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Resenha do livro "História dos feminismos na América Latina"
Caminhos da História, vol. 28, núm. 2, pp. 179-182, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 2, 2023

Recepção: 29 Maio 2023

Aprovação: 30 Junho 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

BARRANCOS Dora. História dos feminismos na América Latina. 2022. Rio de Janeiro. Bazar do Tempo. 288pp.

Palavras chave: História, Feminismos, América Latina

Quando se fala sobre feminismos, a partir do Brasil, quais os principais referenciais? Ainda que possamos afirmar a existência de uma trajetória específica destes movimentos no país, é ainda comum que os marcos principais recorram a acontecimentos e experiências que se passaram nos Estados Unidos e na Europa, especialmente os que tiveram visibilidade na década de 1960. Mesmo quando o recorte é a produção escrita, seja ela acadêmica ou não, também há predominância de textos produzidos por autoras do norte global, tais como os famosos “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir, e “Um teto todo seu”, de Virgínia Woolf. Daí a pergunta que aqui nos conduz: o que sabemos sobre os feminismos e as feministas da América Latina?

Para iniciar esta reflexão, é importante ressaltar que a própria noção de América Latina apresenta complexidade que vai além de um recorte geográfico ou mesmo de um passado colonial comum. Trata-se de um acúmulo de significados que possuem historicidade e, ao mesmo tempo que aponta para convergências, expõe particularidades regionais e nacionais. Tal amplitude de perspectivas torna desafiadoras quaisquer investidas que busquem dar conta do todo latino-americano, seja qual for o assunto tratado. É preciso ousadia e muito trabalho!

Dora Barrancos reuniu tais prerrogativas e lançou, em 2022, o livro “História dos Feminismos na América Latina”, publicado pela Editora Bazar do Tempo. Para compreender o resultado do trabalho, é preciso conhecer o papel que sua autora representa no contexto da produção intelectual, de história das mulheres e dos feminismos. Nascida em 1940 na Argentina, teve parte de sua trajetória intelectual e pessoal vivida no Brasil, onde cursou mestrado na UFMG e doutorado na Unicamp.

Embora inicialmente não tenha se dedicado aos estudos sobre mulheres e gênero, este tem sido objeto de seus estudos nas últimas décadas, como atestam importantes trabalhos realizados em parceria com autoras latino-americanas e espanholas. Este é o caso de Historia de las mujeres en España y America Latina, obra em quatro volumes organizada por Isabel Morant, publicada em 2005/2006, em que participou como coordenadora dos volumes III e IV com Asunción Lavrin, Guadalupe Gómez-Ferrer e Gabriela Cano.

Foi também responsável pela conferência de abertura do evento Colóquio Internacional Mujeres e Historia: Diálogos entre España y América Latina, organizado pela Asociación Española de História de América Latina, ocorrido em Bilbao em 2010. Sua fala foi publicada como primeiro capítulo do livro Entre dos orillas. Las mujeres en la historia de España y América Latina, organizado por Pilar Pérez-Fuentes Hernández. Trata-se de um dos poucos ensaios historiográficos existentes sobre o tema da história das mulheres e de gênero na América Latina, no qual faz um levantamento de nomes significativos, além da produção de diferentes blocos de países latino-americanos.

É possível ver, já naquele momento, a preocupação em realizar um projeto que contemplasse de forma ampla a história das mulheres na América Latina, aspecto central na sua mais recente publicação. O livro História dos Feminismos na América Latina, traduzido por Michelle Strzoda, tem como ponto de partida uma introdução que procura trazer um panorama sobre o tema desde suas figuras precursoras até o momento atual. O corpo do estudo, por sua vez, é organizado em três partes: as duas primeiras se ocupam dos diferentes países da região, enquanto a terceira e última se voltam para os aspectos contemporâneos dos movimentos organizados por mulheres.

A Introdução, intitulada Das primeiras chamas ao amadurecimento do movimento feminista, é dividida em sete tópicos e aborda de forma geral a trajetória do feminismo ao longo do tempo, ainda sem um recorte geográfico nítido. Não sendo o objeto do estudo apresentado, oferece de forma bastante didática as referências mais conhecidas sobre figuras importantes e acontecimentos de destaque, que teriam oferecido as condições para o desenvolvimento do que veio a ser reconhecido como movimento feminista.

Feitas essas considerações preliminares, o tema do livro é anunciado na Primeira Parte: Feminismos no México, na América Central e no Caribe, ao longo da qual são tratadas de forma particular as trajetórias dos feminismos no México, na Guatemala, em El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Cuba e Costa Rica. Ainda que haja um esforço para contemplar o maior recorte temporal possível, é a partir do século XIX, especialmente com os ímpetos dos processos de independência, que surgem mais informações sobre a participação das mulheres em diferentes âmbitos da vida política e cotidiana, lidando com demandas que dizem respeito de forma mais evidente às mulheres.

A Segunda Parte é centrada nos Feminismos na América do Sul, onde são tratados os casos de Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Paraguai, Brasil, Uruguai e Argentina. Além de seguir o mesmo modelo da parte inicial, é possível verificar algum equilíbrio entre os capítulos, embora fique evidente que a quantidade de informações sobre cada país varia, sugerindo distinções na facilidade de acesso a documentos e fontes para a pesquisa.

Ainda que a proposta gire em torno de uma apresentação individual acerca dos países da região, em muitos momentos acompanhamos pontos de convergência, em que representantes de diferentes nações se encontram em eventos relacionados às questões das mulheres, ou mesmo situações em que iniciativas internacionais evocam tais encontros. Já no início do século XX, é possível identificar mobilizações transnacionais entre mulheres latino-americanas, como é o caso da Liga Internacional de Mulheres Ibéricas e Hispano-Americanas, fundada em 1922. No mesmo ano, diversas mulheres de países da América do Sul, Central e Caribe participaram da Conferência de Baltimore, a qual teria impulsionado iniciativas que a sucederam. Para citar alguns exemplos temos: no México o Congresso da Liga Pan-Americana de Mulheres, realizado em 1923; no mesmo ano acontece o Primeiro Congresso Feminista Nacional no Panamá e o Primeiro Congresso Nacional de Mulheres em Cuba; na Guatemala, tem-se a fundação da Sociedade Gabriela Mistral, em 1925. Neste país, ainda é relevante o fato de ter sido o primeiro a sancionar o voto vincular, no ano de 1894. Estes são apenas alguns dos elementos que reforçam que a articulação de mulheres no continente americano, sobretudo na América Latina, se dá de forma paralela a outras partes do mundo, inclusive, em diálogo com seus movimentos de mulheres.

Por fim, a Terceira Parte apresenta os ativismos mais recentes na região. Começando com o “#NiUnaMenos” e a campanha nacional pelo aborto na Argentina, é seguido pelo “Maio feminista” no Chile, a mobilização de mulheres na Colômbia, o movimento “Ele Não” no Brasil, os feminismos de “tons nativos”, finalizando com uma reflexão acerca das ações denominadas “ideologia de gênero”. Trata-se de um retrato feito praticamente em tempo real das ações feministas em andamento, o que explica em alguma medida seu aspecto “incompleto”, ou seja, diferente das duas primeiras partes, não há uma abordagem particularizada ou totalizante, mas a tentativa de ressoar as principais características dos feminismos na atualidade.

O livro ainda traz algo muito precioso, principalmente para quem estuda o tema. As notas bibliográficas são organizadas por país, indicando as principais referências e publicações que serviram de base para o trabalho que resultou no livro. Desta forma, permite visualizar um panorama interessante dos temas mais tratados, bem como dos autores que mais se destacam nesta área de conhecimento. Por se tratar de uma perspectiva abarcadora, a obra não aprofunda temas específicos ou dispensa tratamento extenso aos materiais que serviram de mote para o estudo. No entanto, tem papel fundamental no reconhecimento da existência de um vigoroso movimento feminista na região, procurando dar conta de sua historicidade e atualidade.

A leitura de História dos Feminismos na América Latina desloca o eixo que centraliza Estados Unidos e Europa como os espaços precursores ou principais quando o assunto é o movimento de mulheres. A partir de diferentes fontes demonstra que ações protagonizadas por mulheres com teor feminista tiveram espaço, em muitos casos concomitantemente, também na América Latina. Ao mapear essa ampla região, nos conduz, país a país, do México ao extremo sul do continente, descortinando feições e feitos que tiveram a liderança de mulheres e constituíram o robusto movimento feminista latino-americano.

Autor notes

i Doutora em História pela USP. Coordenadora do Núcleo de Estudos de História Oral (NEHO-USP) e co-coordenadora do Grupo de Pesquisa em Gênero e História da USP (GRUPEG-HIST). Diretora executiva do Podcast “Segundas Feministas”, do GT de Gênero da ANPUH Brasil. E-mail: edmfe@usp.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0413-6231.

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