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“ZOMBIE”: TERRORISMO, VIOLÊNCIA E GLOBALIZAÇÃO NAS TRILHAS DO SUCESSO DA BANDA “THE CRANBERRIES”
“ZOMBIE”: TERRORISM, VIOLENCE AND GLOBALIZATION IN THE SUCCESS TRACK FROM “THE CRANBERRIES”
“ZOMBIE”: TERRORISMO, VIOLENCIA Y GLOBALIZACIÓN TRAS LAS CANCIONES EXITOSAS DE LA BANDA “THE CRANBERRIES”
Caminhos da História, vol. 28, núm. 1, pp. 99-116, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 1, 2023

Recepção: 30 Novembro 2021

Aprovação: 30 Dezembro 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: O avanço tecnológico, notadamente no século XX, potencializou a criação de armas de destruição em massa que, da “metralha” aos armamentos nucleares, aterrorizou o mundo na Era da Catástrofe -1914-1945, termo empregado pelo historiador Eric Hobsbawm. Com essa mesma perspectiva, os tempos de Guerra-fria (1945-1991) também foram marcados pelo terrorismo, violência e avanço da indústria fonográfica, em que o rock and roll, principalmente no Woodstock de 1969, potencializaram as ações da contracultura com críticas à violência, ao Estado burocrático e ao capitalismo. A partir desse contexto, nos anos 1990, a banda The Cranberries, como a música Zombie, produzida em 1994, procurou criticar o terrorismo, inspirada no atentado de Warrington, na Inglaterra, que matou duas crianças Tim Parry, de 12 anos e Johnathan Ball, de 3 anos. A ação do grupo católico nacionalista IRA, além de inspirar a banda irlandesa, também justifica a análise do videoclipe da canção supracitada para investigarmos a relação da música e produções audiovisuais com o choque de civilização e as ações terroristas que persistiram e se fortaleceram, mesmo com o “apagar das luzes” da Guerra-fria, em 1991.

Palavras-chave: terrorismo, violência, globalização, história, videoclipe.

Abstract: : Technological advances, notably in the 20th century, boosted the creation of mass destruction weapons that, from the “grapeshot” to nuclear weapons, terrified the world in the Age of Catastrophe – 1914 – 1945, a term used by the historian Eric Hobsbawm. In the same perspective, the Cold War period (1945-1991) was also marked by terrorism, violence, and advance of the recording industry, in which rock and roll, mainly in the 1969 Woodstock, enhanced counterculture actions with criticism of violence, of the bureaucratic State and the capitalism. From this context, in the 90s, the band The Cranberries, and the song Zombie, produced in 1994, criticized terrorism inspired by the attack in Warrington, England, that killed two kids, Tim Parry and Johnathan Ball, 12 and 3 years old, respectively. The actions of the nationalist Catholic group IRA not only motivated the Irish band but also justified the analysis of the mentioned song video clip to investigate its connection and audiovisual productions to civilization clash and terrorist actions that persisted and strengthened, even with the last-minute Cold War, in 1991.

Keywords: terrorism, violence; globalization; history; video clip.

Resumen: : Los avances tecnológicos, especialmente en el siglo XX, impulsaron la creación de armas de destrucción masiva que, desde la “metralla” hasta las armas nucleares, aterrorizaron al mundo en la Era de las Catástrofes -1914-1945, término utilizado por el historiador Eric Hobsbawm. Con esta misma perspectiva, los tiempos de la Guerra Fría (1945-1991) también estuvieron marcados por el terrorismo, la violencia y el avance de la industria musical, en la que el rock and roll, especialmente en Woodstock en 1969, impulsó acciones de contracultura con críticas a la la violencia, el estado burocrático y el capitalismo. A partir de este contexto, en la década de 1990, la banda The Cranberries, al igual que la canción Zombie, producida en 1994, buscaba criticar el terrorismo, inspirándose en el atentado en Warrington, Inglaterra, en el que murieron dos niños, Tim Parry, de 12 años, y Johnathan Ball, 3 años. La acción del grupo nacionalista católico IRA, además de inspirar a la banda irlandesa, también justifica el análisis del videoclip de la citada canción para indagar la relación de la música y las producciones audiovisuales con el choque de civilizaciones y las acciones terroristas que perduraron y fortalecieron, incluso con las “luces apagadas” de la Guerra Fría en 1991.

Palabras clave: terrorismo, violencia, globalización, historia, videoclip.

"O coração partido de outra mãe é tomado. Quando a violência causa silêncio, devemos estar enganados". (Zombie, The Cranberries, 1993)

O trecho da música Zombie, do álbum No Need to Argue (1994), produzida pela banda irlandesa The Cranberries, faz referência ao atentado terrorista de Warrigton, realizado pelo grupo extremista IRA (Exército Republicano Irlandês), em 1993. Ação terrorista consistiu em bombas instaladas em lixeiras na cidade inglesa deixou cerca de cinquenta pessoas feridas e legitimou a morte de Tim Parry (12) e Jonathan Ball (3). A associação da música ao episódio histórico só foi revelada diretamente, após a morte de Dolores O´Riordan, em 15 de janeiro de 2018, em Londres, afogada em uma banheira após intoxicação alcoólica. Nesse contexto, Colin Parry, pai de Tim Parry, ficou sabendo da homenagem, conforme relatou a BBC de Londres, com a seguinte frase: “Somente ontem eu descobri que o grupo dela, ou ela mesma, compuseram a música em memória do que aconteceu em Warrington”. Ainda sobre a recepção do pai da vítima sobre a homenagem, é importante salientar que, após assistir ao videoclipe, ele afirmou que a letra é “sublime e real”[1].

Com efeito, essa estratégia de denúncia a ações violentas e tentativas de usar a indústria fonográfica e a música como um mecanismo de contestação ao terrorismo, marcou os anos 1960 e, indubitavelmente, influenciam as letras da banda irlandesa e o clipe em análise. Sobre essa questão, ao versar sobre a Revolução Cultural, Eric Hobsbawm, na obra A Era dos Extremos, esclarece o importante papel da cultura jovem para a expansão do rock e das ideias de contestação à violência. Nesse sentido, o historiador destaca alguns pontos fundamentais para a compreensão dessa “nova” noção de juventude. Em primeiro lugar, a juventude era vista como estágio final para a vida adulta e estágio final do desenvolvimento humano. Dessa forma, a “força jovem”, impulsionada pelo crescimento demográfico desse público, após a Segunda Grande Guerra (1939-1945), carregava críticas à inoperância dos Estados Nacionais e ao capitalismo em um mundo inseguro e violento. O segundo ponto, o jovem é um potencializador dos mercados, pois sua habilidade tecnológica e sua emergência como indivíduo economicamente ativo, projetavam-nos como os responsáveis por manejar melhor os computadores e os avanços técnicos que se desenvolviam de forma especial nos anos 1960, advento da internet no ambiente militar, via corrida espacial, daquele tempo. Uma terceira peculiaridade, foi o internacionalismo da cultura jovem. Sob essa questão, Hobsbawm afirma que “o blue jeans e o rock se tornaram marcas da juventude ‘moderna’, das minorias destinadas a tornar-se maioria em todo país onde eram oficialmente tolerados e em alguns que não eram, como na URSS a partir de 1960.” (HOBSBAWM, 1991, p. 320). É, principalmente, nesse terceiro ponto que a música, em especial o rock, foi um mecanismo que, diante da fragilidade dos Estados Nacionais, socialistas, democráticas ou fascistas, potencializou os lucros de bandas e empresários de mídia e, por outro lado, ampliou a capacidade de crítica musical a atentados, as lógicas capitalistas e angustias herdadas de guerras e do mal-estar social que marcou o final do século XX. Esse é o cenário de composição da música e do clipe de Zombie, alvo de nossa análise.

A respeito do caráter do rock como elemento de contestação, de mudança social e política, além de entretenimento, o Woodstock de 1969, é um momento emblemático que, invariavelmente deixou ecos nos anos 1990 e nas influências da banda irlandesa The Cranberries. Como um marco cultural do século XX, na pequena cidade de Bethel, em Nova York, o festival revolucionou os hábitos culturais da sociedade americana, assolada pela segregação racial e social. Todavia, gradativamente, com a euforia de venda da indústria fonográfica, o rock foi se tornando mais um produto comercializável do que um modo de viver e ver o mundo de forma crítica e contestadora. (MARIUZZO, 2009, p. 60-61) Nesse contexto, nos anos 1980 e 1990, o rap e hip-hop, tomou esse lugar de autenticidade contestatória, porém, cabe ressalta que mesmo diante do paradoxo, lucro versus crítica e contestação, no final do século XX, bandas como Nirvana, Pearl Jam, U2 e The Cranberries, procuravam manter o cunho agressivo e a impostura, sem dúvida influenciada pelo Woodstock de 1969. Essa marca é inegável no clipe de Zombie, produção peculiar da banda de 1994.

No que tange ao videoclipe é importante salientar, segundo Marcos Napolitano, em A História depois do papel, que os historiadores, diante das fontes musicais e audiovisuais, detêm na análise de videoclipes uma fonte que deve ser melhor explorada, com vistas a contribuir com os estudos sobre História e música que, invariavelmente, a partir do século XX, estão associados a produções audiovisuais, sobretudo devido ao avanço dos meios de comunicação. Nesse sentido, assevera:

A partir do final da década de 1980, o videoclipe e a apresentação de cantores em programas televisuais passou a determinar as características da produção musical. Em outras palavras, arriscaríamos dizer que, até meados da década de 1970, a música era composta e produzida para ser ouvida e dançada. A partir daí, ela é produzida cada vez mais para ser vista (embora a dança continue um elemento fundamental da experiência sociomusical), frequentemente subordinada ao império da imagem. Esse é um processo que não pode escapar ao historiador do futuro e que representa a integração dos suportes sonoros e audiovisuais, com a tendência do fim do suporte fonográfico tradicional, potencializado pelo fenômeno da troca de músicas pela internet (NAPOLITANO, 2006, p. 256).

Esse desafio do século XXI, proposto aos historiadores, é instigante, principalmente ao percebermos que o clipe da música Zombie, dirigido por Samuel Bayer, que também fez o vídeo de Smells Like Tenn Spirit, da banda Nirvana, atingiu quase 700 milhões de visualizações no canal do Youtube da banda The Cranberries, até o ano de 2018, época da morte de Dolores ÓRiordan, conforme atesta a BBC News Brasil.[2] Esse sucesso digital confirma a tendência das trocas musicais pela internet que, em 1994, época de divulgação da produção audiovisual, a comunicação de Web 2.0 estava se projetando ao ambiente caseiro nos grandes centros urbanos gradativamente. Essa historicidade coloca os clipes do início dos anos 1990, considerando a convergência digital entre internet e televisão, como um momento peculiar de análise, pois “o império da imagem” e a ascensão da banda irlandesa em análise foi notória a partir do sucesso de Zombie. Dessa forma, cada vez mais, as bandas e os empresários midiáticos investiam em produções audiovisuais marcantes para a garantia de melhores contratos e lucratividade em que as tragédias foram marcantes na história do rock. Prova disso, são bandas como Iron Maiden, Metallica . Nirvana que, respetivamente nos anos 1970, 1980 e 1990, investiram em clipes que fundamentaram milhões de visualizações e a longevidade do sucesso dos grupos musicais supracitados, conforme colocou Marcos Napolitano ao prever a importância da internet e das imagens para a música e os estudos historiográficos sobre esses temas.

Ainda sobre a relação entre História e Música, José Assunção de Barros ressalta três pontos importantes: 1) a música como objeto de estudo para a História; 2) a música como fonte histórica utilizada pelos historiadores e 3) a música como meio possível para encaminhar representações da História. Os dois primeiros pontos são óbvios para nos valermos da música Zombie, optando por sua versão de videoclipe difundida em 1994. Todavia, a problemática mais relevantes está vinculada a relação da fonte com o atentado terrorista ocorrido em Warrington, em 1993. Nesse sentido, a produção audiovisual em análise é, indubitavelmente uma representação simbólica da realidade violenta que marca as rivalidades históricas entre Irlanda do Norte e Inglaterra, em especial por revanches étnicas, religiosas e políticas. Logo, o IRA, grupo nacionalista irlandês, autor do crime supracitado, é criticado com veemência no clipe da banda The Cranberries. Soma-se a isso, o recurso estratégico da banda de denúncia social e crítica a fragilidade das instituições políticas como um elemento de uma agenda lucrativa de investimentos dos magnatas de mídia.

Sobre essa questão, Peter Burke, em Uma História Social da Mídia, assevera que a história da radiodifusão está articulada a guerra. Sob essa perspectiva, o historiador esclarece que entre os anos de 1939 e 1945, uma guerra de palavras foi travada entre Hitler, Stalin e Roosevelt. Assim, a leitura de cartas de homens e mulheres no front de batalha e programas intimistas de rádio faziam parte da propaganda ideológica dos principais líderes políticos da primeira fase do século XX. Ele comenta ainda que, empresas como a British Broadcasting Company (BBC) fizeram fortunas fornecendo informações educacionais e de entretenimento sobre a querela mundial. Nesse contexto, com a lógica de “levar ao povo o que eles queriam”, frase de Reith, escocês, ministro da Informação, da Grã-Bretanha, potencializou a relação da radiodifusão, lucros da BBC e guerra, tríade que marcou a história da imprensa britânica. Essa tradição, somada ao caráter de denúncia do rock dos anos 1960 e a agressividade dos anos 1970, marca a lógica da indústria fonográfica dos anos 1990 e corrobora para a compreensão do sucesso de Zombie e da banda The Cranberries com suas denúncias e lógica de verossimilhança entre o atentado terrorista e o sofrimento das mães e crianças expostas nas letras e nas imagens do videoclipe. Pensado dessa forma, a lógica da BBC de Londres é semelhante a dinâmica dos empresários de mídia e produtores vinculados a banda de rock irlandesa.

Ainda sobre o paradoxo entre lucros da indústria fonográfica e banda em contraposição ao denúncia de ações terroristas e crítica política, Douglas Kellner, na obra A cultura da mídia, tece considerações importantes sobre originalidade artística e os interesses empresariais no mundo pós-moderno. Para tanto, analise as performances e a vivência da cantora Madonna, contrapondo sua influência como celebridade midiática ditando moda, identidade e comportamento versus o caráter comercial e lucrativo de suas ações. No que tange a sexualidade, a cantora, por meio dos ecos da Revolução Cultural dos anos 1960, constrói uma identidade sexualizada rompendo com os códigos dominantes politicamente corretos difundidos por grande parte das mídias ocidentais. No entanto, ao privilegiar a imagem, ela reforça o consumismo e os padrões capitalistas, tornando-se um “eu-mercadoria”. Dessa maneira, sua agressividade performática e imposturas oriundas de sua identidade, aos serem dominadas pelas empresas e consumo, transformam-na em mercadoria. Essa premissa, é nos fundamental, pois Dolores, vocalista da banda The Cranberries, é loira, branca e agressiva na música com imagens cristãs e adornos muçulmanos, além da voz potente, todavia sabe que, o sucesso do videoclipe de Zombie é fundamental para o sucesso posterior da banda irlandesa. Diante dessa realidade, peculiarmente, como ocorreu com inúmeros jovens músicos dos anos 1960, a artista é encontrada morta em 2018, exatamente antes de um compromisso para atuar em uma regravação da música Zombie, interpretada pela banda americana Bad Wolves. Ela foi encontrada morta em uma banheira, em Londres, devido a intoxicação alcoólica, no dia 15 de janeiro de 2018, aos 47 anos. Sua morte, assim como a de diversas celebridades da música, causou comoção e ilustra as angústias sofridas por artistas que apesar do sucesso financeiro, transformados em “mercadoria” na cultura midiática tem dificuldades de manter suas ações e personalidades individuais e optam pelo suicídio ou mortes vinculadas ao uso de drogas. Essa realidade, foi vivenciada por Jim Morrisson, Jimi Hendrix, Kurt Cobain e Amy Winehouse, referências da música como homicídios e ou suicídio associados ao uso de drogas ou bebidas alcoólicas. Logo, mesmo com 47 anos e não 27 anos, como nos casos supracitados, a morte de Dolores O´Riordan, ilustra a dificuldade de lidar com o sucesso midiático ampliado depois de 1994, lançamento do videoclipe da música Zombie.

Outrossim, para aprofundarmos na crítica sobre o videoclipe, é importante iniciarmos pelo termo “Zombie”. Sob essa ótica, ressalta-se que a partir dos anos 1960, as instituições apresentaram sinais de crise, exatamente por não conseguirem atender aos interesses sociais da cultura jovem, conforme destacamos com os estudos do historiador Hobsbawm. Seguindo essa linha de pensamento, a família, o Estado, as instituições religiosas e a ciência passaram pela crise dos paradigmas e consolidaram a ascensão da perspectiva libertária, bastante discutida por Jean Paul Sartre na premissa existencialista em que o ser humano estava fadado a ser livre, rompendo com as perspectivas do Estado burocrático, padrões de família e premissas da má-fé impostos pela lógica capitalista das “éticas enlatadas” (SARTRE, 1961). A respeito desse contexto, contracultural, Zygmund Bauman afirma que, progressivamente, o mal-estar, típico da modernidade liquida, fragiliza as instituições, tornando-as “instituições zumbis”, representações normativas políticas que não conseguem atenuar ou resolver os problemas sociais. Essa premissa é apresentada no clipe e na letra da música “Zombie” regularmente, pois durante 5:07 minutos, o refrão da música, destacadamente para a representação da “cabeça’ como metáfora do Estado inoperante que não consegue evitar o terrorismo e a violência, conforme expresso no trecho: “Em sua cabeça, em sua cabeça. Zumbi, zumbi, zumbi”. A partir desse pressuposto, o desenvolvimento da música, letra e produção audiovisual contrapõe o desespero de mães e crianças cujas vulnerabilidades sociais geradas pela política de guerra e inoperância do Estado conduzem toda a filosofia de composição da música.

No que tange a sonoridade musical, Zombie, segundo Dolores O´Riordan, é a canção mais agressiva composta pela banda, algo diferente das melodias mais suaves tocadas pelo grupo irlandês, pois segundo a vocalista “Zombie foi algo diferente de tudo que haviam feito antes”. [3] Nesse sentido, por influência do punk rock, a crítica ao Estado e a repetição de notas musicais e refrão simples atentado para a dialética da “cabeça x problemas sociais vividos por crianças como símbolo da sociedade”, fazem com que a melodia se torne simples e bem mais agressiva que o tom romântico da maioria das canções do grupo irlandês. Para enfatizar essa potência musical, no videoclipe, a performance da vocalista e o sofrimento das crianças em meio aos soldados é marcada pelos integrantes da banda que usam seus instrumentos guitarra, baixo e bateria no mesmo ambiente das bombas e do terrorismo presente nos personagens do clipe. Dessa forma, os únicos que mantêm sua performance de atuação na produção audiovisual, apenas concentrados em tocar a canção, são os instrumentistas do grupo irlandês, diferentemente da vocalista que alterna momentos ficcionais em que canta a música com vestes orientais e símbolos cristãos, com trechos que aparece junto à banda exercendo seu papel de vocalista, aspectos que discutiremos a seguir. Para exemplificar essa questão dos musicistas, observem a imagem abaixo:


Imagem 1
Músicos instrumentistas em meio aos escombros do terrorismo do clipe Zombi 1994.

Ainda sobre o trecho do videoclipe, é salutar pontuar que existe uma oscilação entre as tragédias apresentadas em preto e branco, conforme expostos acima, com imagens coloridas que ressaltam a performance de atuação da vocalista. Sob essa ótica, em consonância com as oscilações de velocidade e agressividade dos refrãos e progressão musical, Dolores, vocalista da banda, canta a música em meio a crianças e a uma simulação de crucificação. Nesse sentido, a premissa de terrorismo e violência associada a justificativas religiosas é imposta e, em dado momento, nas pichações dos escombros do caos, a sigla de grupos terroristas europeus aparecem nos muros dos escombros, conforme destaque a seguir:


Imagem 2
Símbolo do grupo terrorista IRA (Exército Republicano Irlandês)
Clipe Zombie (1994).

Conforme o símbolo acima, uma das preocupações expressas na produção audiovisual, destacada anteriormente, é destacar a morte de crianças associadas ao atentado terrorista, protagonizado pelo Exército Republicano Irlandês, em 1993, na cidade de Warrington, Inglaterra. Além da evidência presente nas imagens, na letra da música, o ano de 1916, período da Primeira Grande Guerra (1914-1918), é destacado no seguinte trecho: “É a mesma velha história desde 1916”. Essa alusão ao passado está na gênese da formação do grupo nacionalista católico que propunha naquele tempo de terror e reformulação do mapa político e geográfico na Europa, ao apagar das luzes da Primeira Guerra Mundial, a unificação da Irlanda e seu desmembramento do Reino Unido. Nesse contexto, a crise e o mal-estar, aprofundado pela querela mundial, foram condicionantes para a emergência do grupo terrorista. Segundo o historiador Thomas Laqueur, a vulnerabilidade social e a fragilidade institucional do Estado nos tempos da catástrofe mundial são pilares para o fortalecimento de milícias e grupos terroristas, como no caso do IRA. Logo, em uma difícil definição de terrorismo, ele salienta que esse mecanismo político consiste no

“[...] uso da violência por parte de um grupo para fins políticos, normalmente dirigido contra um governo, mas por vezes contra outro grupo étnico, classe, raça, religião ou movimento político. Qualquer tentativa de ser mais específico está votada ao fracasso, pela simples razão de que não há um, mas muitos terrorismos diferentes” (LAQUEUR, 1999, p. 46).

Em meio a esses terrorismos diferentes, o grupo irlandês IRA fundamenta suas ações associando-as à questão religiosa e ao interesse nacionalista. Sobre a primeira questão, vale destacar, segundo Peter Demant, em “Os muçulmanos”, o terrorismo tem sua gênese na intolerância religiosa inglesa do século XVII que marcou a Revolução inglesa naquele tempo. O historiador ressalta que, tanto o cristianismo como o islã possuem características expansionistas e monopolistas. Nesse contexto, com o intuito de desmitificar a associação do fundamentalismo religioso ao “Oriente” ou aos muçulmanos, o intelectual ressalta que “o fundamentalismo, na verdade, refere-se a um movimento religioso que surgiu a um século dentro do protestantismo norte-americano” (DEMANT, 2014, p. 194). A partir dessa premissa, as rivalidades entre católicos e protestantes na região da Gra-Bretanha, associada a rivalidades éticas constituídas na região desde as invasões bárbaras, criam um arcabouço de revanchismo e ressentimento que nutre os radicalismos do grupo católico irlandês. A segunda questão, importante para a compreensão do radicalismo do IRA, está vinculada à política de nacionalidades do século XIX. Nesse sentido, os finais de grandes conflitos europeus como as Batalhas Napoleônicas (1799-1815), a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a Segunda Guerra Mundial como o pós-1945 e mesmo os nacionalismos derivados da Queda da URSS, suscitam intuitos nacionalistas que estimulam movimentos separatistas ou unificadores, normalmente pautados pela intolerância e pela não aceitação das diferenças. Com essa perspectiva, ressaltamos que o ano de 1916, citado na música Zombi, é um período de consolidação do IRA, exatamente porque o “final da Primeira Guerra” corroborou para o fim dos Impérios da Alemanha, da Áustria-Hungria e do Império Turco-Otomano, dando origem a novos países consagrados pelos tratados do final da guerra mundial. Dessa maneira, mesmo vitoriosa nos conflitos bélicos, o Império Inglês via-se fragilizado e o ambiente militarista, de mal-estar e crise, deram possibilidade para o fortalecimento do IRA e de vários grupos terroristas na Europa. Nesse sentido, os movimentos de fragilização dos Estados Nacionais corroboram para a ampliação de ações fundamentalistas e terroristas como ocorreram em 1993, em Warrington, cidade inglesa.

No intuito de compreender os ressentimentos oriundos das humilhações e do terrorismo coletivo que contribuem para o surgimento do IRA, nos tempos da Primeira Grande Guerra (1914-1918), Pierre Ansart aponta que:

A questão que proponho tratar concerne não às paixões individuais, que todos conhecemos pois as experimentamos desde a infância, mas às humilhações sociopolíticas, que dizem respeito ao funcionamento da vida política, às relações de poder, humilhações sofridas por grupos ou situações de dependência, por partidos, etnias ou nações, quando de acontecimentos históricos particulares ou de forma durável. (ANSART, 2005, p. 16)

A reflexão do sociólogo francês, é imprescindível, pois esse passado não esquecido fomenta a vingança e o sentimento de revanche que, por sua vez assinale para um mal-estar e vulnerabilidade social que sustenta os grupos terroristas. Dessa maneira, o intelectual destaca ainda que existem três tipos de humilhações políticas que marcam a história, são elas as destrutivas, as superadas e as instrumentalizadas. A destrutiva propõe a docilidade do cidadão e, desta forma, o poder é instalado pelo Estado com o intuito de evitar a resistência. Cabe observar que a denúncia presente na música e produção audiovisual de Zombie, em tempos de globalização dos anos 1990, procura exatamente alertar os cidadãos da fragilidade dos Estados Nacionais em combate ao terrorismo. O segundo tipo de humilhação, proposto por Pierre Ansart são as superadas, como é o caso dos revolucionários de 1789 na França que procuram romper com tirania absolutista. Essa é peculiarmente importante para a análise de nossa fonte, pois o terrorismo da “guilhotina” e da Bastilha como símbolos do medo e da violência do Antigo Regime, deram vasão para um novo terrorismo, associado ao Terceiro Estado, especialmente ao Jacobinismo e a figura de Robespierre. Nesse contexto, a revolta contra a humilhação não elimina o terrorismo, pelo contrário ela suscita ações psicológicas de medo e violência e passa a ser uma das bases argumentativas de grupos radicais como o IRA na Irlanda. Assim nacionalismo e uma possível luta pela “liberdade” são elementos ideológicos utilizados e adaptados dos quais os ecos da Revolução Francesa (1789-1799) são inegáveis. E por último, a humilhação manipulada ou instrumentalizada pela política é a mais interessante, pois é usada ideologicamente para reforçar o poder e a dominação sobre os adeptos de partidos, milícias ou grupos violentos. Sobre essa questão vale destacar:

As grandes linhas deste processo são conhecidas. A derrota do exército alemão, face as forças aliadas foi recebida com sentimentos dispares pela população, mantida durante quatro anos na ilusão da vitória. O período de negociações, entre o armistício de 11 de novembro de 1918 e a assinatura do tratado de paz, em junho de 1919, favoreceu as agitações e os ressentimentos. Após 1920, muitos acalentaram a convicção de que a vitória teria sido possível, que forças obscuras haviam levado o governo do Kaiser à capitulação, que o exército havia sido vítima de uma traição, conforme a célebre imagem da ‘punhalada pelas costas’ – metáfora expressiva da traição. Hitler e os dirigentes nazistas retomavam o tema da humilhação do exército e da nação alemã como uma verdade evidente. (ANSART, 2005, p.21)

“É a mesma velha história desde 1916”.[4] O retorno ao passado para a compreensão da origem no nacionalismo exaltado e fundamentalismo religioso do grupo católico nacionalista IRA, é comparável as estratégias usadas por Hitler para a propaganda ideológica nazistas conforme destacou Pierre Ansart. Dessa maneira, essa humilhação manipulada ganha em nossa análise um duplo sentido. Em primeiro plano, contribui muito para a compreensão do uso político do ressentimento dos irlandeses do Norte que gostariam historicamente de um país independente e, viram nas fragilidades geradas ao Império inglês a chance de realizarem seus intuitos nacionalistas. Já, por outro lado, a humilhação que vamos denominar de “individual familiar” sofrida com o atentado terrorista de Harrington, em 1993, contribui para a composição da música e videoclipe da música Zombie, notadamente na tentativa da banda irlandesa de estimular o respeito as diferenças, assim como propôs intelectuais como Pierre Ansart e Hannah Arendt, especialistas na temática de humilhação, violência e ressentimentos. Assim, a canção e a produção artística tem uma função social importante e de grande alcance contra o fundamentalismo religioso e o terrorismo nacionalista.

Ainda acerca do fundamentalismo religioso, a atuação de Dolores no videoclipe é marcante, conforme ilustração abaixo:


Imagem 3
Dolores crucificada com criança angelicais ao seu redor

Conforme exposto acima, Dolores (vocalista) está sendo crucificada e tem crianças angelicais tentando protegê-la. Essa imagem, com a agressividade da melodia, compõe um cenário de angústia em todo o videoclipe. Com um fundo negro e vermelho em clara representação da morte, a imagem aponta para a intolerância religiosa com um pressuposto central para a banalização da violência e a intolerância, aspectos marcantes do final do século XX e do atentado terrorista de Warrington, de 1993. Prova disso, são as crianças que, ao mesmo tempo, tentam proteger a vocalista, contrastam imagens em preto e branco de outras crianças aterrorizadas pela violência e pelo militarismo. Essa prerrogativa de banalidade do mal e desrespeito às diferenças, conforme citado pela música, ao reportar-se ao início do século XX, ano de 1916, é investigada por Hannah Arendt. A filósofa, na obra A condição humana, defende o pluralismo e a alteridade como prerrogativas caras aos seres humanos para evitarem a banalização da violência, marca indelével das guerras mundiais. Sob esse viés, salienta que o diálogo e a comunicação são elementos caros à natureza humana e devem estar a serviço da paz para evitar tragédias como a vivenciada pela filósofa perseguida pelo nazismo devido a sua opção religiosa. Essas premissas fundamentam o videoclipe, pois a persistência da maldade e a inoperância das “instituições zumbi” fazem com que a comunicação audiovisual seja utilizada pela banda como um alerta contra o terrorismo e o fundamentalismo religioso, visto que Dolores na produção artística está vestida com trajes orientais e, ao mesmo tempo, é crucificada, associando o ódio e os ressentimentos aos fundamentalismos religiosos que marcam a história da Irlanda, Inglaterra, Europa e grande parte do mundo globalizado.

Outro ponto fundamental da análise do clipe e sua associação com o ataque terrorista de Warrington, em 1993, é certamente o destaque às crianças. Nessa condição, no clipe aparecem três representações de crianças, vinculadas as mortes de Jim Parry (12) e Johnathan Ball (3). A primeira, mostra crianças correndo em contraposição a soldados que aparecem na produção artística como imagens em preto e branco com o intuito de verossimilhança com a realidade dos escombros. A segunda, diz respeito às crianças que protegem Dolores que sofre com sua crucificação enquanto canta, conforme apresentado anteriormente e, a terceira, apresenta crianças brincado com espadas de madeira, em alusão à construção da lógica de guerra representada pela história europeia e pelo cotidiano daqueles que vivem em meio a conflitos, a violência e a catástrofes. Diante dessas questões que envolvem a história das crianças, Philippe Ariès esclarece que, da Idade Média até o início dos tempos modernos, as crianças misturavam-se com os adultos e, normalmente, aprendiam pela experiência prática vivida no trabalho, nos jogos e no cotidiano. Assim, apenas com o advento da modernidade é que a educação religiosa ou civil e que a sociedade, principalmente a família e a escola, procuraram disciplinar os infantes. Partindo desse parâmetro da história ocidental, a fragilidade das instituições burocráticas típicas dos anos 1960 e 1990, mesmo com o advento dos Direitos Humanos de 1948 e a melhoria das leis de proteção à criança, fazem com que elas fiquem vulneráveis ao terrorismo, ora como vítimas fatais, ora como pessoas vulneráveis e ressentidas que podem ser um exército de reserva dos grupos terroristas, aspecto que, no clipe, é apresentado nas brincadeiras de guerra ou de lutas. Ademais, vale destacar a relação direta entre a morte das crianças em Warrington, em 1993, e as crianças destacadas no clipe, conforme imagem posterior:


Imagem 4
Jonathan Ball (3) e Tim Parry (12). Mortos no atentado terrorista de Warrington (1993)


Imagem 5
Criança do videoclipe Zombie

A verossimilhança das crianças do videoclipe com os dois mortos no atentado terrorista de Warrington é perceptível. Nesse sentido, a relação música, imagem, ficção e tragédia foi a lógica fundamental para a composição e difusão da música Zombie, a partir de 1994. Sobre essa temporalidade, Fredric Jameson afirma que globalização, no mundo contemporâneo, deve ser pensado por cinco níveis distintos, o tecnológico, o político, o cultural, o econômico e o social. O tecnológico é marcado pela comunicação digital e microinformática. O político, pela fragilidade dos Estados Nacionais que, em nossa análise, associa-se às “cabeças” e às instituições zumbis. O cultural, caracterizado pela americanização do mundo em detrimento das culturas locais, neste caso, é importante frisar a direção do videoclipe em contraposição a apresentação do terrorismo na Europa, visto que o terror é uma das marcas mais vendidas nas contestações das bandas de rock, principalmente a partir dos anos 1970. Na economia, temos a hegemonia do capital financeiro sobre o produtivo e, na sociedade do consumo que, diante da fragilização dos Estados Nacionais e Queda da URSS, fez com que magnatas de mídia investissem no início dos anos 1990 em bandas de rock e, posteriormente, em outros gêneros com menores custos e letras de contestação crítica menos contundentes. Esse é um dos motivos centrais da análise de Zombie, pois a posteriori, o investimentos em músicas de crítica política ocorreu de forma menos evidente e a consequência foi a diminuição da produção de álbuns originais e a reprodução de Compact Disc e, posteriormente, outras formas de difusão de músicas como Spotfy, avanços de comunicação digital no ciberespaço que alteraram decisivamente a relação entre História e Música, no século XXI. Pensando dessa forma, a fórmula da difusão crítica de tragédias propostas por bandas como o U2 e The Cranberries ainda tem um grande público e a garantia de lucros, principalmente com as produções audiovisuais imortalizadas na internet. Todavia, no que tange a novas composições criativas e críticas, a redução de investimentos das empresas é notória, pois na sociedade de consumo, os interesses financeiros são hegemônicos.

Considerações finais: ecos de Zombie

Em função de seu caráter marcantes para a história da banda The Chamberries e o sucesso lucrativo de Zombie, após o lançamento em 1994, o avanço dos meios de comunicação a lógica da reprodução técnica imposta pelo novo cenário internacional geraram ecos divergentes sobre a relação da banda com as novas versões da música. Esse aspecto demonstra a importância do videoclipe no cenário fonográfico internacional e a permanência de seu sentido histórico, identitário e lucrativo póstumo, aspecto que justificam nossa investigação.

Nesse contexto, essa nova característica da música e das regravações, típicas nos anos 1990, foi criticada por José Adriano Frenerick, em Globalização e a indústria fonográfica de 1990, em que o historiador afirma que os avanços tecnológicos de comunicação afetam a qualidade de criticidade das músicas, apesar de redemocratizar o acesso ao som. Nesse contexto, com a fragilização dos Estados Nacionais e o barateamento progressivo das tecnologias de comunicação músicas de bandas de variados países podem adquirir sucesso global, como é o caso de Zombie, pós 1994. Uma prova disso, foi a regravação de Zombie, pela banda Bed Wolves, em 2018 que, tornou-se polêmica, após a morte de Dolores O´Riordan, em 15 de janeiro de 2018, quando foi gravar em Londres um trecho dessa nova versão, fato que comprova a lógica de regravações e de dependência dos “melhores sucessos” apontada também por Frenerick. Difundida três dias após a morte da vocalista do The Cranberries, os remanescentes da banda não gostaram da atitude e criticaram com veemência a postura e a nova versão da música. O baterista, Fergal Lawler chamou a atitude de insensível e afirmou que não gostou da nova versão da música. Já o Noel Hogan disse que três dias apenas após a morte de Dolores era muito cedo para o lançamento da música. Todavia, apesar das contestações do aumento da visibilidade da Bed Wolves, os lucros com a música Zombie foram doados para a família da cantora.[5] Reiteramos, portanto que essa mal-estar elucida mudanças no cenário musical da indústria fonográfica em que regravações, mixagens e uma certa hegemonia da música eletrônica e de estímulos musicais de menor contestação social, com algumas exceções como o Rap e o Hip Hop, demonstram que o ano de 1994 e o sucesso de Zombie apresentam um novo cenário para a música que merece a atenção dos novos historiadores. Uma nova mudança de paradigmas impõe desafios interessantes para a visibilidade do rock e a criação das canções marcantes.

Sobre essa questão da relação das tecnológicas com a originalidade da obra de arte, agredida pela banda Bed Wolves, na regravação de Zombie, conforme o comentário de Fergal Lawler, supracitado, é importante pontuar um alerta de Walter Benjamin feito na primeira metade do século XX. Segundo o filósofo da Escola de Frankfurt, com o avanço tecnológico e a reprodutividade técnica, ocorreria o fim da aura e a quebra da identidade e da originalidade da obra de arte, dessa maneira:

O que uns homens haviam feito, outros podiam refazer. Em todas as épocas discípulos copiaram obras de arte a título de exercício, mestres as reproduziram para assegurar-lhes difusão; falsários as imitaram para assim obter um ganho material. (BENJAMIN, 2000, p. 222-223)

O alerta pessimista de Benjamin, sobre a imitação de imagens nos séculos XVIII e XIX e de sons no final do século XIX, parece rememorar um novo fim da autenticidade no final do século XX. Nesse sentido, em Zombie, e suas influências e ecos esse desafio nos é imposto e pensar sobre ele é indispensável para tentar contribuir com os estudos sobre História e Música que para além do som, atualmente depende da convergência de conexões e articulações imagéticas e performáticas do qual o ano de 1994 e essa música tem um lugar especial.

Portanto, terrorismo e violência e globalização é uma tríade marcante para a criação do videoclipe de Zombie e suas significações e ressignificações, notadamente devido ao caráter arquivístico proporcionado pelas mídias digitais e internet, permitem ao historiador uma análise da música para além das letras e partituras. É nessa perspectiva que lançamos o debate que, assim como ocorrido com o videoclipe de 1994, torna-se um estimula para novas reflexões sobre os impactos e ecos causados pela música desafios impostos pelo impacto da tecnologia de som e imagem nos indivíduos a partir do final do século XX e início do século XXI.

Referências bibliográficas

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Notas

[1] Ver em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-42702161. Acesso em 03 de dez. 2022.
[2] Ver em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-42702161. Acessado em 03 de dezembro de 2022.
[3] Ver em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-42702161. Acessado em 03 de dezembro de 2022.
[4] Trecho da música Zombie, videoclipe de 1994. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=BxrLVldZtmg. Acessado em 06 de dezembro de 2022.

Autor notes

i Doutor em História Social. Professor de História Moderna e Contemporânea do Departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. E-mail: hg6alessandro@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3348-4489.

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