Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


MULHERES ARGENTINAS NA POLÍTICA: PROTAGONISMO E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS OLHARES DE DORA BARRANCOS E FERNANDA GIL LOZANO
MUJERES ARGENTINAS EN LA POLÍTICA: PROTAGONISMO Y VIOLENCIA DE GÉNERO EN LAS MIRADAS DE DORA BARRANCOS Y FERNANDA GIL LOZANO
ARGENTINE WOMEN IN POLITICS: PROTAGONISM AND GENDER VIOLENCE IN THE LOOKS OF DORA BARRANCOS AND FERNANDA GIL LOZANO
Caminhos da História, vol. 28, núm. 2, pp. 162-178, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 2, 2023

Recepção: 28 Maio 2023

Aprovação: 29 Junho 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Com base nas entrevistas realizadas com duas feministas que têm suas trajetórias envolvidas, ao mesmo tempo, com a academia e com a política institucional, buscamos traçar uma cartografia de mulheres argentinas que estiveram e estão dentro do campo político, que abrange desde a militância feminista até as candidaturas e os mandatos para cargos públicos, passando pelo vínculo com partidos políticos. No momento em que este artigo é escrito, Dora Barrancos é assessora direta do presidente da Argentina, Alberto Fernández, e já foi candidata a senadora. Fernanda Gil Lozano é diretora do Centro Internacional para a Promoção de Direitos Humanos da UNESCO no país, e já foi deputada federal. As visões amplas e as experiências políticas dessas mulheres, ao serem narradas, abrem possibilidades de reflexão sobre a conformação do campo político argentino em termos de gênero e raça, a partir de suas percepções sobre as mulheres políticas nas arenas compostas pela esquerda, mas também pela direita argentina. Quais são os lugares dessas mulheres nos seus partidos políticos? São elas apoiadas, instrumentalizadas ou invisibilizadas no sistema argentino de listas fechadas de candidatos? Estas são algumas questões sobre as quais queremos refletir.

Palavras-chave: Mulheres políticas, Argentina, História das mulheres, Protagonismo, Violência política de gênero.

Resumen: A partir de entrevistas a dos feministas que tienen sus trayectorias involucradas, a la vez, en la academia y la política institucional, buscamos trazar una cartografía de las mujeres argentinas que han estado y están dentro del campo político, que va desde la militancia feminista hasta las candidaturas y mandatos para cargos públicos, incluidos los vínculos con los partidos políticos. Al momento de escribir este artículo, Dora Barrancos es asesora directa del presidente de Argentina, Alberto Fernández, y ex candidata a senadora. Fernanda Gil Lozano es directora del Centro Internacional para la Promoción de los Derechos Humanos de la UNESCO en el país, y ha sido diputada federal. Las amplias miradas y experiencias políticas de estas mujeres, al ser narradas, abren posibilidades de reflexión sobre la conformación del campo político argentino en términos de género y raza, a partir de sus percepciones sobre las mujeres políticas en los espacios compuestos por la izquierda, pero también por la derecha argentina. ¿Cuáles son los lugares de estas mujeres en sus partidos políticos? ¿Se apoyan, instrumentalizan o invisibilizan a ellas en el sistema argentino de listas cerradas de candidatos? Estas son algunas preguntas sobre las que queremos reflexionar.

Palabras clave: Mujeres políticas, Argentina, Historia de las mujeres, Protagonismo, Violencia política de género.

Abstract: Based on interviews with two feminists who have their trajectories involved, at the same time, with academia and institutional politics, we seek to draw a cartography of Argentine women who have been and are within the political field, which ranges from feminist militancy to candidacies and mandates for public office, including links with political parties. At the momento of this writing, Dora Barrancos is a direct adviser to the President of Argentina, Alberto Fernández, and is a former senator candidate. Fernanda Gil Lozano is director of the UNESCO International Center for the Promotion of Human Rights in that country and has been a federal deputy. The broad views and political experiences of these women, when narrated, open up possibilities for reflection on the conformation of the Argentine political field in terms of gender and race, based on their perceptions of politician women in the arenas composed by the left, but also by the Argentine right. What are the places of these women in their political parties? Are they supported, instrumentalized or made invisible in the Argentine system of closed lists of candidates? These are some questions we want to reflect on.

Keywords: Political women, Argentina, Women's history, Protagonism, Gender political violence.

Mulheres politizadas: uma herança passada por gerações

Para iniciar uma cartografia de mulheres argentinas na política, começaremos com a fala recente de Dora Barrancos, em entrevista realizada no dia 8 de dezembro de 2022[1], na cidade de Buenos Aires, quando ela argumenta sobre as origens dessa relação entre as mulheres argentinas e a política institucional.

Na verdade, eu sempre sustentei e escrevi, enfim, que a Argentina tem uma particularidade de expressão de mulheres politizadas. Poderíamos fazer algumas comparações, por aí, mesmo com o Brasil. O que eu entendo como mulheres politizadas quer dizer que são mulheres que, de alguma maneira, fazem uma manifestação política expressa a respeito de interpretações sobre seu contexto de existência, sobre o que lhes ocorre vitalmente. Ainda que, no passado, não tenham tido cidadania. Provavelmente isso vem de uma ampla herança hispânica, porque na Espanha também as mulheres têm tido algumas maneiras de se expressar, mesmo que sem cidadania. Algumas maneiras de influenciar, enfim, de agitar, de estabelecer algum tipo de vínculo, desde já, com a política, não apenas com o político. Vou dizer por quê. O político é tudo, o político é a malha relacional humana, não há nenhuma malha relacional que não seja, que não esteja vinculada, que não possamos significá-la politicamente. Agora, desde o ponto de vista da partidarização, aí estamos falando de “a política”, no sentido preciso de tomar partido por uma força política. (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Dora explica que é bastante comum encontrar mulheres de alta politização na Argentina do século XIX ao XX. Já na virada para o século XX, a criação do Partido Socialista na Argentina abriu espaço próprio para as mulheres e para a causa feminista, que termina politizando-as. Nos anos 1930, em meio à crise, estavam nas campanhas contra a elevação dos preços, por exemplo. (VEIGA; BARRANCOS. 2022).

A relevância política das mulheres foi reforçada pelo peronismo em meados do século XX, quando o governo de Juán Domingo Perón determinava 25% do espaço político argentino para elas, o que foi ignorado pelos governos ditatoriais que vieram depois. Porém, junto a esse protagonismo que emerge das mulheres na política, ganha forma e se reitera um forte elemento antagônico – a violência política de gênero. É esse contraste entre protagonismo e violência de gênero que pretendemos destacar, seguindo as falas das duas entrevistadas, que traçam um panorama sobre a temática mulheres na política, a partir de suas vivências e lembranças.

Fernanda Gil Lozano foi entrevistada em Buenos Aires em 9 de dezembro de 2022[2]; atualmente ela é diretora do Centro Internacional para a Promoção de Direitos Humanos, da UNESCO[3]. Ao buscar uma relação entre presente e passado das mulheres políticas no século XX, Fernanda faz uma breve comparação entre Cristina Kirchner, atual vice-presidente, que cumpriu dois mandatos no cargo máximo da nação argentina entre 2007 e 2015, e Eva Perón – mulher que protagonizou a política peronista a partir dos anos 1940. “[...] ela [Cristina] é uma mulher que é uma grande estadista, com um grande caráter e que a estão fazendo pagar, porque não lhe dão um respiro. E a criticam, desde dizerem que é uma ‘égua’ até desejarem o câncer, como fizeram em seu momento, com Eva Perón. Criticam tudo nela!” (VEIGA; GIL LOZANO, 2023). Neste ponto, percebemos como se manifesta a violência política de gênero de maneira contundente, visando desestabilizar emocional e politicamente essas mulheres que se dedicaram e dedicam à vida pública. Voltaremos a Cristina Kirchner mais adiante, como o exemplo mais marcado na atualidade desse contraste entre protagonismo político e violência política de gênero.

Para Dora Barrancos, Eva Perón aparece, em meados do século XX, como figura excepcional na arena política argentina[4]. Evita daria uma guinada no que seria o aspecto massivo da politização das mulheres, que já havia passado, no início do século, pela descoberta da causa feminista e do espaço no Partido Socialista. Mas é decisiva a passagem dos anos 1940 com o protagonismo de Evita, uma figura excepcional em toda a América Latina. Lembrando que Juán Domingo Perón assumiu a presidência de 1946 a 1955 (ano do golpe contra ele) tendo Eva como primeira-dama. Embora não possa ser considerada feminista, Eva Perón buscava direitos para as mulheres, e isso é incontestável, de acordo com Dora Barrancos. “A Fundação Eva Perón tem dois temas fundamentais: a gravidez e as mulheres.” Além disso, há a criação do Partido Peronista Femenino, da chamada “rama feminina”. Acontece uma tomada de partidarização, com a criação de espaços e uma mobilização importante de mulheres. (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Como já foi sinalizado nas palavras de Fernanda Gil Lozano, os paralelos entre Eva Perón e a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner ganharam espaço na cena política do final dos anos 2000, quando em 2007 Cristina assumiu o poder. Sobre haver semelhanças entre essas duas mulheres, Dora Barrancos argumenta:

Sim e não. Eu diria que para certa gente “memoriosa”, que transitou, que esteve muito perto da militância dos anos 60 e 70, pode haver evocações de um paralelo homologável, mas elas são completamente diferentes, primeiro os contextos e as personalidades, muito diferentes. Digamos que toda a autonomia que teve Evita, de todas as maneiras, estava ainda em uma circunstância de não desenvolvimento completo, nem de uma política feminista à altura do que hoje temos, nem sequer de una organização teórica a respeito de por qual motivo Eva estava completamente subsumível dentro da figura do marido. Mas, evidentemente, é uma figura que não pode ser vista sem a figura de Perón. Ao contrário, Cristina Fernández pode ser vista com independência da figura de seu marido, entende? (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Ou seja, no entendimento de Dora, embora Eva Perón tenha sido a mulher mais carismática de seu tempo e tenha promovido uma abertura de espaço para as mulheres na política, dos anos 1940 e início dos 1950 (faleceu em 1952), ela ainda se movia à sombra da figura nacional que foi o marido, Juan Domingo Perón, derrubado em um golpe militar de Estado em 1955. A existência de um pai, marido, irmão ou um familiar político tem sido, em muitos países, o trampolim para mulheres se aventurarem na política institucional, concorrendo a cargos públicos eletivos, muitas vezes cumprindo mandatos nos mais diversos níveis políticos[5]. A figura de Evita se tornou um símbolo daquele país, sendo cultuada até os dias atuais.

A última ditadura e a redemocratização como marcos para as mulheres políticas

Um outro momento marcante para a história das mulheres argentinas na política é o começo dos anos 1970, que traz a criação de grupos feministas na Argentina, como a Unión Feminista Argentina - UFA (1970-1976). Houve também uma nova ascensão ao poder de Juan Perón em 1973, sendo que ele morre em 1974 e é substituído na presidência por sua então esposa María Estela Martínez de Perón (conhecida como Isabelita Perón), no momento anterior ao último golpe militar argentino, em 1976. Com o terror de Estado propagado pela ditadura, os grupos feministas tenderam a se retrair e houve uma desarticulação generalizada, sob a ameaça das prisões, torturas e dos “desaparecimentos”.

Dos anos 1970 e 1980, Fernanda Gil Lozano menciona algumas feministas militantes de esquerda, entre elas Dora Barrancos, Diana Maffía, Nina Burgo, Ana Migueles e Sarita Torres – sobre esta última, destacada como parte de um “feminismo popular” e de ação, comenta: “uma mulher que sempre trabalhou desde os anos 1970, que eu me lembro bem, agora está muito idosa” (VEIGA; GIL LOZANO, 2022). Com essas lembranças, Fernanda discorre sobre as “ancestrais” (“ancestras”) do feminismo argentino, mencionando também o grupo ATEM 25 de Noviembre, com Maggie Bellotti e Marta Fontella, “[...] que são mulheres que têm formado, há décadas, a todas nós; assim que sou muito agradecida a todas essas mulheres que me formaram” (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

Com esta fala de Fernanda, percebemos que a história do feminismo na Argentina é análoga a um longo caminho a ser percorrido. A própria Fernanda Gil Lozano é hoje uma referência de mulher política. Como Dora Barrancos, foi professora na Universidade de Buenos Aires, até chegar à carreira política, como deputada federal. Mas não sem passar por alguma “turbulência” ideológica. Na arena política, por vezes ocorrem migrações de um campo a outro. O mais frequente é que sejam encontradas mulheres que já se identificaram com a esquerda e que acabaram migrando para setores de direita, sendo que o contrário é mais raro. Aqui, já estamos nos referindo ao período que começa com a redemocratização e que acompanha a ampliação do arco de mulheres na política, a partir dos anos 2000, principalmente.

A própria Fernanda Gil Lozano viveu uma experiência muito próxima ao campo reacionário, da direita ou extrema direita, quando foi convidada a participar de uma lista[6], como candidata – depois eleita deputada –, por Elisa Carrió, uma das mulheres mais conhecidas e polêmicas na arena política argentina. Foi participando das marchas pelo tema dos Direitos Humanos que as duas se aproximaram.

Conheci a Elisa Carrió, que nesse momento era de esquerda. E num dado momento ela me perguntou: “Fernanda, quero colocar você em uma lista.” E eu me surpreendi, porque a verdade é que eu trabalhava dando aulas na Universidade [de Buenos Aires], certamente, mas também em um instituto de política que tinha naquele momento da Coalición Cívica, que era o Instituto Hannah Arendt; estava com Diana Maffía, estava também Marta Maffei. E, bem, para mim foi uma surpresa, mas eu disse a ela que sim, como não? E aí comecei a ser deputada, de 2007 a 2011 fui deputada nacional (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

A partir daí os problemas com Elisa Carrió começaram a aparecer. De acordo com Fernanda, Carrió era muito católica e não se posicionava a favor do aborto (legal), que era uma das pautas feministas, no sentido de garantir saúde às mulheres que precisassem apelar a esse recurso. Quanto à deputada nacional Fernanda Gil Lozano, ela foi a primeira a colocar sua assinatura no projeto pioneiro, apresentado entre os anos 2008 e 2009, que foi intitulado Campanha Nacional pelo Aborto seguro, legal e gratuito. Quando vieram as propostas de lei, “[...] fui a primeira que coloquei lá a assinatura, porque nesses momentos ninguém queria assinar o projeto. E isso me trouxe muitos conflitos no interior da força política” (VEIGA; GIL LOZANO, 2022). A lei 27.610, aprovada em dezembro de 2020, autoriza gestantes a abortarem até a 14ª semana da gestação, sem que necessitem explicar os motivos. Este é um resultado das décadas de luta feminista, das quais Fernanda e Dora também são protagonistas. Destaque-se ainda que, com a aprovação dessa lei, a Argentina se tornou o país do Cone Sul com a melhor legislação a esse respeito.[7]

Mas, voltando a Elisa Carrió, essa mulher política havia apenas iniciado uma virada em direção às posições mais conservadoras. Na visão de Dora Barrancos, Carrió é uma figura política particularmente “patética”, por ter sido uma mulher de centro-esquerda que passou para a direita, alcançando uma grande projeção no cenário político. Ela seria tão perigosa, nesse sentido, quanto María Eugénia Vidal – “figura temível”, segundo Dora, que foi uma governadora de direita da Província de Buenos Aires – e Patricia Bullrich – ainda de acordo com Dora, uma das principais figuras da política reacionária na Argentina. “[...] em sua juventude, foi todo o contrário do que é hoje. Em sua juventude foi guerrilheira, e hoje se converteu em uma figura de extrema direita”. (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

O protagonismo de mulheres conservadoras tem levantado questões no âmbito das discussões sobre a pauta feminista de reivindicar mais mulheres no poder. A lei de cotas, a busca por paridade, tem sido tradicionalmente uma pauta de esquerda. O que se observa, entretanto, é que ao lado do protagonismo de mulheres de esquerda, a emergência de lideranças com perfil conservador que tem ganhado espaço na política em âmbito internacional. Esta emergência tem trazido para as discussões a questão da política de presença e a política de ideias, ou seja, bastaria ter mais mulheres nos espaços de poder? Quais mulheres?[8]

Fernanda Gil Lozano endossa a posição de Dora Barrancos e se aproxima de suas reflexões quando o assunto é mulheres políticas de direita. Sobre essas personagens, pondera: “Não compartilho de nenhuma de suas ideias, mas hoje o peso das mulheres é enorme. Acredito que a Lei de Cotas, depois de passar para um sistema de paridade, formatou muito [isso]. Tem toda uma leva de mulheres muito importantes, fortes, com convicções.” (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

Isso nos leva de volta às divergências com Elisa Carrió. Fernanda dá como exemplo a questão do Matrimônio Igualitário[9] – que ela própria defendeu –, assim como os debates sobre a Identidade de Gênero. Ela e Carrió passaram a antagonizar pontos de vista e posições políticas, sendo que Fernanda, para seu alívio, teve seu nome retirado da lista seguinte da Coalición Cívica.

Ao mesmo tempo, o partido em que eu estava [Coalición Cívica], em 2015 fez alianças com setores muito conservadores da Argentina, e a verdade é que aí eu ia para minha casa, porque disse: Bem, uma linda experiência, “fechamos a loja!” Foi aí que Sergio Massa, uma das referências nacionais, me chamou, e eu comecei a me aproximar do peronismo. (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

Fernanda explica que a Coalición Cívica, com as alianças que fez, ia se aproximando cada vez mais de Mauricio Macri – ex-presidente argentino do campo da direita, ainda candidato à época. Ela se desligou do partido quando a frente, assumidamente de direita, estava prestes a ganhar as eleições. “Eu peguei e disse a todos: Boa tarde, muito prazer, não tenho nada a ver com isso. E fui embora.” (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

Na aproximação com o peronismo – lembrando que Fernanda Gil Lozano era originariamente do grupo de mulheres políticas trotskistas –, acabou se inserindo no grupo de Alberto Fernández, que ainda estava longe de ser visto como possível candidato à presidência da Argentina, mas que já se destacava como forte liderança política. Fernanda viu nele uma pessoa com grande sensibilidade no que dizia respeito às desigualdades de gênero, alguém com quem era confortável trabalhar.

Quanto às mulheres na política, ela entende que há muitas que respondem aos partidos, às lógicas partidárias e não a determinado setor, como o feminismo, por exemplo. Ainda assim, percebe que, quando há mulheres em qualquer instância política, as mudanças aparecem, principalmente nas políticas públicas. Não importa se têm consciência feminista, mas há uma visão mais holística, um olhar mais complexo (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

Dora Barrancos observa que muitas mulheres que fizeram carreira política, depois de um tempo determinado, desapareciam desse cenário.

[...] o notável é que antes havia uma curva, muito expressiva, se você seguisse uma biografia de uma mulher na política, ela cumpria um certo ciclo e logo se retirava. Mas agora o que vemos é que há carreiras políticas, quer dizer que há uma certa estabilidade de carreira na política de uma mulher. Elas não saem totalmente daquilo que forja a construção política. (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Muitas vezes, essa permanência na carreira política é facilitada para as mulheres filiadas aos partidos de direita, incluindo apoio financeiro. Isso significa que haver mulheres na carreira política não revela qualquer comprometimento com o feminismo nem com as pautas específicas das mulheres. Sobre financiamento, Dora Barrancos informa que não conseguiu se eleger senadora, quando foi candidata, por falta de apoio financeiro, já que mulheres geralmente não são priorizadas. O mesmo aconteceu com Fernanda Gil Lozano, que não conseguiu se reeleger por não ter tido mais apoio financeiro. A questão da dificuldade com financiamento para eleição de mulheres é comum em diversos países. Há um esforço por criar leis que obriguem os partidos a apoiar financeiramente candidaturas de mulheres, mas estas raramente são cumpridas. Grande parte das candidatas diz que usa seus próprios recursos ou de familiares para as eleições. Este problema limita muito a eleição de mulheres de camadas populares.[10]

No caso das mulheres de direita, estas sim recebendo financiamento de campanha, Dora demonstra cautela ao querer vê-las longe do campo feminista de lutas e conquistas.

Certamente que não se dizem feministas. Menos mal, agradecemos muito isso, porque, na realidade, existem programas antifeministas. No passado, não me canso de dizer isso cada vez que eu falo, no passado você encontrava figuras reacionárias, conservadoras, contra feministas, homofóbicas, lesbofóbicas, transfóbicas. Eram [posições] pessoais. Uma estrutura de personalidade, reacionária e conservadora. A novidade é que estamos transitando, é que essas extremas direitas têm feito programas anti-direitos. Anti-direitos das mulheres, anti-direitos das dissidências. (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

É notável como as mulheres de direita têm se utilizado de algumas pautas identificadas como feministas e se apropriam de um certo discurso feminista em favor da ideologia de direita e dos partidos políticos conservadores. A associação entre feminismo e mulheres políticas de direita pode ser usada como estratégia esvaziadora do movimento, já que grande parte das mulheres políticas que se dizem feministas vem do campo da esquerda, se considerarmos as trajetórias políticas mais destacadas, como as das próprias entrevistadas para este artigo.

Certamente, algumas mulheres de direita fazem parte da história do feminismo, na Argentina e em outros países do Cone Sul. No caso argentino, é emblemático o exemplo, nos anos 1970 e 1980, de María Elena Oddone – esposa de militar e uma das fundadoras do Movimiento de Liberación Femenina (MLF), em 1972, que em 1974 começou a editar o periódico Persona, que contou com uma fase anterior ao regime militar e outra posterior a ele. (VEIGA, 2009, p. 48). Porém, as mulheres políticas de direita na atualidade apresentam pautas bastante distintas, reforçando a política patriarcal, fundada em valores religiosos e morais, como é o caso da já mencionada Elisa Carrió.

Sobre a discussão colocada acima, Dora Barrancos argumenta que, mesmo havendo uma notável presença de mulheres na política, não necessariamente há uma grande presença feminista. Ainda assim, percebe, de modo otimista, que na última década houve uma espécie de “derrame feminista” de grande magnitude. “[...] eu diria que não há mulheres que tenham desempenho na arena política que não tenha aderido, de alguma maneira, a algum princípio feminista” (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Dora entende que a causa feminista é um dos elementos que politiza as mulheres.

[...] derrotada a ditadura, a feroz ditadura, há uma emergência de enorme politização, desde logo, uma mobilização de muitas mulheres, sobretudo um reavivamento das causas feministas, desde já, mas ao mesmo tempo algumas plataformas comuns com todas as mulheres políticas, de conseguir, obter, em 1991, a primeira Lei de Cotas. Trinta por cento [de mulheres nas listas eleitorais[11]]. (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

A relevância política das mulheres, já presente no peronismo em meados do século XX, quando o governo Perón determinou os já mencionados 25% do espaço político argentino para elas, foi ignorada pelos governos ditatoriais, mas retomada nos anos de redemocratização. Isso resultou em instrumentos legais, com a Ley de Cupos (Lei de Cotas) e a Lei de Paridade. Fernanda Gil Lozano faz parte dessa história de conquista, atuando como deputada, portanto, de dentro da política institucional. Esteve também envolvida com outras lutas políticas relacionadas a temáticas de gênero.

Impulsionei todas as leis que pude, trabalhei, e muito, para reformar a Ley de Trata (tráfico de pessoas, especificamente mulheres). [...] Trabalhei muito. sabe onde depois? Em 2015 entrei como Parlamentar do Mercosur, fui Deputada Regional por 6 anos, então isso também me deu um background, um conhecimento regional muito importante, e também, digamos, um ambiente, no Parlasur. É engraçado, mas as mulheres não chegaram nem aos 15%. Ou seja, aí está a questão das cotas… é uma pressão forte.

[...]

[...] a questão do Matrimônio Igualitário, era falar da homossexualidade, mas também era falar de um monte de coisas, isso foi uma porta que abriu perspectivas de discussão que antes eram insuspeitáveis. Então eu creio que o Matrimônio Igualitário foi o que, de alguma maneira, condicionou o caminho para a Ley de Identidad de Género, que também era algo que não se queria discutir. E isso foi sendo armado, digamos, mas é luta pura! Digamos, nada saiu com [batatas] fritas. Isso foi uma insistência permanente dos movimentos sociais. Na Argentina, os movimentos sociais impõem agendas à política. (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

As palavras de Fernanda Gil Lozano vão para além das suas próprias memórias; elas trazem a perspectiva coletiva da realização de projetos que são apresentados e acompanhados ao longo de décadas de lutas e reivindicações por parte das mulheres em sua militância política e partidária. Na história das mulheres na Argentina podemos buscar ações de mobilização social desde as trotskistas, como Mirta Henault, nos anos 1970/80, e a própria Fernanda Gil Lozano, nos anos 1980.

Mulheres políticas na história recente argentina

Outros nomes aparecem destacados nas entrevistas analisadas, que oferecem uma visão panorâmica dessas mulheres políticas nos anos mais recentes. Dora Barrancos cita como exemplos Victoria Tolosa Paz, atual Ministra de Desenvolvimento Social, a qual entende como uma figura de grande vigor político; também a intelectual, hoje secretária e técnica da Presidência da Nação, Vilma Ibarra; a chefe do bloco de senadoras ligadas à coligação Frente de Todos, Juliana de Tulio; a ex-Ministra de Governo da Província, Teresa García, considerada por Dora um grande quadro político; Cristina Álvarez Rodríguez, a sobrinha de Evita, feminista, outro importante quadro político; também Elisabeth Gómez Alcorta, que foi Ministra das Mulheres; Mayra Mendoza, que é a atual (2023) Intendenta do distrito de Quilmes; Alicia Kirchner, a governadora de Santa Cruz, irmã de Néstor Kirchner, e que faz um trabalho de transformação social em sua região – sempre de acordo com Dora Barrancos; e Cecília Todesca, uma deputada e economista que atua na Chancelaria argentina.

Certamente mais mulheres políticas poderiam ser citadas, com um trabalho mais aprofundado de memória, ampliado para outras possíveis entrevistadas[12]. Para Dora Barrancos, ela mesma envolvida na política, hoje situada dentro do gabinete da Presidência da República, como já informado, “[...] é notável o número de mulheres que na atualidade têm cargos políticos, e temos lutado muito para que o nosso governo efetivamente não se perca [...] em relação às possibilidades de nomeação de um maior número de mulheres nos cargos estratégicos.” (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Com relação às figuras de maior destaque na cena política nacional, uma unanimidade, tanto para Dora Barrancos quanto para Fernanda Gil Lozano, é a figura pública mais conhecida na Argentina na atualidade e que faz parte do “arco nacional, popular, democrático e feminista”, “um quadro de excepcionalidade total”, nas palavras de Dora Barrancos. Trata-se da ex-presidenta, e atual vice-presidenta, Cristina Fernández de Kirchner. Uma mulher cuja história e atuação política não se distanciam de polêmicas, muitas vezes construídas politicamente por seu campo opositor.

Cristina: amor e ódio de uma nação

A advogada e mulher política Cristina Fernández de Kirchner ascendeu à presidência da Argentina após o mandato de seu marido, Néstor Kirchner (falecido em 2010), um presidente que revitalizou o peronismo e chamou para junto de si todo um coletivo militante que há muito havia se afastado, do peronismo e de qualquer perspectiva de poder político, no sentido de ação e construção de políticas públicas de viés popular. Cristina foi presidenta de seu país de 2007 a 2015, foi senadora nacional a partir de 2017, sendo hoje vice-presidenta, no mandato do também peronista Alberto Fernández. Sua carreira passa pelo posto de senadora das províncias de Santa Cruz e Buenos Aires (de 1995 a 1997 e de 2001 a 2005, respectivamente); assumiu o papel de primeira-dama de Néstor de 2003 a 2007, ano em que ela própria se candidatou e venceu as eleições.

Entre as feministas, Cristina é considerada mais à esquerda do que o próprio marido. Tanto Fernanda Gil Lozano quanto Dora Barrancos não escondem sua admiração por essa mulher. Por vezes comparada a Evita Perón, Cristina Kirchner passou e ainda passa por todo o crivo da intolerância da extrema direita – assim como aconteceu com a ex-presidenta Dilma Rousseff, no Brasil[13].

Eu creio que Cristina nos últimos tempos começou a tomar uma consciência feminista. [...] e ela é uma mulher que é uma grande estadista, com um grande caráter e que a estão fazendo pagar, porque não lhe dão um respiro. E a criticam, desde dizer a ela que é uma “égua” até lhe desejarem um câncer, como fizeram, em seu momento, com Eva Perón. Criticam tudo! Que não se veste bem, que isso lhe faz falta, sobre suas joias... Eu não sei se aos homens se olha tanto, como está seu traje, se a gravata combina, viu? Eu creio que não, mas a ela não perdoam nada. Se ela se pinta, é porque se pinta, se não se pinta, é porque está desarrumada. Quando fala, é porque sempre quer ter a palavra, quando não fala, já não utiliza mais a cadeia nacional [de comunicação]. À parte disso, Cristina tem um peso tão específico, que ela fala e todo o mundo a olha, não necessita de cadeia nacional. E eu creio que isso é algo que incomoda a muitos setores, mas, fora isso, o que incomoda mais é que seja uma mulher. (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

Uma mulher ocupando o cargo máximo de uma nação, como a Argentina, torna-se alvo fácil dos argumentos de uma direita misógina e conservadora, que ataca diretamente os corpos, para além da capacidade intelectual dessas mulheres. Como as Madres, em seu poder contestador, Cristina também é tratada como “louca”, questionada em sua saúde mental. Em sua autobiografia, informa que foi “diagnosticada” nos meios de comunicação como bipolar, com insinuações de que estaria sob tratamento psiquiátrico. “[Queriam] que minha despedida do governo ocorresse em meio a uma crise, ou que minha gestão fosse recordada como a de uma ‘louca’, quer dizer: uma ‘bipolar grave’”. Essas publicações “[...] atacavam diretamente minha condição de mulher” (KIRCHNER, 2019, p. 165). Cristina foi chamada de “égua” (p. 167) pela imprensa argentina, que levantava polêmica ao apresentá-la como uma mulher insaciável, fascinada pelo poder, que goza e se exibe (p. 164), mas que vive à sombra dos homens (marido, filho, dirigentes partidários...), “Me chamaram de louca, histérica, orgásmica, desesperada pelo poder” (p. 166). Uma mulher inteligente, competente, inovadora e feliz no casamento. Segundo Cristina, seu conjunto como mulher e presidenta se tornava insuportável para a oposição.

Segundo Dora Barrancos, há vinte e cinco anos, mais ou menos, Cristina era mais conhecida do que seu marido, o que é um diferencial elementar. O que a aproxima de Evita é a insurreição, a insubordinação de ambas. Para Dora, Cristina Kirchner tem uma enorme convicção sobre o legado histórico peronista, que tem a ver com a redistribuição do produto para impedir a concentração de renda e combater a pobreza. Esta seria sua marca, também responsável por atrair o ódio de todos os poderes concentrados, que se esforçam para retirá-la da vida pública.

A própria Cristina constata que só respondeu a menos requerimentos judiciais do que Juán Domingo Perón, que acumulou 120 ocorrências ao longo de sua trajetória política, enquanto ela já estava no 15º processo penal (até 2019), sendo que nove ocorreram ao longo de 1 ano (KIRCHNER, 2019, p. 12; 15). E informa que seus opositores, infinitas vezes, “[...] repetem como um mantra que sou ‘montonera’, ‘gorda’, ‘geleia’... até ‘assassina’, passando por ‘ditadora’ e ‘puta’”. A difusão midiática faz disso o senso comum da sua imagem, segundo ela (p, 12).

Para Dora Barrancos, o que mais surpreende são suas ações imprevistas pelos inimigos políticos, como no caso de um processo aberto em dezembro de 2023, quando ela respondeu simplesmente “[...] eu não vou me apresentar, pra que vocês possam realmente me manter presa, porque eu já vou lhes dar a prova, não precisam me inibir, não vou me apresentar”. Dora entende que “Ela dobra a aposta, é impressionante!” (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Embora seja consenso entre as duas entrevistadas para este artigo que Cristina Kirchner dá uma guinada rumo à sensibilidade feminista na última década, e considerando sua excepcionalidade por ter chegado ao cargo máximo da política argentina, ela é uma representante das trajetórias das mulheres na política institucionalizada e oficial no país.

Longe das linhas centrais da política, outros segmentos de mulheres permanecem em mobilização, porém, ainda são ocultados ou invisibilizados.

Mulheres argentinas na política: algum espaço para pensar interseccionalidades?

Sobre as mulheres negras e indígenas, praticamente invisíveis quando adentramos essa história, Fernanda Gil Lozano argumenta:

[…] é muito difícil trazê-las para a política tradicional; o que vejo é que se realizou intentos, mas também é certo que, eu creio, que há interesses setoriais que ainda necessitam afinar o lápis sobre quais são as propostas e os objetivos que têm. […] e me parece que aí há uma grande dificuldade, uma grande dificuldade. Ainda não conseguimos que pessoas de povos originários possam chegar a uma posição como deputadas. Houve uma só, que era uma jovem mulher, creio que de Santa Cruz ou da Terra do Fogo, que era uma Cacica, mas também durou pouco porque a política a come, viu? Ela tem que sair a respaldar ações que me parece que seus setores de pertencimento não perdoam, então como que se perdem muitas coisas, é muito difícil, isso é o que eu noto, muito difícil. (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).

Com suas palavras, somos colocadas diante de uma história que reproduz a exclusão social das mulheres racializadas. Por seu lado, Dora Barrancos apresenta um olhar um pouco mais otimista sobre essas mulheres que levam com elas o desafio da interseccionalidade dos marcadores sociais de opressão.

Há uma grande mobilização, bastante notável. Nesses últimos, eu diria, cinco ou seis anos, tem aparecido cada vez mais grupos etnograficamente situados, reivindicativos dos direitos de reconhecimento, e além, mas com uma perspectiva de ampliação, digamos, com uma perspectiva feminista, com uma perspectiva de diversidade sexo-genérica, em numerosas organizações. Há várias organizações de afrodescendentes, sobretudo de mulheres afrodescendentes. E, desde já, o mesmo ocorre com nossas comunidades originárias. Esse “derrame feminista” tem chegado fortemente nas comunidades originárias. Sobretudo, há comunidades muito ativas, a comunidade mapuche, as comunidades do norte do país, que estão muito, muito ativas na reivindicação dos direitos, começando pela terra e em reivindicações antipatriarcais. Assim que isso nos dá muita… nos faz insistir na aposta, não? Há uma aposta de futuro aí. Para além de todas as dificuldades, das adversidades, da energúmena relação que propõem as forças mais reacionárias neste momento, mas, bem, vamos apostar que não passarão. (VEIGA; BARRANCOS, 2022).

Com Dora temos a noção de que esses movimentos de mulheres negras e originárias[14] passam a mobilizar forças e a criar protagonismos para uma ação política futura em campos institucionalizados. Já Fernanda atenta para apenas uma candidatura que acabou frustrada, talvez ainda pelo pouco preparo à lida com o lado destrutivo dessa arena política institucionalizada que, com apoio da mídia, atua no sentido de depredar ou construir negativamente imagens de mulheres que se destacam no campo das lutas antirracista, anticlassista e anti-lgbtfóbica. São novos e antigos entraves que constituem a política, bem como as estratégias de ação das mulheres na atualidade[15].

Como uma constatação relevante, ficamos com a informação de que as mulheres políticas de direita, respaldadas com apoio financeiro por seus partidos e aliados, acabam tendo mais visibilidade do que as que fazem a resistência por meio de ações cotidianas, como propostas de leis e manobras para que sejam aprovadas.

Sem ignorar os limites dos testemunhos orais e sua subjetividade, entendemos os relatos de Dora Barrancos e Fernanda Gil Lozano como possibilidades de acesso e compreensão de uma história que se desenrola para além das fronteiras nacionais brasileiras, mas que nos diz respeito diretamente na analogia com a situação das mulheres na política no Brasil.

O paralelo entre as estratégias de destruição das imagens de Cristina Fernández de Kirchner e de Dilma Rousseff nos diz muito, quando o assunto é violência política de gênero contra mulheres que atingem cargos de poder. Na visão patriarcal, conservadora e neoliberal da política nos países latino-americanos, ex-colonizados, mulheres no poder sempre irão incomodar, ainda mais no posto mais alto de uma nação.

Assim, o protagonismo das mulheres na política – arena predominantemente e historicamente masculina, vale lembrar – entra em contraste com sua negação e as violências que se materializam por meio dela. Muito ainda sobre o tema pode ser aprofundado. Nosso intuito, com este artigo, foi o de possibilitar um estímulo a isso, por meio do lançamento de alguns fios que compõem a trama política nesse recorte territorial.

Referências bibliográficas

ALBAINE, Laura. Obstáculos y desafíos de la paridad de género. Violencia política, sistema electoral e interculturalidad. Iconos Revista de Ciencias Sociales. Num. 52, Quito, p. 145-162,.mayo 2015.

BARRANCOS, Dora. #NIUNAMENOS e a campanha nacional pelo aborto na Argentina. In:História dos feminismos na América Latina. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2022. p. 228-234.

CENTURIÓN, Ana Josefina. Las mujeres en la resistencia peronista. Sentidos y representaciones. In: BRAVO María Celia; GIL LOZANO, Fernanda; PITA, Valeria S. (Comp.). Historias de luchas, resistencias y representaciones: Mujeres en la Argentina, siglos XIX y XX. Tucumán, Argentina: Editorial de la Universidad Nacional de Tucumán, 2008, p. 233-265.

D’ÁVILA, Manuela. (Org.). Sempre foi sobre nós: Relatos da violência política de gênero no Brasil. Porto Alegre: Instituto E Se Fosse Você, 2021.

FINK, Nadia; ROSSO, Laura (Comp.). Feminismo para jóvenas: Ahora que sí nos ven. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Chirimbote, 2018.

GRAMMÁTICO, Karin. La Agrupación Evita. Apuntes de una experiencia de mujeres. In: BRAVO María Celia; GIL LOZANO, Fernanda; PITA, Valeria S. (Comp.). Historias de luchas, resistencias y representaciones: Mujeres en la Argentina, siglos XIX y XX. Tucumán, Argentina: Editorial de la Universidad Nacional de Tucumán, 2008, p. 267-303.

KIRCHNER, Cristina Fernández de. Sinceramente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Sudamericana, 2019.

LONGO, Roxana. Encuentros y búsquedas del movimiento de mujeres y del feminismo popular. In: KOROL, Claudia (Comp.). Feminismos populares: Pedagogías y políticas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: El Colectivo; Editorial Chirimbote; América Libre, 2020.

MELO, Hildete Pereira de; THOMÉ, Débora. Mulheres e Poder. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.

MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flavia. Caleidoscópio Convexo. Mulheres, política e mídia. São Paulo: Editora Unesp. 2011.

PEDRO, J. M.; BUSNELLO, B.; COLAÇO, A. L. C.. “Ganhos e dificuldades da luta feminista nas frágeis democracias do Cone Sul: as legislações sobre o aborto (anos 1980-1990 e além)”. In: VERAS, Elias Ferreira; PEDRO, Joana Maria; SCHIMDT, Benito Bisso. (Org.). (Re)Existências LGBTQI+ e feminismo na ditadura civil-militar e na Redemocratização do Brasil. 1ªed.Maceió: EDUFAL, 2023, p. 63-88.

PHILLIPS, Anne. De uma política de ideias a uma política de presença? Revista Estudos Feministas. Ano 9, p. 268-290, 2º Semestre 2001.

SACCHET, Teresa; SPECK, Bruno Wilhelm. Financiamento eleitoral, representação política e gênero: uma análise das eleições de 2006. Opinião Pública, [S.L.], v. 18, n. 1, p. 177-197, jun. 2012.

SCHEIDWEILER, G. O Timing do Financiamento Eleitoral em Campanhas Eleitorais de Mulheres. Compolítica, v. 11, n. 3, p. 5-28, 14 jun. 2022.

SILVA, Perla Haydee da. De louca a incompetente: construções discursivas em relação à ex-presidenta Dilma Rousseff. 2019. 139 f. Tese (Doutorado) - Curso de Programa de Pós- Graduação em Estudos de Linguagem, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2019.

SPOHR, Alexandre Piffero et al. Participação Política de Mulheres na América Latina: o impacto de cotas e de lista fechada. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v. 24, n. 2, p. 417-441, Aug. 2016.

SUTTON, Barbara; VACAREZZA, Nayla Luz. Abortion and democracy: Contentious Body Politics in Argentina, Chile, and Uruguay. New York: Routledge, 2021.

VEIGA, Ana Maria. Feminismos em rede?: uma história da circulação de discursos e informações entre São Paulo e Buenos Aires (1970-1985). 166p. Dissertação de Mestrado. PPGH, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

ZDEBSKY, J. F.; MARANHAO, E. M. A.; PEDRO, J. M.. A histérica e as belas, recatadas e do lar: misoginia à Dilma Rousseff na concepção das mulheres como costelas e dos homens como cabeça da política brasileira. Espaço e Cultura (UERJ), v. 38, p. 225-250, 2015.

ZINK, Mirta; DI LISCIA, María Herminia. Gestar una ciudadania política. La incorporación de las mujeres ao Estado peronista, apoyos y resistencias (1945-1955). In: BRAVO María Celia; GIL LOZANO, Fernanda; PITA, Valeria S. (Comp.). Historias de luchas, resistencias y representaciones: Mujeres en la Argentina, siglos XIX y XX. Tucumán, Argentina: Editorial de la Universidad Nacional de Tucumán, 2008, p. 211-232.

Notas

[1] Entrevista realizada em Buenos Aires, por Ana Maria Veiga, transcrita por Ignacio Gomeza Gómez, em maio de 2023, em trabalho de coleta de fontes para o projeto “Mandonas: memórias, políticas e feminismos no Cone Sul (1980-2020)”, financiado pelo CNPq, processo nº404662/2021-8.
[2] Entrevista realizada em Buenos Aires, por Ana Maria Veiga, transcrita por Ignacio Gomeza Gómez, em maio de 2023, em trabalho de coleta de fontes para o projeto “Mandonas: memórias, políticas e feminismos no Cone Sul (1980-2020)”, financiado pelo CNPq, processo nº404662/2021-8.
[3] “CIPDH UNESCO […] é um Centro realmente precioso, só existem 10 no mundo, e até 2019 éramos o único especializado em Direitos Humanos, e foi uma deferência muito grande que as Nações Unidas fizeram à Argentina por todos os seus Direitos Humanos públicos, políticas de Direitos. Acima de tudo isso estão Memória, Verdade e Justiça, Julgamento e Castigo dos Culpados. E, digamos que isso é algo que nos destaca no concerto mundial.” (VEIGA; GIL LOZANO, 2022).
[4] Sobre a influência de Eva Perón e as mulheres na resistência peronista, ver: GRAMMÁTICO, 2008; CENTURIÓN, 2008; ZINK E DI LISCIA, 2008.
[6] Diferentemente do sistema eleitoral brasileiro, na Argentina são apresentadas e votadas listas de candidatos e candidatas que são aprovadas coletivamente. Na atualidade, as listas são paritárias, em termos de gênero, mesmo que encabeçadas via de regra por homens. Em certos sistemas políticos, como no caso brasileiro, a paridade está presente, mas há impedimentos para que ela de fato se realize, devido às múltiplas candidaturas para um cargo. Na Argentina, a lista é completa e fechada, permitindo a expressão da paridade ao alternar, de modo irreversível, um homem e uma mulher ou vice-versa. (VEIGA; BARRANCOS, 2022). Os trabalhos de Laura Albaine (2015) e de Spohr et alii (2016) mostram esta questão na América Latina e fazem comparações sobre vantagens e desvantagens.
[7] Sobre a questão do Aborto no Cone Sul, ver: SUTTON; VACAREZZA, 2021. Ver também, PEDRO; BUSNELLO; COLACO, 2023.
[8] A esse respeito ver as discussões de PHILLIPS, 2001.
[9] Trata-se dos debates sobre a lei que instituiu o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo na Argentina.
[10] Ver a esse respeito SACCHET; SPECK, 2012; SCHEIDWEILER, 2022.
[11] Mesmo que sejam encabeçadas, via de regra, por um homem.
[12] Disso se incumbirão outras componentes do projeto universal “Mandonas: memórias, políticas e feminismos no Cone Sul (1980-2020)”, financiado pelo CNPq, processo nº404662/2021-8, coordenado por Joana Maria Pedro.
[13] Dilma Rousseff foi alvo de violência política de gênero. Vários trabalhos discutiram esta violência entre eles: D’AVILA (Org.), 2021; ZDEBSKY ; MARANHÃO; PEDRO, 2015; SILVA, 2019.
[14] Sobre feminismos populares, ver: Longo, 2020.
[15] Destacamos o movimento “Ni una menos”, iniciado por jovens feministas que foram às ruas na Argentina contra o feminicídio. Sobre a ação da juventude feminista e o “Ni una menos”, ver: BARRANCOS, 2022; FINK; ROSSO, 2018.

Autor notes

i Doutora em História, Professora Adjunta do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal da Paraíba. Correio eletrônico: anaveiga.ufpb@gmail.com. ORCID-ID: https://orcid.org/0000-0003-0446-1472.
ii Doutora em História, Professora do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Correio Eletrônico: joanamaria.pedro@gmail.com. ORCID-ID: https://orcid.org/0000-0001-5690-4859.

Ligação alternative



Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R