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ELEMENTOS DA CULTURA E DO TRABALHO DOS POVOS ORIGINÁRIOS EM ÓBIDOS-PA, 1698 A 1763: UM ESTUDO COM BASE NOS REGISTROS LITERÁRIOS DA AMAZÔNIA COLONIAL
ELEMENTS OF THE CULTURE AND THE WORK OF THE ORIGINAL PEOPLES IN ÓBIDOS-PA, 1698 TO 1763: A STUDY BASED ON THE LITERARY RECORDS OF THE COLONIAL AMAZON
ELEMENTOS DE LA CULTURA Y LA OBRA DE LOS PUEBLOS ORIGINARIOS EN ÓBIDOS-PA, 1698 A 1763: UN ESTUDIO BASADO EN LOS REGISTROS LITERARIOS DE LA AMAZONÍA COLONIAL.
Caminhos da História, vol. 28, núm. 1, pp. 155-182, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 1, 2023

Recepção: 13 Setembro 2021

Aprovação: 09 Dezembro 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: A partir de fontes literárias, o objetivo primordial deste artigo é analisar elementos culturais e do trabalho dos indígenas entre 1698 -1763, no espaço onde está a atual cidade de Óbidos-Pará. A base documental é a literatura do período, com ênfase no diário do Bispo Queirós, 1762/63. A documentação reunida sobre o “Forte Pauxis”, mais tarde vila de Óbidos – crônicas, cartas, diários, documentos estatais - permitiu uma confrontação metodológica crítica, uma análise bibliográfica dos elementos descritivos de fragmentos do passado, suas evidências e conexões de múltiplos elementos entrelaçados nas narrativas. A interpretação da cultura e a etnografia do cotidiano forneceu maior compreensão dos discursos narrativos, assim como a observação dos “esquecimentos” de fatos históricos passados viabilizaram a apresentação de resultados peculiares sobre o trabalho, as tecnologias, usos florísticos e faunísticos para medicina e alimento dos povos originários naquele período. Além das referências às características dos rios, a potabilidade das águas para consumo humano, os documentos apresentam novos conhecimentos socioambientais, revelam inéditas informações de sujeitos históricos, a exemplo das mulheres e dos negros, além da produção/consumo do açaí na Óbidos oitocentista, imprescindíveis ao emprego no ensino/aprendizagem da disciplina História de Óbidos, componente curricular do Ensino Fundamental no município.

Palavras-chave: Cultura indígena, Trabalho Indígena, História do Forte Pauxis, História do açaí.

Abstract: From literary sources, the primary objective of this article is to analyze cultural elements and the work of indigenous peoples between 1698-1763, in the space where the current city of Óbidos-Pará is located. The documentary basis is the literature of the period, with emphasis on the diary of Bishop Queirós, 1762/63. The documentation gathered on the "Forte Pauxis", later the village of Óbidos – chronicles, letters, diaries, state documents – allowed a critical methodological confrontation, a bibliographical analysis of the descriptive elements of fragments of the past, their evidence and connections of multiple elements intertwined in the narratives. The interpretation of culture and the ethnography of daily life provided greater understanding of narrative discourses, as well as the observation of the "forgetfulness" of past historical facts enabled the presentation of peculiar results about work, technologies, floristic and faunistic uses for medicine and food of the original peoples in that period. In addition to references to the characteristics of rivers, the potability of waters for human consumption, the documents present new socioenvironmental knowledge, reveal unprecedented information from historical subjects, such as women and blacks, in addition to the production/consumption of açaí in the 18th century Óbidos, essential to employment in teaching/learning of the discipline História de Óbidos, curricular component of Elementary School in the municipality.

Keywords: Indigenous culture, Indigenous Work, History of Fort Pauxis, History of acai berry.

Resumen: A partir de fuentes literarias, el objetivo principal de este artículo es analizar los elementos culturales y la obra de los pueblos indígenas entre 1698-1763, en el espacio donde se encuentra la actual ciudad de Óbidos-Pará. La base documental es la literatura de la época, con énfasis en el diario del obispo Queirós, 1762/63. La documentación recopilada sobre el "Forte Pauxis", más tarde el pueblo de Óbidos - crónicas, cartas, diarios, documentos estatales - permitió una confrontación metodológica crítica, un análisis bibliográfico de los elementos descriptivos de fragmentos del pasado, sus evidencias y conexiones de múltiples elementos entrelazados en las narrativas. La interpretación de la cultura y la etnografía de la vida cotidiana proporcionaron una mayor comprensión de los discursos narrativos, así como la observación del "olvido" de los hechos históricos pasados permitieron la presentación de resultados peculiares sobre el trabajo, las tecnologías, los usos florísticos y faunísticos para la medicina y la alimentación de los pueblos originarios en ese período. Además de las referencias a las características de los ríos, la potabilidad de las aguas para el consumo humano, los documentos presentan nuevos conocimientos socioambientales, revelan información sin precedentes de sujetos históricos, como mujeres y negros, además de la producción/ consumo de açaí en el siglo 18 Óbidos, esencial para el empleo en la enseñanza / aprendizaje de la disciplina História de Óbidos, componente curricular de la Escuela Primaria en el municipio.

Palabras clave: Cultura indígena, Trabajo Indígena, Historia de Fort Pauxis, Historia de la baya de acai.

Introdução

Analisar as notícias descritas nas diversas literaturas e documentos de Estado do governo colonial português, produzidos no período do recorte temporal definido neste trabalho, em especial no diário do Bispo João de São José Queirós acerca de sua viagem iniciada no dia 10 de novembro de 1762 a partir de Belém, coaduna-se com o objetivo desse artigo pois permite conhecer outras impressões culturais e a importância do trabalho praticado pelos povos originários, nos primeiros 65 anos da história de Óbidos, no contexto socioambiental e econômico, no processo de contatos e conflitos com os colonizadores europeus.

A parte da viagem do clérigo português, que durou três dias pelo rio Amazonas entre Santarém e Óbidos, continuou com sua permanência na vila de Óbidos, e prosseguiu com registros sobre sua passagem pela foz do rio Trombetas, contém detalhes evidenciadores de diversos elementos econômicos, socioculturais e ambientais ao longo do percurso realizado. O referido Bispo será mencionado no decorrer desse artigo por meio de seu sobrenome: Queirós. A compreensão e análise da história e da produção escrita do referido religioso estão ancoradas em Blenda Cunha Moura (2009), João de São José Queirós (1762;1663) e suas memórias publicadas em 1868.

João de São José de Queirós nasceu em Matozinhos (Portugal) no dia 12 de agosto de 1711 e “foi batizado como João de Queirós da Silveira e ao se tornar devoto clérigo da ordem de São Bento passou a ser nomeado como João de São José Queirós”. (MOURA, 2009, p. 13). Era membro de uma família de nobres “que investiu vigorosamente na sua formação intelectual e teve sua formação estritamente vinculada ao que determinava a Igreja Católica” (IBID, p. 44, 46). Aos 18 anos recebeu o hábito de noviço, estudou filosofia no mosteiro de São Miguel de Refojos de Basto e afirma que “foi ser conventual de Santo Thyrso de onde passou ao convento de Lisboa e lá residia em 1744”. (QUEIRÓS, 1868, p. 3).

Um dos contextos históricos importantes no período de sua formação foi o Iluminismo do século XVIII, um movimento de minorias, sem ser coeso, ou seja, existiam iluministas com interesses e questões diversas entre os intelectuais que aderiram ao movimento. Esses filósofos, além de contestarem os poderes da igreja Católica, insuflaram violentas críticas à política do absolutismo e ao mercantilismo como prática econômica hegemônica, defendiam a ciência e o método científico como forma única que garantiria o progresso da humanidade.

Blenda Cunha Moura afirma que cabe a definição de um clérigo ilustrado a Queirós, pois mesmo fundamentado em uma base de formação e convicção nos preceitos religiosos conseguiu ser um diligente observador do cotidiano de seu ambiente e produziu uma visão crítica e atenta aos debates filosóficos de seu tempo. Essa autora ainda afirma que o bispo “conhecia as principais obras iluministas e dialogava com elas; chegou a simular um empolgado comentário de Voltaire a respeito de suas Memórias, que teriam um destacável e apurado estilo artístico”. (MOURA, 2009, p. 14, 15).

Segundo a autora, no século XVIII havia a prática da escrita das memórias do que era vivenciado por alguns sujeitos daquela contemporaneidade e isso explica muito da obra de frei João de São José. Informa que naquele período sendo um bispo ou não, o estudioso participante de uma viagem ou expedição, “principalmente se estivesse ligado ao Estado, tinha por obrigação registrar sistematicamente” (MOURA, 2009, p. 15) o máximo de todas as dimensões socioambientais observadas. Outras características importantes dos relatos de Queirós são evidenciadas com ênfase pela autora:

Era irônico e gostava de denunciar, de falar do inusitado, mesmo que alguém de renome estivesse envolvido. Aliás, tais casos eram seus prediletos. Clérigos, governadores, condes, colonos, índios, e tantos outros compuseram suas histórias e tiveram parte de sua trajetória registrada por Queirós de uma forma que, na maioria das vezes, não aprovariam. (MOURA, 2009, p. 13).

As características descritas sobre o bispo João de São José Queirós -ainda que fundamentalmente permeadas pelo etnocentrismo europeu e associadas aos preconceitos sociais, culturais e raciais contra os povos originários livres ou sob o jugo da colonização, assim como relacionadas às pessoas de etnias africanas aprisionados para o trabalho escravo na Amazônia- evidenciam a densidade de suas descrições quando confrontadas, comparadas e analisadas perante outros autores e documentos produzidos entre 1698 e 1763 e permitem executar uma leitura mais específica sobre alguns elementos culturais do cotidiano dos povos originários com os quais o bispo teve contato ou recebeu informações.

O cotidiano aqui é referendado conforme a denominação de Michel de Certeau (1994), ou seja, a “leitura de um espaço” que pode fornecer histórias para uma narratividade “que faz as idas e vindas do relato, exercendo assim, uma arte de pensar”. (CERTEAU, 1994, p. 156). O diário, documento analisado com primordialidade, tem como aporte Jacques Le Goff (2013), pois para ele, documento “é um produto da sociedade que o fabricou” e pode ser “a presença, a atividade, os gestos e as maneiras de ser do homem”. (LE GOFF, 2013, p. 490).

Em Carlo Ginzburg se alicerça a orientação para distinguir com mais acuidade as vozes diferentes e opostas, mas que descrevem na literatura analisada, o lugar habitado e “desembaraçam os fios multicores” das narrativas (GINZBURG, 2007, p. 287). Como a “voz” dos diversos sujeitos que viveram no período investigado, não se apresenta de forma direta nos documentos, se utilizou o conceito de “documentos polissêmicos” a partir dos estudos de (HENRIQUE, 2013, p. 111), assim como é trabalhado o conceito de “esquecimentos” de fatos históricos ancorado no trabalho de Paul Ricoeur (2007).

Postas todas estas necessidades teóricas-metodológicas, se revela a imprescindibilidade em apresentar outros autores, seus relatos, como também os diversos documentos primários produzidos durante o período estudado, inclusive para se confrontar, comparar e compreender as convergências, divergências e até informações pouco estudadas sobre o cotidiano de Pauxis nesse período.

Um primeiro exemplo é a conclusão da “Casa Forte de Pauxis” em 1698 (BARRETO, 2011) que põe em xeque o ano 1697 tradicionalmente reconhecido como o ano de fundação de Óbidos. Outro fato, refere-se à presença de Manoel da Mota Siqueira como “Capitão” da “Fortaleza de Tapajós” no início de 1697 (BETTENDORFF, 2010), período anterior à construção da “Casa Forte dos Pauxis”. Tão importante quanto, são as informações relativas à produção e consumo de açaí praticada pelos indígenas e descritas com minúcias e valores apresentado por Queirós, entretanto vale ressaltar, que a história do açaí referendada no livro da eminente professora Leila Mourão (2011), que se supõe ser a fonte mais completa entre os historiadores da Amazônia para a história ecológica do referido fruto, não usa o diário do bispo como documento.

Para além disso tudo, outros elementos da cultura dos povos originários como os conhecimentos sobre a fauna, a flora, a navegação pelo rio Amazonas, os usos de plantas como remédio e alimento, o trabalho habilidoso em caçar e moquear os animais e as aves, os conhecimentos ambientais imprescindíveis para o uso eficiente das águas, o saber referente aos perigos para os seres humanos em relação a animais como o sucuriju, assim como a forma de se alimentar e se vestir, as lutas contra os invasores europeus, além de acontecimentos importantes sobre a história do estado do Pará, que confluem em diferentes dimensões e se conectam com os estudos apresentados nesse artigo.

A Casa Forte de Pauxis e os primeiros 65 anos de histórias

Em 1621 foi definida pelo governo português a separação do Estado político do Maranhão do Governo Geral do Brasil, “no entanto sua efetivação se deu com a chegada do primeiro governador em 1626”. (Chambouleyron, 2019, p. 86). Com essa nova definição administrativa, a conquista, domínio e a exploração dos portugueses sobre a região amazônica foi estabelecida com base em estratégias militares e a fundação de várias “fortalezas” (Barreto, 2011), sob efetiva prática de catequização das missões religiosas (Matos, 2014) e a paulatina implementação de fazendas pelos colonos europeus (Chambouleyron, 2010). Contudo, para que essa organização socioambiental se efetivasse, era imprescindível o trabalho de mulheres e homens indígenas (Pelegrino, 2014), assim como de mulheres e homens africanos (Chambouleyron, 2006), aprisionados e forçados a praticar o trabalho escravo imposto pelos colonizadores nos espaços sob seu domínio na Amazônia colonial.

Em 1697 quando Antônio d'Albuquerque Coelho de Carvalho - governador do Maranhão entre 17 de maio de 1690 até 30 de junho de 1701- recebeu a comunicação escrita em Lisboa a 12 de dezembro por D. Pedro II- rei de Portugal e Algarves (1683 até sua morte em dezembro 1706) - autorizando a construção da “Casa Forte de Pauxis aonde (o rio Amazonas) estreita de qualidade que qualquer peça alcança a outra parte” (ANAIS, 1948, p. 175), já se contavam 81 anos desde o início do estabelecimento dos portugueses com a fundação do Forte do Presépio, que é a gênese da cidade de Belém do Pará e que foi uma base importante para a conquista do “sertão”[1].

Nesse período de 81 anos, os portugueses alcançaram vários territórios navegando por rios, furos e igarapés; para obter o acesso às riquezas e manter o domínio, primaram pela construção de outras “fortalezas”. Artur Viana afirma que “em 1623 chegou a Belém o capitão Luiz Aranha de Vasconcellos que viera de Lisboa, via Pernambuco, com incumbência de sondar o Rio das Amazonas” (VIANA, 1905 p. 232), uma das consequências dessa “sondagem” foi a conquista definitiva e a permanência dos portugueses no espaço onde atualmente é a cidade de Macapá.

Nesse mesmo ano de 1623 foi construído o Forte de Gurupá (Muniz, 2004). O Forte de São José da Barra do Rio Negro teve sua construção iniciada a partir de 1669 (Sousa,1885). Em 1688 foi concluída a “Fortaleza de Macapá” (IBID, 1885). A obra do Forte dos Tapajós, em Santarém foi concluída em 1697 por Manoel da Mota Siqueira, sendo “a que este escolheu para comandar” (IBID, 1885, p. 67). Quanto ao “Forte de Óbidos denominado Pauxis, sua edificação foi concluída pelo mesmo construtor em 1698”. (Barretto, 2011, p. 32).

Até a presente data não se descobriu nenhum diário, crônica, carta ou relatório produzido por Manoel da Mota Siqueira sobre sua viagem, chegada, estabelecimento, contato com os povos originários e o processo de construção da “Casa Forte dos Pauxis”. Além da confirmação da conclusão da sua obra em 1698, no espaço onde atualmente se localiza a cidade de Óbidos, já referendada anteriormente; se observam nas crônicas de João Felipe de Bettendorff (2010), exíguas, mas inéditas referências a Mota Siqueira quando relata sobre o mês de janeiro de 1697

O padre João Maria, missionário dos Tapajós, também se veio para baixo, mas foi para fazer uma canoa de viagem, a qual mandou fazer por seus índios de pique verdadeiro nos matos de Jaguarari, mas como a botaram a perder, comprou uma por 100$ a Maria de Siqueira, mulher do capitão-mor. Nela se voltou para sua missão, levando uma carta de excomunhão passada pelo vigário da vara Antônio Lameira da Franca, contra um sargento e outro, que o descompuseram, tirando-lhe da mão à viva força um índio de seu mando, e rasgando-lhe com a alabarda a roupeta; porém não usara dela, porque veio Manuel da Mota, capitão do Tapajós, perguntar ao padre reitor se o dito sargento era excomungado, que se o era estava pronto para se absolver da excomunhão; mas o padre reitor o remeteu ao padre superior da missão, a quem tocam semelhantes cousas e assim se aquietou tudo em boa paz. (BETTENDORFF, 2010, p. 723-724).

Marília Cunha Imbiriba dos Santos (2015) em seu trabalho sobre a família Oliveira Pantoja, possui informação importante sobre Mota Siqueira, quando verifica a conexão dessa família com a influência do “governador da Fortaleza de Tapajós”:

Não sabemos por que razão os irmãos vieram, no entanto, temos uma pista, e esta pista está na genealogia da família Oliveira Pantoja. Manoel e José de Oliveira Pantoja são parentes, por parte materna, de Manoel da Mota Siqueira. Na década de 1730, um filho de José de Oliveira Pantoja é mandado, pelo então governador da capitania do Pará, a servir na Fortaleza do Tapajós sob responsabilidade do tio, Manoel da Mota de Siqueira que neste período já era governador da Fortaleza do Tapajós. De Manoel da Mota Siqueira, temos o nome do pai, Francisco da Mota Falcão, que foi construtor da Fortaleza do Tapajós, após a sua morte, o filho assume o governo da fortaleza. (SANTOS, 2004, p.3).

As informações sobre o cotidiano do núcleo colonial da “Casa Forte de Pauxis” e a missão religiosa dos frades Capuchos da Piedade, que promoveram a origem da cidade de Óbidos, quase sempre foram registradas com poucos elementos ambientais, sociais, econômicos e culturais. Uma notícia do mesmo ano em que a edificação do forte foi concluída está referendada no trabalho de Frederik Luizi Andrade de Matos (2014):

Em 1698 os padres Capuchos da Piedade mudaram a antiga missão jesuítica situada abaixo da confluência do rio Pratucu, para a confluência do Tanaquera. Nessa região esses religiosos aldearam os (índios Pauxis, Arapiús, Coriatis, Candorizes, Mepuris e Janatuãs) na missão situada junto à fortaleza de Pauxis, que servia de auxílio e defesa da mesma, já que era lugar estratégico para a vigilância de embarcações que subiam e desciam o rio Amazonas, tornando-se mais tarde a vila de Óbidos. (MATOS, 2014, p. 33).

Nessa informação são citadas as etnias de alguns povos originários, a alusão à fortaleza, sua finalidade de controlar as embarcações que navegavam pelo rio Amazonas e a função de defesa do território já consolidado pelo governo português. Porém não informa quem e quantos eram os militares, se havia mulheres entre eles, quem eram os frades que catequizavam na missão e menos ainda sobre o quantitativo de pessoas originárias de grupos indígenas, cabe, porém, a hipótese de o número de pessoas indígenas ser maior que dos demais sujeitos históricos, pelo número de etnias nomeadas pelo autor.

Outro destaque sobre a história daquele ambiente, 27 anos depois da construção de Pauxis é a relação de Frei Manço, ao se referir à “fortaleza e presídio dos Pauxis” e os aspectos relacionados ao rio Trombetas em 1725, quando solicitou por requerimento, um soldado ao “Cabo Tenente do presídio dos Pauxis” para acompanhá-lo juntamente com mais “quarenta e uma pessoas (com o objetivo) de fazer o descobrimento do rio das Trombetas”. (SÃO MANÇO, 1903, p. 41- 42). O referido religioso nomeia 50 “nações” nessa região e no rio Nhamundá e cita o nome de vários “principais”, suas mulheres e de alguns filhos dos “principais” e suas mulheres, no entanto não menciona elementos específicos do cotidiano de Pauxis, além do “soldado e o Cabo Tenente” reportados acima.

Frei Manço afirma que “duas nações de gentio, os Cereu e os Carabeaná’, estavam continuamente em guerra. Cada “Principal Maioral” desses dois povos, Amagoá e Clixá respectivamente, recebiam a obediência de “principais” com menos poder bélico. Relata ainda que a guerra entre os Cereu e os Carabeaná permitiu o contato com o “principal Maxacari da aldeia Mojri”, que em fuga por causa dos conflitos, aceitou descer para o “sítio” organizado por frei Manço. Estes relatos permitem se aventar que a guerra entre os citados povos favoreceu o contato de pessoas indígenas e colonizadores na região do rio Trombetas (IBID, p. 41,45), possibilitando aos colonizadores adquirirem mais trabalhadores, assim como, ter a disponibilidade de conhecimentos e saberes socioambientais dos povos originários daquele espaço.

Barbara Sommer (2005) discorre sobre os descimentos realizados por missionários, soldados e aliados nativos que realocavam os “índios livres” rio abaixo para os aldeamentos perto dos Fortes militares onde eles poderiam ser catequisados. A justificativa para tais ações se dava em consonância com uma “legislação” organizada pelos militares em 1718, que citava “a barbárie dos indígenas, tais como sua nudez e a ausência de governo”. (SOMMER, 2005, p. 418).

Arthur Cezar Ferreira Reis (1979) descreve diversas características das relações entre religiosos e colonos no contexto da “Casa Forte de Pauxis” nas primeiras décadas do XVIII. Em 1727 a tentativa de aprisionamento de indígenas para o trabalho escravo liderado pelo comandante da Casa Forte de Pauxis provocou a reclamação dos religiosos para a Corte Portuguesa, conflito que produziu essa consequência: “Pauxis-aldeia despovoou-se quase inteiramente, Frei Marvão e seus companheiros tiveram grandes canseiras para que se restaurasse seu antigo bem-estar, repovoando-a e reanimando as lavouras de que se ufanava”. (REIS, 1979, p. 27).

Essa descrição mostra os sujeitos clássicos das povoações do período: religiosos, colonos, indígenas, militares, assim como determinadas práticas, a exemplo do aprisionamento para o trabalho escravo, o conflitos entre os sujeitos mencionados, o que levou à fuga de indígenas em resistência à sujeição objetivada pelos colonizadores, livrando-se assim do povoamento colonial e de suas “lavouras”; contudo, não há informações específicas sobre as etnias indígenas, o número de habitantes por gênero e seus nomes, quais vegetais eram produzidos nas plantações. O único sujeito histórico nomeado é o frade capucho Frei Marvão.

Outro fato importante desse período foi a viagem de Charles-Marie La Condamine (2000) iniciada em maio de 1743 na cidade de Quito até a foz do rio Amazonas. Ele afirma que no dia 28 de agosto se afastaram do “rio Jamundá” e um pouco abaixo tomaram “terra junto ao forte de Pauxis”. Fez referência a estreiteza do rio e identificou o fluxo e o refluxo do mar “que se faz notar de doze em doze horas” e atrasa a cada dia como no litoral; apresenta uma projeção da distância de Pauxis até o Atlântico, descreve que foi “detido” por quatro dias no forte e um dia na casa de campo do Capitão Manuel Maciel Parente e que este o acompanhou até a fortaleza de Gurupá. Afirma ainda que todo esse procedimento estava relacionado “às ordens” do rei de Portugal com o intuito de promover “a segurança e comodidade” de sua passagem pelos territórios portugueses. (LA CONDAMINE, 2000, p. 97).

La Condamine descreve informações socioambientais sobre o que observou durante todo o percurso da sua exploração de Quito (Peru) até Belém (Pará), no entanto, ainda que tenha feito estadia em Pauxis durante cinco dias, não menciona a qualidade das habitações, não quantifica moradores, e tampouco apresenta elementos econômicos, culturais, religiosos, assim como silencia sobre a fauna e a flora. Sobre a casa de campo do comandante, não descreve nenhuma característica; ainda assim é possível perceber nas entrelinhas que existia um conceito de “campo” possivelmente em oposição a “urbe” que se formava no entorno da “Casa Forte” e da missão religiosa dos padres Capuchos da Piedade.

O historiador Márcio Couto Henrique (2013) afirma que para se conhecer as histórias de um lugar é necessário pesquisar em documentos “polissêmicos”, pois a “voz” dos sujeitos que viveram no período investigado não aparece diretamente, “mas ela está presente, se pensarmos que as fontes, apesar de sua pretensão à objetividade, sempre registram narrativas polissêmicas”. Ressalta ainda que a documentação disponível em diferentes fontes foi produzida em sua maior parte “por presidentes da província, religiosos e demais responsáveis pela aplicação da política indigenista”, e o desafio é identificar nessa documentação produzida “por não-índios”, qual a perspectiva indígena sobre os fatos narrados e registrados (HENRIQUE, 2013, p. 111).

Nesse sentido o pouco que se conhece sobre a história de Óbidos narrada com o protagonismo e a perspectiva histórica dos povos indígenas, é a narração dos Pajés Kaxúyana registrada por Protásio Frikel (1970) e assim sendo, se apresenta o estímulo em identificar os elementos das culturas indígenas, presentes nas narrativas dos colonizadores europeus, registradas em seus documentos constituídos de múltiplos significados.

Em 1749 se organizou uma navegação de Belém até o rio Madeira, descrita no diário de José Gonçalves da Fonseca neste mesmo ano e publicado em Lisboa em 1826, que indicam legitimidade às informações de Baena (1839, p. 247). As canoas aportaram em Óbidos no dia 12 de setembro, mas não há descrições sobre quem eram os “índios” e “os padres” da missão estabelecida nas proximidades da “Casa Forte”. O diário registra essas informações:

Na elevação está fundado uma aldeia de índios de pouco número de gente administradas por padres Capuchos da Piedade, que também doutrinavam um descimento de índios, que se achava agregado à fortaleza para serviço dela, que há pouco tempo desertaram para o sertão do Trombetas, depois de haverem executado várias enormidade e delitos, pelos quais deviam ser punidos. (FONSECA, 1826, p.16).

Na correspondência do Governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, entre os anos 1751-1759 aparecem diversas informações que se reportam à “fortaleza” de Pauxis. Na carta do dia 6 de novembro de 1752 ele afirma: “fui pelo Amazonas acima, vendo as Fortalezas e Aldeias que estão por aqueles rios até os Pauxis”, não especifica as características da “fortaleza”, porém informa que durante as permanências nas diversas localidades ele foi “atormentado de mutuns, carapanãs, muriçoca, muruins, e até não faltou pium”. (MENDONÇA, 2005, TOMO I, p. 345, 346). Ainda sobre essa viagem, a carta de 19 de novembro de 1752 revela que “as fortalezas estavam arruinadas e quase todas as povoações perdidas”.

Vestígios cotidianos de Pauxis anteriores ao diário de Queirós

A pesquisa localizou documentos com evidências de produção literária no ambiente da “Casa Forte de Pauxis” e/ou em outras residências da vila[2] de Óbidos. O primeiro exemplo é a carta de 11 de fevereiro de 1753 de Francisco Portilho e Melo ao Capitão José Antônio de Freitas Guimarães e se reporta aos seguintes fatos:

Vejo o que V. M. me diz na sua acerca dessa Fortaleza a gente do descimento; como eu nesta parte mais dependo da sua vontade que eles da minha, remeto os homens para se registrarem, e parece-me que aqui se findará o descimento; porquanto, depois que partiu daqui o Tenente Manuel Inácio entrou a gentilidade a dar urros, e está isto muito alvoroçada, e agora na presença do sargento e soldado que V. M. mandou, me vieram dar parte que fugira um filho dos Principais, e assim irão os mais com a notícia de os quererem contar, por que entendem que os querem repartir. (MENDONÇA, 2005, TOMO I, p. 429).

Nesse documento foram registrados os nomes dos sujeitos da correspondência, assim como do tenente que se ausentou da “fortaleza”. Porém, não são nomeados o sargento e o soldado, e não há citações sobre a presença de mulheres desses militares. Apresenta as pessoas dos povos originários naquele contexto e suas manifestações em “dar urros e estar alvoraçada”, o que parece indicar o descontentamento destes na convivência com os colonizadores, evidenciando a resistências dos indígenas ao possível repartimento do grupo, o que em hipótese, os deixariam mais fragilizados para a exploração do trabalho e do domínio dos militares portugueses em Óbidos. Esta citação remete também à documentação anteriormente apresentada, quando menciona as “enormidades e delitos” nos conceitos dos cronistas portugueses, mas que podem ter significado momentos de vitórias e liberdade para os indígenas participantes dessa agência contra a presença e a violência dos invasores de seus territórios. Outro fato que se repete em quase toda a documentação é a ausência dos nomes das etnias indígenas e especificamente nessa carta de 11 de fevereiro de 1753 quando silencia ou esquece de mencionar o nome do “filho e dos principais”, aos quais o documento demonstra existir uma conexão social.

Em 02 de outubro de 1754 o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado iniciou sua viagem para fazer demarcações e assegurar o domínio de Portugal sobre as terras conforme o Tratado de Madri de 1750. Além da embarcação onde ele viajou, somavam-se à expedição mais 12 canoas onde viajavam pilotos, oficiais da fazenda, astrônomos, engenheiros, militares e remeiros indígenas[3] imprescindíveis para as ações colonizadoras do período. Camila Loureiro Dias (2019) afirma que os remadores indígenas exerciam atividade fundamental na produção econômica da conquista da Amazônia, pois as expedições fluviais adentravam o interior desse território com diferentes objetivos e as aldeias missionárias localizadas estrategicamente, serviam como ponto de apoio para essas viagens no abastecimento das canoas, assim como de outros “remadores, farinhas e mantimentos”. (DIAS, 2019, p. 244).

A referida autora declara também que essas expedições duravam em média de seis a oito meses e que uma única canoa empregava entre 25 a 40 remadores, pois nesse “abastecimento”, havia recortes de gênero e faixa etária, e apenas homens eram escolhidos, os outros: mulheres, idosos e crianças, eram consideradas “gente inútil”, com a incumbência de “plantar e cultivar os produtos da floresta, os quais pagos à Fazenda real em forma de impostos, financiariam o serviço e culto nas igrejas, o sustento de suas famílias e as despesas da expedição”. (DIAS, 2019, p. 245).

Em conformidade com as peculiaridades daquele cotidiano, a expedição demarcadora de limites saiu da “Fortaleza dos Tapajós” no dia de 10 de novembro, 07 horas da manhã e chegou ao porto da “Fortaleza dos Pauxis” próximo de 5 horas da tarde do dia 12, e a descrição produzida nessa viagem sobre a Casa Forte dos Pauxis informa que:

Nesta fortaleza que se acha em um sítio eminente e agradável onde nos demoramos no dia 13, em que S. Exª mandou matar duas reses, que se repartiam pelos oficiais, e deu mesa a todos os que quiseram como também mandou repartir pelos soldados da guarnição a mesma propina que tinha dado aos destacamentos antecedentes. No dia 14 ouvimos missa, e pelas 8 horas da manhã seguimos a nossa viagem. (MENDONÇA, 2005, TOMO II, pp. 275).

A ação do governador para alimentar os integrantes da viagem pode indicar a existência de criação de gado bovino naquele período em Pauxis. Mais uma vez são citados os soldados da guarnição, sem nomeá-los nem os quantificar. Se noticia também a realização de uma missa, sem descrever, no entanto, a identidade dos padres, dos demais participantes e também sem mencionar o número de habitantes da povoação, assim como não há informação sobre os povos originários.

Em 14 de novembro de 1754 o Bispo Dom Miguel estava na “fortaleza de Pauxis” e no contexto da expedição demarcadora escreveu uma carta relatando algumas dificuldades durante a viagem de Belém até a sua estadia naquele lugar: afirma que até a referida data, 118 “índios” já teriam fugido e permaneceu em Tapajós por 6 dias para conseguir naquelas aldeias mais vinte e nove nativos (MENDONÇA, 2005, TOMO II, p. 296), sem, no entanto, conseguir completar a quantidade de trabalhadores necessários para os afazeres da expedição, fato que sobreleva a centralidade dos conhecimentos e saberes ambientais e territoriais dos povos originários, bem como acentua a imprescindibilidade do seu trabalho[4] para a concretização daquilo que objetivavam os colonizadores com suas expedições.

Dom Miguel relata que, ao sair de Tapajós fugiram mais oito pessoas, também identificados como “índios” e temia novas evasões até a sua chegada ao rio Negro. Descreve sobre os mantimentos existentes: “tenho tirado das aldeias setecentos e trinta alqueires de farinha, e algumas galinhas que os miseráveis moradores (de Pauxis) me têm trazido dos seus costumados presentes” (IBID p. 296). Comunica que o “capitão de Granadeiros e o Comandante da Fortaleza dos Tapajós “tinham juntos 240 galinhas, algumas vitelas e uns poucos leitões com que socorríamos os Oficiais Engenheiros” (IBID p. 297), e solicita com urgência o envio de sal para o arraial de Mariuá (futura Barcelos), no sentido de salgar a maior quantidade de peixe possível e garantir a alimentação para os trabalhadores da demarcação.

As informações contidas nessa carta podem ser admitidas como factuais, e revelam conflitos e resistências dos povos originários em relação aos colonizadores. Até a escrita desses relatos produzidos em Pauxis, 126 pessoas já haviam se evadido.

É de grande importância se analisar a informação sobre os setecentos e trinta alqueires de farinha, visto que, o cultivo da mandioca e as tecnologias de preparo da terra, plantio, manejo das plantas e do ambiente, assim como o processo de produção até o produto final requer os conhecimentos indígenas relativos às plantas, o clima e, portanto, o tempo correto de plantar e de colher, assim como todo o instrumental técnico exigido para produção da farinha até consumo.

Vale ressaltar que a produção da farinha oferece outros produtos como o tucupi, a tapioca, a crueira, o carimã, os beijus, alimentos importantes para a nutrição dos povos originários da Amazônia e, é factível pensar terem servido também para a segurança alimentar dos colonizadores. Papavero (2010) fez riquíssima descrição em cinco páginas do conhecimento indígena relativos à mandioca, as ferramentas necessárias à produção de farinha e dos outros produtos alimentícios inerentes à essa raiz; quando estuda o diário do astrônomo Giovanni Angelo Brunelli que participou da comissão demarcadora liderada por Mendonça Furtado iniciada em 1754. (PAPAVERO, 2010, p. 519-523)

Conforme a carta de número 100, escrita por Mendonça Furtado para Sebastião José registrada em Mariuá em 6 de julho de 1755, a expedição era composta por 898 pessoas (IBID, p. 370). Destas, um percentual aproximado de 14%, já havia abandonado a Comissão Demarcadora no perímetro entre Óbidos e Santarém e temia-se que outros sujeitos tomassem a mesma iniciativa para mudarem suas histórias naquele cotidiano. Outra informação que requer perspicaz atenção é a referência à criação de galinhas, vitelas e leitões, animais próprios da produção econômica europeia do período, os quais já estariam inseridos no ambiente amazônico no processo de colonização.

Quando se refere aos mais de setecentos alqueires de farinha (de mandioca) recebidos e conceitua como miseráveis aos moradores de Pauxis, a descrição se assemelha a informação do diário escrito pelo astrônomo Giovanni Angelo Brunelli quando passou por Pauxis durante a mesma Comissão de Limites: “A fortaleza de Pauxis, como de costume, é pequena e miserável, mas antiga e colocada num lugar muito eminente; (onde havia também) uma pequeníssima aldeia anexa dos capuchinhos”. (PAPAVERO, 2010, p. 496).

A percepção descrita como “miserável” pelos dois narradores europeus pode, no entanto, estar em oposição ao sentido de vida e compreensão ambiental dos povos originários, o que na atualidade é conceituado como Bem Viver[5] visto que, não existe até o momento nenhum documento indicador de devastação ambiental em Pauxis naquele tempo, o que em tese, ainda possibilitava a permanência das práticas econômicas dos povos originários antes da colonização.

O Padre jesuíta João Daniel, que viveu na Amazônia no período de 1741 a 1757 fez nas mais de 400 páginas do seu livro 10 referências à “Fortaleza de Pauxiz” (única referência de grafia com terminação Z). Na grande maioria das citações exemplifica “Pauxiz” como referência ou marco geográfico. Informa que a “preamar das marés” alcança até o “estreito” do rio Amazonas onde se localizava a fortaleza; elogia a qualidade do “rochedo” onde estava instalada, menciona a qualidade dos grandes lagos, indica como referência de proximidade dos afluentes do rio Amazonas desde o rio Madeira até o rio Tapajós, reconhece as imediações de “Pauxiz” na fronteira da província de São José do Rio Negro, porém a fortaleza estava subordinada ao Pará e ainda afirma que os “índios” habitantes entre a fortaleza de Paru e a fortaleza de Pauxis falavam da existência de “muito ouro” nas cabeceiras dos rios naquele perímetro. Em nenhuma referência fica explícita a estadia de João Daniel em Pauxis e a maior citação escrita por ele informa que

Da mesma banda (lado esquerdo) tem o Amazonas, onde já conta 300 léguas desde a sua foz a Fortaleza de Pauxiz eminente ao rio em uma margem do monte, que para ali despedem as Serras de Paru. E posto que esta é uma das mais importantes fortalezas daquele rio, por estar em tão bela paragem, e por cruzar ali com as suas balas toda a largura daquele mar amazônico, que naquela paragem se estreita muito, não tem mais moradores, que o presidio, e guarnição da praça; e só tem cousa de um passeio de distância a Missão de [em branco no manuscrito]. É esta fortaleza, e povoação o princípio do governo novo da Província de São José do Rio Negro, mas cuido que tem subordinação ao governo do Pará, a cujo Bispado ainda pertence, como todo o mais distrito do Amazonas. (DANIEL, 1975, p. 294).

Para além do seu entusiasmo com a geografia da “bela paragem” cita a importância e eficiência do lugar para estratégia de controle militar, os poucos moradores, a guarnição e a proximidade com a missão, que infelizmente, o nome está em branco no documento. Não nomeia aos moradores ou etnias indígenas, não descreve a agricultura, a domesticação de animais e menos ainda a quantidade e a qualidade das moradias.

Em 1758 Pauxis foi elevada à categoria de vila. Reis (1979) afirma que em carta datada de 04 de julho do referido ano, Mendonça Furtado reuniu três aldeias com objetivo de tornar a futura Óbidos mais populosa. A primeira aldeia ficava próximo da “fortaleza”; a segunda se alcançava caminhando por trinta minutos a partir da Casa Forte; e a terceira distava um dia de viagem naquele contexto histórico. O autor declara que “os documentos referentes a esse período se perderam durante as refregas da Cabanagem” (Ibid, p. 32) e que eles poderiam fornecer os nomes dos primeiros sujeitos que foram escolhidos para compor a Câmara de Óbidos, contudo, afirma que “esses homens eram nativos” e na sua grande maioria não saberiam ler e escrever e teriam dificuldades, por exemplo, para redigir as atas das cessões.

Os documentos trabalhados por Reis (1979) informam que a união das três aldeias fez a vila de Óbidos “mais populosa”, porém não cita nenhum censo populacional e intuiu que o cerimonial aconteceu conforme o realizado na fundação da vila de Borba, quando se reuniu “os índios, e os moradores brancos, rasgada uma praça, levantado o pelourinho, o Capitão-General, cercado de seus auxiliares declarava criada a vila” (IBID, p. 31). Os únicos nomes citados além do próprio Mendonça Furtado é o do coronel Joaquim de Melo e Póvoas e do ouvidor e corregedor-geral Pascoal de Abranches Madeira Fernandes que faziam parte da comitiva que seria empossada no governo da Capitania de São José do Rio Negro.

O cotidiano de Pauxis no diário de Queirós

Além de ter vivenciado um momento histórico como o advento do pensamento iluminista, Queirós também foi contemporâneo de fatos muito importantes na história colonial do Brasil e do Pará a exemplo da “expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses, a implantação do Diretório dos Índios e o redimensionamento do papel da Igreja Católica. Nessa conjuntura foi nomeado como o 4º bispo da Capitania do Pará” (MOURA, 2009, p. 08), assumiu o cargo em 31 de agosto de 1760 e sua posse aconteceu no dia 04 de setembro.

O bispo Queirós empreendeu duas “visitas paroquiais” aos povoados do Pará: a primeira pelos rios Guamá, Capim e Acará iniciada em 19 de dezembro de 1761 (QUEIRÓS, 1868, p. 170); a segunda, na qual visitou a vila de Óbidos teve o início no dia 10 de novembro de 1762 a partir de Belém e, “acompanhavam-no o secretário da visita, um escrivão da câmara, um mestre de cerimônias, um pregador e intérprete da língua geral, um cirurgião, um caudatário, índios de remo e cozinha”. (MOURA, 2009, p. 102).

A primeira informação noticiada por Queirós sobre Óbidos está no relato de sua chegada em Gurupá dia 23 de novembro quando fez referência ao “hospício” dos Capuchos da Piedade naquela povoação e lista também outros hospícios, entre eles, o de “São João Batista dos Jamundazes, o de Pauyis (assim ele grafa no primeiro momento), hoje vila de Óbidos, dos Arapiuns, Candorizes e Coriatis”. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 63).

Declara que no dia primeiro de dezembro quando navegava pela região do Paru observou que “sem embargo tem-se visto ouro dos maiores quilates” (IBID, p. 71), o que converge para a afirmação do padre João Daniel anteriormente citado, sobre o ouro nas cabeceiras dos rios no perímetro entre Paru e Pauxis. Dia 5 os visitadores chegaram ao rio Tapajós onde se lê no diário a segunda referência sobre Óbidos. Inicia falando que a vila de Santarém

Tem um pequeno fortim ou reduto fundado a expensas próprias de um Francisco da Costa Falcão, e continuado por seu filho Manoel da Mota, ambos de Portugal; o último fez mais três, um em Pauxis, que hoje é vila de Óbidos, outro em Rio Negro e o terceiro junto à serra de Paru. Concedendo-lhe a corte a escolha de um dos quatro em três vidas. Escolheu o de Tapajós. Expiraram as três vidas, e não teve renovação da graça, porque o sucessor com a pobreza abatidos os espíritos pediram baixa do serviço. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 81).

Essa informação sobre Mota Siqueira ter escolhido a fortaleza de Tapajós se coaduna com as informações presentes em Sousa (1885), Barreto (1958) e Bettendorff (2010). Queirós e seus acompanhantes saíram de Santarém dia 23 de janeiro de 1763 por volta de cinco horas da manhã, portanto os visitantes permaneceram em torno de18 dias na região do rio Tapajós.

Navegando entre Santarém e Óbidos faz menção a inúmeras ilhas e compara toda sinuosidade de furos e “paranamirins” a um labirinto; observa a cor das águas como barro e as valoriza como as “mais saudáveis do Estado” (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 205); afirma que “há águas na capitania de Rio Negro, no rio Japurá, que até aos jacarés são nocivas”. (IBID, p. 206).

Relata o fenômeno das terras caídas que arrasta “arvoredos”; confirma relatos como o de La Condamine que em frente a Óbidos ainda se “percebem enchente e vazante das marés, mas para cima nada mais”; estima que o estreito alcançava novecentas braças, ali teria sua maior “correnteza sem lhe poder perceber o fundo” e fecha a descrição sobre o grande rio afirmando que “fomos vendo os troncos que a chuva trazia, os quais pela maior parte descem do rio Madeira, os mais da parte do domínio do rei católico, e caminham pelo Amazonas fazendo alguns ao longe o vulto de náos: tais são os enormes cedros d’aquele rio”. (IBID, 212).

Outro fato relevante que o difere dos demais autores e documentos do período foi a estadia em um sítio que ficava “à esquerda de Paricatuba” dez léguas distante de Tapajós e treze léguas de Óbidos, onde ficaram no porto do lugar durante a primeira noite da viagem. Relata uma trovoada de chuva grossa e analisou a qualidade das telhas de “marca maior” para suportar os fenômenos como aquele vivenciado na mencionada noite. Informa que o proprietário era “José de Sousa, natural e casado em Santarém” (IBID, 207), mas não informa o nome da mulher, nem se o casal já possuía filhos; silenciou também sobre a presença de possíveis trabalhadores, se existiam embarcações, produções econômicas no sítio e outras características da casa além da qualidade das telhas.

Quanto à povoação de Pauxis relata o “sitio da fortaleza” e vila de Óbidos, como “eminente ao rio, tem igreja ordinária coberta de folhas, e muitas casas pelo mesmo modo” (IBID, p. 208). Confirmou a necessidade de o “fortim” ter uma “forma mais regular” e que a guarnição tinha “seu número, mas nós a achamos com um sargento e outro companheiro soldado, e soubemos que alguma vez fizera a guarda em sentinela a mulher do comandante: nada admira nas portuguesas, ainda fora do rio são Amazonas” (IBID, p. 208). Achava-se em Pauxis o vigário, padre Fr. Francisco de Sales, religioso de Nossa Senhora do Carmo da antiga observância e natural do Pará, e relata ainda que por “algum tempo correu isto pelos padres da Piedade, mas naquele tempo estava entregue a providência episcopal” (IBID, p. 209). Não relata sobre a Câmara inaugurada com a elevação à vila e nem reportou a existência dos “sujeitos” que deveriam compô-la.

Convoca ainda a “grande atividade e gênio militar” do capitão general Manoel Bernardo de Mello e Castro -governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão de 1759 a 1763- do qual esperava a providência para fazer respeitada esta passagem, que era, como ele pensava “a chave ou a aduana d’este sitio, reprimindo a insolência do inimigo” e, confirmando a fama de possuir uma linguagem irônica e denunciativa demonstra o temor da

possibilidade remota da comunicação do holandês pelo rio das Trombetas, em tão pouca distância de Pauxis, para que a casa forte que tem, e está caindo aos pedaços, sustentando o nome de fortaleza merecesse conseguir com verdade desempenhar este nome; guarnecendo-se com boa artilharia e gente paga com que pudesse corresponder atenta aos cortejos dos clarins e caixas de Holanda, cujas visitas tantos nos obrigam na América, na Ásia, nas costas de África e na Europa. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 211, 212).

Sobre a população afirmou que não contava “a freguesia[6] mais de que trezentas pessoas” e durante os dias de permanência em Óbidos o bispo organizou pelo menos dois momentos de crisma quando reclama dos “muitos nomes gentílicos, impostos principalmente por jesuítas” e afirma que no “dia 27 crismamos de tarde Lívias e Auroras” (IBID, p. 209). Esse fato permite pensar que as meninas foram assim nomeadas e produz alguma estranheza por não utilizar nomes empregados com frequência pelos católicos como, por exemplo, Anas e Marias. Sobre os “índios”[7] informa que

passam como em outras partes com a costumada pobreza, e sem abundancia de farinha, e tem sim alguma pesca, que fazem á flecha, ou talvez a linha; os costumes são os mesmos, e o vestir da mesma forma, homens e mulheres, nus da cintura pra cima e o comer e beber pelo mesmo estilo observado em outras povoações. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 210).

Ainda que faça breve citação aos povos originários presentes no cotidiano da vila de Óbidos, Queirós supera a todos os outros autores e documentos do período. Evidencia a costumeira visão de pobreza e miséria descrita por outros autores, inclusive transparece uma impressão negativa sobre a produção de farinha e parece não ter ficado impressionado com a quantidade e qualidade da produção de pescado, ainda assim informa duas possíveis técnicas de pescaria. Diferentemente dos documentos anteriormente analisados, ele informa sobre a cultura dos vestuários e as maneiras no ato de comer e beber. Infelizmente não descreveu os objetos e matérias-primas referentes às roupas e demais utensílios e não nomeia as pessoas indígenas com exceção de quando explica o nome do rio Trombetas afirmando que, o nome poderia ser uma espécie de alusão a um “principal” dirigente de uma grande nação nomeado como “Trombeta”. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 211).

Sugere o “descimento” dos povos originários do rio Trombetas para Óbidos e que deveriam ser tratados como “Deus e o rei querem”, empregando a religião e a civilidade para cessassem as fugas

aos seus matos vizinhos e as extorsões dos brancos, abusando de suas filhas e mulheres e mulheres dos índios, matando-os a pancadas, e desterrando-os para o trabalho artificiosamente quando deviam ter algum descanso, enfim praticando o que fazem muitos, cessando estes e outros escândalos comuns, logo haverá modo de responderem as flechas dos índios às setas de Holanda e os maiores interesses seriam os da religião. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 212).

Esta informação do Bispo Queirós além de evidenciar as violências – dentre elas o estupro de mulheres – sugere a continuidade do aprisionamento dos indígenas para o trabalho escravo, mesmo depois da Lei da Liberdade dos Índios publicada em 1758, com a instituição do Diretório dos Índios no contexto das reformas pombalinas.

As descrições relacionadas à fauna e à flora revelam dimensões socioambientais importantes na história de Óbidos do século XVIII. Os relatos são em sua maioria descrições dos usos para a alimentação e medicina, pois informa que na viagem entre Santarém e Óbidos “a dieta constava de carne de cotia moqueada, isto é curada a fogo e fumo”, assim como

Inumeráveis bandos de marrecas saborosíssimas, que vão deixando as praias por causa das chuvas, patos de grandeza notável; inumeráveis macacos, sendo muito célebre entre eles a espécie dos pequenos vupapussas e ciganas, aves vistosas pelas plumas ou ramo na cabeça, porém ingratas ao gosto; mutuns, certa espécie de perus saborosos. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 207).

Quando o bispo descreve a maioria das casas da vila cobertas de palha nos remete aos conhecimentos florísticos e ambientais dos povos originários para identificar as melhores folhas das palmeiras, a habilidade no manuseio destas para compor a cobertura das casas, assim como o conhecimento ambiental sobre a qualidade das árvores para os esteios, os caibros e toda a madeira necessária para a arquitetura das casas, além dos conhecimentos das amarrações com as fibras vegetais que dão o suporte necessário para as habitações.

Queirós também faz referência ao consumo de cotias moqueadas se “esquece” de descrever os conhecimentos e estratégia para a obtenção dessa caça e também o domínio do fogo e defumação das carnes e a escolha das plantas para o feitio dos moquéns, todas essas técnicas foram indispensáveis para o estabelecimento dos colonizadores, e, deram suporte para Queirós empreender suas viagens, quando utilizou o trabalho indígena de remadores, assim como o conhecimento ambiental e tecnológico de caçadores, pescadores, cozinheiros, agricultores que produziam a mandioca e seus derivados, intérpretes da Língua Geral. Portanto sem o trabalho e os saberes milenares dos povos originários[8] ele não poderia executar as suas “visitações de clérigo iluminista”.

O Bispo relata que logo ao sair de Óbidos pouco mais de um quarto de légua está um lago, chamado dos Sucurijus e mesmo havendo ali “excelente” peixe e muitas tartarugas os pescadores não se atreviam fazer seu trabalho com medo e receio de irritar as cobras que davam nome ao lago. Eram tão presentes estes animais que a transparência das águas possibilitava avistá-los enroscados “como amarras de navio maiores e menores, em diversos montes”. (IBID, 210).

Alguns negros se valeram da faca, e lhes valeu cortar a cauda, que não é volumosa como o mais corpo. Uma preta, porém, que lavava n’este porto sobre uma mesa, como costumam, junto ao rio, defendeu mais que o ferro o pau e chegou-se à cobra sem ruído, armando-lhe o tiro errou, por que em lugar de enlaçar a preta, atracou apertadamente um pé da banca, com que deu tempo a fugir e escapar-lhe. (QUEIRÓS, 1762/1763 p. 211).

Essa citação faz referência pela primeira vez em toda a literatura estudada, às palavras “negros e preta” indicando a possibilidade de referência às pessoas de etnias africanas, pois Queirós refere-se aos povos originários como “índios”. O bispo relata ainda o desaparecimento de rapazes que nadavam no rio, inicialmente vinculava-se o evento aos sucurijus, no entanto em certa ocasião se pescou um grande peixe “chamado praira” muito voraz, de grande tamanho e quando “aberto se lhe achou carne que se conheceu ser humana e os ossos de gente de pouca idade”. (IBID, 211).

Sobre os vegetais celebrou a identificação da planta reconhecida por ele como “contra-herva” e afirmou ser o principal ingrediente do bezoartico do Curvo[9]. Fez importantes comentários a respeito do guaraná, os problemas causados pelas folhas de açacu quando podres e caídas em águas paradas e “as águas que se purificam com a multidão de raízes da salsaparrilha, das quais os índios quando têm grande fastio, fervendo-a muito bem, usando d’ela seis ou sete dias” (IBID, 206). Descreveu também os diversos usos do epadu pelos povos originários e se entusiasmou com

as celebres arvores de embaúba, remédio eficaz para sangue no peito, tirado o olho da planta, raspado, lançado em vinagre, logo batido com clara de ovo e alguns pós de açúcar, se toma pela boca. Ainda que outros lhe antepõem a resina d’arvore jataí desfeita em pó e lançada em água, que fica como leite, e livra do sangue do peito e de diarreia sanguínea. Encontrámos muitas árvores que não tínhamos visto, como são as que dão as castanhas chamadas do Maranhão (hoje chamadas Castanha do Pará ou Castanhas do Brasil) que não há n’aquele Estado, ou raríssimas ‘mangaveiras brabas?’, o finíssimo pau mulato e outros muitos. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 206, 207).

Mais uma vez a habilidade iluminista de Queirós em descrever os elementos culturais dependem dos saberes milenares dos povos originários: a embaúba, o jutaí, a salsaparrilha para a medicina, a Castanha do Pará, o guaraná para a alimentação e “o finíssimo pau mulato” para as construções de casa, para cercas e na atualidade a Calycophyllum spruceanum (Benth.) K. Schum rende madeira ótima para telhados e móveis e é uma das espécies da floresta de várzea mais comercializadas no estado do Amapá segundo a jornalista Dulcivânia Freitas. (FREITAS, 2015, p. 1).

Leila Morão (2011) produziu inéditos conhecimentos sobre o açaí, a Euterpe oleracea, desde a sua mitologia até o que se conhecia sobre esse fruto no início da segunda década deste século XXI. Concernente ao recorte temporal aqui definido, ela fez referência sobre os trabalhos de Bettendorff (2010), Frei Cristovão de Lisboa (1967), e o padre João Daniel (1975) sem citar o trabalho de Queirós (MOURÃO, 2011, p. 194-196).

Quanto a produção e consumo do açaí entre os povos indígenas o bispo fez larga e detalhada análise durante a sua permanência em Óbidos, se comparado aos autores do período histórico que aqui se estuda. Descreveu as características gerais da palmeira, menciona o conhecimento deste fruto por padres franceses, articula alguns valores e as possibilidades medicinais e curativas do mesmo, faz as diferenças do gosto com e sem acrescentar açúcar, além das características físicas do fruto e de seu “vinho” inclusive fazendo menção à possível riqueza da sua oleoginosidade, evidentemente todos esses conhecimentos foram obtidos e aprendidos com os povos originários que habitavam em Óbidos no século XVIII:

É uma bebida muito estimada o açaí, o que o padre Loyer, francês, afrancesando (como costuma o padre Labat) os nomes próprios, chama “assayaye”. A arvore é como palmeira, porém tem o tronco liso; abaixo das folhas rompe no tronco uma vara delgada ou duas, e talvez mais, com suas divisões, e logo se forma uma espécie de cacho, ou mais propriamente de ramos de oliveira; então se vê multidão de bagos como azeitonas e mais redondos, e de que se compõe com água (e pessoas mais polidas, e de menos mau gosto, com açúcar temperando esta bebida, que o costume e até a lisonja faz agradável se não é especial capricho e fanatismo. Poderá ser bebida útil, aplicada medicamente em particulares tensões. Dizem que é oleosa esta fruta, e por isso quente. Pode ser em grão temperado, mas o que certamente sabemos, e o devem observar os Srs. Curativos, é ser muito alcálica, facilmente o experimentarão se depois da prova, mastigando uma ou duas frutas do açaí, isto é, a pele ou a casca que unicamente tem sobre o caroço, e percebendo a doçura e insipidez ingrata, provarem imediatamente o limão mais azedo ou vinagre mais ativo, pois acharão a ambos doces, o que provém da abundância de álcalis. (QUEIRÓS, 1762/1763, p. 210, 211).

Antes de Bettendorf, Frei Cristovão de Lisboa e o padre João Daniel, três outros cronistas anteriores ao recorte temporal demarcado neste trabalho fizeram referências à Euterpe oleracea, a partir da colonização francesa no Maranhão iniciada em 1612. São eles: Claude d’Abbeville (1674), Gabriel Soares de Souza (1971) e André Thevet (1994). Todos trazem importantes informações para a história do açaí na Amazônia, porém nenhum deles, como os demais citados por Leila Mourão (2011), se ateve à tantas possibilidades de uso deste fruto, inclusive com a hipótese de eficiência para fins medicinais, a exemplo do que descreveu, conceituou e valorou o Bispo Queirós. Nesse sentido tem relevância se apresentar as impressões registradas pelo clérigo português, com o sentido de promover outras releituras, se levando em consideração o contexto socioambiental e histórico da Óbidos oitocentista.

Considerações finais

A reunião das diversas literaturas - seja com escopo científico, cartas, diários, crônicas, documentos de Estado - possibilita reestudar, rever, reinterpretar as literaturas legitimadas até hoje sobre a história ou as histórias de Óbidos, em especial os fragmentos da cultura e trabalho indígena dispersos em toda a documentação.

Outra contribuição importante é se expor histórias rejeitadas nas narrativas da “história oficial” embasada no livro a História de Óbidos de Arthur Cézar Ferreira Reis. Segundo Ricardo Lima da Silva, Reis sustenta uma narrativa da conquista, domínio e colonização do solo brasileiro pelos portugueses, em forma de epopeia, vencendo lutas épicas e que era o único povo capaz de construir o Brasil (SILVA, 2019, p. 3). Nesse sentido Reis prioriza em seus estudos sobre a história de Óbidos, descrever a linha do tempo a partir do estabelecimento dos invasores europeus e da história da implantação de instituições do Estado português desde o período colonial até a segunda metade do século XIX, o que promoveu “o apagamento dos rastros, os esquecimentos” como postula Paul Ricoeur (2007), especialmente sobre os saberes e a produção de riquezas pelos povos originários, imprescindíveis para o estabelecimento e domínio luso na Amazônia.

Para a mentalidade de Arthur Cézar Ferreira Reis, os povos indígenas possuíam “uma estrutura social mais rude” e viviam “num estado de infância cultural [...] essas gentes da selva”. (REIS, 1979, p. 91-92). Essas características são contestadas por Manuela Carneiro da Cunha (1992, p. 11) e caracterizadas como armadilhas, pois “pouco se sabe da história indígena e tudo o que já foi escrito, são fragmentos de conhecimentos”. Assim, para além desse limite interpretativo dos fatos já historiografados, se revelam também, distintas formas de saberes e conhecimentos nas relações cotidianas estabelecidas seja pelo contato, seja pelo conflito entre os grupos sociais presentes no período histórico em tela: povos originários, etnias africanas e europeias. Pois enxergar os aspectos ligados ao cotidiano desses diferentes grupos e seus interesses, viabiliza amparar a reflexão intrínseca às peculiaridades socioculturais, fundamentais para se entender como viviam e ambientavam os sujeitos históricos em sua diversidade humana e cultural, naqueles espaços e territórios específicos do tempo histórico que aqui se expõe.

Os recortes de gênero, idade, classe social e tempo exibem a diversidade etno-histórica da vila de Óbidos sob diversos prismas e fortalece a polissemia de sujeitos históricos e suas vozes para contar com maior diligência os fatos.

Entre as informações presentes neste trabalho se destacam algumas referências às mulheres, a exemplo daquelas indígenas solteiras ou filhas e mães abusadas pelos soldados e colonos, a mulher preta que enfrentou a sucuriju pela força dos seus braços, a mulher portuguesa que na ausência do comandante fez a guarda em defesa da “Casa Forte”, ainda que invisibilizados seus nomes próprios, assim como, a senhora Maria Siqueira mulher do comandante da “Fortaleza de Tapajós” e as Lívias e Auroras que foram crismadas nos dias da visita de Queirós, permitem vislumbrar o início, ainda que muito frágil, da escrita sobre a História das Mulheres de Óbidos.

O desafio é seguir “o fio e os rastros” (Ginzburg, 2007) das narrativas presentes em diários, cartas, relatórios, na oralidade dos sujeitos e encaixar e/ou justapor os acontecimentos que estavam dispersos e foram/continuam invisibilizados pela literatura oficial e assim distinguir as vozes diferentes e opostas, mas que descrevem o lugar habitado, “desembaraçam os fios multicores” (Ginzburg, 2007, p. 287) que constituem o emaranhado dessas histórias e revelam etnografias e culturas bem visíveis, assim como aquelas que ficaram nas entrelinhas das “obras de erosão dos esquecimentos” (Ricoeur, 2007), mas que possibilitaram outras percepções das culturas indígenas e dos demais grupos humanos, assim como a arquitetura socioambiental de vilas e cidades e as transformações dos demais ambientes que coexistem em processo, desde o período colonial até a história contemporânea do município.

Michel de Certeau (1994) afirma que por meio do discurso “o homem generaliza um saber particular e garante por toda a história a sua validade”. Desse modo a história de Óbidos relatada nesse artigo revela as falas cotidianas registradas em diários que definem “o lugar (comum) do discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento”. (CERTEAU, 1994, p. 62-63). Nesse movimento outras histórias vêm à tona e mostram diversos olhares e perspectivas, para revelarem a Óbidos plural e pouco conhecida, e que pode, a partir dos seus conflitos, produtividade, singularidade territorial e sabedoria dos povos originários, africanos, europeus salvaguardar os saberes vivenciados e ambientados naquele território durante séculos.

Assim sendo, é fundamental reportar os estudos arqueológicos sobre o manejo de plantas (Magalhães, 2018) e da agricultura dos povos originários com seus sistemas sofisticados de produção, que incluíam desde conhecimentos de calendários agrícolas baseados na astrologia, até sistemas de seleção e manejo de solos e diversificação de culturas (ALVES, 2001, p. 6), exemplificadas neste trabalho nas citações referentes a farinha de mandioca, a produção e consumo de açaí, a importância da salsaparrilha, o uso do guaraná, a identificação da Castanheira do Pará, entre outros, se revelam historicamente imprescindíveis para compreender que, a permanência dessas culturas ancestrais configura uma continuidade e resistências etnoculturais em oposição às violências da colonização no passado e no presente.

Essas informações também apontam caminhos para salvaguardar a natureza e sua diversidade biológica como “sujeito de direitos” (Acosta, 2016) e podem nortear caminhos para ajudar solucionar as dificuldades socioeconômicas e ambientais para os povos indígenas na atualidade, assim como os problemas socioambientais presentes na história das comunidades do município de Óbidos, impostos a partir dos domínios e explorações do período colonial.

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Notas

[1] Importante literatura sobre o conceito de sertão para esse período está em Chambouleyron (2010)
[2] A criação de uma vila implicava a imposição de uma instituição jurídica a um núcleo urbano que se tornava então formalmente integrado ao Império Português. Criava-se conselhos, uma unidade territorial no âmbito civil e, um governo que ficava a cargo de uma Câmara. (DERNTL, 2010, p. 71)
[3] Décio Gusman e Elias Abner Coelho Ferreira (2012) apresentam importantes estudos sobre os indígenas remeiros descritos pelo padre João Daniel em seu livro Tesouro Descoberto no Rio Amazonas.
[4] Segundo Antônio Porro Os índios livres resgatados ou descidos ficavam sob a responsabilidade das ordens religiosas nas fazendas e nas missões, para serem postos à disposição da administração na execução de obras públicas, ou mesmo de particulares autorizados a requisitá-los. Debaixo, portanto de uma ténue aparência de legalidade, estava caracterizado o trabalho forçado de repartição. (PORRO, 1992, p.189).
[5] Segundo Alberto Acosta (2016), o Bem Viver é uma ideia em construção, questiona o conceito eurocêntrico de bem-estar, propõe uma luta que enfrenta a colonialidade do poder e seu ponto de partida são as distintas maneiras de ver a vida e sua relação com a Pacha Mama. Tem como princípio a interculturalidade e as práticas econômicas e solidárias que reivindicam o passado e o presente dos povos e nacionalidades indígenas.
[6] A paróquia, ou na denominação mais comum, a freguesia, era a unidade territorial básica no domínio eclesiástico. No seu território havia uma igreja matriz, um pároco ou vigário e às vezes filiais com seus respectivos capelães (DERNTL, 2010, p. 63).
[7] Blenda Cunha Moura identifica em Queirós três grandes categorias que sobressaem entre os sujeitos indígenas: gentios (sem contato), índios aldeados, ou em processo de aldeamento. Aos gentios o bispo dispensa o apostólico discurso piedoso, que os encara como potenciais ovelhas do rebanho. Mas não é só isso. O frei também os descreve como bravios e perigosos, destacando, por exemplo, atos de canibalismo. Já os índios aldeados são apresentados nos papéis de companheiros de viagem (cozinheiros, caçadores, jacomaúbas), ovelhas do rebanho e, mais frequentemente, inconstantes e arredios. (MOURA, 2009, p. 95, 96).
[8] Ver PORRO, 1992.
[9] O médico João Curvo Semedo destacou-se na sociedade portuguesa pelo sucesso que obteve na cura dos pacientes que o procuraram, pelos remédios que inventou e pelos tratados de medicina que escreveu. Muitos dos enfermos por ele atendidos eram religiosos, nobres e pessoas distintas. Em um de seus principais tratados, Observaçoens Medicas Doutrinaes, enfatizou como a sua intervenção foi primordial para que os enfermos restabelecessem à saúde. Dentre os remédios inventados, contribuiu complementar para a fama alcançada pelo médico, o Benzoartico Cordeal, indicado para febres malignas, bexigas, sarampos, ânsias no coração e suspeitas de envenenamento. (LOURENÇO, 2016, p. 77).

Autor notes

i Mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia. Núcleo de Meio Ambiente (NUMA), Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor de História, Estudos Amazônicos e Educação Ambiental na Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC). E-mail: delio_reis@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2138-6091.
ii Mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia. Núcleo de Meio Ambiente (NUMA), Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor de História, Estudos Amazônicos e Educação Ambiental na Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC). E-mail: delio_reis@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2138-6091.

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