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AS PRÁTICAS MUSICAIS NÃO MONUMENTALIZADAS DA MINAS SETECENTISTA NA HISTÓRIA DA MÚSICA NO SERRO E DIAMANTINA POR FRANCISCO CURT LANGE
THE NON-MONUMENTALIZED MUSICAL PRACTICES OF MINAS IN THE HISTORY OF MUSIC IN SERRO AND DIAMANTINA BY FRANCISCO CURT LANGE
LAS PRÁCTICAS MUSICALES NO MONUMENTALIZADAS DE MINAS EN LA HISTORIA DE LA MÚSICA EN SERRO Y DIAMANTINA POR FRANCISCO CURT LANGE
Caminhos da História, vol. 28, núm. 1, pp. 117-140, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 1, 2023

Recepção: 29 Novembro 2022

Aprovação: 30 Dezembro 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: As pesquisas de Francisco Curt Lange em meados do século XX foram primordiais para situar Minas Gerais como um centro documental relevante no Brasil colonial. O curso da narrativa historiográfica foi redirecionada, novos músicos foram destacados e outras práticas e contextos musicais foram evidenciados. Recorrendo particularmente à pesquisa que este musicólogo desenvolveu sobre Serro e Diamantina setecentista, e disponibilizadas no Acervo Curt Lange da UFMG, este trabalho reflete sobre o lugar de Curt Lange em relação à narrativa musicológica e construção da história da música local a partir da documentação acessada. Assim, com base na revisita e releitura da documentação selecionada por Curt Lange, este artigo centra-se na visão e discurso contextual encontrado em relatos de viagem e escritos de memorialistas, onde se identificaram registros de práticas e manifestações musicais que permitem novos horizontes interpretativos à luz da atualidade musicológica.

Palavras-chave: música no período colonial mineiro, revisita e releitura documental, Acervo Curt Lange, Serro e Diamantina, musicologia e história da música.

Abstract: Francisco Curt Lange's research in the mid-twentieth century was essential to situate Minas Gerais as a relevant documental center in colonial Brazil. The course of the historiographical narrative was reoriented, new musicians were highlighted and other musical practices and contexts were emphasised. Recurring particularly on the research that this musicologist developed on eighteenth-century Serro and Diamantina, and made available in the Curt Lange Collection of the UFMG (Federal University of Minas Gerais, Brazil), this paper examines the role of Curt Lange in relation to the musicological narrative and the construction of local music history based on the documentation he accessed. Thus, based on the revisiting and rereading of the documentation selected by Curt Lange, this article is centred on the perspective and contextual discourse found in travel reports and memorialist writings, where records of musical practices and manifestations were identified that enable new interpretative horizons in the light of current musicology.

Keywords: music in the colonial period of Minas Gerais (Brazil), documentary revisiting and rereading, Curt Lange Collection, Serro and Diamantina, musicology and music history.

Resumen: La investigación de Francisco Curt Lange a mediados del siglo XX fue fundamental para situar a Minas Gerais como un centro documental relevante en el Brasil colonial. Se reorientó el el curso de la narrativa historiográfica, se a nuevos músicos y se evidenciaron otras prácticas y contextos musicales. Basándose particularmente en las investigaciones que este musicólogo desarrolló sobre Serro y Diamantina en el siglo XVIII, y puestas a disposición en la Colección Curt Lange de la UFMG, este trabajo reflexiona sobre el lugar de Curt Lange en relación con la narrativa musicológica y la construcción de la historia de la música local, a partir de la documentación a la que tuvo acceso. Así, a partir de la revisión y relectura de la documentación seleccionada por Curt Lange, este artículo se centra en la perspectiva y el discurso contextual encontrado en relatos de viaje y escritos de memorialistas, donde se identificaron registros de prácticas y manifestaciones musicales que permiten nuevos horizontes interpretativos a la luz de musicología actual.

Palabras clave: música en el período colonial de Minas Gerais, revisitación y relectura de documentos, Colección Curt Lange, Serro y Diamantina, musicología e historia de la música.

Localizado em um trânsito entre Música, Musicologia e História, por meio dos seus pressupostos para a reflexão acerca das práticas musicais, nos mais variados contextos e temporalidades, este trabalho se insere na perspectiva da música como parte da história, assim como as demais manifestações culturais, onde ela se entrelaça umbilicalmente ao contexto social que a engendra.

Como o historiador, o musicólogo imerge a partir do lugar que ocupa e de suas lentes conceituais sobre o fenômeno investigado. Busca, analisa e interpreta conexões que possam responder às suas perguntas investigativas e cria narrativas que organizam e registram a observação refletida. Para ambos, tanto na musicologia como na história, os documentos nos mais variados suportes são determinantes como vestígios de um passado, tomados como registros históricos e monumentos que despertam um imaginário projetado ou comprovado.

Foi com as ferramentas de ambas as áreas que nos dedicamos a analisar a prática musicológica e a construção da narrativa de uma história da música em Serro e Diamantina setecentistas de Francisco Curt Lange (1903-1997), por meio do estudo, releitura e reinterpretação das suas fontes documentais de investigação científica. Assim, fruto da pesquisa desenvolvida na tese de doutorado Serro e Diamantina coloniais: uma releitura da prática musicológica de Curt Lange (DE ULHOA, 2022), este trabalho apresenta um caso de releitura como exemplo para situar a importância de reconsiderar a prática investigativa em fontes documentais primárias, como base para a reinterpretação e atualização da lente de observação musicológica nas narrativas sobre histórias de músicas.

Aqui trazemos para a discussão os conteúdos de dois conjuntos que compõem os documentos de pesquisa de Curt Lange, os que denominamos de relatos de viagem e textos de memorialistas. Esses registros integram os documentos que levantamos para análise do percurso investigativo e interpretativo das fontes pesquisadas por este musicólogo[3]. Tivemos como objetivo analisar os principais argumentos, escolhas e ênfases utilizados por Curt Lange, a partir da bibliografia básica por ele selecionada na construção do texto publicado como oitavo volume da Coleção História da Música na Capitania de Minas Gerais: Vila do Príncipe do Serro Frio e Arraial do Tejuco (LANGE, 1982).

A música no período colonial mineiro, particularmente após meados do século XX, muito graças à pesquisa pioneira que o teuto-uruguaio desenvolveu, tem despertado investigações que buscam encontrar na documentação remanescente e referenciada, contextos musicais até então desconhecidos. Neste trabalho, cujo foco é esse mesmo período, à luz da mesma documentação, visamos discutir e refletir práticas pouco ou não exploradas pelo musicólogo na sua interpretação da história da música em Serro e Diamantina coloniais. Descritas em alguns dos textos que serviram de base para a consolidação da interpretação da formação, características e do contexto social e cultural setecentista de Minas Gerais na ótica deste musicólogo, algumas práticas musicais passaram para a história da música das duas localidades como secundárias, tendo como exemplo mais marcante as manifestações afro-brasileiras.

Francisco Curt Lange tinha por interesse contextualizar a atividade musical declaradamente ligada ao rito católico da época, à música sacra ou litúrgica que denomina de erudita, comprovando a polivalência e destreza dos músicos de ofício na execução de qualquer tipo de obras sacras ou do repertório secular. Neste âmbito, utilizando-se dos apontamentos ligados a essa música nos registros cartoriais do senado da câmara e das congregações religiosas, Curt Lange construiu uma interpretação que se monumentaliza como inequívoca da história da música mineira setecentista. Por outro lado, sua narrativa compartilha alguns indícios que permitiram mapear outras práticas musicais que eram paralelamente realizadas na esfera das festividades religiosas, particularmente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, que se vinculavam ao ambiente considerado popular das Festas Reais e religiosas.

Aliada a comprovação da música já mencionada, a produção de Curt Lange se encontra direcionada recorrentemente à comprovação da existência de uma classe social intermediária na sociedade estamental do colonial mineiro, na qual os músicos de ofícios, nomeado como “mulatos”, são eleitos como figuras centrais[4]. Neste quadro José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746–1805) tornou-se um dos principais protagonistas da sua narrativa historiográfica do período colonial mineiro, uma vez que os registros encontrados pelo musicólogo nos livros oficiais das irmandades e confrarias, particularmente do Arraial do Tejuco, continham uma quantidade significativa de informações que permitiram reconstruir informações acerca dos pagamentos dessas organizações de leigos pelos serviços musicais prestados pelo músico.

A perspectiva de Curt Lange sobre a documentação por ele acessada é permeada, nas palavras de Pedro Vaccari (2021), pela ideologia de raça, marcadamente evidente no conceito de “mulatismo musical”[5], em que imprime-se uma interpretação de identidade cultural específica em detrimento das inúmeras variáveis do contexto social e cultural característico da sociedade estamental da colônia mineira. Nesse caso, particularmente “[...] a raça negra seria inferior e, portanto, precisaria se fundir à branca para, na mestiçagem, formar o biótipo brasileiro por excelência, que, por sua vez, produziria a arte nacional [...]” (VACCARI, 2021, p. 40).

Nesta análise da narrativa identificada em Curt Lange sobre a categorização étnico-racial, realizamos um exercício que Walter Benjamin (1892-1940) denomina de “escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1994). Para além da história consolidada ou monumentalizada, de uma cultura, essa concepção busca observar a história dos esquecidos, as histórias negligenciadas. A partir dos documentos referentes à música no setecentos mineiro, colocou-se uma lupa no que foi silenciado, ou não considerado pela história oficializada, procurando concebê-la do ponto de vista dos vencidos, em oposição à história oficial. Assim, ao examinar os “tesouros culturais” com um “olhar distanciado”, foi realizado o exercício de tentar nos situar do lado dos anônimos que participaram desse tempo histórico, mas foram desconsiderados.

Nessa concepção de fazer musicológico, não poderíamos observar no fenômeno musical ocorrido nas Minas Gerais do período colonial qualquer registro documental e narrativa interpretativa sem um olhar sobre a força opressiva do colonizador e da Igreja, e a condição de colono ou de escravizado do povo brasileiro. Em sintonia com essa abordagem, destaca-se a importância de observar os fenômenos históricos/musicológicos como descontínuos, em detrimento a uma narrativa histórica linear e progressiva (LE GOFF, 2013). Assim, tem-se a clareza que os registros escritos são impregnados de ideologia e, portanto, não são inofensivos, uma vez que se constituem em uma composição tanto da sociedade que o produziram, como das sociedades que o replicaram. Neste contexto, Curt Lange atribuiu um valor aos seus documentos de pesquisa que corporifica o empenho das sociedades em legar para as futuras gerações uma imagem de si mesma, devendo ser estudado em todas as suas dimensões, particularmente as ideológicas.

O lugar de Curt Lange como historiador e musicólogo alemão que se radica no Uruguai (1923) e alça a bandeira da pesquisa musicológica na América Latina, é marcado pela elevação tanto dos documentos por ele “descobertos”, quanto dos dados neles contidos à condição de testemunho histórico. Nossa revisita e releitura da documentação pesquisada, estudada e selecionada pelo teuto-uruguaio sobre e nessa região do Serro e Diamantina permitiu atestar a inexistência de um documento que porta uma verdade (LE GOFF, 2013, p. 473-474). Produto de um centro de poder, de um senhorio quase sempre eclesiástico, um cartulário[6], um mesmo documento contém a possibilidade de subsidiar novas interpretações a partir da ótica de quem o utiliza para suas teorizações. Contudo, há que se ressaltar que o desafio é sempre a construção de uma “[...] erudição capaz de transferir o documento monumento do campo da memória para o campo da ciência histórica” (LE GOFF, 2013, p. 475). Curt Lange possui, e sua obra assim o demonstra, essa erudição inconteste.

Atualmente, o Acervo Curt Lange da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG[7] acondiciona um expressivo conjunto documental legado por Francisco Curt Lange em vida (1996). Este acervo, que reúne apenas parte de seu arquivo pessoal, ressalta o cuidado que o musicólogo teve, ao longo de sua vida, não só em armazenar, mas em catalogar cuidadosamente seus documentos, correspondências, livros e até mesmo seus artefatos de trabalho e registros dos seus processos de pesquisa. Esta característica pessoal pode, conscientemente ou não, expressar uma intenção de monumentalizar o seu próprio trabalho, o que não diminui obviamente o grande valor dessa ação, e a sua erudição, em organizar a massa documental e disforme de dados que embasaram suas teorizações e a proposição da Coleção História da Música na Capitania de Minas Gerais.

A contracorrente trazida por Curt Lange face à tendência da narrativa historiográfica de inícios do século XX, que situava a obra do Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) na corte de Dom João VI como marco do início de uma prática musical brasileira, é contraposta pelas suas pesquisas e registros documentais da Capitania de Minas Gerais no setecentos. É por meio do esforço deste musicólogo, iniciado na década de 1940, que se “descobre” e se investiga a música no período colonial mineiro, se utilizando de registros cartoriais setecentistas, do Senado da Câmara de Ouro Preto e do Serro, bem como das irmandades e confrarias das duas localidades e de Diamantina.

Ao realizar a pesquisa no Acervo Curt Lange da UFMG, a Série 10/ Documentos de Pesquisa, Subsérie 10.3/ Estudos e Transcrições foi selecionada por conter exclusivamente documentos referentes a Diamantina e Serro, particularmente as pastas 10.3.35 e a 10.3.39. Após o trabalho de estudo e categorização do seu conteúdo, que somam 98 documentos, foram selecionados 25 destes transcritos pelo próprio Curt Lange por se tratarem de reproduções da bibliografia que o musicólogo utilizou no livro referente a música em Serro e Diamantina, muitas vezes integralmente. O estudo de cada item permitiu agrupá-los em cinco conjuntos: 1) Relatos de Viagem; 2) Revistas 3) Memorialistas; 4) colaboradores; e 5) Textos de Curt Lange e Anotações Diversas. Na presente discussão, propomos apresentar em específico os Relatos de Viagem e os registros de Memorialistas, por neles terem sido identificadas descrições de práticas musicais pouco ou não consideradas por Curt Lange em suas publicações[8].

Nosso objetivo de ambientar a narrativa do musicólogo acerca das práticas musicais no setecentos e princípios do oitocentos, permitiu buscar as fontes documentais que foram transcritas pelo musicólogo, realizando um estudo comparativo que visou levantar o contexto da extração de informações transcritas – bem como identificar nos textos completos as descrições, preferencialmente referente à música – que foram deixadas de lado ou que foram pouco tratadas no oitavo livro da sua coleção (LANGE, 1982), sendo essas, prioritariamente descrições sobre a música dos escravizados no Brasil.

As alegações ou concepções autorais interpretativas dessa documentação, para os tempos atuais, são valorosos exemplos que possibilitam a atualização das discussões acerca das práticas musicais existentes nos primórdios da criação de uma urbanidade local em Minas Gerais, e permitem uma ampliação da interpretação sobre o papel da música não só no período colonial mineiro, mas também uma reflexão sobre as influências dessas práticas musicais do passado na cultura atual.

Relatos de Viagem

Os relatos de viagens – frequentemente frutos de missões oitocentistas autorizadas ou encomendadas pela coroa portuguesa de estrangeiros pelo Brasil – abarcam temas desde registros de viagens a estudos específicos, em particular acerca da flora, fauna e minerais (ouro e pedras preciosas), bem como narrativas panorâmicas da sociedade da época. No levantamento realizado por Francisco Curt Lange e resguardado nas pastas da série 10 – Documentos de Pesquisa (10.3.35 e 10.3.39), três documentos se enquadram na categoria de Relatos de Viagem[9], constituído exclusivamente por transcrições realizadas a partir de duas obras: 1) dos alemães Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), botânico, e Johann Baptist von Spix (1781-1826), zoólogo; e, 2) do mineralogista e geólogo inglês John Mawe (1764-1829).

O registro da passagem dos alemães von Martius e von Spix no Distrito Diamantino em 1818 registrado no livro Viagens pelo Brasil (2017), mereceu um destaque por Curt Lange, uma vez que o musicólogo realizou várias cópias de excertos, bem como do livro Viagens ao interior do Brasil (1945), que narra as impressões de John Mawe ao passar pela Vila do Príncipe do Serro do Frio e pelo Arraial do Tejuco entre 1809/1810[10].

A obra Viagens pelo Brasil (SPIX; MARTIUS, 2017), resume um vasto trajeto que parte do Rio de Janeiro em direção a São Paulo, passando pelo território mineiro, cujas cidades de Vila Rica e a vasta região do Distrito Diamantino encontram descrições detalhadas, prosseguindo esse relato pelo interior a caminho de Belém, Salvador, Ilhéus, Juazeiro e São Luís do Maranhão, e passando pela Ilha de Marajó, pelo Tocantins, Xingu, Tapajós, rios Negro e Madeira. Perante uma narrativa que apresenta uma descrição inédita destes viajantes e autores, Francisco Curt Lange encontra especificidades cruciais para o seu levantamento, como o relato sobre as festas e músicas das localidades por onde passaram, com vastos comentários sobre os costumes do lugar, naturalmente na perspectiva de estrangeiros e, por conseguinte, externos às suas realidades social, cultural e contextual. Nas pastas levantadas, o musicólogo selecionou somente os trechos referentes a Serro e Diamantina, inserindo-os na íntegra no livro referentes à música das suas localidades[11], seja na exposição do corpo do texto ou como anexo.

Nessas descrições, considera-se que a chegada dos viajantes ao Brasil e sua passagem por São Paulo merecem um certo destaque para entender o relato sobre Minas Gerais. Von Spix e von Martius, integrados na comitiva de D. Leopoldina que chegou ao Rio de Janeiro em cinco de novembro de 1817, registram ao aportarem naquela cidade a festa de Nossa Senhora do Rosário comemorada por brasileiros negros com características de uma música “alegre, quase jovial”, o “sermão emocionante”, com destaque para os “foguetões e bombas, defronte o mar tranquilo, que alegravam a solenidade” (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 74-75)[12].

A descrição da música em São Paulo, apresenta vários elementos comuns à descrição de um gênero de música que também estaria presente em Minas Gerais na escuta desses viajantes. Nesses relatos, a performance da modinha acompanhada pelo violão e descrita como um canto singelo e ingênuo na Capitania de Minas são algumas das referências anotadas sobre este gênero musical, onde uma análise comparativa dos diferentes tipos de modinhas é observada: a de origem portuguesa e a brasileira, sendo que a brasileira se diferencia da portuguesa pela “naturalidade do texto e da melodia, [...] sendo na sua maioria anônimas” (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 180). Embora no contexto musicológico o relato de desses viajantes seja recorrente pela transcrição escrita de uma tradição oral urbana das modinhas e dos cantos indígenas com as quais tiveram contato, o relato sobre a própria reação emocional ao presenciar esses episódios musicais permite considerar que estavam atentos aos acontecimentos nesse período da viagem, bem como aos aspectos culturais do povo brasileiro que os cercava. Essas passagens analisadas, particularmente referentes às festas em geral e a música em particular, refletem uma impressão pessoal e individual dos viajantes acerca das mesmas, colocando-os em lugar de expressão literária específica face ao repertório, o sentimento e a descrição interpretativa da música que estavam a apreciar no tempo situado:

[...] esses desafogos da alma, uma trama genuína, tranquila, que ao europeu parece tanto mais adorável e verdadeira, quanto mais ele se sentir de acordo com o ritmo idílico, elevado na riqueza e no gozo pacífico, proporcionado pela natureza que o cerca. (LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.35.01)[13]

A modinha transcrita no anexo musical do primeiro volume do livro Viagem ao Brasil (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 335-342), com letra de Tomaz Antônio Gonzaga, atesta o domínio da escrita musical de Martius, cuja formação permitia uma edição ou reprodução da partitura musical das modinhas e de um posicionamento editorial sobre os cantos indígenas escutados (Figura 1).


Figura 1
Texto musical de uma Modinha brasileira (letra: Tomaz Antônio Gonzaga), coletada e transcrita por Von Martius
SPIX e MARTIUS, 2017a, p. 340

No conjunto dos episódios relatados por Martius e Spix, foram identificadas poucas passagens diretamente relacionadas à música que Curt Lange tenha omitido nas suas publicações. Entre eles, um trecho não citado coincide com uma das únicas passagens do livro onde a figura do “mulato” é relacionada à condição de pobreza do lugar, em oposição às passagens destacadas pelo musicólogo como de prosperidade e inserção no trabalho. Ao relatar a passagem da comitiva pelo norte de Camanducaia, depois de passar Roseta e Campinho, ainda no estado de São Paulo, Spix e Martius narram as agruras do caminho, em particular nesse trecho, devido às chuvas que assolavam a região, se detendo na descrição de uma das paradas noturnas para descanso da tropa. Apesar da precariedade dos lugares onde passaram por “poucas miseráveis cabanas, habitadas em geral por mulatos”, não se podendo inclusive contar com outro alimento a não ser o leite e feijão, o brasileiro é descrito como alegre, “pronto para divertir-se”. Esse contexto contrastante entre as condições sociais e realidades humanas, levam aos reiterados e surpresos relatos em que na maioria dos lugares onde chegaram à noite eram recebidos e acolhidos com música acompanhadas por violas, sendo que os presentes cantavam ou dançavam (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 230-231).


Figura 2
Ilustração denominada de O Batuque realizada como ilustração do texto do Livro Viagens pelo Brasil de Spix e Martius.
SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 232.

Os detalhes sobre esse acolhimento festivo musical, principalmente nos relatos sobre São Paulo onde a novidade se fazia mais presente, Spix e Martius descrevem tanto os instrumentos, como a coreografia do batuque presenciada em uma festa que foram convidados, bem como outros elementos que permitem a elaboração de um quadro imaginário dessa realidade: os moradores da localidade estavam movimentando-se, conforme a música, em pares, que se afastam e aproximam um do outro com as mãos elevadas em movimentos “dissolutos e pantomimas desenfreadas”, em uma dança cujo “encanto para os brasileiros, está nas rotações e contorções artificiais da bacia, nas quais quase alcançam os faquires das Índias Orientais” (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 232). A riqueza de detalhes não inibe o posicionamento julgador das festividades, onde os viajantes consideravam a coreografia do batuque indecente. Assim, se por um lado estes viajantes apreciavam e julgavam as expressões musicais da performance, por outro, buscavam conhecer os repertórios que caracterizavam a realidade cultural local, como as pesquisas realizadas para se identificar a dança como originária da Etiópia introduzida no Brasil por escravizados. Os autores registram, ainda, o fato da igreja não ter conseguido proibir, além de adicionar a ilustração destes bailes através da conceituada gravura inserida para exemplificar o “batuque” (Figura 2). A análise dessa figura nos permite realizar uma pequena descrição iconográfica. Ao fundo do lado esquerdo, a ilustração de dois músicos tocando o que pode ser identificado como um canzá, espécie de reco-reco feito de taquara (bambu) percutido com uma vara de madeira; e, uma marimba, uma fileira de “coités” (cabaças), alinhados um do lado do outro, com pequenas tábuas em sua boca e percutidos com pauzinhos também de madeira (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 70).

A réplica de trechos da obra de Spix e Martius Viagens pelo Brasil (1938) inauguram a série de transcrições da pasta 10.3.35. Na seção do livro, referente à música em Diamantina e Serro no setecentos de Curt Lange, dedicada às transcrições dos trechos selecionados pelo musicólogo dos livros dos viajantes (LANGE, 1982, p. 453-465), encontra-se uma pequena passagem com o título de “Lagoa Dourada”, que se refere a instrumentos afro-brasileiros. A cena faz parte de uma festa que os autores presenciam na localidade com esse nome nas imediações de São João del-Rei. Embora não utilizada pelo musicólogo no corpo dos textos do mesmo livro, nesse material de pesquisa e que servia de base à sua produção lê-se que “[...] os negros ali presentes formavam grupos e faziam ressoar a sua música plangente, num instrumento de madeira com fios de seda esticados, acompanhando-a o som estridente da fricção de dois paus” (SPIX; MARTIUS apud LANGE, 1982, p. 455). Em contrapartida, uma passagem do texto de von Spix e von Martius sobre o Brejo-do-Salgado é utilizada por Curt Lange. O trecho é classificado pelo pesquisador como “um dos mais fascinantes episódios [...] um acontecimento simplesmente assombroso” (LANGE, 1982, p. 107). A passagem narra o encontro dos alemães com um brasileiro que ouvindo falar que viajantes alemães estavam no entorno do Brejo do Salgado, nas proximidades de sua fazenda, e que um deles tocava violino, instrumento que faltava a seu grupo composto por rabeca, rabecão e trompas, para lá se deslocou com sua família, estantes musicais, instrumentos e instrumentistas, com o objetivo de formarem um grupo completo, executando um antigo quarteto de Pleyel. Apesar de reproduzir a descrição do episódio de forma literal no anexo de seu oitavo livro (LANGE, 1982, p. 462), no texto principal ao registrar essa passagem Curt Lange acrescenta na sua narrativa “um fazendeiro mulato” (LANGE, 1982, p. 107) ao texto original dos alemães, em lugar dos adjetivos por ele usados “um sertanejo [...] moreno Orfeu das Selvas [...] João Raposo, para descrever o brasileiro em questão (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 198). Um outro episódio integralmente transcrito por Curt Lange no anexo do seu livro remete à descrição dos índios Coroados e Purís, embora não utilize desta informação para analisar este episódio no corpo do seu texto (LANGE, 1982, p. 458-461).

Em uma outra passagem no contexto da narrativa da viagem, os autores alemães prosseguem seu relato com um outro episódio envolvendo a música em Minas Gerais. Os viajantes narram as noites musicais por eles vividas destacando que

A música fazia parte da nossa vida diária, pois não se passava noite alguma, sem que, antes de nos recolhermos, soasse o violino de um dos viajantes, ora com ingênuas modinhas regionais brasileiras, ora com melodias alemãs, que ao agradável sentimento do presente ligavam a lembrança da pátria” (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 242).

Esse episódio é registrado por Curt Lange que também destaca da narrativa dos alemães, ao falarem da hospitalidade brasileira, que os “inúmeros filhos da casa se esforçavam, entretanto, por nos entreter com cantigas singelas nacionais, que acompanhavam ao som da viola” (SPIX; MARTIUS, 2017a, p. 246). A generalização da utilização desse instrumento por Curt Lange nos quadros musicais noturnos impede identificar na análise dessa narrativa uma provável comitiva alemã com mais membros que pudessem dinamizar esses recorrentes episódios musicais, particularmente através da presença de um ou mais viajantes com formação musical, como o instrumentista de violino permite inferir.

A “Estada em Tejuco e excursões pelo Distrito Diamantino” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 34-64) também foi referenciada por Curt Lange, na transcrição da descrição de uma Cavalhada e de um Reisado. O trecho é uma síntese de uma cópia de três páginas do texto dos viajantes alemães, integrante dos documentos de pesquisa do musicólogo[14]. Se vê refletida em uma descrição do impacto que ambos tiveram ao chegar ao Tejuco, e se depararem com a versão do arraial das festividades em comemoração da chegada da família real ao Brasil e a coroação Dom João VI, realizadas em todo o país. No Tejuco, as comemorações foram convocadas pelo intendente Ferreira da Câmara, onde se destaca que von Spix e von Martius tiveram “com isso ocasião de admirar o trato perfeito e fina sensibilidade do sertanejo brasileiro” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 59). As festas se iniciaram com um espetáculo teatral realizado em um palco construído na Praça do Mercado.

Arautos abriam o séquito, seguia o coro de cantores e mais quatro figurões, que, representando as vastas possessões da monarquia portuguesa, traziam, decorado com os emblemas do europeu, índio, oriental, negro e americano, um globo terrestre, acima do qual estava a imagem de d. João VI. Fechava o préstito um grupo numeroso de rapazes e raparigas, vestidos como pastores, trazendo guirlandas de flores, com as quais, chegando ao teatro, enfeitaram a imagem do monarca, com as aclamações do público (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 59).

O mesmo grupo de cantores passaram a executar danças, sendo que palhaços faziam malabarismos nos intervalos. Uma peça teatral é apresentada, sendo considerada pelos viajantes um dramalhão “menos significativo, sendo destaque a pintura mural do fundo de cena, que denota o início de belo desenvolvimento artístico no Brasil” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 59).

Ao contrário da representação da Cavalhada, tradicionalmente uma festa das camadas mais abastadas da sociedade, os viajantes registram o Reisado como uma atividade dos pretos realizada como parte das comemorações religiosas. A escolha de um rei e de uma rainha pretos é destacada pelos autores como “um costume dos negros do Brasil nomear todos os anos um rei e sua corte” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 59). O detalhamento do perfil desse rei preto que não possuía qualquer prestígio político, motivo pelo qual o governo luso-brasileiro não se opunha ao rito, é considerado uma mera formalidade vazia de significado. Escolhidos pelo voto geral, a referência que “foram nomeados o rei Congo e a rainha Xinga, diversos príncipes e princesas, com seis mafucas [camareiros e camareiras]” constituíam o cortejo solene em direção à Igreja dos Pretos, provavelmente Igreja do Rosário. Na frente, o estandarte, seguido das imagens de Jesus Cristo, São Francisco e Nossa Senhora, todas pintadas de preto.

O relato prossegue com a descrição da banda de música integrada por negros vestidos com capas vermelhas e roxas enfeitadas de penas de avestruz, ilustradas pelos autores como gastas e puídas. Os instrumentos são descritos, o canzá e marimbas, como ruidosos. Sem maior detalhamento sobre o canzá, uma espécie de reco-reco só que feitos de taquara, conforme a ilustração do batuque na figura 2, as marimbas merecem um maior detalhamento dos autores, que o identificam como uma

[...] fila de coités ou cumbucas, dispostas entre dois arcos, segundo os tamanhos, com a abertura para cima, e sobre as quais estão tabuinhas de pouca grossura, presas por um cordel, de sorte que estas, feridas por uma espécie de baqueta, produzem som peculiar (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 60).

Um grande cortejo se formava atrás da banda com príncipes e princesas que tinham suas capas levadas por pajens tanto homens como mulheres. Nesse primeiro momento participavam o rei e a rainha do ano anterior carregando o cetro e a coroa e, por fim, o novo casal real recém escolhido, ricamente vestido. O cortejo se encerra com um grande número de “gente preta levando círios acesos ou bastões forrados de papel prateado” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 61). Conforme a narrativa dos viajantes alemães, a passagem da coroa e do cetro para a nova casa real foi realizada na Igreja do Rosário, que desfilava se apresentando ao mesmo tempo que observava toda a sua assistência. Concluída essa fase do cortejo, o relato prossegue com a descrição da visita à casa do intendente, em que Spix e Martius descrevem o nervosismo do recém coroado rei, como um “negro forro e sapateiro de ofício” que deixa o cetro cair, sendo esse pego pelo intendente que lhe passa o objeto com a galhofa “Vossa Majestade deixou cair o cetro” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 61). As homenagens ao intendente foram prestadas em forma de música interpretadas como uma “barulhenta toada”, concluindo a atividade do dia com a saída do cortejo pelas ruas. No dia seguinte desta festividade, a família real, cercada por sua corte e solenemente sentada em cadeiras, eram rodeados pelos “ministros, camareiros e camareiras e os mais dignitários do reino sentados em bancos mais baixos à sua esquerda e direita receberam a visita a corte do Congo [a denominada congada]” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 61):

Diante deles, estavam colocados, em dupla fila, os músicos da banda [de percussão], com sapatos amarelos, e vermelhos, meias pretas e brancas, calças vermelhas e amarelas com capinhas de seda furadas, e faziam uma algazarra infernal com tambores, pífaros, pandeiros, chocalhos e com a chorosa marimba; os dançadores anunciaram o enviado com pulos e cabriolas, com as mais singulares caretas e as mais abjetas posições, e traziam os seus presentes, apresentaram tão bizarro espetáculo, que se imaginava estar diante de um bando de macacos (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 62).

Esta representação cênica reforça a imagem de um quadro contextual em que, por princípio, os reis e sua corte, simulando não aceitar as deferências dos congadeiros, acabavam por aceitar através do anúncio público “Que lhe estavam abertos o porto e o coração do rei” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 62). Após essa aceitação, o roteiro coletivo se segue com o rei do Congo chamando um dos congadeiros para sentar-se à sua esquerda e passando a distribuir condecorações ao som da música reiterada pelos viajantes como bastante ruidosa. Por fim, encerram-se os festejos com o “brado do rei dos pretos", em que o povo todo reunido repetia “Viva El-Rei D. João VI!” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 62).

Este episódio, relatado por Spix e Martius, demonstra a curiosidade na diversidade cultural que levou esses autores a acompanhar e registrar detalhadamente esta festividade ao longo dos dois dias, numa análise comparativa em relação aos padrões musicais de centros urbanos europeus, que se refletem nas descrições como festa ruidosa e de estranhos passos. Destacam ao seu final: “Quão interessantes são as reflexões do pensador, que, em retrospecto e visão do futuro, se ligam a essa estranha festa” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 62).


Figura 03
Ilustração denominada de Festa da Rainha – Minas Gerais realizada como ilustração do texto do Livro Viagens pelo Brasil de Spix e Martius.
SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 80. Importar tabla

Outra manifestação cultural contida na narrativa alemã e não transcrita por Francisco Curt Lange, provavelmente por não ter ocorrido especificamente no Tejuco, foi a Festa da Rainha. Descrita como uma expressão material da riqueza já introduzida na região e representada em uma “sociabilidade e costumes amenos” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 126-127), este evento apresenta elementos que ainda hoje se observam na Festa do Divino Espírito Santo em Diamantina, bem como em outras festas religiosas em localidades próximas. Como exemplo, o cortejo de adultos, que inclui as figuras do Rei e Rainha seguidos de uma representação da corte com seus membros, além do encerramento com um farto almoço e a distribuição de inúmeros doces, são alguns dos elementos coincidentes entre a narrativa oitocentista e a realidade reproduzida no século XXI.

No contexto descrito, a memória histórica remete a uma dona de terras dos arredores do Tejuco por ocasião de uma festa da igreja de Nossa Senhora que, devido a uma promessa, realizava a procissão convidando os habitantes da localidade e dos arredores. Nesse relato, os viajantes alemães registram esse convite onde, vestidos de gala, após a missa, seguiram para a casa da anfitriã. Consideraram uma contradição essa ter o título de Rainha, tendo em vista que a festa se enquadra como um ato de contrição da sua promotora. Essa representação no contexto da festividade, reafirma o enfoque sobre a suposta Rainha, que “nomeia os seus amigos mais íntimos e a gente do séquito, formando aparatosa corte” (SPIX; MARTIUS, 2017b, p. 127), bem como na abundância gastronômica que é destacada, especialmente na oferta dos doces e vinhos selecionados, cuja mesa se tornava o centro do festejo ao longo do dia e a distribuição das “medalhinhas de ouro e prata” pela anfitriã que encerra a festividade. Comparando a tradição dessas atividades com a metrópole e a tendência analisada como ousada no contexto econômico que vigorava, “Essa Festa da Rainha, ex-voto, [...] como em Portugal, na ocasião da procissão do Corpo de Deus, – passa-se até necessidade o ano inteiro, para gastar, na ostentação de fé religiosa, tudo num só dia” (SPIX E MARTIUS, 2017b, p. 127).

Em um outro contexto e perspectiva, as descrições do viajante John Mawe (1764-1829), em seu livro Viagens ao interior do Brasil (MAWE, 1978), apresentam oitenta e uma páginas dedicadas a Minas Gerais, destacando-se em particular duas delas cujas citações são referentes à música. A primeira, localizada no capítulo sobre “Viagem de Vila Rica ao Tejuco – Capital do Distrito Diamantino”, narra o episódio após ter passado pela atual cidade de Ouro Branco em direção ao Serro, na localidade de Conceição, onde John Mawe descreve como se sentiu muito bem recebido ficando hospedado na casa do pároco. No dia seguinte, após descrição detalhada dos acontecimentos, o viajante registra que “à noite, as moças vieram cantar lindas modinhas, acompanhadas ao violão” (MAWE, 1978, p. 148).

Se no episódio anterior Curt Lange não usou dessa informação para a construção da sua história da música local, o décimo quinto capítulo deste relato foi compilado e usado por este musicólogo como fonte. “Observações sobre o Tejuco e o Serro do Frio” (LANGE, 1982, p. 453-454) foi integrado no parágrafo dedicado ao que o autor chamou de “particularidades relativas à sua capital”, ou seja, ao Arraial do Tejuco. O interesse atribuído a esta transcrição, que remete ao acolhimento e sociabilidade da família que o hospedou e das gentilezas recebidas, inclui uma descrição dos trajes femininos destacados por John Mawe pela proveniência identificada como artigos ingleses. Esse aspecto acaba por se relacionar indiretamente ao lugar social feminino daquele contexto, onde se destaca que as mulheres saiam muito pouco, geralmente para a igreja, muitas vezes de liteira. John Mawe (1978) reflete sobre a vida sedentária levada por elas e o quanto isso poderia ser prejudicial à saúde. As mulheres dessa região mineira são registradas no seu contexto social, sendo destacando detalhes como o impacto da chegada ao Arraial de produtos musicais importados, bem como a chegada de selas inglesas que promove fortemente o aumento dos passeios a cavalo em contraste à letargia a elas atribuída.

O grande afastamento de um porto de mar é a causa de não haver ainda no Tejuco um piano. Se não fosse isso, estes instrumentos aí teriam grande procura, porque as senhoras em geral gostam de música e tocam violão com sentimento e graça. (A dança é o divertimento favorito, e parece terem um vivo prazer com as contradanças inglesas (MAWE, 1978, p. 150, destaque nosso).

Menções ao canto acompanhado do violão, permitem considerar que o instrumento e a modinha encontram-se difundidos na sociedade da época. Questiona-se, entretanto, o porquê de não serem encontrados, nos textos analisados, descrição sobre a música sacro litúrgica. Não teriam os três viajantes, como visitantes que eram sido convidados a participar de eventos ligados à Igreja? Ou, ainda, participando estes em missas e Te Deum, a música ligada a esses eventos não lhes despertou nenhum interesse? Não foram encontradas descrições que pudessem responder a essas questões.

Entretanto, Curt Lange lança mão das descrições de um terceiro viajante para subsidiar a reconstrução do contexto musical da Diamantina e do Serro setecentistas, que lhe permita registrar a atividade de igrejas e associações religiosas de leigos que as construíam e mantinham. Não possuindo nenhuma transcrição do seu livro nos documentos de pesquisa do musicólogo, mas presente no seu livro dedicado à música das duas localidades, o uso das impressões de Auguste de Saint-Hilaire registradas no livro Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil (1941) são utilizadas pelo musicólogo. O francês descreve a beleza das igrejas e a importância das congregações de leigos religiosas, bem como a existência de órgãos construídos localmente. Em seu texto registra a vinculação da construção de cada igreja a uma raça em particular, como exemplo “os negros da costa da África têm uma igreja, a de N. S. do Rosário; os negros crioulos têm outra, e os mulatos por sua vez têm a deles” (LANGE, 1982, p. 465). Lange explicita por meio de Saint-Hilaire que, além da beleza da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, a sua manutenção era realizada pela irmandade congênere, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Curt Lange evidencia que a administração financeira dessa congregação é realizada por brancos. Contudo é colocado pelo francês a estranha prática de compensação financeira de uma eventual ilicitude por parte dos confrades da irmandade:

A dos negros africanos não é menos bela; eles celebram festas da padroeira com muita solenidade e todos os confrades, que são numerosos, esforçam-se por economizar cada um, 600 réis por ano para oferecer à sua igreja. Uma Santa preta se vê sobre o altar-mor de N. S. do Rosário, rodeada de santos negros nos altares laterais. Os bens da igreja do Rosário são administrados por brancos e eles têm o cuidado de reaver em grosso o que os negros lhe roubaram a varejo, dizia um homem de espírito (SAINT-HILAIRE, apud LANGE, 1982, p. 465, destaque nosso).

Desta última observação discorda Curt Lange, visto que insere uma nota de rodapé afirmando a retidão da administração dos brancos na contabilidade da igreja, a seu encargo:

Da nossa prática na leitura de inúmeros livros de Receita e Despesa depreende-se que esta administração por brancos das contabilidades da gente de cor foi sempre extremamente honesta, tendo sido exercida ad honorem pelo Juízes, e Escrivães designados para tal fim (LANGE, 1982, p. 465, destaque nosso).

Por estarem intimamente ligadas ao sistema de funcionamento das festas religiosas, bem como das práticas musicais aqui descritas, a presença obrigatória de brancos na administração das congregações religiosas de pretos sucinta a reflexão do significado social das organizações de leigos, entre elas as Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e de Nossa Senhora do Amparo (dos pardos), na sociedade colonial. Ao contrário da perspectiva de Francisco Curt Lange, que considera as organizações de leigos pretos ou pardos como meio para uma ascensão social e indício de uma boa vontade do regime do Padroado em garantir a livre devoção, interpreta-se que essa é uma pseudoliberdade, uma acomodação social segregadora que garante, seguindo a polaridade da época, que cada raça – e, por conseguinte cada segmento – fique em seu devido lugar. Considera-se ainda que o fato que a administração financeira das congregações de pretos fosse exercida por brancos, uma vez que não era considerada legítima a assinatura de um negro escravizado, é uma comprovação inequívoca do controle e vigilância exercido sobre essas, uma garantia da manutenção da ordem social, que envolve o controle sobre as manifestações culturais das quais a música é parte integrante.

Há que se ressaltar, entretanto, que as organizações de leigos compostas por brancos, apesar de possuírem gestão própria por meio de sua mesa administrativa eleita anualmente, eram supervisionadas pela igreja, no “aspecto espiritual” na figura do examinador sinodal e do visitador geral da comarca, e pelo lado da administração, nos “aspectos temporais”, por meio do provedor dos bens das fazendas dos defuntos e ausentes, capelas e resíduos (LANGE, 1982, p. 83). Os dois poderes estavam sempre em conflito, acusando-se mutuamente de um interferir nos assuntos do outro, sendo que ambos verificavam a contabilidade dos seus livros de registros, interferindo na gestão da organização caso considerassem algum excesso nos gastos (DE ULHÔA, 2022, p. 44).

Memorialistas

Seis documentos compõem o conjunto documental que intitulamos Memorialistas. Esses têm a autoria de quatro pesquisadores que publicaram sobre a Vila do Príncipe do Serro do Frio e do Arraial do Tejuco, cujos livros Curt Lange transcreve trechos de José Vieira Couto Magalhães (1800), Dário A. F. da Silva (1928), Joaquim Felício dos Santos (1954), Ciro Arno (1949).

Dois são os documentos com trechos extraídos da Memória do Serro Antigo (SILVA, 1928). O primeiro[15] traz informações acerca da história da criação do povoado (1702), as da transformação em Vila (1714), bem como da construção da Matriz da Vila do Príncipe do Serro do Frio (LANGE, 1982, p. 11-16). Associado à descrição da construção da Matriz, bem como dos registros das construções das igrejas do Rosário e do Matozinhos de Santa Rita, Dário Silva assinala que somente no adro da Matriz poderia ser erguido um tablado que permitiria o povo assistir as óperas (SILVA apud LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.39.11). Curt Lange também transcreve informações acerca do “feliz sucesso da Princeza [princesa] do Brasil” realizado em 31 de março de 1758, em uma provável referência à sua gravidez. O trecho é inserido no livro de Francisco Curt Lange quando da descrição das festas reais (LANGE, 1982, p. 21).

Considera-se que a maior característica destas festas era uma pretensa demonstração de alegria e de satisfação com o ocorrido com a família real, devendo toda a localidade que se envolver em um evento acontecido além-mar. Essa demonstração de grande apreço pela realeza portuguesa era realizada com custos arcados pelos diversos segmentos produtivos da sociedade da época, e os juízes de cada categoria fiscalizavam a participação de todos. As festas reais tinham duração de três dias, devendo todos os membros do lugar estarem presentes. Na parte da manhã celebrava-se uma missa cantada e sermão, com a presença de toda a população, incluindo o povo, membros do senado da câmara e da cavalaria, devendo a imagem de Jesus Cristo (do Senhor morto) estar exposta. Um Te Deum era obrigatório no primeiro dia. Previa-se também desfiles das tropas que realizavam evoluções de marcha (SILVA apud LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.39.12). Na parte da tarde ocorriam as cavalhadas, corridas de argolinha e touradas. À noite, com a localidade devidamente iluminada, ocorriam óperas em um tablado erguido e forrado para este fim, bem como um foguetório.

Passemos agora a dois trechos retirados das Memórias do Distrito Diamantino de Joaquim Felício dos Santos (1956). Integrantes do mesmo documento[16], o primeiro trecho é datado de 1818. No que se refere aos trechos de autoria de Joaquim Felício dos Santos (1956), observamos que Francisco Curt Lange faz uma síntese do conteúdo encontrado no trigésimo primeiro capítulo, em que se destaca a similaridade com os fatos narrados por Spix e Martius (2017) já comentadas no início deste texto. O título atribuído por Felício do Santos e transcrito por Curt Lange: “Festejos no Tijuco [Curt Lange grifa Tejuco] por ocasião da Aclamação de D, João VI e os Desposórios do Príncipe D. Pedro” (SANTOS, 1976, p. 235-338). Nessa narrativa, o intendente Câmara[17] fez publicar no dia 28 de maio de 1818 que as festividades fossem realizadas como uma “demonstração de regozijos públicos” durante seis dias. Suprimindo a descrição dos quadros colocados nas janelas da intendência com motivos alusivos a esses festejos, Curt Lange replica a descrição onde iniciada as festividades com iluminação na noite do primeiro dia houve “fogos de artifícios”, após a “salva real”, tendo soado nas “ruas melodiosas sinfonias, marchas e repetidas vivas”. A realização de missa cantada pela manhã, e Te Deum à tarde são registradas pelo memorialista, apesar de não terem sido objeto de qualquer detalhamento. Finalizando a descrição da festa, Curt Lange suprimindo parte da descrição presente no texto original de Felício dos Santos acerca da realização de Teatro e cavalhadas, se restringe em transcrever a informação que “nos dias seguintes, danças públicas e particulares, novos espetáculos e divertimentos […]” foram realizados (LANGE, 1982, p. 450).

A segunda transcrição de Curt Lange do texto de Felício dos Santos (1956), ainda integrante do documento em tela, menciona a realização na Quinta dos Caldeirões, pertencente ao Intendente, de jantares e bailes, particularmente no seu aniversário, onde boa parte do povo para ali se dirigia (LANGE, 1982, p. 244). O trecho ainda ressalta que apesar de toda a pujança do Arraial de Tejuco descrita por Felício dos Santos, essa não seria elevada à categoria de Vila uma vez que a suas caraterísticas como localidade central do Distrito Diamantino, comandada por um intendente, era fato impeditivo

É que o Tijuco, governado por uma lei especial, não podia sair do estado de Arraial; seria incompatível com o sistema de poder despótico dos Intendentes; poder ilimitado, que não devia ser partilhado com um Senado, e outras autoridades civis e criminais que se estabeleceriam com a sua elevação à categoria de Vila. Assim o Intendente reunia todos os poderes, administrativo, contencioso, criminal [...] (SANTOS, 1976, p. 246).

Esse entendimento do contexto social do Arraial do Tejuco impacta em dois fatores: a não existência de um senado da câmara na localidade, e na impossibilidade de haver um mestre de capela. Ressalta-se que nem a Vila do Príncipe contava com esse cargo, uma vez que somente em Mariana cabia tal função. Associado a essas duas especificidades, destaca-se a proibição da instalação de ordens religiosas no Distrito do Diamante, dado que fortalece a atuação das associações religiosas de leigos em âmbito local: as irmandades, confrarias e ordens terceiras. Esses fatores contribuíram para a consolidação de um território completamente diferenciado das demais localidades mineiras, como por exemplo Vila Rica, onde o Padroado se impunha, bem como ocorria uma forte presença do Senado da Câmara.

Um destaque deve ser dado às quatro etapas de exploração dos diamantes no Distrito Diamantino. A primeira foi denominada de Capitação (LANGE, 1982, p. 72), não se tendo a data precisa da descoberta dos diamantes, sendo tomada como data inicial o ano de 1729. A segunda etapa, denominada de Demarcação, se inicia em 1734, estabelecida com a criação oficial do Distrito Diamantino, tem por marco a criação da Intendência dos Diamantes. Nesta época houve a necessidade de se investir na agricultura e nas corporações de ofícios para suprir a demandas da população cada vez maior, em um território demarcado militar e administrativamente em setenta e cinco léguas quadradas, cujo perímetro não se podia entrar ou sair sem prévia autorização (LANGE, 1982, p. 73-74). Com a decisão de mudar a cobrança do quinto pela coroa portuguesa, iniciou-se a terceira etapa da extração, marcada pelo Contrato dos Diamantes. Destaca-se a administração de dois contratadores famosos, sendo Felisberto Caldeira Brant o responsável por trazer para o Arraial do Tejuco “bem-estar, luxo, moralidade e educação, introduzindo ali o gosto pela música e dança” (LANGE, 1982, p. 74). Não menos luxuosa é a fase administrada por João Fernandes de Oliveira, descrito como muito rico e famoso pelo seu relacionamento com Xica da Silva. Com o fim do contrato de Portugal com João Fernandes, criou-se o regime da Real Extração, instaurado em 1771, quarta e última etapa da exploração dos diamantes. Conhecido também como Regimento Diamantino, passa a contar com a autoridade de um intendente e de um fiscal. Referência é feita, pelo autor, ao intendente João Inácio do Amaral Silveira e seu fiscal João da Cunha Sotomaior pelos registros das queixas a eles realizadas e pelo seu gosto “notoriamente da música profana erudita” (LANGE, 1982, p. 74). Destaca-se ainda o primeiro intendente brasileiro, Manuel Ferreira de Bittencourt, “décimo-segundo e último dos que estiveram à frente da Extração” (LANGE, 1982, p. 79). Foi na sua gestão que ocorreu a visita dos viajantes Spix e Martius, John Mawe e Saint-Hilaire, sendo que esse último participou de saraus e bailes na sua residência, a Quinta dos Caldeirões (DE ULHÔA, 2022, p. 43).

O penúltimo documento[18], do conjunto documental Bibliografia – Memorialistas, trata exclusivamente das referências à existência de dois teatros no Arraial do Tejuco. Duas são as citações encontradas: o palco do Tejuco erguido pelo contratador João Fernandes para Xica da Silva em frente ao Palácio de Palha e o Teatro de Santa Isabel, demolido em 1913 para dar lugar à cadeia pública. A partir de informações provenientes de Ciro Arno (1949), Curt Lange apenas apresenta dados sobre o prédio e uma breve referência à primeira apresentação teatral realizada em 1841 (LANGE, 1982, p. 451).

Considerações Finais

A musicologia brasileira de abordagem histórica tem as pesquisas de Francisco Curt Lange, entre as décadas de 1940 e 1980, como um importante pilar. Por meio de uma análise historiográfica das investigações sobre o passado musical do período colonial mineiro, foi possível constatar que o trabalho desse pesquisador as permeia em três fases distintas. Em um primeiro momento, particularmente nas décadas de 1960 e 1970, as pesquisas musicológicas aprofundaram o conhecimento produzido pelo pesquisador. Em uma fase considerada intermediária, a produção encontrada enfatiza a sua importância como pioneiro das pesquisas da área, mas apresenta outras teorizações e interpretações da prática musical desse período a partir de diferentes tendências teórico-conceituais que se consolidaram entre as décadas de 1980 e 2000. Uma terceira fase, mais atual, foi detectada a partir da segunda metade da década de 2010, sendo caracterizada pela retomada das discussões iniciadas por esse musicólogo, ou seja, buscando uma compreensão para além do contexto sociocultural e musical consolidado pela produção de Curt Lange.

Quer seja partindo da documentação por ele produzida, ou buscando novas fontes, verificou-se a tendência de desconstruir a monumentalização da sua obra, não de forma a negá-la ou desmerecê-la, mas revê-la, promovendo discussões às avessas. Ao contrário de partir de uma interpretação monumentalizada do musicólogo, buscou-se a documentação que embasou o seu trabalho, a revisão de registros, de modo a inverter o olhar na busca pelo considerado irrelevante ou esquecido, pelo considerado “resto” de memória. Em uma perspectiva oposta a uma postura de confronto da obra deste importante musicólogo, adota-se uma posição de curiosidade científica, de investigação qualificada, em vista de novos olhares para a musicologia no Brasil.

O livro de Francisco Curt Lange dedicado à Vila do Príncipe do Serro do Frio e Arraial do Tejuco é o principal registro das práticas musicais dessas duas localidades. Essa produção contrapõe-se a localidades como Vila Rica, objeto de uma vasta produção musicológica, configurando um conhecimento rarefeito de referenciais, que se difere de outras áreas do conhecimento, como os estudos históricos e econômicos dedicados ao período colonial no Distrito Diamantino, sobretudo em relação ao antigo Arraial do Tejuco. Na ausência de apontamentos que subsidiem a reconstrução das muitas manifestações praticadas nessas sociedades, nos restam apenas parcos os indícios de sua existência. Curt Lange nos deixa mais esse legado. Neste quadro, o constante retorno à análise dos registros de viajantes e memorialistas deve ser considerado como necessário. Apesar da confessa estranheza em seus relatos sobre práticas descritas como exóticas, peculiares e barulhentas, essas fontes são narrativas que permitem compreender de forma mais aprofundada a diversidade cultural do povo brasileiro que é múltipla, diversa e rica de manifestações ligadas às mais variadas etnias. Assim, os registros dos viajantes e dos memorialistas, como os aqui discutidos, permitem novos horizontes interpretativos à luz da atualidade musicológica.

Referências bibliográficas

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Notas

[3] O conteúdo desenvolve algumas das informações apresentadas no terceiro capítulo da tese de doutorado referida, “Fontes consultadas: a bibliografia utilizada por Curt Lange” (DE ULHOA, 2022).
[4] Adotamos a denominação de músicos de ofício, dado que a denominação de “músicos mulatos”, entre aspas, utilizados por Curt Lange, está ligada à sua teoria de “mulatismo musical” amplamente difundida na produção musicológica brasileira e que tem sido questionada nas discussões em torno da descolonização das interpretações da história brasileira. Nessa perspectiva, o uso do termo foi revisto neste trabalho considerando uma interpretação pejorativa, como a de ter sido criado para “designar tanto homens como mulas” ou provavelmente, da expressão “cor de mula”. A primeira referência escrita do termo em português se dá, segundo Jack Forbes (1993, p. 158), em 1576. Para uma discussão mais aprofundada ver FORBES, 1993.
[5] Para um aprofundamento do conceito, ver LEONI, 2007; MACHADO NETO, 2012; ARCANJO, 2020; ROSA 2021.
[6] Derivado do latim chartularium, designa livros, códices ou rolos onde se transcreviam, por extenso ou de forma abreviada, documentos manuscritos que chegavam a uma instituição medieval como mosteiros, catedrais, igrejas, palácios, universidades e escolas com objetivo de facilitar a consulta dos documentos ou para evitar sua perda e de sua informação. Normalmente os documentos aí transcritos não seguiam ordem de assunto ou de data. Os mais antigos ainda existentes são do século VIII. Os cartulários eram feitos inicialmente de pergaminho e depois de papel. Disponível: https://www.dicionarioinformal.com.br/cartul%C3%A1rio/. Acesso em: mai. 2022.
[7] Para mais informações acesse: https://www.ufmg.br/rededemuseus/acl/.
[8] Naturalmente, esse é um recorte de uma pesquisa ampla que envolve um volume expressivo de informação, além das correspondências que Francisco Curt Lange enviava para indivíduos selecionados de Serro e Diamantina que muito o auxiliaram no preenchimento das lacunas de falta de documentação para a unidade da sua proposta interpretativa.
[9] Com a ressalva que além destas três fontes, são utilizados trechos do livro Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil do francês Auguste de Saint-Hilaire, em passagens no corpo do texto do livro de Lange, bem como de forma integral no anexo do mesmo (LANGE, 1982, p. 462-465), sem passar por uma transcrição prévia, como nos trechos dos demais viajantes.
[10] As edições utilizadas por Curt Lange dos livros em tela foram publicadas em 1938 e 1945, pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileira e pela Editora Zélio Valverde respectivamente. Nos utilizamos de edições diferenciadas conforme registrado nas referências bibliográficas.
[11] Textos constantes da seção “Viageiros no Tejuco no período 1808-1818”. Ver LANGE, 1982, p. 453-465.
[12] Volume I do livro dos viajantes, texto reproduzido pelo pesquisador no documento LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.35.01
[13] A sigla BRUFMGBUCL é um padrão de citação documental que significa: Brasil/ UFMG/ Biblioteca Universitária/ Curt Lange
[14] LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.35.01.
[15] LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.39.11
[16] LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.39.39
[17] Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt, era à época, o intendente em questão.
[18] LANGE, BRUFMGBUCL 10.3.39.41

Autor notes

[1] Doutora em Música pelo Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Membro pesquisador do Centro de Estudos dos Acervos Musicais Mineiros – CEAMM/CNPq, rachelulhoa@hotmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4553-8608.
[2] Doutora em Música/Musicologia, Professora da Escola de Música, Departamento de Teoria Geral da Música, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Bolsista de Produtividade CNPq, Coordenadora do PPGMUS da UFMG, Acervo Curt Lange da UFMG e CEAMM/CNPq. E-mail: editerocha@ufmg.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9712-0919.

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