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“TOURADAS ASSIM, SIM!”: ESPETÁCULOS DE TOUROS NO OESTE DE MINAS GERAIS NO FINAL DO SÉCULO XIX
“BULLFIGHTING LIKE THIS, YES!”: BULL SPECTACLES IN THE WEST OF MINAS GERAIS IN THE LATE NINETEENTH CENTURY
“CORRIDAS ASÍ, SÍ!”: ESPECTÁCULOS DE TOROS EN EL OESTE DE MINAS GERAIS A FINALES DEL SIGLO XIX
Caminhos da História, vol. 28, núm. 2, pp. 223-242, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 2, 2023

Recepção: 27 Novembro 2022

Aprovação: 09 Janeiro 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Pesquisas sobre a história das touradas em regiões interioranas política, econômica e culturalmente periféricas ainda são relativamente pequenas. Tentando ampliar esse universo de referências, analisamos a dinâmica histórica das touradas na região do Oeste de Minas Gerais, com maior ênfase nos eventos tauromáquicos organizados na cidade de Oliveira e localidades adjacentes, na década final do século XIX. Mais especificamente, analisamos algumas variáveis que podem ter favorecido a presença dos primeiros grupos especializados na oferta comercial de espetáculos com touros, bem como suas formas de organização dos espaços, bilheterias e repertório lúdico. As principais fontes para essa pesquisa foram exemplares do jornal Gazeta de Oliveira, publicado a partir de 1887 na cidade de Oliveira, que mudou o nome para Gazeta de Minas a partir de 1899, cujo acervo está atualmente disponível online.

Palavras-chave: História, Lazer, Touradas, Minas Gerais.

Abstract: Researches about the history of bullfighting in politically, economically, and culturally peripheral country-side regions are still relatively small. Trying to expand this universe of references, we analyzed the historical dynamic of the bullfighting in the Western region of Minas Gerais, with greater emphasis in the bullfighting events promoted in the city of Oliveira and surrounding locations in the last decade of the nineteenth century. More specifically, we analyzed some variables that may have favoured the presence of the first groups with specialization in the commercial offering of bull spectacles, as well as their space organization forms, box offices and entertainment repertory. The main sources for the research were samples of the “Gazeta de Oliveira" journal, published in the Oliveira city since 1887, which changed his name to “Gazeta de Minas" since 1889, which archive is available online now.

Keywords: History, Leisure, Bullfighting, Minas Gerais.

Resumen: La investigación sobre la historia del toreo en regiones del interior política, económica y culturalmente periféricas es todavía relativamente pequeña. Buscando ampliar este universo de referencias, analizamos la dinámica histórica de la tauromaquia en la región occidental de Minas Gerais, con mayor énfasis en los eventos taurinos organizados en la ciudad de Oliveira y localidades adyacentes, en la última década del siglo XIX. Más concretamente, analizamos algunas variables que pueden haber favorecido la presencia de los primeros grupos especializados en la oferta comercial de espectáculos con toros, así como sus formas de organización de espacios, taquilla y repertorio lúdico.Las principales fuentes para esta investigación fueron ejemplares del periódico “Gazeta de Oliveira”, publicado a partir de 1887 en la ciudad de Oliveira, que cambió su nombre a “Gazeta de Minas” a partir de 1899, cuya colección se encuentra actualmente disponible en línea.

Palabras clave: Historia, Ocio, Corridas de toros, Minas Gerais.

Introdução

Na última década, tivemos um crescimento das produções históricas sobre os espetáculos de touros organizados no Brasil. Capitais e polos regionais, com uma dinâmica urbana mais vigorosa, a exemplo do Rio de Janeiro, São Paulo, Cuiabá, Porto Alegre, Curitiba, Salvador e Belém, tiveram já algumas de suas manifestações tauromáquicas investigadas (MELO, 2013; SANTOS; MELO, 2014; CAMARGO, 2005; KARLS; MELO, 2014; MELO; GOMES, 2021; ROCHA JUNIOR; MELO, 2016; DIAS et al., 2019). De outra parte, apesar desses notáveis esforços, investigações sobre essa temática em regiões interioranas política, econômica e culturalmente periféricas ainda são relativamente pequenas. Cáceres - MT e Feira de Santana - BA são raros exemplos de cidades sertanejas cujas touradas tiveram alguma centralidade no eixo investigativo (SILVA, 2016; NUNES, 2021). No geral, temos apenas descrições superficiais, resumidas em poucas páginas, sem que, de fato, tenhamos ali um olhar mais aprofundado sobre o tema (para uma síntese a esse respeito, ver NUNES, 2021, p. 56).

Neste artigo, tentando ampliar esse universo de referências, analisamos a dinâmica histórica das touradas na região do Oeste de Minas Gerais,[1] com maior ênfase nos eventos tauromáquicos organizados na cidade de Oliveira e localidades adjacentes, na década final do século XIX. Mais especificamente, analisamos algumas variáveis que podem ter favorecido a presença dos primeiros grupos especializados na oferta comercial de espetáculos com touros, bem como suas formas de organização dos espaços, bilheterias e repertório lúdico.

Para isso, utilizaram-se, especialmente, exemplares do jornal Gazeta de Oliveira, fundado em 1887 pelo português Antônio Fernal, que se instalou na sede oliveirense no ano anterior, vindo de Formiga, também na região do Oeste de Minas, onde antes dirigiu o jornal O Democrata. Em 1899, já com periodicidade semanal, foi renomeado para Gazeta de Minas. Nesse ano, a Gazeta se declarava como o “jornal de maior formato e circulação do estado de Minas Gerais” (GAZETA DE MINAS, Oliveira, 1 de janeiro de 1889, p. 1). Realizamos uma leitura integral dos números referentes ao século XIX. Suas edições estão disponíveis no acervo digital do próprio editorial (https://www.gazetademinas.com.br/file-share).

Com vistas a contornar algumas lacunas e ampliar o escopo documental da pesquisa, foram consultados, também, exemplares dos jornais Opinião Campanhense (1836), da cidade de Campanha, e O Universal (1841), da antiga capital Ouro Preto, disponíveis no site da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional (http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/), bem como obras memorialísticas e documentos do poder público estadual, tais como recenseamentos, disponíveis no catálogo digital da Biblioteca do Ministério da Fazenda (http://memoria.org.br/).

Existiu um modelo empresarial, que teve como base o “mercado taurino” que se desenvolvia desde a primeira metade do século XVIII na Europa, avançando por toda a Península Ibérica, Sul da França e para o continente americano (MARTÍNEZ, 2013). Empresas de toureio percorreram o Brasil. No final do século XIX, localizamos uma empresa tauromáquica que percorreu mais de 6.000 quilômetros entre os anos de 1892 e 1893, passando pelos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará e, por fim, Amazonas (NUNES, 2021). Na obra organizada por Victor Melo (2017), encontramos outro caso análogo, a companhia de Francisco Pontes, tendo feito espetáculos do Porto Alegre à Bahia. As touradas se organizaram mais rapidamente onde mais prontamente se desenvolveram iniciativas empresariais: entre outras, as relacionadas ao mercado de divertimentos (ROCHA JUNIOR; MELO, 2016). A cidade de Oliveira e municípios confinantes são um bom exemplo nessa direção.

Espetáculos tauromáquicos oliveirenses

Em meados de dezembro de 1894, a Companhia Espanhola de Toureadores (Figura 1), composta pelos “exímios bandarilheiros e farpeadores” Paquillo Antello, Francisco Antello, Antonio Romero e Juan Romero Jerezano, desembarcou na cidade de Oliveira com a promessa de oferecer ao público local uma pequena série de cinco espetáculos (GAZETA DE OLIVEIRA, 16 de dezembro de 1894, p. 1). Na função de estreia, que ocorreria na tarde do dia 25 (feriado de natal), foram anunciadas pela companhia “sortes surpreendentes” com “4 bravíssimos touros trabalhados pela primeira vez” (GAZETA DE OLIVEIRA, 16 de dezembro de 1894, p. 4). Nesse dia, mesmo com o “tempo chuvoso” e o “pequeno espaço do circo”, apinhou-se na praça tauromáquica “grande concorrência de espectadores”. Segundo um cronista anônimo do jornal Gazeta de Oliveira, este tipo de espetáculo tratava-se de “um divertimento novo na cidade” (GAZETA DE OLIVEIRA, 30 de dezembro de 1894, p. 1).


Figura 1
Cartaz dos espetáculos que seriam oferecidos pela Companhia Espanhola de Toureadores após as duas primeiras funções
GAZETA DE OLIVEIRA, 23 de dezembro de 1894, p. 3.

Não é possível afirmar que as touradas eram, de fato, um gênero inédito de diversão entre os oliveirenses, conforme narrou o cronista acima. No Brasil, desde a segunda metade do século XVI, e mais constantemente a partir do século XVIII – momento do crescimento das cidades e vilas e dos achados auríferos na região das Minas, processos que, de uma parte, aumentaram a importância da colônia para a economia de Portugal e, de outra, favoreceram a organização de festividades mais luxuosas –, corridas de touros foram promovidas por ocasião de algumas comemorações públicas relacionadas a datas importantes da família real, dos santos católicos ou ainda da administração local (MELO, 2013; ROCHA JUNIOR; MELO, 2016). Ainda conforme esses estudos, essas festividades envolviam ativamente a população, que participava de diversas formas, inclusive na oferta de donativos para custear a organização. Nelas, era característica basilar a combinação de práticas sagradas e profanas que, de modo geral, reuniam na programação, entre outras coisas, cerimônias religiosas, luminárias, fogos de artifícios, jogos, música, cavalhadas, teatro, além da edificação ou improvisação de espaços para a realização de espetáculos com touros.

Em Minas Gerais, as touradas compuseram o repertório de festas públicas organizadas por particulares e agentes políticos locais desde o século XVIII, com maior perenidade de informações no século XIX, em razão da possibilidade de acesso aos jornais, que iniciaram, em 1823, sua circulação na então província. Em 1743, bispos da Igreja Católica, com jurisdição em Minas Gerais, solicitaram do Santo Ofício instruções de como proceder contra os excessos e “escândalos” das comemorações tradicionais, chegando ameaçar de “excomunhão os que frequentassem comédias, bailes, máscaras, touros e entremeses” (DUARTE, 1993, p. 123). Já em 1836, na cidade de Sabará, segundo informações publicadas no periódico Opinião Campanhense, que circulava em Campanha, alguns moradores fizeram uma solicitação na Assembleia Legislativa para que nos dias de festas nacionais não se pagasse a “imposição sobre touros e cavalhadas” (OPINIÃO CAMPANHENSE, 16 de abril de 1836, p. 1). Em abril de 1841, na capital Ouro Preto, a Câmara Municipal “empregou todos os meios ao seu alcance” para que os festejos públicos de “coroação e sagração do augustíssimo imperador constitucional Sr. D. Pedro II” tivessem, segundo noticiou um jornalista ouro-pretano, “o maior esplendor”. Para tanto, deliberou-se por nove dias consecutivos de festividades, sendo o terceiro, o quinto e o sétimo comemorados com “cavalhadas, touros e danças” (O UNIVERSAL, 30 de abril de 1841, p. 3).

Nesses termos, especula-se que as falas do cronista de Oliveira sobre o ineditismo dos espetáculos tauromáquicos não diziam respeito a um desconhecimento dessa atividade na região. Talvez o ineditismo estivesse relacionado ao caráter comercial da prática, gerenciada por empresários ambulantes, com a edificação de rondeis, a comercialização de bilhetes e a participação de toureiros profissionais advindos de outros países, diferenciando-se, em alguma medida, das tradicionais corridas de touros que compunham os festejos públicos de algumas localidades mineiras no período. Isto é, a Companhia Espanhola de Toureadores parece ser o primeiro grupo itinerante com essa proposta comercial de espetáculo a visitar a parte citadina de Oliveira, fato que poderia justificar uma impressão de novidade veiculada na imprensa.

Em pesquisas recentes sobre a história das touradas na cidade do Rio de Janeiro, Vitor Melo (2015) revela que espetáculos tauromáquicos com um modelo comercial, custeados por empresários que dependiam do afluxo de público para a sua manutenção, já aconteciam de forma relativamente bem delineada desde a década de 1840, integrando-se a um comércio do entretenimento relacionado a uma sensível valorização da vida pública, em sintonia com um imaginário modernizador importado da Europa. É provável que profissionais do ramo da tauromaquia, advindos sobretudo de Portugal e Espanha, países que tiveram forte influência na estruturação de um mercado de espetáculos de touros no Brasil, tenham buscado ampliar seu raio de atuação além da capital carioca ou de cidades portuárias econômica e demograficamente mais dinâmicas, a exemplo de São Paulo e Salvador, cujos primeiros registros empresarias de touradas podem ser encontrados a partir da década de 1870 (MELO, 2017).

No intuito de potencializar seus lucros, companhias de touros foram gradativamente adaptando seus espetáculos, de modo que pudessem excursionar pelos rincões brasileiros (SOARES, 2010; OLIVEIRA, 2016; CARNEIRO; MELO, 2021; NUNES, 2021). Beneficiando-se de um público cada vez mais interessado em novidades capazes de excitar e causar emoção, empresários envolvidos no ramo da tauromaquia constituíram uma espécie de “circuito de viagens” por regiões interioranas, visando “explorar o mais possível as oportunidades comerciais geradas por esta demanda”, nas palavras de Cleber Dias (2018, p. 381) em análise sobre a mercantilização do lazer no Brasil naquele período.

A inauguração de linhas ferroviárias em alguns pontos de Minas Gerais no final do século XIX parece ter atuado como dispositivo privilegiado para permitir que pequenas localidades interioranas tivessem oportunidades de acesso aos espetáculos oferecidos por empresários. Os ramais da ferrovia superaram as dificuldades dos veículos de tração animal, caracterizados pela precariedade das estradas mineiras, e permitiram transporte mais rápido, seguro, confortável e barato para os artistas envolvidos nas companhias itinerantes. Segundo relatos do paulista Joaquim Almeida Leite de Moraes (1995, p. 21-22), que percorreu em veículos de tração animal, nessa mesma época, a região do Oeste de Minas Gerais, onde situava-se a cidade de Oliveira, que recebeu a visita da Companhia Espanhola de Toureadores, as estradas, depois das chuvas, pareciam “rios de lama”. Nesse contexto, não faz sentido ter linhas férreas saindo do Rio de Janeiro e do Porto de Santos e as quadrilhas itinerantes tauromáquicas fazerem uso de cavalo e burro nessas longas distâncias.

Além da facilidade de transporte, as ferrovias também ofereciam aos empresários do ramo de espetáculos ambulantes acesso a mercados consumidores potencialmente mais prósperos. “Uma ferrovia, afinal, frequentemente permitia maior integração econômica de cidades ou regiões com outros centros mais dinâmicos, o que tinha implicações para a organização estrutural da economia local” (XAVIER; AMARAL; DIAS, 2019, p. 153).

No Oeste mineiro, a interiorização dos trilhos ocorreu especialmente entre os anos de 1887 e 1892, momento em que a Estrada de Ferro Oeste de Minas, estacionada em São João Del-Rei e que fazia entroncamento com a Estrada de Ferro Central do Brasil, com eixo inicial partindo do Rio de Janeiro, inaugurou estações nas localidades de Bom Sucesso (1887), Oliveira (1888), Carmo da Mata (1890), Gonçalves Ferreira (1890), Desterro (1890), Henrique Galvão (1890), São Gonçalo do Pará (1890), Itapecerica (1891), Cercado (1891), Cardosos (1891), Martinho Campos (1892), São Francisco (1892) e Abadia (1892).[2] Com a ampliação da malha ferroviária nessa parte do Estado, o que consequentemente possibilitava oportunidades de visitas com mais facilidade e dentro de um espectro mais amplo de cidades, as companhias ambulantes se viram atraídas para realizarem turnês artísticas (AMARAL; DIAS, 2017, p. 251).

Entre os anos de 1892 e 1900, o número de circos que visitaram cidades de Oeste mineiro triplicou, sendo que quase todos percorreram caminhos pontilhados por trilhos. Mesmo quando esses circenses visitaram alguma localidade desprovida de estação ferroviária, o novo meio de transporte foi utilizado em parte do trajeto, destacando ainda que a inauguração de estações tendia a estimular a construção ou melhoramentos de estradas que ligassem cidades ou povoados sem ferrovias aos centros que contavam com tais facilidades (XAVIER; AMARAL; DIAS, 2019).

Nos primeiros anos que acompanharam a efetivação do prolongamento ferroviário da EFOM, não apenas cresceu o número de companhias fazendo itinerários comerciais pela região do Oeste mineiro, como também ocorreu uma significativa diversificação das modalidades artísticas oferecidas por estes grupos. Entre 1887 e 1891, o jornal Gazeta de Oliveira registrou a passagem de grupos ambulantes de circo e teatro, quer sejam, o Circo Japonês Valenciano (GAZETA DE OLIVEIRA, 16 de novembro de 1887, p. 2), a Companhia Dramática S. Brandão (GAZETA DE OLIVEIRA, 10 de junho de 1888, p. 3), a Companhia Equestre Hilário Almeida (GAZETA DE OLIVEIRA, 1 de julho de 1888, p. 3), a Companhia Equestre Estrela do Oriente (GAZETA DE OLIVEIRA, 31 de março de 1889, p. 2), a Companhia de Teatro Boldrine & Corrêa (GAZETA DE OLIVEIRA, 22 de setembro de 1889, p. 2) e a Companhia de Teatro Herculano Junior (GAZETA DE OLIVEIRA, 14 de dezembro de 1890, p. 2).

Se certa variedade de divertimentos já estava presente à época, a partir de 1892 somaram-se as já referidas modalidades lúdicas itinerantes, espetáculos de bonecos de fantoche, ilusionismo, música, touradas, prestidigitação e cinematógrafo – os dois últimos com os primeiros registros datados do início do século XX. Em 1894, por exemplo, o jornal Gazeta de Oliveira anunciou uma pequena turnê do “afamado ilusionista” Faure Nicolay (Figura 2), auxiliado por suas filhas Rosina e Paula, com espetáculos agendados para as cidades de Oliveira, Itapecerica e Pitangui (GAZETA DE OLIVEIRA, 18 de fevereiro de 1894, p. 1). Também descrito na imprensa local como “divertimento novo”, a cidade de Oliveira recebeu, em novembro de 1898, a Companhia de Fantoches Briguella, dirigida por Henrique Funaro (GAZETA DE OLIVEIRA, 20 de novembro de 1898, p. 1). Já em junho de 1898, a artista Giulietta Dionezi e seu marido, o maestro Emilio Grossini, instalaram-se em Claudio depois de terem oferecido alguns concertos musicais em Oliveira (GAZETA DE OLIVEIRA, 12 de junho de 1898, p. 1). Em outro registro, datado de agosto de 1902, o Sr. Trajano Pires, de passagem por Oliveira, comunicou ao público local a pretensão de oferecer dois espetáculos de prestidigitação em um salão improvisado (GAZETA DE MINAS, 17 de agosto de 1902, p. 1). Por fim, em agosto do ano seguinte, o empresário Sr. Carlos Leal exibiu na sede oliveirense, segundo narrou um cronista anônimo, uma pequena série de projeções com o seu “irresistível animatógrafo” (GAZETA DE OLIVEIRA, 30 de agosto de 1903, p. 1).


Figura 2
Cartaz do espetáculo de ilusionismo do artista Faure Nicolay no Salão Municipal da cidade de Oliveira
GAZETA DE OLIVEIRA, 28 de janeiro de 1894, p. 3.

É na esteira de uma maior perenidade e diversificação dos grupos comerciais de espetáculos itinerantes, no contexto da distensão dos ramais da Estrada de Ferro Oeste de Minas, que Oliveira recebeu, em dezembro de 1894, a primeira visita de uma companhia especializada em touradas. Nas fontes cotejadas, não encontramos informações detalhadas sobre o transporte ou a edificação dos rondeis pertencentes aos grupos tauromáquicos, estruturas que, em anúncios da imprensa, podiam apresentar alguma complexidade na sua organização, como “bilheteria”, “arquibancadas”, “área onde se prende o gado” e “camarotes muito elegantes e bem ornamentados” (GAZETA DE OLIVEIRA, 23 de agosto de 1896, p. 3; GAZETA DE OLIVEIRA, 27 de março de 1898, p. 2).

Especula-se que toda a estrutura de construção e armação dos rondeis era transportada no interior dos vagões ferroviários. Seria extremamente dispendioso financeiramente se arriscar por estradas precárias, valendo-se de veículos de tração animal caros, lentos, inseguros e imprevisíveis ou então adquirir os materiais de montagem em cada uma das localidades visitadas, tendo de se desfazer de tudo antes de ingressar para uma nova viagem. Com a adoção do novo meio de transporte, era possível alugar um vagão comum para o transporte da estrutura arquitetônica dos rondeis, figurinos dos artistas e instrumentos musicais das bandas que animavam os espetáculos. Ou ainda um vagão gaiola para o transporte de animais, em especial os cavalos adestrados, essenciais ao toureiro a cavalo. O guia de tarifas da Estrada de Ferro Oeste de Minas exibe alguns dos materiais que poderiam compor a bagagem dos toureiros ambulantes: “ferramentas, artigos de ferragens, materiais metálicos, aço em barra, madeira aparelhada, aplainada, serrada ou preparada para construção, figurinos, instrumentos musicais e animais de médio e grande porte” (MAIA, 2009, p. 69-70).

No bojo do desembarque dos toureiros, dos aparatos artísticos e dos rondeis móveis, tornava-se necessário que as companhias tauromáquicas, nas cidades visitadas, escolhessem as praças onde seriam ofertados os espetáculos. No caso do Oeste mineiro, de maneira geral, conforme se observou nas fontes primárias, optava-se por largos centrais, nas imediações das principais igrejas. Tal escolha se deve ao fato da expressiva aglutinação de pessoas nesses espaços, especialmente nos finais de semana e dias santos, quando as populações rurais visitavam as sedes citadinas por ocasião das celebrações religiosas.

Registros de viajantes e artigos de jornais sobre a vida social de Minas Gerais do século XIX reiteravam que a parte urbana de várias localidades basicamente rurais eram pouco movimentadas ao longo da semana, sendo às vezes chamadas de “vilas domingueiras”, uma vez que era habitual que casas ou mesmo os seus comércios funcionassem apenas aos sábados, domingos ou dias santos, quando os trabalhadores rurais se deslocavam dos povoados até o núcleo citadino “para assistir missas, se abastecerem e tomar em parte outras atividades sociais” (AMARAL; DIAS; ANÍSIO, 2022, p. 4). A esse propósito, é exemplar a descrição de um correspondente de São Francisco de Paulo, distrito vinculado ao município de Oliveira, em fevereiro de 1914. Segundo suas impressões, mesmo tendo uma “população pequena”, havia várias casas fechadas na sede distrital, inclusive as melhores, conforme foi narrado, “são de propriedade de fazendeiros que delas se utilizam em épocas e ocasiões de festas” (GAZETA DE MINAS, 15 de fevereiro de 1914, p. 1).

De fato, era nos dias de festas católicas que os centros urbanos das nucleações recebiam um grande número de visitantes. No final de julho de 1896, por exemplo, “nos festejos de São Sebastião realizados no distrito oliveirense de Carmo da Mata, segundo informações de um correspondente, a pequena povoação concentrou no Largo da Matriz aproximadamente 4 mil pessoas” (GAZETA DE OLIVEIRA, 2 de agosto de 1896, p. 2), o que incluía visitantes das vizinhas cidades de Oliveira e Itapecerica, número significativamente superior a população total do distrito, calculada, nesse período, em 1.161 moradores.

Enxergando possibilidades de ganhos comerciais, grupos artísticos ambulantes não apenas privilegiavam os dias de eventos e festividades organizados pela igreja católica, como também edificavam suas estruturas de espetáculos muitas vezes nas imediações dos principais templos religiosos de cada localidade. No Brasil, as touradas foram realizadas em distintos lugares: redondéis improvisados em praças públicas, lugares contíguos à zona urbana, teatros, hipódromos e em praças de touros permanentes (NUNES, 2021).

Em agosto de 1892, por exemplo, o Sr. Manoel José de Barros, diretor da Companhia União Artística, também conhecida como Circo Olympico, publicou uma pequena nota no jornal da cidade de Oliveira endereçada para o público do distrito municipal de Santana do Jacaré, dizendo que “por ocasião das festas religiosas neste lugar, ai se achará com a companhia para dar alguns espetáculos” (GAZETA DE OLIVEIRA, 7 de agosto de 1892, p. 2). Em outro exemplar, datado de janeiro de 1895, a Companhia Equestre Barros & Carvalho integrou as festividades em homenagem ao “mártir São Sebastião” no distrito de Carmo da Mata, oferecendo no Largo da Matriz “dois espetáculos que ocorreram após a missa cantada e queima de fogos” (GAZETA DE OLIVEIRA, 27 de janeiro de 1895, p. 3).

No caso de Oliveira, presume-se que o Largo do Cruzeiro, na região central, era o ponto mais favorável para a edificação de estruturas para a oferta de espetáculos, visto que ali, segundo relatos de memorialistas, “entre renques de bambuais, ficava uma espécie de pasto muito procurado para se instalarem circos” (FONSECA, 1961, p. 172). Essa posição de destaque do referido largo para o recebimento de arenas lúdicas pode ser reforçada quando observamos que, em maio de 1898, improvisou-se ali um hipódromo para a realização de corridas de cavalo semanais, iniciativa que se estendeu por quase dois meses (GAZETA DE OLIVEIRA, 15 de maio de 1898, p. 1; GAZETA DE OLIVEIRA, 12 de junho de 1898, p. 1). Já na vizinha cidade de Itapecerica, registros de correspondentes veiculados na imprensa de Oliveira em meados da década de 1890, apontam para o uso do Largo da Igreja de São Francisco por companhias de touros e o Largo Duque de Caxias por companhias de circo (GAZETA DE OLIVEIRA, Oliveira, 2 de junho de 1895, p. 3).

Doravante, no mesmo ensejo de escolha das praças, tornava-se necessário que as companhias ambulantes obtivessem das autoridades locais licenças de funcionamento. Isso se dava mediante o pagamento de taxas sobre cada dia de espetáculo, cujos valores eram fixados nas tabelas de impostos dos municípios. Na cidade de Oliveira, a resolução número 9, no artigo 14, promulgado pela Câmara Municipal em janeiro de 1893, estipulava um valor de 50$000 [cinquenta mil reis] para cada espetáculo de circo, tourada e corrida. Conforme constava na resolução: “para o exercício destas indústrias deverão os interessados apresentarem o conhecimento de terem pago o imposto” (GAZETA DE OLIVEIRA, 1 de janeiro de 1893, p. 2). Fontes jornalísticas apontam para a necessidade dos grupos itinerantes obterem tais licenças para a oferta de espetáculos. No final de março de 1898, por exemplo, na visita da Companhia Tauromáquica do diretor Bernardino Junior à cidade de Oliveira, veiculou-se na imprensa local um anúncio direcionado ao “respeitável público”, informando que o espetáculo de estreia, programado para ocorrer no domingo, dia 20, aconteceria “se o tempo permitir e com a licença da digníssima autoridade” (GAZETA DE OLIVEIRA, 20 de março de 1898, p. 3).

Segundo a historiadora Rosana Xavier (2019, p. 70-71), no que diz respeito à atuação dos artistas ambulantes que visitaram a região do Oeste Mineiro no final do século XIX e início do XX, não foram encontrados registros de possíveis empecilhos das Câmaras Municipais para a concessão de licenças para esses grupos. Alguns eventuais obstáculos, no entanto, poderiam ser encontrados no campo religioso. Embora grupos circenses e tauromáquicos tivessem presença cativa nas festas religiosas, aproveitando-se da grande movimentação de pessoas, a promoção de espetáculos no mesmo lugar/horário das missas e celebrações católicas poderia gerar desentendimentos com autoridades eclesiásticas locais. O usual era que as atrações das companhias itinerantes acontecessem após o repertório das atividades religiosas. Quando os grupos optavam por coincidir os horários das apresentações artísticas e religiosas, afloravam-se possibilidades de desinteligências.

Foi o que aconteceu na cidade de Perdões, em junho de 1901, quando, por ocasião da pregação de missões na Igreja da Matriz por padres missionários, “funcionava ao mesmo tempo”, nas imediações do Largo da Matriz, “uma companhia equestre (vulgo de cavalinhos)”. Conforme comentários publicados no jornal Gazeta de Minas, o diretor da companhia foi repreendido pelos eclesiásticos,[3] tendo que recolher sua armação e deixar a cidade, como desfecho da história (GAZETA DE MINAS, 2 de junho de 1902, p. 2).

Após o desembarque das companhias nas localidades visitadas, a escolha das praças, a edificação dos rondeis e a obtenção de licenças, iniciava-se a fase de organização e oferta de espetáculos. Nessa fase, no que diz respeito à venda de ingressos e os trabalhos realizados com touros, companhias que circularam em turnês pelo Oeste mineiro no final do século XIX apresentavam semelhanças e diferenciações nas formas de comercializar bilhetes de entradas e ofertar atrações lúdicas para o público pagante. Portanto, longe de serem grupos homogêneos, ainda que tivessem como ponto em comum a lida de sortes com touros, cada empresa ambulante do ramo da tauromaquia trazia características peculiares na sua bilheteria e no seu repertório de atrações.

A Companhia Espanhola de Toureadores, que visitou a cidade de Oliveira na penúltima semana de dezembro de 1894, por exemplo, no espetáculo de estreia, cobrou valores de “2$000 [dois mil reis], entradas de primeira classe, 1$000 [1 mil reis], entradas de segunda classe” (GAZETA DE OLIVEIRA, 16 de dezembro de 1894, p. 4). Devido ao sucesso de público, para os quatro espetáculos seguintes que finalizariam a turnê da companhia na cidade, um cronista anônimo registrou que “os empresários mandaram dar mais praça ao circo” (GAZETA DE OLIVEIRA, 30 de dezembro de 1894, p. 1). Ou seja, aparentemente com o objetivo de angariar mais espaço, as áreas especiais de segunda classe foram retiradas para que as arquibancadas gerais tivessem uma ampliação, comportando dessa forma mais público. Não sem razão, a bilheteria da Companhia Espanhola de Toureadores, após a reforma do rondel, fixou um bilhete único, chamado de “entrada geral”, com o valor de 1$000 [1 mil reis] (GAZETA DE OLIVEIRA, 30 de dezembro de 1894, p. 4). Já os espetáculos repetiram uma linha de atração em todas as apresentações da companhia. Segundo os anúncios, os programas seriam compostos pelo farpeamento de “quatro touros”, além de “bandarilhas de surpresa” e sortes em que “se montará e pegará” (GAZETA DE OLIVEIRA, 16 de dezembro de 1894, p. 4; GAZETA DE OLIVEIRA, 13 de janeiro de 1895, p. 4).

No início de agosto de 1896, foi a vez da Companhia Tauromáquica Espanhola, dirigida pelo Sr. Francisco Pajulá, vulgo Paquilo, visitar a sede da cidade de Oliveira. Assim como a Companhia Espanhola de Toureadores, este grupo ofereceu cinco espetáculos para o público oliveirense. Na bilheteria, porém, os quatro primeiros espetáculos anunciaram os valores de “1$000 [1 mil reis], entrada geral, 2$000 [dois mil reis], reservada”, explicitando nos cartazes publicados na imprensa local que “não há meias entradas” (GAZETA DE OLIVEIRA, 23 de agosto de 1896, p. 4). De forma promocional, no último espetáculo, a companhia liberou “meia entrada” no valor de “$500 [quinhentos reis]”, para “crianças até 7 anos” (GAZETA DE OLIVEIRA, 13 de setembro de 1896, p. 2). O repertório apresentou alguns incrementos não observados na companhia anterior. Manteve-se a linha de farpeamento de quatro touros por espetáculo, trabalhos de bandarilho, montaria e pega. Contudo, a empresa tauromáquica possuía um palhaço entre seus quadros, denominado Joaquim Pruna, vulgo Noy que, conforme anúncios na imprensa, fazia do evento uma “tarde de risos e gargalhadas” (GAZETA DE OLIVEIRA, 13 de setembro de 1896, p. 2). Além dessa inovação, no intervalo dos trabalhos, a companhia disponibilizava para os amadores um “bravo bezerro” e, no espetáculo de despedida, promoveu-se uma “chistosa e engraçada pantomima” (GAZETA DE OLIVEIRA, 13 de setembro de 1896, p. 2).

No dia 20 de março de 1898, estreou na cidade de Oliveira o Circo de Touros, dirigido pelo Sr. Bernardino Junior (GAZETA DE OLIVEIRA, 20 de março de 1898, p. 2). Diferente das duas companhias anteriores, a turnê desta trupe que variou entre quatro e cinco espetáculos, teve um padrão único na sua tabela de preços, sendo em todos os eventos tauromáquicos cobrados do público local um valor de “entrada geral, 1$000 [1 mil reis], especial, 2$000 [dois mil reis], crianças menores de 7 anos, $500 [quinhentos reis]” (GAZETA DE OLIVEIRA, 20 de março de 1898, p. 3; GAZETA DE OLIVEIRA, 27 de março de 1898, p. 3). As atrações no interior do rondel mantiveram a tendência de farpear quatro touros por espetáculo, com as mesmas sortes exibidas pelas companhias antecessoras. Tal como foi observado na Companhia Tauromáquica Espanhola, o Circo de Touros também possuía um palhaço, qual seja, Rubio Augusto J. Ribeiro (GAZETA DE OLIVEIRA, 20 de março de 1898, p. 3).

O caráter de inovação da trupe do Sr. Bernardino Junior, quando comparada com a Companhia Espanhola de Toureadores e a Companhia Tauromáquica Espanhola, ficou por conta da “Banda de Música Oliveirense de que é diretor o Sr. João da Costa”, que abrilhantou todos os espetáculos tocando “as melhores peças do seu vasto repertório” (GAZETA DE OLIVEIRA, 20 de março de 1898, p. 3). A música era considerada intrínseca à tauromaquia desde a gênese da “arte taurina” (SARGES, 2008). Conforme Nunes (2021), eventos chancelados ou mesmo com participação de outras entidades como, por exemplo, uma agremiação musical, possuíam como objetivo adicional “potencializar a arrecadação de recursos financeiros, aproveitando-se do prestígio dessas instituições” (p. 65-66).

Um ponto convergente entre as empresas tauromáquicas que excursionaram pelo Oeste de Minas Gerais no final do século XIX é a preocupação em conseguir bons touros para a realização de sortes nos rondeis, elemento que garantia o sucesso ou o fracasso dos espetáculos. Propagandas de touradas veiculadas no jornal Gazeta de Oliveira sugeriam que as empresas deste ramo de diversão alugavam animais de moradores rurais ou pecuaristas residentes nas povoações instaladas nas imediações das sedes citadinas. Aparentemente, havia disponibilidade de animais para locação nas nucleações da região, posto que o Oeste mineiro, nesse momento, possuía o maior rebanho bovino de Minas Gerais (LIMA, 2009, p. 68); e, no caso mais específico de Oliveira, a pecuária era a principal atividade econômica, com exportações de gado bovino vivo calculadas entre 1892 e 1898 em 30 mil cabeças anuais (AMARAL; DIAS, 2019, p. 69).

Nos anúncios dos programas da Companhia Espanhola de Toureadores (Figura 3), que visitou Oliveira no ano de 1894, por exemplo, os empresários, durante sua estada na cidade, veicularam diversas chamadas direcionadas aos criadores e proprietários rurais do município, o que aponta para a necessidade desses grupos obterem os touros nas localidades visitadas: “Os Srs. Fazendeiros ou pessoas que tiverem bois bravos que queiram alugá-los para os trabalhos, podem trazê-los que se pagará 20$000 [vinte mil reis] de aluguel por dia” (GAZETA DE OLIVEIRA, 16 de dezembro de 1894, p. 4).


Figura 3
Anúncio da Companhia Espanhola de Toureadores oferecendo pagamento pelos serviços de aluguel de bois bravos
GAZETA DE OLIVEIRA, 16 de dezembro de 1894, p. 4.

Naturalmente, não bastava apenas alugar os animais, era necessário que os mesmos se mostrassem adequados para a realização de “sortes surpreendentes”. Em registros da época, a imprensa de Oliveira teceu críticas à baixa qualidade dos touros farpeados. No final de março de 1898, após os dois primeiros espetáculos do Circo de Touros, um cronista anônimo da Gazeta chegou a dizer que “os touros não prestavam, não obstante os esforços dos toureiros”. Ainda segundo o cronista: “Se o Sr. Bernardino conseguir arranjar bons touros, é de crer que os destemidos toureiros revelem toda a sua perícia, o que certamente não alcançarão se não levarem a arena touros que se prestem as muitas e arriscadas sortes” (GAZETA DE OLIVEIRA, 27 de março de 1898, p. 1). Esse registro sugere dificuldades dos grupos tauromáquicos em conseguirem, dentro do rol de animais disponíveis para aluguel no meio local, touros com características favoráveis para as sortes nos rondeis.

Após as críticas da imprensa, o Sr. Bernardino Junior, diretor do Circo de Touros, parece ter intermediado de forma mais criteriosa junto aos criadores do município a aquisição de novas rezes para os espetáculos da sua companhia. Tal especulação pode ser reforçada quando observamos que, no terceiro espetáculo da trupe, um cronista anônimo da imprensa de Oliveira, com uma chamada intitulada “Touradas assim, sim”, registrou que, na corrente apresentação, os “touros eram bravíssimos e se prestaram as mais difíceis e arriscadas sortes” (GAZETA DE OLIVEIRA, 3 de abril de 1898, p. 1). Em algumas situações, animais com fama de “bravos” e já conhecidos por parte da população local eram cedidos gratuitamente por pecuaristas da região, talvez como uma forma de promover a qualidade dos seus rebanhos. Foi o que aconteceu no dia 13 de setembro de 1896, no quarto espetáculo da Companhia Tauromáquica Espanhola. Na ocasião, segundo o cartaz de propaganda do evento, o Sr. Coronel Salatiel cedeu o “preciso e bravo Zebu que tanta fama tem nesta cidade”. Para o mesmo espetáculo, o Sr. Tenente Evaristo “cedeu-lhe desinteressadamente o resto do gado do qual faz parte o touro china chamado Vapor” (GAZETA DE OLIVEIRA, 13 de setembro de 1896, p. 2).

Considerações finais

A análise das fontes primárias arroladas neste artigo nos permite constatar que espetáculos tauromáquicos promovidos por grupos especializados com interesses comerciais alcançaram os sertões brasileiros ainda no século XIX, mais precisamente, no caso do Oeste de Minas Gerais, na década final desse século. Favorecidos, em larga medida, pela interiorização dos trilhos ferroviários, grupos empresariais de touradas puderam deslocar, no interior dos vagões, animais, equipamentos e estruturas arquitetônicas dos rondeis de maneira mais rápida e previsível. Tal movimento parece ter estimulado a realização de turnês de diferentes artistas do gênero taurino na região. A cidade de Oliveira e municípios confinantes fizeram parte do rol de visitação de grupos itinerantes dedicados à lida com touros.

O conjunto de eventos que envolvia os espetáculos tauromáquicos exigia uma complexa logística que acampava, nas localidades visitadas, entre outras tarefas, a escolha da melhor praça, a obtenção de licenças de funcionamento, a edificação dos rondeis móveis, além da aquisição de animas para a lida dos toureiros. Neste último caso, o desafio era encontrar no repertório dos rebanhos dos fazendeiros locais animais disponíveis para locação que prestassem para as “muitas e arriscadas sortes”, o que nem sempre acontecia.

Notam-se nas companhias de touros que excursionaram pelo Oeste mineiro na década final do século XIX algumas diferenças nas formas de comercializar entradas, especialmente nos preços e promoções dos ingressos. Da mesma forma, os repertórios lúdicos dos espetáculos apresentavam variações entre os grupos tauromáquicos, podendo incluir, entre outras coisas, farpeamento de touros; bandarilhas; toureiro a cavalo, “monta”; forcados, “pega”; pantominas; e “bravos bezerros” para a lida de amadores nos intervalos das atrações, além de espetáculos musicais de bandas locais. Em síntese, tratavam-se de grupos heterogêneos, que circulavam pelo território brasileiro alcançando, inclusive, regiões dos recônditos do país com algum tipo de facilidade nos transportes e na busca por lucros, uma vez que os espetáculos dos grupos tauromáquicos eram, antes de tudo, empreendimentos comerciais.

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Notas

[1] Segundo o relatório de finanças de Minas Gerais, referente ao ano de 1922, o Oeste mineiro era constituído de 27 municípios que congregavam 95 distritos, sendo as sedes municipais: Abaeté, Bambuí, Bom Despacho, Bom Sucesso, Campo Belo, Carmo do Paranaíba, Cláudio, Divinópolis, Dores do Indaiá, Formiga, Itapecerica, Itaúna, Lagoa Dourada, Oliveira, Pará de Minas, Passa Tempo, Patos, Pequi, Perdões, Pitangui, Piumhi, Prados, Resende Costa, Santo Antônio do Monte, São Gotardo, São João del-Rei e Tiradentes (MINAS GERAIS, 1923, p. 371-373).
[2] Para informações sobre as estações da Estrada de Ferro Oeste de Minas e suas datas de inauguração, ver MINAS GERAIS, 1926, V III, p. 426-427.
[3] Nas palavras de um cronista anônimo: “O padre mestre logo que soube que existia ali uma companhia equestre, mandou fazer ciente o seu diretor que não podia a companhia exibir ali seus trabalhos – durante os dias de missão” (GAZETA DE MINAS, 2 de junho de 1902, p. 2).

Autor notes

i Doutor em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em História pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Professor do Curso de Educação Física da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Campus Januária. E-mail: dvoamaral@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3272-1174
ii Doutor em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor do Curso de Educação Física e Mestrado em História da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). E-mail: fsnunes@uefs.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6194-7562
iii Doutoranda em Estudos do Lazer (bolsista CAPES) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestra em História pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: rosanadx@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2516-2722

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