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ÁGUAS, PEIXES E PESCADORES NA BACIA DO JEQUITINHONHA, SÉCULOS XIX E XX
WATERS, FISHES AND FISHERMEN IN THE JEQUITINHONHA BASIN, 19TH AND 20TH CENTURIES
AGUAS, PECES Y PESCADORES EN LA CUENCA DE JEQUITINHONHA, SIGLOS XIX Y XX
Caminhos da História, vol. 28, núm. 2, pp. 192-222, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 2, 2023

Recepção: 28 Julho 2022

Aprovação: 29 Setembro 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: : Este artigo investiga a trajetória da pesca artesanal na parte mineira da bacia hidrográfica do Jequitinhonha, ao longo dos séculos XIX e XX. As fontes utilizadas são principalmente relatos de viajantes, textos de memorialistas, relatórios governamentais e notícias da imprensa, bem como testemunhos de antigos pescadores. São discutidos assuntos como o significado regional dessa atividade, as espécies de peixes mais apreciadas pelos pescadores, as práticas e instrumentos por eles empregados, suas condições sociais e aspectos do seu cotidiano. Analisam-se também os fatores que têm causado a diminuição sensível do pescado na bacia desde fins do século passado e que, por conseguinte, geram perspectiva sombria relativamente ao futuro da atividade na região. Conclui-se que a pesca na parte mineira da bacia do Jequitinhonha não alcançou grande vulto econômico, sobretudo se comparada com a do São Francisco; porém, constituiu meio de vida para populações ribeirinhas que combinaram a pequena agricultura com a pesca, especialmente no Médio e Baixo Jequitinhonha.

Palavras-chave: Pesca artesanal, Práticas pesqueiras, Condições dos pescadores, Bacia do Jequitinhonha, Séculos XIX e XX.

Abstract: : This article investigates the trajectory of the artesanal fishing in the Jequitinhonha basin, in Minas Gerais, throughout the 19th and 20th centuries. The sources used are mainly voyager’s narratives, texts by memorialists, government reports and press reports, as well as testimonies from former fishermen. Subjects such as the regional significance of this activity, the fish species most appreciated by fishermen, the practices and instruments used by them, their social conditions and aspects of their daily lives are discussed. Also it analyzes the factors that have caused the significant decrease in fish in the basin since the end of the last century and that, therefore, generate gloomy outlook for the future of this activity in region. It is concluded that fishing in the Minas Gerais part of the Jequitinhonha basin did not reach great economic importance, especially when compared to the São Francisco; however, it constituted a way of life for riverside populations that combined small agriculture with fishing, especially in the Middle and Lower Jequitinhonha.

Keywords: Artisanal fishing, Fishing practices, Fishermen's conditions, Jequitinhonha Basin, 19th and 20th centuries.

Resumen: : Este artículo investiga la trayectoria de la pesca artesanal en la parte de Minas Gerais de la cuenca hidrográfica de Jequitinhonha, a lo largo de los siglos XIX y XX. Las fuentes utilizadas son principalmente relatos de viajeros, textos de memorialistas, informes gubernamentales y notas de prensa, así como testimonios de viejos pescadores. Se abordan temas como la significación regional de esta actividad, las especies de peces más apreciadas por los pescadores, las prácticas e instrumentos que utilizan, sus condiciones sociales y aspectos de su vida cotidiana. También se analizan los factores que han provocado la importante disminución de la pesca en la cuenca desde finales del siglo pasado y que, por tanto, generan una perspectiva sombría respecto al futuro de la actividad en la región. Se concluye que la pesca en la parte de Minas Gerais de la cuenca del Jequitinhonha no alcanzó gran importancia económica, especialmente cuando se compara con el São Francisco; sin embargo, constituyó una forma de vida para las poblaciones ribereñas que combinaron la pequeña agricultura con la pesca, especialmente en el Medio y Bajo Jequitinhonha.

Palabras clave: Pesca artesanal, Prácticas de pesca, Condiciones de los pescadores, Cuenca de Jequitinhonha, Siglos XIX y XX.

Entre os anos 1780 e 1781, José Joaquim da Rocha, percorrendo exaustivamente a Capitania, escreveu sua Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais. Nessa obra, o cartógrafo português se referiu ao rio Jequitinhonha nos seguintes termos:

O rio Jequitinhonha, que tem o seu nascimento ao norte das serras de Santo Antônio e Itambé da Vila do Príncipe, é o tesouro mais precioso destas Minas; não só o Jequitinhonha, mas todos os mais rios e ribeiros que nele se metem, desde o seu nascimento (ROCHA, 1995, p. 132).

José Joaquim da Rocha tinha em mente, é claro, os depósitos de ouro, diamantes e pedras preciosas que se encontraram nessas águas do nordeste da Capitania, especialmente no Jequitinhonha, Araçuaí, Piauí e Itacambiruçu, riquezas que dinamizaram a ocupação regional e justificaram o lugar destacado do rio Jequitinhonha no cenário provincial e estadual.

Todavia, o cartógrafo setecentista menos ênfase deu a outras riquezas da bacia, como as vastas terras agricultáveis, seus imensos recursos florestais e a grande biodiversidade da região. Quanto aos rios e ribeiros, menosprezou a qualidade de suas águas, pouco notou sua utilidade para a navegação e geração de força motriz. E apenas mencionou brevemente a piscosidade do Jequitinhonha, sem notar a contribuição que o pescado já oferecia à alimentação dos colonos e, antes deles, dos indígenas.

Este trabalho pretende, justamente, abordar a presença bastante “silenciada” da pesca na história do Vale do Jequitinhonha mineiro, pesca que é, nas palavras de Antônio Carlos Diegues (1998, p. 23), “a última atividade humana de caça ainda realizada em grande escala”, indicando as características e a dinâmica das atividades pesqueiras nele desenvolvidas desde os primórdios da ocupação colonial. Baseando-se principalmente nas narrativas de viajantes e memorialistas, bem como na historial oral, isto é, na coleta e análise de testemunhos de pescadores e ribeirinhos, objetiva-se elaborar um quadro da evolução da pesca no período compreendido pelos séculos XIX e XX.

Mais especificamente, objetiva-se delinear a trajetória da pesca nas águas do Jequitinhonha e seus afluentes, numa perspectiva qualitativa, assinalando as continuidades e mudanças no que se refere a dimensões como: a) a condição dos pescadores e suas práticas de pesca; b) os usos e as formas de comercialização do pescado; c) o lugar social dos pescadores nos espaços ribeirinhos do Vale do Jequitinhonha mineiro. Trata-se, portanto, de produzir inferências sobre o papel desempenhado pela pesca e os pescadores na história do nordeste de Minas Gerais, notadamente na porção média do Jequitinhonha (ver Mapa 1).[1]


Mapa 1
Porção mineira da bacia do Jequitinhonha
Elaboração de Samuel A. Maciel (2018). Retirado de S. A. Maciel (2021, p. 36).

É bom estabelecer desde já que o foco deste trabalho está no chamado pescador artesanal, entendido como o sujeito que exerce a pesca como principal atividade de vida, em regime de economia familiar, empregando artes e instrumentos de pesca que ele mesmo desenvolve, com base em uma cultura passada de geração em geração. Sujeito que tem na pesca um modo de vida, ditado pelos ciclos da natureza, e que articula as águas e as terras: nem o rio nem o pescador podem ser vistos como entes separados. Sujeito que encara o rio como espaço produtivo e espaço valorativo (MALDONADO, 2000; CARDOSO, 2001; PASQUOTTO, 2005).

Não se pretende, por conseguinte, abordar a pesca como entretenimento, a chamada pesca amadora, que certamente sempre esteve presente no cenário histórico do Vale do Jequitinhonha, feita por habitantes de áreas rurais ou urbanas, e mais modernamente por turistas. Quanto à pesca industrial, esta jamais existiu na porção mineira da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha.

As águas e os peixes: curimatãs, roncadores e traíras

No ano de 1817, o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire percorreu as porções mais ocidental e central da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha. Chamou-lhe atenção a diversidade das paisagens, da vegetação, dos solos e do relevo, a variabilidade do clima, de maneira que considerou a região como rico mosaico, capaz de extasiar cientistas. Em maio, a poucas léguas a jusante da foz do rio Araçuaí, Saint-Hilaire (2000, p. 240) escreveu o seguinte a respeito do Jequitinhonha:

Julgue-se do prazer que experimentei quando, fatigado de tanta monotonia, avistei um belo rio, o Jequitinhonha, cujas águas límpidas correm com lentidão e majestade. Suas margens, cobertas da mais fresca vegetação, contrastavam com as matas vizinhas despojadas de folhagem, e o que talvez não tivesse acontecido em nenhuma outra parte do mundo, tinha ao mesmo tempo sob os olhos a imagem do inverno e a dos dias mais deliciosos da primavera.

Dois anos depois, em 7 de agosto de 1819, também na estação da seca, o viajante austríaco Johann Emanuel Pohl (1976, p. 327) deparou-se com o Jequitinhonha nas imediações do Ribeirão Tabatinga, vendo-o do topo de uma serra repleta de seixos de quartzo. O médico e naturalista encantou-se com a paisagem, dizendo:

Era o panorama do majestoso rio Jequitinhonha, que vinha do sul e nos apresentava sua confluência com o ribeirão Tabatinga. Era como um belo e pitoresco quadro o que aqui se estendia diante de nós. O grande rio, no meio do vale, com os seus inúmeros meandros, acompanhado de uma cordilheira de considerável altitude, que devia ficar afastada umas três léguas de nosso ponto de observação, oferecia um aspecto verdadeiramente imponente.

Pohl, ao se aproximar do rio, verificou que, naquele ponto, sua largura alcançava cerca de 140 passos, e a sua profundidade era de cerca de 70 centímetros. No entanto, a julgar pela faixa de margens cobertas por areia e seixos rolados de quartzo, calculou que, no tempo das chuvas, o volume e a força das suas águas deveriam ser enormes.

Entre Sucuriú (atual cidade de Francisco Badaró) e a Fazenda Bom Jardim (situada a quatro léguas a montante de São Miguel, atual cidade de Jequitinhonha), ambos os viajantes deparam com as matas de caatinga, tanto na bacia do Araçuaí como nas margens do Jequitinhonha. Pohl assinalou a existência de numerosos riachos e córregos intermitentes, que secavam completamente ou ficavam estancados no inverno, entre março e outubro. Nos rios e riachos perenes, observaram os distintos espetáculos que as águas ofereciam aos viajantes no tempo das chuvas e no das secas. Nas chuvas, as correntezas se tornavam fortes e os leitos, bem mais largos. As massas de granitos eram cobertas pelas águas e a maioria das cachoeiras viravam simples corredeiras. Na seca, os riachos ficavam como filetes d’água sumidos entre as rochas de granito; no Araçuaí e no Jequitinhonha, muitas cachoeiras apareciam e as águas mostravam-se rasas. Mas os peixes não desapareciam, nem os insetos nas margens florestadas. Pohl queixou-se amargamente dos sofrimentos causados pelos enxames de mosquitos e bichos-de-pé nesses lugares. Nas primeiras décadas do século XX, conforme o testemunho de J. Duarte (1972, p. 254), as barrancas do Jequitinhonha, já bastante desmatadas, abrigavam enxames de jatiuns, cujas “ferroadas palúdicas” transmitiam terríveis sezões.

A respeito dos peixes, os naturalistas oitocentistas que percorreram o Alto e o Médio Jequitinhonha mencionaram a presença de muitas espécies pescadas pelos ribeirinhos. No Fanado, Sucuriú, Água Suja, Capivari, Araçuaí, Gravatá, Setúbal e Jequitinhonha, dentre outros, havia traíras, lambaris, piamparas, piabanhas, curimatãs, tamburés, roncadores, bagres, surubis, piaus, perpetingas e dourados. Conforme o Frei Cláudio da Conceição (1871, p. 7), em obra publicada em 1823, no Jequitinhonha “pesca-se a Cramatan, Fraíra, e Piáos; os últimos do Arassuahi são mais estimados, e saborosos do que os do Jequitinhonha”. No rio São Miguel, existia uma variedade de crustáceo muito saboroso, um camarão de grande tamanho e cor alaranjada-pardacenta raiada de negro. Seres talvez aparentados daqueles que viram, em 13 de março de 1768, naturalistas no Jequitinhonha à altura do Tijuco (atual cidade de Diamantina), como informou o memorialista Célio Hugo Alves Pereira (2007, p. 84):

Três naturalistas franceses que percorriam o Brasil em estudos sobre o reino animal, passando pelo Tijuco foram às águas do Jequitinhonha para verem animais aquáticos. No lugar “Pau d’Óro” descobriram anfíbios curiosos e pequenos animais à semelhança de camarões.

O conhecimento da fauna de peixes do Jequitinhonha teve início justamente com os naturalistas do século XIX, destacando-se Saint-Hilaire (1817), Johann Spix (1818) e Charles Frederick Hartt (1866). Mas, desde então, a ictiofauna da bacia continua relativamente pouco estudada. A propósito, escreveu Francisco de Andrade Neto (2009/2010, p. 24-25):

(...) a fauna de peixes do Jequitinhonha ainda é muito pouco conhecida e estudada. Mesmo pertencendo a uma região altamente endêmica em peixes, e com três áreas prioritárias para a conservação desse grupo em Minas Gerais, o Jequitinhonha não parece atrair a atenção de pesquisas ictiológicas como outras bacias. Os reflexos da carência de conhecimento são a ausência de um inventário ictiofaunístico da bacia e o pequeno conhecimento sobre a biologia dos peixes mais comuns ou importantes para a pesca.

Hoje, sabe-se que existem cinquenta e três espécies de peixes que ocorrem naturalmente na bacia do Jequitinhonha, cinco delas ameaçadas de extinção. Outras dez foram introduzidas em diferentes pontos da bacia (NETO, 2009/2010). Entre as espécies naturais do Jequitinhonha, podem ser citadas a curimba ou curimatã (Prochilodushartii), o roncador (Wertheimeriamaculata), a piapara (Leporinuscrassilabris), a traíra (Hopliasbrasiliensis), a piabanha (Brycondevillei), o piauzinho (Leporinus sp.), o surubim-do-jequitinhonha (Steindachneridionamblyurum), o timburé (Hypomasticusgarmani), o cascudo (Delturusbravis), a piaba (Nematocharaxvenustus), o bagre (RhamdiaJequitinhonha) e a maria-mole ou saboneteira (Trachelyopterusstriatulus). O surubim e a piabanha são exemplos de peixes que necessitam de trechos de corredeiras com fundo rochoso, enquanto a curimba e a piapara são peixes migratórios que exigem grandes trechos de rios para completarem o ciclo de vida. As espécies ameaçadas no leito principal do Jequitinhonha são o surubim-do-jequitinhonha, a piabanha, a piaba e o bagre.

Dentre as espécies introduzidas, destacam-se a pirambeba (Serrasalmus sp.), a piranha (Serrasalmus brandtii), o bagre africano (Clarias gariepinus), a tilápia (Tilapiasp.) e o tamboatá (Hoplostetnumlittorale).[2] Em 25 de junho de 2011, veículo de imprensa regional noticiou que “piranhas são encontradas nos rios Araçuaí e Jequitinhonha”, e completou: “a piranha encontrada aqui não é tão perigosa quanto parece e nenhum pescador ou banhista precisa ficar aterrorizado”.[3]

Atualmente, as comunidades ribeirinhas pescam principalmente a curimba ou curimatã, o roncador, a piapara, a traíra e a pirambeba. Conforme o falecido biólogo Volney Vono, um dos maiores estudiosos dos peixes da bacia do Jequitinhonha, até os anos 1990 os ribeirinhos do Médio Jequitinhonha usavam gordura de peixes para cozinhar, pois não havia óleo de soja em algumas localidades. Também dizia que o surubim-do-jequitinhonha era pescado durante a lua nova de outubro, quando os peixes aproveitavam as primeiras chuvas e se reproduziam em áreas laterais encharcadas.[4]

Em suma, desde o século XIX os viajantes e cronistas exaltaram as belezas dos rios e das terras ribeirinhas na Bacia do Jequitinhonha, bem como sua piscosidade, assinalando a presença da pesca artesanal. Entretanto, no século XX, enquanto aumentavam as ameaças ambientais aos rios, o conhecimento sobre a fauna aquática da região não evoluiu substancialmente em relação às descrições deixadas pelos estudiosos do século anterior.

O pescado na vida regional

As narrativas de viajantes oitocentistas que estiveram no nordeste de Minas Gerais, nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, mencionaram a importância da pesca na alimentação das populações ribeirinhas. Os colonos e os indígenas, incluindo os chamados botocudos, caçavam e pescavam comumente. Os principais alvos dos caçadores eram as capivaras, os veados, os tatus e os porcos-do-mato. Entre as aves, as preferidas eram os mutuns – por causa de sua carne mais saborosa do que a da galinha –, os zabelês, as perdizes e os macucos. Conforme Saint-Hilaire (2000), os caçadores das caatingas no Médio Jequitinhonha construíam nas árvores, na beira dos trilhos que levavam aos regatos, palanques de onde espreitavam os animais que iam matar a sede, alvejando-os.

No que concerne à pesca, sua presença era notada em toda ribeira de curso d’água permanente. Pohl e Saint-Hilaire perceberam que praticamente toda fazenda no Jequitinhonha possuía um pesqueiro. Notícia curiosa, datada de 10 de janeiro de 1805, indica o consumo regular de pescado entre os habitantes do Alto Jequitinhonha, nas vizinhanças de Diamantina:

Joaquim Ferreira de Aguiar, morador do Mendanha, achou em um peixe um diamante de três vinténs. Foi anzolado no local do Banquinho, no Jequitinhonha. Os peixes subiram de preço com medo de outros peixes terem diamantes também! Esperteza do comércio e dos pescadores! (PEREIRA, 2007, p. 50)

Nesta mesma zona do Alto Jequitinhonha, o viajante inglês George Gardner (1975, p. 202), no início dos anos 1840, relatou como seu grupo foi alimentado em um pouso à beira do rio Inhacica:

chegamos ao pôr do sol às margens do pequeno rio chamado Inhacica, alojando-nos por essa noite na varanda aberta de pequena venda, única habitação do lugar. Contávamos como certo poder comprar aqui alguma coisa para aumentar nosso estoque de provisões, mas o único artigo que se encontrava à venda era cachaça. Não muito, porém, depois de nossa chegada uma pessoa da casa voltou do rio com um belo peixe, de cerca de pé e meio de comprimento, que alegremente comprei por pequena quantia e que nos deu excelente ceia.

No início do século XX, Leopoldo Pereira (1969), J. Duarte (1972) e Eduardo Santos Maia (1936) – poeta baiano que viajou de canoa pelo Jequitinhonha em 1917 – escreveram sobre a intensa atividade de pescadores, principalmente nas cercanias de Salto da Divisa, Almenara, Jequitinhonha e, nas águas do Araçuaí, entre Itira e a barra do Calhauzinho. Leopoldo Pereira, ex-Agente Executivo do vasto município de Araçuaí na virada do século XIX para o XX, queixou-se que a escassez de água no Médio Jequitinhonha tomara proporções assustadoras:

de 40 anos, e mais acentuadamente, de 20 anos a esta parte [1905], as águas do Norte de Minas têm diminuído de mais da metade. É convicção dos velhos residentes neste município que os próprios rios grandes e navegáveis, Jequitinhonha e Araçuaí, já não são volumosos como antigamente (PEREIRA, 1969, p. 42).

Leopoldo Pereira atribuiu tal declínio, evidenciado pelo secamento de muitíssimos córregos e mananciais, ao incansável trabalho de destruição do fogo e do machado na região. Já o comerciante e fazendeiro José Côrtes Duarte, conhecido como J. Duarte, observou, na década de 1920, que a situação dos grandes peixes típicos do Jequitinhonha era desastrosa:

Na pesca, o crime [de destruição da natureza] ainda foi maior, a imprevidência mais revoltante: matando surubins na desova, deixando mais da metade da pescaria desumana aos urubus – por falta de sal, como se desculpavam – os pescadores do Jequitinhonha conseguiram, em quarenta anos, extinguir a espécie, revelando-se mais bárbaros, imprevidentes e muito mais perniciosos aos vindouros do que os selvagens (sic) que limitam suas pescarias às próprias necessidades (DUARTE, 1976, p. 48).

Este autor, profundo conhecedor da região que abrange os municípios de Almenara e Jequitinhonha, considerava que, na altura dos anos 1970, os surubins do Jequitinhonha haviam desaparecido por completo (DUARTE, 1976, p. 30).

O Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1950 possibilita estimar a ordem de grandeza da atividade pesqueira no Vale do Jequitinhonha. Os dados oficiais disponíveis para os anos de 1948 e 1949 referem-se ao Alto Jequitinhonha, zona onde a pesca alcançou menor expressão do que no Médio Jequitinhonha.[5] Os números são apresentados na tabela abaixo:


Tabela 1
Quantidade e valor da produção de peixes, 1948-49
MINAS GERAIS. Anuário Estatístico de Minas Gerais – Ano IV, 1950, p. 243.

Considerando-se que o Médio Jequitinhonha é mais piscoso que o Alto Jequitinhonha, especialmente mais rico em peixes grandes e de maior valor comercial, é plausível supor que a produção pesqueira dessa área seria, na pior das hipóteses, igual à das águas mais próximas às cabeceiras do Araçuaí e do Jequitinhonha. Isso daria para a média anual de pescado no Médio Jequitinhonha, em meados do século passado, a cifra de 27,5 toneladas, e elevaria o total do Vale a, pelo menos, 55 toneladas/ano, sem levar em conta o sub-registro nas estatísticas oficiais. Estimativa de produção pesqueira superior à das outras bacias do Leste Mineiro, Rio Doce e Mucuri. De todo modo, evidentemente, a pesca no Vale do Jequitinhonha era apenas uma fração daquela realizada no Vale do São Francisco mineiro.

Em lugares como Salto da Divisa, a fartura de pescado teria se prolongado até a década de 1980, como afirma Jorge Alexandre Santos, antigo pescador:

Havia fartura de peixe. Muito mesmo, antes da represa. Porque eu conheço profundamente o rio antes do lago, toda a vida eu gostei de pescar, nos meus fins de semana eu pescava nesse trecho do Tombo, e nunca houve um mês que o povo pescasse menos de duzentos quilos de peixe.[6]

A fala de Jorge Santos toca em dois pontos que serão abordados mais à frente. O primeiro é o fato de que muitos pescadores do Vale do Jequitinhonha tinham, além da pesca, outras atividades econômicas. O segundo é o impacto das barragens recentemente construídas sobre a continuidade da pesca.

A população jequitinhonhense, como a das demais regiões mineiras, apreciava principalmente as espécies grandes, como o surubim-do-jequitinhonha, a traíra, o dourado, a piabanha e o piau. Estes peixes eram mais valorizados no comércio, e consumidos notadamente durante a Quaresma. Peixes menores, como a piaba e a curimba, eram mais difíceis de vender, sendo destinados ao consumo das próprias famílias de pescadores, seus parentes e vizinhos, ou até mesmo deixados para animais. Em meados do século passado, o preço do quilo da curimba variava entre um terço e um quarto do preço do surubim.

Exatamente como na calha do São Francisco, ao longo do curso do Jequitinhonha a fartura de peixes e a quantidade reduzida de compradores nas cidades ribeirinhas forçava os preços para baixo, reduzindo os rendimentos dos pescadores. Nos séculos XIX e XX, o peixe era barato, mas garantia aos pescadores o “pão certo”, o acesso aos mercados locais e mesmo às trocas monetizadas.[7]

De qualquer forma, o recurso do pescado era crucial para a manutenção das famílias de pescadores do Vale do Jequitinhonha. O pescador saía pros rios grandes, gastava umas poucas horas, pescava e voltava pra casa com algum dinheiro na mão, era certo, podia acreditar no rio. Costumeiramente, os pescadores trocavam o pescado in natura, ou então salgado, por outros produtos: arroz, feijão, farinha, rapadura, roupas, querosene. Também vendiam diretamente ao povo na beira do rio ou em domicílio.

O testemunho de Damião Alves dos Santos, pescador de Salto da Divisa, alusivo aos anos 1960 e 1970, corrobora a ideia de que muitos moradores da barranca do Jequitinhonha sobreviviam graças à pesca: “Eu pescava junto mais meu pai, com barco, tarrafa e rede. Colocava rede na água, pegava vinte, trinta contos pra comprar uma carne, um feijão. O dinheiro da pesca já servia pra botar dentro de casa alguma coisa”.[8]

A importância do rio – e não apenas por causa da pesca – como fonte de sobrevivência para moradores de Salto da Divisa também emerge na fala da Irmã Rosa, freira dominicana da comunidade de São Martinho, implantada na cidade nos anos 1990: “(...) era desse rio que muita gente tirava seu sustento, seja pra buscar pedra; quebrava essas pedras, vendia a pedra brita, pra comprar farinha, tiravam areia, as mulheres, os homens pegavam areia, vendiam pra comprar alimento, a mesma coisa era o peixe” (ALVES, 2008, p. 54).

Contrastando com o Médio São Francisco, onde, desde os anos 1960, proliferaram frigoríficos em cidades como Januária, São Francisco e São Romão, empresas que concentraram o comércio do pescado e que contratavam os pescadores por salários ínfimos (PEREIRA, 2015), no Jequitinhonha esses empreendimentos não surgiram até os dias correntes. Os pescadores mantiveram, portanto, o controle da atividade, realizada com maior autonomia e obedecendo os ritmos da natureza. Outro contraste com o Médio São Francisco residiu nas fracas fiscalização e regulamentação das atividades dos pescadores no Jequitinhonha, até pelo menos os anos 1980.[9]

Sinteticamente, em relação à atividade pesqueira na porção mineira da Bacia do Jequitinhonha, fica claro que ela não alcançou a relevância em termos de produção, geração de ocupação e de renda que alcançou na vizinha Bacia do São Francisco. Mas teve importância significativa para parcelas das populações ribeirinhas jequitinhonhenses, que nela encontraram ou sua profissão ou um meio complementar de acesso a renda monetária fundamental para a sobrevivência familiar.

Pescadores e pescadoras: condição, cotidiano e práticas nas águas

Uma vez que a atividade pesqueira no Vale do Jequitinhonha manteve-se sempre artesanal, realizada em pequena escala e com meios rudimentares, voltada essencialmente para o abastecimento das localidades ribeirinhas, há poucos registros sobre ela. Isto dificulta elaborar estimativas sobre o volume da atividade e seus rendimentos, bem como a respeito do número de pessoas diretamente envolvidas com a pesca.

Relativamente ao século XIX, o que se pode fazer é esboçar a imagem das pessoas que tinham na pesca sua principal atividade e dizer algo a respeito da distribuição espacial delas nas Minas Gerais e na porção mineira da bacia do Jequitinhonha. As informações contidas nas listas nominativas de 1831-32 e 1838-39 lançam alguma luz sobre os perfis dos pescadores profissionais do período.[10] Salta aos olhos o pequeno número deles registrado nas listas nominativas, fato que não constitui surpresa numa sociedade em que a mineração e a agricultura possuíam evidente centralidade econômica. Certamente há subestimação nos dados, porque frequentemente não se tem indicação da ocupação dos escravos. É impossível aferir o grau dessa subestimação.

Em toda a província, foram listados 114 pescadores, entre os quais somente dois (1,8%) possuíam escravos. Os escravos-pescadores indicados nas listas nominativas foram apenas dois: Luís, africano/preto, solteiro, 20 anos de idade, cujo senhor era Joaquim José da Costa, um fazendeiro branco de 40 anos de idade, senhor de 36 escravos, residente em Traíras (atual Santana do Pirapama), termo de Sabará; e João dos Santos, 60 anos de idade, crioulo, solteiro, que pertencia ao pequeno fazendeiro Custódio da Costa Torres, 34 anos de idade, pardo, casado, senhor de 4 escravos, residente no distrito de Santo Antônio da Mouraria do Arraial Velho, no termo de Sabará. Por outro lado, há indicação de somente dois pescadores que também se disseram agricultores, ambos moradores no distrito de Nossa Senhora da Conceição da Extrema (atual Ibiaí), pertencente à freguesia da Barra do Rio das Velhas. Eram eles: Antônio Paiva, 34 anos de idade, pardo, casado, forro, sem escravos, e Bento, 18 anos de idade, pardo, solteiro, forro, dono de um escravo. Pode-se presumir que essa estratégia de ganhar a vida, combinando lavoura e pesca, fosse bem mais comum nas áreas ribeirinhas.[11]

Ressalte-se a presença de mulheres ocupadas com a pesca, casos de Floriana Martins, 57 anos, parda, solteira e Antônia Gonçalves, 74 anos de idade, parda e viúva, ambas moradoras no distrito de Paz de Guarapiranga do termo de Mariana; de Maria Vicência, 60 anos de idade, branca, solteira, moradora no distrito de paz de Santo Antônio Calambao (atual Presidente Bernardes), também do termo de Mariana, e de Felipa, 30 anos de idade, crioula, casada, livre, moradora no distrito de São Gonçalo do termo de Campanha. A Tabela 2 traz as informações sobre cor e condição social das pessoas ocupadas com a pesca nas Minas Gerais dos anos 1830:


Tabela 2
Cor e condição dos pescadores em Minas Gerais (anos 1830)
Listas Nominativas de 1831-32 e 1838-39.

Os dados da tabela mostram que a maioria dos pescadores era gente de cor (71,1%), pobres, pessoas que certamente pescavam quase sempre isoladamente, empregando pequenas e rústicas canoas e redes, varas e anzóis, de modo absolutamente artesanal. O que indica a justeza do comentário de Richard Burton (1977) a propósito do atraso da atividade pesqueira nos rios de Minas Gerais.

A distribuição dos pescadores profissionais pelo território da Província é apresentada na tabela seguinte:


Tabela 3
Distribuição dos pescadores profissionais em Minas Gerais (anos 1830)
Listas Nominativas de 1831-32 e 1838-39.

Para o antigo Termo de Minas Novas, cuja extensão abarcava praticamente todo o Vale do Jequitinhonha e o Vale do Mucuri, área de fronteira agrícola cuja ocupação ainda engatinhava, as listas nominativas da década de 1830 quase não trazem informações. Com base nos relatos dos viajantes naturalistas, pode-se assinalar que tanto nas povoações ribeirinhas do Jequitinhonha como do Araçuaí havia alguns pescadores profissionais. No Jequitinhonha, eles se concentravam no povoado de Mendanha, próximo ao Arraial do Tijuco, em Tocoiós (atual cidade de Coronel Murta), Água Branca (antigo distrito de Santo Antônio da Barra do Itinga, atual cidade de Itinga), São Miguel (atual cidade de Jequitinhonha), São João da Vigia (atual cidade de Almenara) e São Sebastião do Salto Grande (atual cidade de Salto da Divisa).[12] No rio Araçuaí, os pescadores se localizavam principalmente em Água Limpa (atual cidade de Berilo), Calhau (atual cidade de Araçuaí) e Barra do Pontal (atual distrito de Itira, pertencente ao município de Araçuaí).

Os números sobre a quantidade de pescadores profissionais no Vale do Jequitinhonha continuaram lacunares e imprecisos no século XX. Em Salto da Divisa, na década de 1990, havia 170 pescadores profissionais, que chegavam a tirar até doze sacos de peixe por dia.[13] Em 1993, fundou-se a Colônia de Pescadores do Vale do Jequitinhonha z-13, abarcando todas as cidades de Salinas a Salto da Divisa, num total de 42 municípios. Em 2009, o número de pescadores registrados nessa colônia alcançou 356 pessoas.[14]

Quanto à produção pesqueira, a falta de dados oficiais é gritante para a segunda metade do século XX. Encontraram somente duas informações. A primeira, bastante lacônica e referente à cidade de Jequitinhonha: “Embora não constitua atividade de relevo, a produção de pescado do município, em 1956, atingiu a cifra de Cr$ 134.000,00”.[15] A segunda, divulgada em uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, realizada no dia 2 de julho de 2014, na cidade de Salto da Divisa. Nessa reunião, o representante dos pescadores, Ademir Ribeiro de Souza, afirmou que, antes da construção da represa de Itapebi, sairiam anualmente, em média, 43 toneladas de pescado no Médio Jequitinhonha.[16]

Os locais preferidos para a pesca eram os pontos dos rios onde havia remansos, sem correnteza (propícios para encontrar a curimba, o piau, a piabanha, a traíra e o surubim), também os trechos empedrados e encachoeirados, com corredeiras e lapas onde se abrigavam determinadas espécies (cascudos e bagres).[17] Depois das enchentes, os habitantes das ribeiras pescavam ainda nos igapós, vazantes e áreas alagadiças no meio do mato.

Ainda conforme o saber tradicional dos ribeirinhos, o tempo de calor – que coincide, é claro, com o tempo das chuvas e das cheias – constituía a melhor época para pescar. O tempo de frio, que é também o da estiagem e de menor vazão nos rios, era ruim para a pesca. Tanto numa época como na outra, o mais apropriado era praticar a pescaria de caboclo, isto é, pescar durante a noite. A propósito, o memorialista J. Duarte (1976, p. 18) lamentou que essa prática tivesse contribuído para rarear madeiras preciosas no Vale do Jequitinhonha, pois “jacarandás [foram] transformados em fachos para pescarias noturnas”.

Havia pescadores embarcados e não embarcados. Os embarcados empregavam pequenas canoas a remo, feitas de tronco único. As fabricadas com tronco de ipê duravam muitos anos, enquanto aquelas feitas com o tronco da sapucaia prestavam por três ou quatro anos (DUARTE, 1972, p. 254). As canoas conduziam os pescadores aos locais considerados melhores para a pesca, permitiam a travessia de pessoas e serviam, ademais, para o deslocamento entre as moradias situadas nos matos e as cidades ribeirinhas. Nesse sentido, valia parcialmente para as famílias de pescadores o que dissera o inglês Richard Burton (1977, p. 173), no ano de 1868, sobre o Vale do São Francisco: “todos os homens desta região são mais ou menos ‘anfíbios’, a canoa, como dizem, é o seu cavalo”.

Johann Emanuel Pohl e Auguste de Saint-Hilaire apontaram o uso generalizado e abusivo do pari, técnica de pesca dos indígenas, que consiste na construção de paredes de pedra em trechos do rio de maneira a afunilá-lo; assim, as águas conduzem os peixes para armadilhas colocadas no canal do “funil”, feitas com madeiras ou taquaras, os conhecidos jequis.[18] O inconveniente dessa técnica é a captura de peixes sem qualquer critério de tamanho ou espécie, especialmente de fêmeas em período de desova e reprodução. Saint-Hilaire previra que o uso constante do pari provocaria perda notável de peixes no Jequitinhonha e seus afluentes, e sentenciou: “este gênero de armadilha (...) certamente seria proibido em um país em que fosse possível exercer alguma fiscalização” (SAINT-HILAIRE, 2000, p. 297).

Nas lagoas formadas nas planícies de inundação do Jequitinhonha, comuns no trecho entre a foz do Araçuaí e o Salto Grande, espaços de reprodução e crescimento de peixes, a técnica herdada dos indígenas, a tinguijada foi amplamente utilizada. O peixe era morto pela raspa de tingui (Magonia pubescens), uma árvore do cerrado. A raspa era lançada na superfície das lagoas e as águas batidas com varas, para espalhar o veneno. J. Duarte lamentou o uso dessa técnica durante praticamente todo o século passado.[19]

Certamente, por influência dos colonos de origem europeia, a linha e o anzol entraram para o rol de tralhas de pesca na região, ainda no século XIX. É bastante provável que as linhas douradeiras, vistas por Richard Burton no Rio das Velhas em 1867, também estivessem presentes nas margens piscosas do Jequitinhonha.[20]J. Duarte (1972, p. 255) referiu-se ao fato comum de se ver, entre São Miguel e Salto Grande, na primeira metade do século passado, “nas fazendas marginais, traíras retiradas pela manhã dos anzóis de espera”.

No entanto, nos relatos oitocentistas não se vê menção a pescadores do Araçuaí e do Jequitinhonha servindo-se de canoas e de tarrafas durante a pescaria. No decurso do século XX, contudo, as redes entraram para as tralhas de pesca dos pescadores do Araçuaí e Jequitinhonha, como indica o testemunho de José Pedro Lopes de Almeida, que, desde os anos 1960, pescava em Itira (antiga Barra do Pontal), onde o Jequitinhonha recebe as águas do Araçuaí: “Já pesquei até 80 quilos de peixes por dia. Hoje, a gente arma a rede e ela sai da água cheia de lodo. Não encontra mais piau, piabanha e surubim”.[21]

As técnicas de pesca empregadas no Vale do Jequitinhonha durante o século XIX podem ser comparadas com as do vizinho rio São Francisco, conforme o quadro elaborado com base nas observações do naturalista George Gardner. Notar-se-á, evidentemente, a ausência da rede, além de alguma variação nas espécies mais pescadas.


Quadro 1
Peixes mais comuns e modos de pescar no Rio São Francisco (1840)
GARDNER, 1975, p. 189.

Importante ressaltar que, no Vale do Jequitinhonha, nenhuma localidade teve trajetória comparável com a de São Romão, no rio São Francisco. Esta última, como se sabe, ilustra bem o que certamente ocorreu em diversos pontos ribeirinhos do São Francisco, Velhas, Paraopeba e Grande, nos quais a pesca propiciou certa sedentarização de uma parte da população, que ficou dependente desta atividade. São Romão se tornou conhecido e movimentado por sua produção pesqueira, e de lá peixes secos foram exportados para diversas zonas do Centro e do Norte das Minas Gerais. Para esse lugar vale, sem dúvida, a caracterização que Sérgio Buarque de Holanda atribuiu a parcelas de moradores do interior paulista: “Há populações que se fizeram escravas de seus rios e do mar” (HOLANDA, 1957, p. 81).

Em ponto muito menor, talvez se possa comparar São Romão com as localidades de São Pedro do Jequitinhonha e Salto da Divisa. Nelas, muitos pescadores, sobretudo no século XX, trabalharam profissionalmente e comercializaram pescado em Araçuaí e Almenara. Nas corredeiras da boca do Tombo da Fumaça, andando sobre as pedras, os pescadores de Salto da Divisa empregaram tarrafas, lançando-as nas águas que desciam o estreito do rio. Conforme o testemunho do presidente da Associação dos Pescadores de Salto da Divisa, referindo-se à pesca praticada no lugar no decorrer do século passado: “nosso trabalho era um trabalho artesanal, bem artesanal mesmo. E a gente não precisava de tudo isso pra poder sobreviver, só precisava de uma tarrafa, uma capanga de borracha e um saco de farinha, [que] eram as nossas tralhas de pesca”.[22]

As observações de Gardner e Burton sobre a pesca nos rios mineiros contrastam com as de Saint-Hilaire e Spix e Martius.[23] Os relatos dos viajantes ingleses realçaram a influência europeia nos modos de pescar dos ribeirinhos, enfatizando o uso de anzóis, linhas e redes. Saint-Hilaire e Spix e Martius, por sua vez, destacaram o emprego de técnicas indígenas pelos pescadores mineiros no início do século XIX. Por sua vez, Sérgio Buarque de Holanda mostrou que os colonos aprenderam com os índios a conhecer a fauna e a flora das matas e do cerrado, técnicas de caçar (rastrear, imitar o som dos animais), o uso do arco e flecha e de armadilhas como o jequi, além de crenças em entidades das florestas (como o curupira) e dos rios (como a mãe d’água) (HOLANDA, 1957). Quem estaria com a razão?

O mais sensato parece ser aceitar a plena coexistência de práticas indígenas e europeias no interior da província, algo que teria se estendido até o início do século XX, a julgar pela observação do botânico Frederico Carlos Hoene sobre a maneira de pescar dos habitantes da região de Pouso Alegre, no Sul de Minas, datada de 1927: “Os moradores das margens do Rio Sapucaí são quase todos pescadores. Eles fazem comumente barragens para apanhar os peixes que descem o rio conduzidos pela correnteza e, então, caem sobre esteiras”. (HOENE, 1939, p. 46) Essa era, evidentemente, uma técnica indígena disseminada e bem preservada na bacia do Sapucaí, como em outras regiões mineiras.

Aplica-se aos rios da bacia do Jequitinhonha o que notara Neves (1998) relativamente ao Médio São Francisco. Grande parte dos pescadores eram camponeses, uma vez que praticavam pequena agricultura nas barrancas dos rios. Eram, portanto, pescadores-camponeses, que utilizavam a terra para criar animais (galinhas e porcos) e cultivar roças (feijão, milho, mandioca, arroz) e hortas (abóboras, batatas, verduras, bananas, etc.). Suas canoas não se enchiam apenas com peixes, mas também carregavam os produtos plantados destinados à venda nos povoados lindeiros. Praticavam uma agricultura de vazante, obedecendo aos ritmos da natureza, a alternância entre o tempo das águas e o tempo das estiagens, e que expressa os conhecimentos tradicionais sobre o fluxo dos rios.[24] Como sitiantes, agregados ou posseiros, viviam da água e do lameiro, isto é, das franjas de terra fertilizadas pelas cheias anuais dos rios.

Na cidade de Jequitinhonha, desde a década de 1970, um pescador que se tornou bastante conhecido pela alcunha de Chico Canoeiro, combinava a prática da pesca com o trabalho de barqueiro. Suas palavras a respeito foram:

Recebi esse apelido porque trabalhava com canoas, pescando ou carregando mercadorias para outras regiões. Atravessava pessoas, cargas e até boiada no rio. Ajudei a socorrer canoa e escaler afundando. No meu escaler carreguei muitos doutores, padres, políticos, doentes, estudantes de canto a canto. O rio era muito veloz.[25]

Outro caso de pescador-camponês foi o de Florisvaldo Antônio Nascimento. Por muitos anos, ele foi agregado em uma fazenda que dava para as barrancas do rio Jequitinhonha, no município de Salto da Divisa. Pescava e trabalhava a terra. Até que, nos anos 1980, na época dos grandes projetos de bovinocultura, foi “expulso da roça, porque aconteceu que uma firma chegou, precisou do local, tocou a gente e a gente teve que sair. Depois disso, eu fui morar na cidade, só me restou viver da bondade do rio Jequitinhonha”. Em Salto da Divisa, entre 2005 e 2007, Florisvaldo tornou-se presidente da Associação de Pescadores.[26]

Convém ressaltar que, em Salto da Divisa, desde os anos 1970, muitas famílias de pescadores mantiveram atividades extrativas no leito do rio. É o que revela o testemunho de Reinaldo de Oliveira:

Além de pescar, a gente também quebrava brita e catava areia para construção... Ninguém comprava nada, o caminhão ia lá, era uma mixaria, carregava, era baratinha a areia, o pessoal apanhava a sua areia onde queria, do jeito que queria, quem mexia com pedra cortava em qualquer lugar, quem quebrava, de qualquer maneira, inclusive tinha umas mulheres que quebrava brita, e tudo sobrevivia disso.[27]

Por sinal, até hoje, é isto que se observa na comunidade quilombola de Braço Forte, cujas lutas contra a empresa que construiu e opera a UHE de Itapebi, que lhe dificulta continuar pescando e extraindo areia e pedras, foram estudadas por Reginaldo Cordeiro Santos Júnior (2018).

Recapitulando, os pescadores da Bacia do Jequitinhonha eram sujeitos pobres, moradores das barrancas dos rios, especialmente visíveis nas áreas dos núcleos urbanos de Araçuaí, Itinga, Jequitinhonha, Almenara e Salto da Divisa. Empregaram técnicas tradicionais, transmitidas na prática do ofício dos mais velhos aos mais novos, e usaram tralhas de pesca rústicas fabricadas por eles mesmos. Muitos, na verdade, foram camponeses-pescadores, uma vez que combinaram a pequena agricultura de vazante com a pesca artesanal, que se circunscrevia inteiramente na escala local/regional.

O futuro da pesca na bacia do Jequitinhonha

Manuel Juventino dos Santos, pescador de Araçuaí, é incisivo ao dizer que a pesca no rio Jequitinhonha está hoje bastante ameaçada:

A rotina de trabalho tá péssima, ruim, mas ruim mesmo. Pescador aqui, que antes ganhava R$800,00, hoje, se não trabalhar muito, não ganha R$200,00 por mês. O rio satisfazia a gente, antes das duas represas. Fez-se a represa de Itapebi, piorou para nós. Aí veio a outra usina, a de Irapé. Essa foi pior, porque ela matou o pouco peixe que tinha.[28]

Outro pescador de Araçuaí, Ariobaldo Teixeira de Oliveira, possui opinião idêntica a respeito do futuro da pesca na região: “A gente não está na situação de passar fome porque a gente trabalha dia e noite, sábado e domingo, pra conseguir um pouquinho. Do jeito que está indo, nós não temos como continuar com isso não”.[29]

Mais abaixo no curso do rio, o pescador André Avelino, de Almenara, queixa-se das alterações causadas pela UHE de Irapé:

O acordo [sobre o aviso prévio de abertura das comportas] não foi cumprido, o nível sobe e desce de uma hora para a outra e dá para perceber, fica saindo uma água com uma coloração diferente da rede. E a quantidade de peixe diminuiu, e os que têm estão quase todos doentes, com feridas pelo corpo.[30]

Não são mais leves as queixas contra a UHE de Itapebi, pronunciadas pelos pescadores de Salto da Divisa, como revelam as palavras de Ademar Ribeiro de Souza:

A Engevix subestimou a indenização e o número de pescadores de Salto da Divisa. Apenas 42 foram registrados e tiveram direito de receber R$6 mil, além de um barco para cada dois pescadores. A empresa construiu também um espaço para limpeza e armazenamento da pesca. No entanto, assim como a lavanderia, ele está abandonado. Os estudos apresentados pela Engevix afirmaram que não haveria interrupção da pesca com a construção da barragem. Só que agora o peixe acabou.[31]

As falas dos pescadores do Vale do Jequitinhonha apontam diversos fatores que concorrem para esta situação. O pujante garimpo semimecanizado praticado desde os anos 1970 na região do Alto Jequitinhonha é um deles. Seus efeitos vão do assoreamento dos rios ao aumento da turbidez das águas, passando pela destruição das matas ciliares e a contaminação com derramamentos de graxas e óleo diesel, e até com mercúrio (DIAS, 2020; MARTINS, 1997). A poluição provocada pelo despejo in natura dos esgotos urbanos, em todos os corpos d’água da bacia, também contribui para a diminuição da ictiofauna regional, fator cuja relevância aumenta à medida em que avança a urbanização no nordeste mineiro.[32] Outro fator é a crônica presença do desmatamento, cuja intensidade aumentou bastante desde os anos 1970, em razão da destinação de enormes parcelas de terra para a silvicultura, cafeicultura e bovinocultura, atividades incentivadas pelos governos estadual e federal.

A propósito, vale assinalar que, no Médio Jequitinhonha, desde a Primeira Guerra Mundial, o avanço das grandes fazendas de pecuária de corte produziu efeitos nefastos, tanto para as populações como para as águas. Expulsou os agregados e acabou com as matas, afetando a dinâmica hidrológica, secando nascentes e diminuindo as vazões em muitos córregos e rios. Em texto intitulado “O Agricultor”, escrito por J. Duarte (1972, p. 230) em Almenara, no ano de 1950, lê-se que era incessante “a faina destruidora de derrubar mato e plantar capim”, que a queima anual dos pastos tornava o ar quase irrespirável; noutro texto, o autor insistiu que “a erosão, os prejuízos em cercas, a evaporação rápida dos mananciais, o endurecimento do terreno, impermeável como o asfalto, são consequências do fogo que nos empobrece” (DUARTE, 1976, p. 42).

Por isso, no início da década de 1970, o memorialista de Almenara temeu que se repetisse na Amazônia o mesmo que acontecera na sua região:

Aqui, neste vale ex-ubérrimo deste rio ex-portentoso, onde capoeiras e carrascais substituíram as matas povoadas de madeiras preciosas, onde a queima dos pastos sempre se estendeu às matas, graças ao auxílio do colonião invasor, em 50 anos de atividade perniciosa, imprevidente e criminosa, os vândalos exterminaram as florestas e acabaram com as faunas silvestre e fluvial (DUARTE, 1976, p. 45).

Aldemir Silva Pinto, agricultor integrante do Assentamento Dom Luciano (MST – Salto da Divisa), resumiu o persistente processo com acuidade:

Os agregados podiam criar galinha e porcos, mas todos deviam estar aramados, com um arame no focinho para não fuçar o capim. O capim não podia ser tocado. Ai de quem arrancasse um pé de capim. Só capim deveria ficar. (...) Como toda região era mata, os fazendeiros colocavam os trabalhadores para abrir a mata pra frente. (...) Só na fazenda Monte Cristo, que tinha 19 mil hectares, ao longo do rio Piabanha, de um lado e do outro, até a cabeceira, havia 366 famílias que moravam como agregadas. Esse processo foi até acabar com as matas e virar tudo capim. Era a época dos coronéis. (...) Muita gente daqui foi embora para o Pará, porque se ouvia que era fácil conquistar terra lá.[33]

Às pastagens que se dilataram a foice, machado e fogo, juntaram-se recentemente as obras hidráulicas de vulto na missão de “matar o rio”. As grandes barragens construídas a partir dos anos 1990 alteraram o fluxo de rios, erigiram obstáculos que cortaram as correntezas, mudaram a quantidade de oxigênio dissolvido e a amplitude térmica das águas, de maneira que o habitat de muitas espécies de peixes se degradou em diversos trechos desses rios. A má qualidade das águas reduziu as populações de peixes, e os sobreviventes ficaram mais estressados, sujeitos a doenças, e se ferem em pedras, madeiras e raízes submersas, apresentando lesões nos corpos e amputações de parte das nadadeiras.[34]

Parte dos pescadores admite que a sobrepesca possui, historicamente, peso explicativo na atual condição de escassez de peixes. Aceitam as observações de J. Duarte, citadas anteriormente. O memorialista Lindolfo Ernesto Paixão (2004, p. 78), referindo-se à Araçuaí dos anos 1950, escreveu que o rio que banha a cidade era

um rio de poucos peixes e poucos pescadores. Alguns cercavam um trecho do rio com rede, jogavam uma bomba e recolhiam os peixes. Naquela época isto ainda não era crime. Matava o que precisava e o que nem queria. Ignorância muita. Um pouco de ganância também. O rio se despovoando.

Em 1989, um jornal da velha Calhau – Página Um – denunciava a pesca predatória no mesmo rio, nos termos abaixo:

Beiras de rio: paraíso? (...) Nadar e pescar é o que há de melhor nesta época [de 42º C]. A pescaria? Esta é de morrer de rir. Na verdade, são quilos de redes armadas [no Araçuaí], o que configura pescaria indiscriminada e predatória. As reclamações que nos chegam são muitas. Não se pode generalizar, mas a grande maioria dos frequentadores das beiras de rio são inconscientes.[35]

Ademais, é bom acrescentar mais um elemento que fere de morte a pesca artesanal no Jequitinhonha e seus afluentes: o processo de privatização das águas e margens dos rios – que recebe estímulo recente com a formação dos lagos das represas. Encetado por latifundiários, proprietários de sítios de veraneio e pousadas, e por empresas (imobiliárias e dos setores de energia e mineração), a privatização dos rios violenta o modo de vida dos pescadores artesanais do Jequitinhonha. Para eles, os rios são simbolicamente ilimitados e a pesca pressupõe a cultura da liberdade dentro dos rios e nas suas barrancas. Os rios não são uma propriedade (nem mesmo do pescador), mas uma ferramenta, meio de sobrevivência (MALDONADO, 2000). Por conseguinte, os pescadores do Jequitinhonha rejeitam as restrições e demarcações impostas nos rios pelos proprietários fundiários e pelas empresas operadoras de hidronegócios. Noutros termos, a privatização dos rios choca-se com as práticas e os costumes tradicionais dos pescadores do Jequitinhonha, que garantiram, ao longo do tempo, a vida de suas famílias e a própria existência do trabalho que realizam.

O que se nota atualmente é o gradual crescimento da piscicultura na região, aproveitando justamente os reservatórios das barragens surgidas nos rios Araçuaí, Jequitinhonha, Salinas e Setúbal. Desde 2012, a Emater-MG vem estimulando o desenvolvimento dessa atividade em municípios como Araçuaí, Itaobim, Leme do Prado e Salinas.[36] No curto e médio prazos, parece ser este o caminho que levará ao aumento da produção regional de pescado, aproveitando os incentivos já existentes nas políticas públicas desenhadas para a agricultura familiar. Alguns pescadores artesanais poderão se converter em “criadores de peixes”. A maioria, porém, mesmo se quiser (o que é pouco plausível), não terá condições para trilhar essa alternativa.

Há décadas, cada vez mais privados de seus territórios (os trechos dos rios nos quais pescam e as terras ribeirinhas nas quais plantam) e da mobilidade sobre as águas, os pescadores artesanais da porção mineira do Vale do Jequitinhonha, ainda que os peixes voltassem às águas eventualmente recuperadas, veem seu modo de vida irremediavelmente ferido de morte.

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Notas

[1] A expressão Médio Jequitinhonha designa a parte do curso do rio – e as terras mais próximas de ambas as margens – compreendida entre a foz do rio Araçuaí (situada nas proximidades da antiga Boa Vista do Calhau, hoje cidade de Araçuaí) e a cachoeira de Salto Grande (encoberta por represa construída a jusante da cidade de Salto da Divisa).
[2] A pirambeba, peixe nativo do rio São Francisco, teve seu aparecimento na bacia do Jequitinhonha registrado em 2009. Adaptou-se muito bem no reservatório da UHE de Irapé. Não se sabe como ele chegou ao Jequitinhonha, mas já estava lá antes da hidrelétrica entrar em operação.
[3] Ver http://blogdobanu.blogspot.com/2011/06/piranhas-são-encontradas-nos-rios.html. Acesso em: 18/02/2022. No Jequitinhonha, há muitos blogs mantidos e alimentados por jornalistas ou pessoas das elites letradas regionais, os quais funcionam como veículos de imprensa, reunindo notícias municipais, crônicas e memórias dos moradores, fotografias (antigas e recentes) e vídeos de diversos lugares. Alguns são regionalmente bem conhecidos e visitados, como o blog do banu, de Albano Silveira Machado, cidade de Jequitinhonha, e que cobre principalmente o Médio e o Baixo Jequitinhonha.
[4] Reportagem “A vivacidade de um rio”, publicada na edição 114 da Revista Ecológico, 19/12/2018. Disponível em: http://revistaecologico.com.br/revista/edições-anteriores/edição-114/a-vivacidade-de-um-rio/. Acesso em: 09/02/2022.
[5] As zonas “Alto Jequitinhonha” e “Itacambira”, listadas no Anuário, foram reunidas na tabela, uma vez que a área de Itacambira é praticamente toda drenada pelo rio Itacambiruçu e seus tributários, os quais concorrem para as águas do Alto Jequitinhonha.
[6] Depoimento de Jorge Alexandre dos Santos, 57 anos de idade, colhido pelo autor em 17 de maio de 2007.
[7] Na cidade de São Francisco, norte de Minas, o pesquisador Roberto Mendes Ramos Pereira (2015) colheu depoimento do pescador Manuel Ribeiro Pereira, no qual se vê que o pescado, em tempos de fartura no rio, não alcançava preço muito elevado: um quilo de carne de boi equivalia ao preço de dois ou três quilos de surubim (p. 99). Outro depoimento, do pescador Mariano da Silva Júnior, também de São Francisco, reitera o baixo preço do pescado: “Só dava trabalho, né? Ia vender e não dava nada. Aí nos trazia peixe aqui na cidade e vendia. Moço... as coisas naquele tempo era barato demais, num tenho vergonha de contar não!” (p. 94).
[8] Depoimento de Damião Alves dos Santos, pescador, 58 anos de idade, colhido pelo autor em 17 de maio de 2008.
[9] A Companhia da Polícia Florestal do 3º Batalhão de Polícia, sediada em Diamantina, atuava principalmente neste município e em áreas vizinhas no Alto Jequitinhonha, e muito mais contra caçadores ilegais, garimpeiros e fazendeiros que promoviam desmatamentos não autorizados.
[10] As listas nominativas, digitalizadas no sítio do CEDEPLAR/UFMG, trazem informações de 313 localidades mineiras, para 213 (68,1%) das quais há indicações das ocupações/profissões dos integrantes dos fogos. Em 45 localidades (21,1% do total), aparecem caçadores e /ou pescadores. Como se sabe, há muitas lacunas nas listas nominativas, uma vez que é comum não existir registro da ocupação de todos os moradores, especialmente das mulheres e dos escravos; também faltam dados completos sobre a condição de muitos moradores (se livres, forros ou escravos) etc. Uma discussão sobre a natureza, os limites e as possibilidades desse tipo de fonte encontra-se em Botelho (2010, p. 77-99).
[11] Infelizmente, as listas nominativas referentes a localidades como São Romão e Januária, nas margens do Rio São Francisco, e de Pouso Alegre, nas margens do Rio Sapucaí, para ficar em três exemplos de núcleos urbanos para os quais há relatos de viajantes oitocentistas sobre a intensa atividade pesqueira, não têm indicações de ocupações. Isso reduz o tamanho da amostra de pescadores contida nas listas nominativas. Da mesma forma, localidades como Araçuaí, Almenara e Salto da Divisa, no Vale do Jequitinhonha, ainda constituíam minúsculos povoados na década de 1830 e, dessa forma, não há para elas listas nominativas.
[12] Em texto publicado em 1862, o suíço Johann J. von Tschudi, que percorrera o Alto Jequitinhonha em janeiro e fevereiro de 1858, escreveu a respeito da freguesia de Santo Antônio do Itinga, pertencente ao município de Minas Novas, Comarca do Jequitinhonha: “Santo Antônio do Itinga, a cerca de quinze léguas a nordeste de Minas Novas, na margem esquerda do Jequitinhonha. Tem agricultura, pesca e 4 mil habitantes” (HALFELD e TSCHUDI, 1998, p. 151).
[13] Conforme reportagem “A agonia de Salto da Divisa”, de Alice Maciel, publicada na Revista Greenpeace, edição n. 3, 2015. Disponível em: http://revistagreenpeace.org/reportagem-capa/a-agonia-de-salto-da-divisa/. Acesso em: 10/02/2022. O saco de peixe é o comum saco de aninhagem das cargas de sal ou de açúcar de 50 kg, repletos até a boca, correspondendo a cerca de 30-40 kg de peixes.
[14] Ver a matéria “O rio não está para peixe”, de 18/06/2009, publicada no Blog do Banu. Disponível em: https://blogdobanu.blogspot.com/search?q=pescadores. Acesso em: 20/02/2022.
[15] IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Vol. XXV. Rio de Janeiro: IBGE, 1959, p. 361.
[16] Conforme matéria “Usina hidrelétrica de Itapebi é alvo de reclamações no Vale do Jequitinhonha”, publicada em 3 de julho de 2014, no Blog do Banu. Frise que esta estimativa de Ademir Ribeiro de Souza é compatível com as estimativas apresentadas na Tabela 1.
[17] Lapas são pequenas cavidades ou pequenos abrigos subaquáticos formados nas rochas superpostas nas margens ou no fundo do leito do rio.
[18] O jequi é um cesto cônico de taquara, seguro com cipós de uns setenta centímetros de comprimento e preso a estacas.
[19] Zanoni Neves (1998) indicou que a tinguijada era amplamente difundida no Médio São Francisco até meados do século XX.
[20] Conforme Burton (1977, p. 24), a linha douradeira era um bambu furado com uma linha, anzol e minhoca servindo de isca, que era colocado dentro do rio à espera de peixe.
[21] Reportagem “A seca corre pelo vale do Jequitinhonha e Mucuri”, de Luiz Ribeiro, postada em 12/07/2012, no Estado de Minas. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/07/12/interna_gerais,305592/a-seca-corre-pelo-vale-do-jequitinhonha-e-mucuri.shtml. Acesso em: 18/02/2022.
[22] O depoimento, colhido em 2018, foi retirado do trabalho de Venícios Oliveira Alves e Maria Gracinda Carvalho Teixeira (2021, p. 701).
[23] Referindo-se aos indígenas de Minas Gerais em 1818, Spix e Martius escreveram: “O uso dos anzóis era desconhecido desses índios, antes da imigração portuguesa; eles apanhavam peixe matando-o a flechas, ou com compridos arpões” (SPIX; MARTIUS, 1981, p. 238).
[24] Sobre a agricultura de vazante tradicionalmente praticada pelos ribeirinhos no Vale do Jequitinhonha, ver o trabalho de Andréa Zhouri et al. (2011). Nas vazantes (terras inundáveis), durante a estiagem, plantavam-se hortas, ao passo que os tabuleiros (áreas próximas às margens dos rios, um pouco mais altas e capazes de conservar umidade) eram o espaço das roças de mantimentos.
[25] Depoimento de Chico Canoeiro, pescador e barqueiro, 52 anos de idade, colhido pelo autor na cidade de Jequitinhonha no dia 08/01/2007.
[26] Depoimento de Florisvaldo Antônio Nascimento, 57 anos de idade, colhido em Salto da Divisa pelo autor em 17 de maio de 2007.
[27] Depoimento de Reinaldo de Oliveira, 61 anos, colhido em Salto da Divisa pelo autor em 18 de maio de 2007.
[28] Ver nota 13.
[29] Ver nota 13.
[30] Cf. reportagem “Cheias no rio Jequitinhonha destroem produções e dificultam pesca das famílias ribeirinhas”, datada de 24/07/2020. Disponível em: https://mab.org.br/2020/07/24. Acesso em: 09/02/2022.
[31] Reportagem “A agonia de Salto da Divisa, de Alice Maciel, publicada na Revista Greenpeace, edição n. 3, 2015. Disponível em: https://revistagreenpeace.org/reportagem-capa/a-agonia-de-salto-da-divisa/. Acesso em: 10/02/2022.
[32] Ver reportagem de Gustavo Werneck e Mateus Parreiras, na edição do Estado de Minas de 28/03/2014. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/03/28/interna_gerais,512728/indice-de-qualidade-das-aguas-sobe-em-minas-mas-despejo-de-esgoto-ainda-e-alto.shtml. Acesso em: 22/02/2022.
[33] Ver artigo de Gilvander Moreira, “Minerar no Parque Alto Cariri deixará Salto da Divisa sem água”, publicado no Portal EcoDebate, em 17/03/2020. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2020/03/19/baixo-jequitinhonha-mg-minerar-no-parque-alto-cariri-deixara-salto-da-divisa-sem-agua-artigo-de-gilvander-moreira/. Acesso em: 22/02/2022.
[35] Jornal Página Um, n. 04, outubro 1989. Acervo Casa de Cultura de Araçuaí, MG.
[36] Ver, por exemplo, a notícia do Portal G37, “Piscicultura é fonte de renda para agricultores familiares do Vale do Jequitinhonha”, publicada em 07/01/2016. Disponível em: https://g37.com.br/c/estadual/piscicultura-e-fonte-de-renda-pra-agricultores-familiares-do-vale-do-jequitinhonha. Acesso em: 22/02/2022.

Autor notes

i Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do curso de História e do Mestrado em Estudos Rurais da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Coordenador do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos das Sociedades Agrárias (NESA). E-mail: lobatohistoria@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0044-8214. Este trabalho é resultado parcial do projeto de pesquisa “Relações das populações com as águas no Vale do Jequitinhonha (MG): uma perspectiva histórica e ambiental de longa duração”, desenvolvido pelo NESA (Núcleo de Estudos das Sociedades Agrárias), grupo de pesquisa vinculado ao Mestrado em Estudos Rurais da UFVJM, Campus Diamantina.

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