe em debate as perdas que a Modernidade teria imposto com advento da civilização, de acordo com Freud.

Você ganha alguma coisa e perde alguma coisa: partiu daí a mensagem de Freud. Assim como “cultura’ ou “civilização”, modernidade é mais ou menos beleza (‘essa coisa inútil que esperamos ser valorizada pela civilização’), limpeza, (‘a sujeira de qualquer espécie parece-nos incompatível com a civilização’) e ordem (‘Ordem é um espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo que em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão’) (BAUMAN, 1998, p. 7).

Com Stuart Hall (2006), acompanhamos análise da crise de identidade cartesiana como o declínio das “velhas identidades” decorrente dos deslocamentos: “identidades modernas estão sendo ‘descentradas’" (HALL, 2006, p. 8) . Ou seja, as identidades sólidas teriam sido deslocadas ou fragmentadas.

Por outro lado, Samuel Huntington punha em cheque (ou choque) a vitória da Civilização pós Guerra Fria. Seu artigo e, posteriormente livro publicado, em 1996, com o propósito de responder as críticas recebidas e ampliar argumentos sobre os anos seguintes, concluindo sobre as mudanças nos símbolos das identidades nacionais que se refletiam na política mundial. Para Huntington “o relacionamento entre poder e cultura; o deslocamento do equilíbrio de poder entre civilizações; a indigenização cultural nas sociedades não-ocidentais; a estrutura política das civilizações; os conflitos gerados pelo universalismo ocidental, a militância muçulmana e a disposição de afirmação chinesa.” (HUNTINGTON, 1997, p. 12) demonstraria negativamente o impacto decisivo do crescimento populacional como promotor de instabilidade e desequilíbrio de poder.

Este entendimento coaduna-se com a avaliação de Huntington sobre a política internacional decorrente das negociações internacionais pós Grande Guerra. Por sua vez, a análise de Huntington contribui para a apoiar as críticas da Nova Direita Europeia ao surgimento da Liga das Nações, outro episódio que demarca, entre a Revolução Francesa e a “Virada Linguística” de 1968, o corte profundo com os “tempos de antes”, o do equilíbrio providencial de uma outra ordem divina, não cristã, que o Manifesto for a European Renaissance, redigido por Alain de Benoist e Charles Champetier, anunciou, em 1999, refletindo o pensamento da Nova Direita Francesa, nascida, também, em 1968, como consequência, segundo o grupo, de um impulso metapolítico que se oporia à “uma secularização de ideias e perspectivas emprestadas da metafísica cristã, que se espalham na vida secular seguindo uma rejeição de qualquer dimensão transcendente.” (DE BENOIST & CAMPETIER, 2012, p. 11).

Na análise sobre a obra de Huntington, José R. Novaes Chiappin (1994) demonstra que, de acordo com o cientista político estadunidense, duas concepções teriam marcado o debate sobre a “secularização da política internacional”. Segundo Chiappin, desta secularização teriam surgido duas concepções de maior relevância: a concepção idealista que transmitiria uma ideia otimista iluminista de “harmonia de interesses entre os homens e as nações” (CHIAPPIN, 1994, p. 1), proporcionando um “equilíbrio estável” entre as nações integradas ao sistema internacional, e a concepção realista moderna que se assentaria na pressuposição de que o Estado, enquanto síntese, seria capaz de assumir o controle sistêmico das manifestações das entidades básicas: o egoísmo e o interesses privados, também no interior do sistema internacional.

Desta perspectiva, se impõe o questionamento: qual linha tênue distingue a antimodernidade preconizada pelas Direitas em relação ao apelo que estas mesmas proclamam em relação à “ordem”? Uma primeira consideração se refere à oposição “ordem divina” X “ordem natural”. Sob circunstâncias bem humanas, que são apregoadas como fundamento antimoderno e a transcendência antimetafísica é a primeira inspiração para a “revolta” contra o Mundo Moderno. Outra consideração se refere à concepção do “belo” “como faculdade de ajuizamento de tudo aquilo pelo qual se pode comunicar mesmo o seu sentimento a qualquer outro, por conseguinte, como meio de promoção daquilo que a inclinação natural de cada um reivindica.” (KANT, 1995, p.143). A apreciação do que é “belo” corresponderia à “alta cultura”, pois o acesso ao conhecimento teria o efeito depurador da distinção entre a “elite”, portadora da “alta cultura” e a militância de base. Este efeito de distinções na construção de hierarquias em que se considera a configuração em que o acesso à cultura erudita ou letrada, diferenciando “letrados” e não “letrados”, é argumento dado à “alta cultura” e relaciona-se à necessidade de resguardar a poucos, ou elite, o conhecimento. Deste modo, as distinções relacionadas ao acesso ao conhecimento se opõem, também, às características do pensamento Humanista /iluminista, defensor da universalidade da Educação. O domínio “gnóstico” sobre a oposição Ordem Divina X ordem natural, portanto, é elevada à condição de capacidade, ou mérito, de dirigir e governar.

Quanto à inspiração de Platão e sua teoria de tripartição da alma, este é um ponto conciliador entre os tradicionalismos. Conforme Da Silva, “Platão parece ter sido o primeiro a falar de uma alma tripartite, fonte e explicação de nossos desejos e conflitos, nossas virtudes e vícios, do nosso conhecimento seguro ou falho, de nossa vida em sociedade, seja ela ideal ou deturpada.” (DA SILVA, 2011, p. 4). A relação que se demonstra é em direção à tripartição da cidade, como locus das relações de poder, sendo a cidade, um reflexo do indivíduo, em Platão.

Ao se fundamentarem em gnoses, sejam espirituais e ou filosóficas que manifestam como “Alta Cultura”, ainda que pragmaticamente constituída, algumas Direitas demonstrem fragilidades em termos de coerência e coesão, tal como descrita por Umberto Eco, que definiu o fascismo italiano como fuzzy, ou seja, ausente de Doutrina organizada e coerente, concorrendo pela hegemonia no âmbito do Estado, ou seja, da unidade complexa, diversa, entendida como relação na qual, em interação dinâmica, articulam-se a estrutura, a sociedade civil e a sociedade política: o Estado Ocidental. Neste sentido, as propagandas e outros apelos, como os da religiosidade concorrem para adesão da militância.

Quanto aos propósitos, segundo Adorno, estes devem atentar para a construção recíproca entre ideólogos e militantes de projetos comuns. E, complementando com a perspectiva gramsciana que entende que

Cada grupo social "essencial", contudo, surgindo na história a partir da estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento desta estrutura, encontrou -- pelo menos na história que se desenrolou até aos nossos dias categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam, aliás, como representantes de uma continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas. (GRAMSCI, 2000, p. 16).

A análise comparativa entre projetos e argumentos produzidos por lideranças de dois movimentos que se mobilizam no interior do espectro das Direitas em torno na oposição ao passado cristão: um no Hemisfério Norte, a autoconsiderada Nova Direita francesa e o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro consideram recuperar as tradições pagãs ancestrais, anteriores à Respublica Christiana, a comunidade cristã ocidental europeia que, sob o Papa, estabelecido em Roma, teria definido as fronteiras da civilização e da humanidade, em oposição, o território espacial e espiritual pagão.

Em ambos os exemplos, o Cristianismo consistiria uma etapa a ser ultrapassada pelo retorno a um tempo de antes, quando a coletividade conviveria em sua condição original, organizada em clãs familiares sem a intromissão estrangeira e, principalmente, semita.

Desta forma, a abordagem ponderará, de acordo com Gramsci, sobre uma das formas de organização dos partidos, aquele que é constituído por uma elite de homens de cultura, e que têm a função de dirigir do ponto de vista da cultura, da ideologia em geral, um grande movimento de partidos afins (na realidade, frações de um mesmo partido orgânico). Do mesmo modo, a análise não poderia dispensar aspectos da sociedade de massas em que informações e propagandas são rapidamente acessadas pelas redes sociais, em que se possa considerar “pregações morais, estímulos sentimentais, mitos messiânicos de expectativa de idades fabulosas, nas quais todas as contradições e misérias do presente serão sanadas.” (GRAMSCI, 1978, pp. 23-24).

Movimentos continentais: a Nova Direita Francesa

As inspirações para a constituição da Nova Direita francesa, enquanto partido, conforme abordagem gramsciana, inicia sua organização nos anos 1950, reunindo jovens intelectuais que se identificavam com anti-igualitários, nacionalistas e colonialistas, com forte conotação racista. Estes jovens estavam presentes em organizações como o movimento Jeunes Nationalistes e a Fédérationdes Éétudiants Nationalistes (FEN), contrários às lutas de resistência pela independência da Argélia, tornando-se os principais propagandistas “de campanhas eleitorais de candidatos de extrema-direita, do MouvementNationaliste du Progrès (MNP) e do RassemblementEuropéen de la Liberté (REL)” (VASCONCELOS, 2022, p. 212). As campanhas defendiam ideais nacionalistas, anticomunistas e xenófobos ante o medo de invasão das “raças” e culturas não ocidentais.

A intelectualidade francesa, diante de uma Ordem Mundial bipolar, cujo meridiano, a “cortina de ferro” atravessava com violências de supostos Estados supranacionais que se faziam representar como Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, comumente conhecido como Pacto de Varsóvia (PV), entendera que a grande Europa sucumbia ante às duas mais importantes potencias que se firmaram como tal, no âmbito da Guerra Fria. Uma questão importante que corroboraria a constatação de que a Europa, perdera a sua majestade de outrora como Luz da Cultura e berço da civilização moderna, assinalando a crítica em relação à segunda ruptura, anteriormente apontada, é quanto ao episódio de criação da Liga das Nações, que teria retirado da Europa a hegemonia política e cultural ante a ascensão dos Estados Unidos da América. De acordo com Vasconcelos, a Nova Direita se opunha a “dois imperialismos”, dos Estados Unidos e União Soviética.

Após a dissolução do REL, em 1969, a Extema-Direita francesa se separaram, concorrendo para a construção do que entenderam como “estratégia de longo prazo”, de acordo com Vasconcelos. Conforme o mesmo autor, deste projeto é formado o GRECE (Groupement de Recherche et d'Études pour la Civilization Européenne), enquanto grupo de reflexão, com vias dar “continuidade ao pensamento nacionalista-revolucionário de direita e, posteriormente, à sua redefinição.” (VASCONCELOS, 2022, p. 213).

Tendo Alain de Benoist como o principal intelectual da Nova Direita Francesa, este descreve o surgimento da civilização como uma grande revolução cultural, que teria tido início há 35 mil anos, no continente europeu.

Ao citar o Professor Marshack, que descrevera “que numa época tão recuada, durante o período glaciar, o caçador da Europa ocidental usava já um sistema de notação evoluído e complexo, cuja tradição poderia remontar a vários milhares de anos. Esta notação procedia de uma técnica cognitiva, crono-factorizada e crono-factorizante.” (MARSHACK, s/d e s/p apudDE BENOIST, 1980, p. 3). Benoist demonstra reivindicar à Europa, uma ancestralidade civilizatória, que, ao dominar a técnica, seria, como detentora do fogo dado por Prometeu, a mítica superioridade pela ascendência, concebendo à esta primazia, o primado da evolução humana. Se referindo ao homo sapiens sapiens, esta leitura de Benoist do trabalho do Professor Marshack não indica ascendência direta do homo sapiens africano, mas diz sobre a capacidade cognitiva do homo europae, cujos fosseis da Europa ocidental analisados por ele em nove países da Europa, contabilizam por volta de 125 000 de distância entre o africano e europeu. Benoist empreende, a partir daí, uma reflexão importante a assinalar: a cultura tem mesma idade cerebral do homem contemporâneo e esta pode ser contabilizada, justamente, pela “descoberta” da contação do Tempo, com o calendário lunar, as “frases lunares”. Eis que a relação Cronos e Europa geram Cultura/Civilização e indicam, diacronicamente, sua “evolução” dos caracteres físicos “(cabelos loiros, olhos azuis ou claros, estatura elevada, estreiteza de ancas, lábios finos, proeminência do queixo dolicocefalia)” (BENOIST, 1980, p. 8, entre parênteses no original), desde alguma Ur localizada em solo europeu, a Urheimat (“Pátria original”), na Lituânia. Ao serem acrescentados outros argumentos, além dos antropológicos, os linguistas e arqueológicos, como Karl Penka, teria localizado a Urheimtder Arier, “a casa original dos arianos” (1886), com extensão da Alemanha do Norte à Escandinávia Meridional. A tese nórdico-germânica seria apoiada por outros antropólogos durante o século XIX. Benoist continua a sua argumentação em torno das Urs europeias, apontando que, em 1902, Gustaf Kossina teria proposto um lugar primitivo, original (Ur), situado na Germânia Central.

Por outro lado, de acordo com o mesmo Benoist discorre sobre outras teses acerca das localizações da Urheimat na Europa Oriental, localizada entre o Elba e o Vístula. Porém, há algo a esclarecer: é a partir do segundo neolítico, quando os grupos humanos europeus se tornam semi-sedentários, que as raízes étnicas teriam construído a relação com a Terra, concomitantemente com a formação dos genos, grandes famílias de caráter exogâmico, que, dos “casamentos” normatizados em bases rígidas, entre as famílias, de pares “jovens e válidos”, ampliar-se-iam endogenamente, preservando as propriedades hereditárias.

Neste sentido biológico e cultural de uma ancestralidade mítica civilizatória que o Manifesto publicado naRevue Éléments pour la Civilisation Européenne, em fevereiro de 1999, com vias à preparação para o século XXI, se dirige aos europeus “brancos”, os europeus contemporâneos, herdeiros da mesma cultura e da mesma língua mãe desaparecida: o indo-europeu comum.

Como está exposto no Manifesto, a Nova Direita francesa nasceu em 1968 como um grupo de reflexão e uma escola de pensamento, promovendo colóquios, conferências, seminários, além de publicações diversas, desenvolvendo uma perspectiva metapolítica, definida como formadora de consciência coletiva na história humana. objetivo da Nova Direita francesa é contribuir para a renovação dessas representações sócio-históricas, tendo por objetivo refletir sobre a evolução das sociedades ocidentais ante ao século XXI que se aproximava. O Manifesto está dividido em 3 amplas formulações: que se segmentam em outros subitens. E propõe uma reação ao que consideram o fim da modernidade que decorreria da decadência das “formas clássicas de conquista e exercício do poder político e, por outro, a rápida obsolescência de todas as antíteses (antes de tudo, esquerda e direita) que caracterizaram a modernidade.”. Diante da profusão de informações, a reação da Nova Direita viria com a ação metapolítica no sentido de criar uma nova síntese, para renovar um pensamento transversal e, utilizando todas as áreas do conhecimento, propor uma visão de mundo coerente

A primeira formulação, “Predicamentos” apresenta o ponto crucial do debate: o presente como um ponto de inflexão ou um interregno, caracterizando-o como o Tempo de grande crise e busca fornecer uma análise crítica do presente. Na segunda parte, “Fundamentos”, o Manifesto esboça uma visão sobre o homem e o mundo que, segundo os autores, são “inspirados por uma abordagem multidisciplinar que desafia a maioria das antíteses intelectuais de hoje.

Para estes, “Tribalismo e globalismo, nacionalismo e internacionalismo, liberalismo e marxismo, individualismo e coletivismo, progressismo e conservadorismo se opõem com a mesma lógica complacente do meio excluído.”, enquanto falsas oposições.

Os autores do Manifesto, enquanto homens de “alta cultura” entendem que seria preciso reagir, propondo “uma renovação radical dos modos de pensar, decidir e agir.” e, ao buscarem uma seleção diversa de várias fontes teóricas, reapropriando-se de um caldo considerável do correntes de pensamento ocidental que consideravam a produção elegível para a construção de uma “nova” teoria do conhecimento, uma “nova” epistemologia que se opusesse à “destruição do mundo da vida em benefício da razão instrumental, do crescimento (econômico) e do desenvolvimento material” quer teria resultado “em um empobrecimento sem precedentes do espírito e na generalização da ansiedade relacionada a viver em um presente sempre incerto, em um mundo privado tanto do passado quanto do futuro.”

Para a Nova Direita Francesa, seria necessário restabelecer o laço social em oposição à Política contratualista, recuperando, nos moldes do “modelo” pagão da sociedade européia, o Estado de natureza que teria antecedido o Estado de Sociedade. O Manifesto, ainda, critica o liberalismo, o racismo e quaisquer outros “identitarismos”, como as questões relacionadas às identidades de gênero e não sexuais.

Um nova política deveria voltar-se ao modo “original” das Ur: “Assim, é preciso voltar às origens da economia (oikos-nomos), às leis gerais do habitat humano no mundo, que incluem as do equilíbrio ecológico, da paixão humana, do respeito pela harmonia e beleza da natureza, e, de forma mais geral, todos os elementos não quantificáveis que a ciência econômica excluiu arbitrariamente de seus cálculos. Toda a vida econômica implica a mediação de uma ampla gama de instituições culturais e meios jurídicos. Hoje, a economia deve ser recontextualizada na vida, na sociedade, na política e na ética.”

A Ética, por sua vez, não trataria das relações intersubjetivas, mas da “construção de Si Mesmo”, do “do homem justo”.

Em síntese, a Nova Direita, ao se contrapor à indiferenciação e o Desenraizamento, e ao defenderem “Identidades Claras e Fortes”, consideram a ameaça o que compreendem como homogeneização que a ampla circulação de pessoas pelo mundo teriam provocado, consequências dos turismos e imigrações coletivas. Antepondo-se à organização da Europa como Estados-Nação, que relacionam ao “jacobinismo”, propõe uma Europa federada, paradoxalmente, defendem a Democracia.

O Movimento Integralista e Linearista Brasileiro, segundo a seu presidente e fundador do Linearismo, Cassio Guilherme Reis, teria iniciado suas atividades em 1992, na cidade de Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais, reunindo colegas da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde estudou Engenharia e cursou o Mestrado em Física, e outras pessoas que, de acordo com o relato do autor da obra A Filosofia Linear, como ele “não se enquadram bem no meio social em que se encontram”. Esta teria sido a sua busca inicial, a de “buscar então a criação de uma nova realidade espiritual e filosófica que pacifique seus espíritos.”. A sua busca por agregar Fé, individual, e Razão coletiva, o teriam levado a reconhecer no Pensamento Integralista constituído como “Doutrina do Sigma”, sob a direção intelectual de Plinio Salgado, o Chefe nacional da Ação Integralista Brasileira (1932-1937), Miguel Real e Gustavo Barroso, um entendimento cosmovisionário que integraria todos os elementos de uma vida social saudável para o espírito e a vida cívica, sintetizados no lema: “Deus, Pátria e Família”, considerando a consubstanciação, o pan-relacionamento da alma com o universo, mas não de modo imanente, como em Espinsosa, mas relacionando as causas seculares com a Providência divina, de um Deus que impõe os limites da Ordem

Cássio, considerando que a Filosofia Linear complementa a Doutrina do Sigma, considerando que a Cosmovisão de mundo Linear (Linearismo) estaria presente no “arcabouço doutrinário do Maior movimento cívico espiritual do Brasil, o Integralismo”, objetiva, com a Doutrina Linear Brasileira responder perguntas transcendentais: “O que é a vida? O que é a morte? Por que o caos e por que a ordem? Por que as angústias humanas frente a realidade? O que é o tempo e o espaço? O que significa onipresença?”

A proposta da Filosofia Linear seria a de “ buscar a fusão do Criador e Criação. É buscar a Harmonia de pensamento e interpretação, utilizando-se ferramentas poderosas como Física e Matemática. É a coragem dos povos do chamado Terceiro Mundo criarem sua própria noção filosófica, sem se curvarem aos dogmas filosóficos europeus. É o despertar da vontade. É o amor incólume à verdade. É o ímpeto de transformar e entender profundamente o porquê dos fatos.” Ante um “cristianismo falsificado” que teria sido modificado pela Bíblia, reproduzindo um “Deus judaico sanguinário e pirracento”.

Ao apropriar-se de um Cristianismo depurado do judaísmo, unindo-o à Doutrina do Sigma, que já o conteria, o Mil-B propõe a divulgação da Religião Integralista.

Cássio Guilherme entende que: “É inquestionável também que um dia o Integralismo teria que se transformar em uma Nova Religião e nova cosmovisão teológica. Isso já estava sendo proposto inclusive nos livros do Chefe Nacional Plínio Salgado e na sua postura cósmica com relação a existência humana. Apesar de se declarar fervoroso católico, o Chefe Nacional não poderia continuar o confronto contra o materialismo judaizante, consubstanciado nas doutrinas comunistas e capitalistas liberais, sem reformular o que realmente significava o Cristianismo.”

Defendendo nativismo, rompendo, como a Nova Direita, com o modelo político ocidental que teria forjado a dependência do Brasil ao sistema financeiro internacional judaico, como considera. Que teria, inclusive, criado a falsa oposição Direita X Esquerda e Capitalismo X comunismo,

Para o MIL-B é preciso restaurar a energia cósmica do Universo, “citada inúmeras vezes em livros do Chefe e até de Gustavo Barroso ( O QUARTO IMPÉRIO)” e que nortearia a proposta da Quarta Humanidade, liderada pela raça cósmica brasileira, a proveniente da mestiçagem indígena e portuguesa colonizadora, da qual surgira o caboclo, o caipira, a liderança da Nova Atlântida, o continente onde impera a Harmoniocracia,onde Deuses e Homens, mortais e imortais respeitariam as Forças da Natureza.

O alcance da Harmoniocracia seria empreendido pela Quinta Humanidade, promovendo um verdadeiro religare, do esoterismo ocidental, como uma manifestação de tradicionalismo e congregação, constituindo um elo “entre a razão e a espiritualidade, ou entre a ciência e a religião.”

Considerações finais

Entendendo a importância da análise dos fenômenos das Direitas e Novas Direitas, especialmente quando se trata da capacidade de construir argumentos “sedutores”, retorno a Gramsci, que alertava sobre tratar o passado filosófico, como um delírio. Acrescento a este alerta, o de cuidado analítico, considerando e uso dos instrumentais teóricos e metodológicos dos Pensamentos das Direitas. E, retomando Teixeira da Silva, sobre o “procedimento prévio fundamental para o estabelecimento das formas fascistas/ultradireitistas de dominação tanto nos casos dos fascismos históricos - aqueles que existiram entre os anos de 1920 e 1945 - quanto nos processos de ressurgência no tempo presente dos fascismos.”

Desta afirmação se busca, como síntese deste artigo, a análise ético-moral da História dos fenômenos de Direitas e suas ambiguidades e sobre “a contínua obra de nossa vida [que] é construir a morte.” (MONTAIGNE, apudDE BEAUVOIR, 2005, p. 11).

Quanto às características do Ur-Fascismo, é possível construir aproximações entre as Novas Direitas aqui apresentadas de acordo com a premissa de Eco que relaciona a New Age, com Santo Agostinho e Stonehenge” Do mesmo modo, os estudos sobre o Tradicionalismo tornam-se fundamentais, na medida em que se absorve, em Júlio Evola as características que, ainda Voegelin definiu como das “Religiões Políticas”.

Objetivou-se fornecer elementos que demonstrem contrastes e consonâncias, da perspectiva de análise das “Novas Direitas”, exemplificadas pelos movimentos citados, considerando distanciamentos ideológicos e práticas consonantes das Direitas no Tempo Presente, além das relações intertextuais nos discursos das Direitas, em comparação dialética com as especificidades de cada Movimento analisado.

Este artigo se encerra com uma constatação que se refere à conclusão que se apreende é de que as contraposições históricas demonstradas nas construções históricas particulares dos povos que se pretende delimitar como portadores de identidades culturais e raciais próprias só são alcançáveis no Pensamento das Novas Direitas aqui apresentadas como exemplos, diante dos vestígios das múltiplas crises da Modernidade, sejam espirituais, nos sentidos religiosos ou metafísicas, mas, especialmente, em relação às explicações transcendentes e imanentes, correspondendo à uma contradição interna irredutível: a presença pulsante da História Universal, seja para propor outra compreensão, seja para “determinar”, no seio de cada sociedade, os seus mitos, suas Urs, as suas “Pátrias originais”.

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Notas

[1] A teoria mimética de René Girard pressupõe o mecanismo do bode expiatório: a pessoa, o grupo ou movimento que deve ser sacrificado para o “Bem” social.

Autor notes

i Professora do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense, atuando no Departamento de História. E-mail: marciarrcarneiro@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6400-4199.

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