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BREVES APONTAMENTOS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA, MÚSICA E TECNOLOGIA. UM ESTUDO DE CASO NA MÚSICA DO RADIOHEAD
BRIEF NOTES ON THE RELATIONSHIP BETWEEN HISTORY, MUSIC AND TECHNOLOGY. A CASE STUDY IN RADIOHEAD'S MUSIC
BREVES APUNTES SOBRE LA RELACIÓN ENTRE HISTORIA, MÚSICA Y TECNOLOGÍA. UN ESTUDIO DE CASO EN LA MÚSICA DE RADIOHEAD
Caminhos da História, vol. 28, núm. 1, pp. 81-98, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 1, 2023

Recepção: 27 Novembro 2022

Aprovação: 28 Dezembro 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Neste artigo serão discutidos aspectos da relação entre história, música e tecnocultura para isso, a música The Tourist da banda britânica Radiohead será a trilha sonora usada para discutir como as transformações tecnológicas estão conectadas com as formas de produção artística, criação musical e consumo da música. Tais temas ajudam na compreensão de aspectos da história do cotidiano e da cultura pelo viés das mudanças propiciadas pela difusão de novas tecnologias no final do século XX. O artigo está dividido em 3 eixos principais: o primeiro apresenta um breve histórico das relações entre história e música na primeira década dos anos 2000 e aborda a definição de Música Popular Urbana e o conceito de paisagem sonora; o segundo trata das relações entre tecnologia e música e apresentada o conceito de tecnocultura, neste eixo ainda discute aspectos relacionados ao uso do ruído como recurso estético na música; o terceiro eixo relaciona os dois eixos anteriores e defende que a Música Popular Urbana é um objeto privilegiado quando se pretende estudar as transformações nas sensibilidades e no cotidiano a partir da popularização da tecnologia.

Palavras-chave: Radiohead, Tecnologia, Música, História, Cotidiano.

Abstract: This article discusses aspects of the relationship between history, music and technoculture. For that, the song The Tourist by the British band Radiohead will be the soundtrack used to discuss how technological transformations are connected with the forms of artistic production, music creation and music consumption. These themes help us to understand aspects of everyday life and the culture through the changes brought by the diffusion of new technologies at the end of the 20th century. The article is divided into 3 main axes: the first presents a brief history of the relationship between history and music in the first decade of the 2000s and addresses the definition of Urban Popular Music and the concept of soundscape; the second deals with the relationship between technology and music and presents the concept of technoculture, in this axis, it still discusses aspects related to the use of noise as an aesthetic resource in music; the third axis relates to the two previous axes and argues that Urban Popular Music is a privileged object when one intends to study the transformations in sensibilities and daily life from the popularization of technology.

Keywords: Radiohead, Technology, Music, History, Everyday life.

Resumen: Este artículo aborda aspectos de la relación entre historia, música y tecnocultura. Para eso, la canción The Tourist de la banda británica Radiohead será la banda sonora utilizada para discutir cómo las transformaciones tecnológicas se conectan con las formas de producción artística, creación musical y consumo musical. Estos temas nos ayudan a comprender aspectos de la vida cotidiana y de la cultura a través de los cambios que trajo la difusión de las nuevas tecnologías a fines del siglo XX. El artículo se divide en 3 ejes principales: el primero presenta una breve historia de la relación entre historia y música en la primera década de los 2000 y aborda la definición de Música Popular Urbana y el concepto de paisaje sonoro; el segundo trata de la relación entre tecnología y música y presenta el concepto de tecnocultura, en este eje, aún discute aspectos relacionados con el uso del ruido como recurso estético en la música; el tercer eje se relaciona con los dos ejes anteriores y argumenta que la Música Popular Urbana es un objeto privilegiado cuando se pretende estudiar las transformaciones en las sensibilidades y la cotidianidad a partir de la popularización de la tecnología.

Palabras clave: Radiohead, Tecnología, Música, Historia, La vida cotidiana.

Apresentação

It barks at no one else but me

Like it's seen a ghost

I guess it seen the sparks a-flowing

No one else would know

Hey man slow down, slow down

Idiot, slow down, slow down

Sometimes I get overcharged

That's when you see sparks

You ask me where the hell I'm going

At a thousand feet per second

Hey man slow down, slow down

Idiot slow down, slow down

Hey man slow down, slow down

Idiot slow down, slow down

(The Tourist - Radiohead, 1997)

The Tourist é a música de encerramento do disco OK Computer que foi lançado pela banda britânica Radiohead em 1997[1]. Em termos de estrutura musical a canção não apresenta grandes inovações pois nela estão presentes elementos tradicionais do rock; a harmonia é composta de quintas abertas, riffs de guitarra marcantes e viradas de bateria características. The Tourist foi composta pelo guitarrista Johny Greenwood depois que ele presenciou, durante uma viagem à França, um grupo frenético de turistas correndo de um lado para outro para visitar a próxima atração. A sonoridade tranquila e languida da canção é diametralmente oposta ao ritmo vertiginoso dos turistas que serviram de inspiração. Outro destaque é que embora a palavra turista apareça apenas no título da canção, a música termina com um barulho sino, similar àquelas sinetas usadas nas recepções de hotel. Essa música, até singela, servirá como “trilha sonora”[2] dos três eixos que serão discutidos neste artigo: História e Música; Música e Tecnologia; e as relações entre Música, História e Tecnologia[3].

O Radiohead foi formado na região de Oxford no final da década de 1980 e o Ok Computer é o terceiro dos nove álbuns oficiais de músicas inéditas que banda lançou até o momento[4]. Depois dos dois primeiros álbuns, Pablo Honey e The Bends, que alcançaram relativo sucesso, o grupo conseguiu autonomia junto à gravadora para gravar e produzir o terceiro álbum sem muitas pressões comerciais. No entanto, quando os executivos da gravadora escutaram a versão preliminar acabaram diminuindo pela metade o número previsto de cópias a serem lançadas, pois eles julgaram que o Ok Computer seria "suicídio" comercial. Após o lançamento, o álbum vendeu milhares de cópias, foi considerado por muitos críticos como um dos mais importantes da década sendo muitas vezes sendo descrito como sendo "semi-conceitual sobre tecnologia e alienação tanto em termos de som, temática e aspiração" (REYNOLDS, 2006, p. 167). Para o jornalista Marky Paytress, o Ok Computer é o equilíbrio precário, embora perfeito:

entre arte e comércio, entre analógico e digital, entre moderno e pós-moderno, entre crise e conforto, entre música e tudo o que está além dela, OK Computer mostrou o que acontece quando os mundos colidem. (PAYTRESS, 2005, p. 37)

Com mais de 25 anos, muito já foi escrito e falado sobre Ok Computer na imprensa musical e, inclusive, em trabalhos de teor mais acadêmicos. Já na época do lançamento, em 1997, alguns críticos interpretaram o álbum como frio, depressivo e melancólico, outros como simbólico e representativo do fim do milênio.

Com efeito, o disco foi gravado no contexto da chamada Globalização, um período caracterizado pelo domínio das doutrinas neoliberais e pela rápida popularização das tecnologias informacionais, que atingiram em nível planetário as mais diferentes sociedades e provocaram uma completa reconfiguração dos meios de comunicação, das formas de representação, da política, das interações sociais e, no limite, da subjetividade e dos sistemas cognitivos dos indivíduos. (SEVCENKO, 2001)

Durante o processo de gravação e divulgação do álbum, a temática do computador e da tecnologia estiveram presentes também em outras formas de expressão artística do Radiohead. Deste modo, utilizo a ideia de “Máquina Ok Computer", que foi formulada a partir do conceito de “Máquina de Expressão” de Gilles Deleuze e Félix Guattari no qual a “máquina”, nesse caso, não é usada no sentido pejorativo do termo, mas ela é pensada como um fator comunicativo composto de diversas engrenagens (agenciamentos) que possuem individualidade própria mas são pensadas como partes de um todo. (DELEUZE E GUATTARI, 1977)[5].

Partindo destas definições, proponho que, antes de um álbum intitulado Ok Computer, existe uma “máquina Ok Computer” composta por engrenagens que abrangem além do referido álbum, os sites, os videoclipes, o documentário Meeting People is Easy feito para acompanhar a turnê, a própria turnê e as aparições públicas da banda no período de lançamento do álbum. A “Máquina Ok Computer” é , portanto, composta por diversas “engrenagens" que ao serem analisadas isoladamente produzem novas interpretações para as transformações sociais e tecnológicas do final do milênio, um período no qual o computador era um dos principais símbolos do imaginário cultural (CORREIA, 2018).

Uma das engrenagens dessa Máquina Ok Computer é a música The Tourist, cujo título não pode ser considerado estranho em um disco que tem como temática a tecnologia do fim do milênio. No final da década de 1990, a ideia de mobilidade era uma constante na mídia e entre os defensores da globalização. Tal mobilidade era representada pelos computadores, pela internet e, claro, pelo turismo que ganhou grande importância dentro dos discursos de um mundo globalizado e sem fronteiras, ideia característica da época. Quando se fala de turismo é importante lembrar que já em 1967 Guy Debord afirmava "subproduto da circulação de mercadorias, o turismo, circulação humana considerada como consumo, resume-se fundamentalmente ao lazer de ir ver o que se tornou banal” (DEBORD, 1997, p. 112).

Foi principalmente no final da segunda metade do século XX que o turismo e os turistas se tornam objeto de estudo da ciências sociais, afinal as transformações nos transportes, nas comunicações colocaram o turismo os turistas num novo patamar de importância social, que era reflexo das novas condições de mobilidade, num contexto de crescimento e aceleração dos fluxos de pessoas e objetos.

De maneira geral, o turista é um viajante voluntário e temporário, viajando na expectativa de prazer, da novidade e da mudança experimentada em uma viagem de ida e volta relativamente longa e não recorrente (COHEN, 1972, p. 533). Se por um lado, o turismo se torna uma atividade de prestígio e o turista é aquele a quem é permitido “escapar” do cotidiano e da experiência fragmentada da modernidade, por outro, o turista é alguém que está fora de seu lugar, quase um “estranho no ninho”, algumas vezes sem rumo e com uma identidade precária. Muitas vezes o turista é alguém que precisa falar “mais devagar” para ser compreendido, alguém que os cachorros estranham como se tivessem visto um fantasma[6]. para usar alguns dos versos da canção The Tourist. No contexto do OK Computer, a ideia do turista parece se relacionar ainda com o fato de, comumente, as pessoas se sentem estrangeiras em seus próprios lugares, algumas vezes em seus próprios corpos, sendo, portanto, tomadas por sentimentos de inadequação e de deslocamento, que estão presentes na letra e na melodia da música The Tourist.

História e música

A inadequação do turista da música do Radiohead me parece muito similar àquela compartilhada por mim e alguns colegas historiadores que estudavam música quando entrei no mestrado em 2008. Naquela época os estudos históricos que utilizavam a música como fonte ainda passavam por um processo de consolidação, afinal, somente nas últimas década do século XX, depois da crise metodológica atravessada pelas Ciências Sociais, que a música passou a ser considerada um objeto “sério" de pesquisa (MORAES, 2005, p. 49). A crise das Ciências Humanas proporcionou a incorporação de novas linguagens e ampliou o uso de novos objetos e fontes de pesquisa. A História caminhou para os chamados estudos culturais fazendo com que pesquisas envolvendo a arte e a música se multiplicassem.

No Brasil, embora os trabalhos sobre música popular existissem desde a primeira metade do século XX, os primeiros estudos sobre o tema foram realizados em sua maioria por colecionadores e jornalistas, os Historiadores de Oficio e outros pesquisadores não enxergavam na música relevância cultural ou social. Foi somente a partir da década de 1980 que ocorreu um crescimento no número de pesquisas acadêmicas interessadas na Musica Popular e que usavam a canção como fonte (MORAES, 2005, p. 53). A consolidação desse interesse na primeira década do século XXI pode ser percebida por três importantes publicações sobre o tema[7].

Esses trabalhos, sem dúvida, ajudaram a diminuir a sensação de deslocamento que afligia a mim e a alguns dos meus colegas. Contudo, se naquela época, alguns pesquisadores Acadêmicos da Música Popular ainda podiam se sentir “turistas” por enfrentarem dificuldades e preconceitos, pesquisar um conjunto Britânico a partir do ponto de vista do “turista” brasileiro apresentava ainda outros desafios. Um dos quais era o fato de que nesse contexto o próprio conceito de música popular parecia algo difícil de se definir.

No Brasil a noção de música popular parece ser algo que abrange a música folclórica, a música etnográfica e a música urbana. Já nos países de tradição Anglo-Saxônica existe uma divisão entre os conceitos de art-music para a música clássica, folk - música étnica tradicional e música popular que abrange todo o resto, inclusive o Rock (FISCHERMAN, 2005, p. 27). Deste modo, o conceito de Música Popular Urbana cunhado por Juan Pablo Gonzales foi uma solução para esse problema de definição e se adequou perfeitamente para delimitar o tipo de música produzido pelo Radiohead. Pois, de acordo com a caracterização elaborada por Juan Pablo Gonzales a Música Popular Urbana é Midiatizada, portanto sua relação com o público se dá através da indústria e da tecnologia; é Massiva, porque chega a milhões de pessoas; e é Moderna, pois tem uma relação simbiótica com a indústria cultural, a tecnologia e as comunicações, onde desenvolve sua capacidade de expressar o presente, tempo histórico fundamental para audiência juvenil que a sustenta (GONZÁLES, 2001, p. 38). As três características facilmente identificadas na produção do Radiohead.

Outro desafio em se estudar um grupo britânico a partir do ponto de vista do “turista” brasileiro é o fato de que parece haverem diferenças na forma de pensar e ouvir a música entre britânicos e brasileiros. Pois, apesar de a música do século XX ser fortemente centrada na personalidade dos ídolos e no uso da voz do interprete (FRITH, 2001, 428), no Brasil as problemáticas e focos centrais da investigação sobre a música popular estão na análise do discurso da canção, nas posições politicas, na essência artística e no seu desenvolvimento histórico (GONZÁLES, 2001, p. 48). Na tradição britânica, um dos principais estudiosos, Simon Frith, propõe uma metodologia de análise preocupada com questões literárias e lingüísticas, contudo, a maioria dos trabalhos britânicos dá mais ênfase para a melodia e a parte instrumental do que para as letras das canções (GONZÁLES, 2001, p. 48). Deste modo, uma alternativa possível para a análise musical nos trabalhos de história é a mescla das duas abordagens, onde sejam levados em consideração, tanto o discurso da canção, as posições políticas, quando a parte sonora propriamente dita.

Além disso, a dificuldade em se tentar traduzir em palavras uma linguagem sonora permitiu que os estudos historiográficos que tem a música como fonte se voltassem também para uma maior interdisciplinaridade, com abordagens que levam em consideração aspectos relacionados à performance, às análises linguísticas, à teoria musical, à critica do cotidiano, e inclusive de na análise de espectogramas das canções[8].

Uma dessas abordagens é a da paisagem sonora, conceito desenvolvido pelo pesquisador e compositor canadense R. Murray Schafer e que é usado para designar:

O Ambiente sonoro. Tecnicamente, qualquer porção do ambiente sonoro visto como um campo de estudos. O termo pode referir-se a ambientes reais ou a construções abstratas, como composições musicais e montagens de fitas, em particular quando consideradas como um ambiente. (SCHAFER, 2001, p. 266)

Os sons, as músicas, os ruídos e oralidade são parte importante nas mais variadas culturas, e estão diretamente relacionados com a vida cotidiana, exercendo uma presença marcante no dia-a-dia, desde os ruídos que não deixam as pessoas descansarem como os zunidos de utensílios domésticos, sons de rádios fora de sintonia até as canções que muitas vezes funcionam como trilhas sonoras do cotidiano. Para termos uma idéia da importância dos sons na vida cotidiana, podemos citar como exemplo o sino de uma escola, ou de uma fábrica, que além de regrar a rotina dos alunos, operários, acabam por regular todo o cotidiano da população a sua volta.

De acordo com o historiador Jean-Pierre Gutton, os ruídos e as paisagens sonoras normalmente são fonte para os historiadores que se preocupam com a temática do cotidiano, pois nas práticas cotidianas, principalmente das cidades é onde se desenvolvem as paisagens sonoras e os ruídos, afinal a cidade é o local da sociabilidade e do fluxo de pessoas. (GUTTON, 2000)[9].

Em The Tourist, é possível perceber a incorporação de um elemento da paisagem sonora que é a sineta das recepções de hotel. O som da sineta aparece no refrão da música e acaba sendo o último som que encerra o álbum. Mas esse não é o único som que pode ser identificado como parte da paisagem sonora usado pela banda no disco. Na verdade, ao longo de todo o álbum é possível identificar sons e ruídos que podem ser relacionados com a paisagem sonora tecnológica do final do século XX.

Um exemplo é a música Karma Police, a quinta faixa do Ok Computer. A letra da música apresenta uma série dessas imagens de sons tecnológicos (Karma police, arrest this man / He talks in maths, he buzzes like a fridge / He's like a detuned radio). Além disso, após o último verso da canção a parte instrumental diminui gradativamente, ao mesmo tempo que parece ser substituída por ruídos que lembram um som bem característico da paisagem sonora do final da década de 1990, o barulho da conexão de internet discada via modem. Ao usar esse ruído, que era parte da paisagem sonora criada pelo uso dos computadores pessoais, a banda elabora uma espécie de metáfora sonora. A metáfora da conexão entre o mundo analógico e o digital, isso porque, na música seguinte, Fitter Happier, a característica voz do vocalista Thom Yorke é substituída por uma voz robótica gravada no computador pessoal do artista. A letra de Fitter Happier é composta por uma série de slogans e palavras de ordem que estavam em voga no período. O texto da canção foi digitado em um programa de computador para deficientes visuais e na música ele é lido de maneira robótica por uma voz fria e distante. Ao fundo de dessa voz robótica há uma “colagem” sonora que é composta por ruídos de estática, fitas travando e um loop ao fundo com um trecho extraído do filme Os Três Dias do Condor[10]. Essa colagem sonora é acompanha ainda por um piano que fica se alternando entre algumas notas repetitivas, monótonas e desconexas[11]. Os fragmentos e circunstâncias contingentes que compõem a música estampam uma rotina e uma vida esvaziada de significado, sensações que também estão presentes em The Tourist.

Música e tecnologia

Em seu livro A Afinação do Mundo, Schafer demonstra que ao longo da história o uso de novas técnicas teve um papel determinante na alteração das paisagens sonoras. De acordo com Schafer, a partir da revolução industrial as paisagens sonoras se modificam cada vez mais rapidamente, uma vez que os sons feitos pela máquina são os responsáveis pelos sinais operativos que dirigem a vida moderna (SCHAFER, 2001)

A tecnologia é um componente importante do cotidiano e têm grande influência no imaginário e na criação artística, pois ela produz impactos sensoriais, cognitivos e inspira a percepção dos artistas, escritores em suas obras e seus relatos. A música é uma das expressões artísticas que mais rapidamente se adaptam e são influenciaras pelo impacto das inovações tecnológicas. A relação com a tecnologia é um fator fundamental para entendermos a música no decorrer do século, uma vez que é impossível descrever as músicas do século XX sem pensar as trocas entre as forças de produção eletrônica, as gravadoras, os sintetizadores e os consumidores. A tecnologia disponibiliza o uso de outros instrumentos o que possibilita a criação de novas sonoridades e outros estilos musicais e propicia diversas inovações estéticas.[12]

Para citar mais alguns exemplos da relação entre música e tecnologia, temos o fato da revolução causada pelo surgimento das gravações fonográficas, que possibilitaram que a música fosse “armazenada” para ser consumida em qualquer lugar, posteriormente tivemos a multiplicação dos formatos de distribuição musical do vinil para o cd até chegar no streaming, passando dos portáteis walkmens, Ipods, aparelhos de MP3 e smarthphones com bluetooth que proporcionam ampla liberdade de movimento na escuta individual da música.

Foi justamente pensando nas formas de produção e consumo da música proporcionadas pela tecnologia que em 2003 foi publicada a coletânea Music and Technoculture editado pelos etnomusicólogos René T.A. Lysloff e Leslie C. Gay Jr. Esta coletânea, centrada na etnomusicologia, conta com 15 autores que discutem a forma como a tecnologia culturalmente informa e infunde aspectos da vida cotidiana e da experiência musical[13].

Na introdução, os autores lembram que a própria história dos estudos de etnomusicologia está diretamente ligada à tecnologia de gravação, pois os etnomusicólogos muitas vezes gravam os sons que irão estudar e que as práticas musicais e as formas de conhecer a música são significativamente transformadas pelas novas tecnologias[14]. Lysloff e Gay Jr. estabelecem algumas bases de um estudo etnomusicológico da tecnocultura, tecnocultura entendida como comunidades e formas de pratica social que surgiram como resposta as mudanças nas tecnologias de mídia e comunicação, e propõem uma abordagem preocupada em como a tecnologia se entrelaça com as práticas culturais relacionadas à música, o que inclui não apenas contraculturas musicais baseadas em tecnologia mas também o conhecimento e formas de conhecimento relacionadas à tecnologia. A tecnologia é pensada como um processo cultural completo que é impregnado de significado social e que tem práticas que caracterizam pela adaptação tecnológica, evitação, subversão e resistência.

Nesse sentido, a produção artística do Radiohead abre possibilidades para pensar as relações entre tecnocultura e música. Por exemplo, embora em termos musicais The Tourist não esteja fora dos padrões de sons característicos do rock, as guitarras da música são saturadas com tratamentos tecnológicos. Além disso, foi usado também um melotron que é uma espécie de sampler analógico que produz um som ameaçador e distorcido, enquanto a voz de Thom Yorke também foi levemente modificada com a inclusão de efeitos eletrônicos.

Com efeito, quando o Ok Computer foi lançado, o álbum chamou a atenção pela mistura dos instrumentos e da sonoridade convencional e característica do rock com elementos eletrônicos. Longe de ser uma novidade, pois já havia uma tradição de se misturar rock com música eletrônica[15], no Ok Computer essa mistura tinha como principal característica o fato de que nele os elementos eletrônicos funcionam menos como componentes rítmicos e melódicos e mais como “intervenções” tecnológicas que invadem a sonoridade tradicional do rock. As músicas do disco são repletas colagens sonoras que são inspiradas em trilhas de filmes, música eletrônica, ruídos, interferências, barulhos e glitches que dão ao álbum uma atmosfera tecnológica (FOOTMAN, 2007) e recriam a "paisagem sonora” do mundo digital, ou o que podemos chamar trilha sonora do final do milênio (CORREIA, 2012).

Após o sucesso comercial do disco Ok Computer, o Radiohead rompeu com o padrão tradicional do rock e procurou incorporar em sua estética experimentações nos dois discos posteriores, Kid A e Amnesiac que foram lançados respectivamente em 2000 e 2001. Na época do lançamento, os dois discos foram considerados “anticomerciais" pelos críticos de rock, contudo, como lembra Alex Ross: “Numa demolição da sabedoria convencional, Kid A, uma mistura hipnótica de riffs roqueiros, acordes jazzísticos, texturas clássicas e ruído eletrônico, subira ao topo da lista da Billboard”. (ROSS, 2007, p. 109)

Dessa descrição nos interessa particularmente a ideia de "ruído eletrônico", pois nestes dois álbuns, desde a concepção da arte dos encartes passando pelos arranjos das músicas existem intervenções diretas do que pode ser caracterizado como ruído. A palavra ruído é ambígua, pois pode designar um som, mas também indicar sons não desejados ou de maneira mais precisa um fenômeno acústico que produz uma sensação auditiva considerada como incomodo (GUTTON, 2000). Na maioria das vezes o que é ruído acaba sendo incorporado às músicas produzidas por uma determinada sociedade, deixando de ser considerado como interferência ou quebra de sinal e tornando-se presente, inclusive, nas músicas de vanguarda[16].

De acordo com Paul Hegarty, o ruído não é um fato objetivo, pois ele é interpretado a partir da percepção, diretamente (sensorial) e de acordo com presunções de um indivíduo, e portanto, o ruído sempre é apreendido "como negatividade (nunca pode ser positivamente, definitivamente e localizado fora de seu tempo), uma resistência à algo estabelecido" (HEGARTY, 2007, p. 3).

Ainda sobre o ruído, Jacques Attali afirma:

Com o ruído nasce a desordem e seu oposto: o mundo. Com a música nasce o poder e seu oposto: a subversão. No ruído podem ser lidos os códigos da vida, as relações entre os homens (…), quando se torna música, o ruído é fonte de poder e propósito Está no coração da racionalização progressiva da estética, e é um refúgio para resíduo irracional. (ATTALI, 1999, p. 6).

Pensado a partir destas definições, o ruído aparece como uma maneira de questionar a ordem e podem funcionar como uma tentativa de ruptura no “status quo”. Uma estética baseada no ruído seria, portanto, compreendida como um movimento de transgressão, incorporado a música para causar um distúrbio nos sistemas de sinais estabelecidos. Os artistas que fazem do ruim um elemento estético para construir suas músicas são normalmente associados à vanguardas estéticas, pois transformam a natureza (ruídos) em algo cultural e político, como o caso da música futurista, considerada a primeira música ruidosa da história[17].

Em relação ao Radiohead, os integrantes já falaram abertamente da crise criativa que acometeu o grupo após o sucesso comercial do Ok Computer o que levou a banda a tentar desconstruir a sua identidade musical. Como resultado, o vocalista Thom Yorke decidiu fazer:

uma interface entre voz e tecnologia e desenvolver o que ele chamou de “uma gramática de barulhos”. As duas primeiras faixas do disco são quase uma carta de intenções: as palavras são processadas para frustrar o tradicional mecanismo do ouvinte de rock em identificar e interpretar. (REYNOLDS, 2006, p. 182)

De fato, as músicas dos dois discos são soterradas de chiados, melodias desconstruídas e interferências do mais variados ruídos. Ou seja, a harmonia das canções apresenta uma atmosfera “suja”, com falhas e interferências glitchtronic (defeitos eletrônicos), que na música eletrônica é definida por uma estética baseada em estalos, cliques, ruídos e interferências, "como se houvesse algum defeito no som”.(REYNOLDS, 2006, p. 159). Essa proposta explícita do Radiohead em usar uma estética carregada de ruídos eletrônicos que eram parte da tecnocultura do começo dos anos 2000 foi uma como forma do grupo questionar e desafiar padrões da Música Popular Urbana produzida no período.

Ainda sobre a relação entre o Radiohead e a tecnocultura é necessário lembrar que é impossível descrever as músicas dos séculos XX e XXI sem pensar nas trocas entre as forças de produção eletrônica, as gravadoras, os sintetizadores, os fluxos informacionais e os consumidores. Nesse sentido, com o lançamento em 10 de outubro de 2007 o disco In Rainbows, o Radiohead testou uma nova abordagem na maneira de distribuir e consumir música. A estratégia de lançamento foi a seguinte: disponibilizar para download o disco no site da banda na internet e o usuário escolhia o preço a pagar, podendo até mesmo não pagar nada. Com essa atitude o grupo levantou debates em torno da ideia do quanto deve-se pagar pela arte um contexto de difusão das tecnologias informacionais.

Mais recentemente, em 2020, a banda lançou um site chamado Radiohead Public Library, uma espécie de arquivo onde estão disponíveis, gratuitamente, diversos materiais que incluem fotos, videoclipes, vídeos de shows, reportagens que abrangem toda a carreira do grupo, inclusive todos é possível escutar gratuitamente todos os discos da banda. O grande acervo funciona efetivamente como uma grande biblioteca multimídia nos moldes do site Internet Archive (https://archive.org).

Tecnologia, música e cotidiano

Dois temas atravessam as discussões sobre as relações entre história e música e música e tecnologia: as transformações do cotidiano e das sensibilidades no contexto de transformações tecnológicas. Foi mencionado que The tourist emulava em sua sonoridade aspectos da paisagem sonora e dos ruídos e que o turismo era um dos símbolos da mobilidade e da aceleração propiciada rápida difusão das tecnologias de transporte e comunicação na década de 1990.

Mas as referências tecnológicas não restringem unicamente a estes dois aspectos, a tecnologia também está presente na letra da canção, que em termos de forma a estrutura é relativamente simples, duas estrofes e um refrão que é repetido três vezes.

Nos dois primeiros versos, o narrador fala de uma situação cotidiana, o encontro com um cachorro. Nestes versos é abordado o sentimento de não pertencimento que está relacionado ao fato dele, narrador, ser percebido como estranho por esse cachorro (It barks at no one else but me / Like it's seen a ghost). A causa do estranhamento, o narrador supõe, é que o cachorro é o único capaz de identificar faíscas que correm pelo corpo do narrador. Em seguida, o refrão (Hey man slow down, slow down / Idiot, slow down, slow down) permite algumas interpretações. Se partimos do pressuposto de que a música possui uma única voz narrativa podemos inferir que o narrador tem algum tipo de transtorno de dupla personalidade, se admitimos que se trata de um diálogo e que o refrão é cantado pelo interlocutor, podemos inferir que o narrador está conversando com o cão, real ou imaginário, que é citado na primeira estrofe. Isso porque na segunda estrofe o narrador fala diretamente com o seu interlocutor, o que pode ser deduzido pelo uso do pronome you no terceiro verso. Os dois primeiros versos da estrofe também revelam o motivo das faíscas: ele fica sobrecarregado (Sometimes I get overcharged / That's when you see sparks). Se na primeira estrofe o narrador diz que o cachorro é o único capaz de ver as faíscas, então pode-se presumir que ele realmente está falando com o cachorro real ou imaginário. Os dois últimos versos da música são um discurso indireto, onde o narrador reproduz uma fala de seu interlocutor. Por meio dessa fala do interlocutor descobrimos que o narrador está se deslocando em alta velocidade (You ask me where the hell I'm going / At a thousand feet per second) para algum lugar que nem mesmo ele parece saber exatamente aonde é. O movimento fisico neste caso funciona como uma metáfora para uma vida esvaziada de sentido, um narrador cujo desejo de ‘seguir’ significa a perda do contato com o ambiente e, implicitamente, com sua própria humanidade.

E a música termina com mais duas repetições do refrão que soam como uma auto-sugestão, tomando a música como tendo um único narrador com algum transtorno psicológico, ou um aviso, levando em consideração a tese do interlocutor canino. Mas do que se trata esse aviso? Possivelmente um alerta sobre a aceleração tecnológica e suas consequências para a vida diária, o esvaziamento de sentido e a perda da humanidade.

A letra emula um fato trivial do cotidiano, um cachorro latindo na rua para uma pessoa estranha, mas essa imagem prosaica também é impregnada de imagens que relacionadas à tecnologia e à velocidade (sparks, overcharged, thousand feet per second). Assim, esteja o narrador falando sozinho, por dupla personalidade, ou sozinho com a criação do contato com o outro por meio de um cachorro imaginário a letra aborda a produção da subjetividade com a difusão tecnológica e a dificuldade de conexão com o outro. Estamos no campo das expressões culturais, dos novos hábitos, das formas de representação e sensibilidades resultantes das transformações provocadas pela tecnocultura no cotidiano no final do século XX.

Já em 1998, um ano depois do lançamento do Ok Computer, a historiadora Maria Odila Dias ressaltava que a crítica do cotidiano havia assumido um papel estratégico devido às mudanças aceleradas e pelo fato do cotidiano ter se transformado no principal alvo da alienação do homem, sendo o cotidiano, portanto a mais estratégica esfera de atividade do sistema de dominação da cultura de massa ou dos sistemas de controle[18]:

Nossa contemporaneidade desafia o conhecimento institucionalizado em busca da reinvenção, sobretudo no plano político, de novos meios de convívio e de reajustamento de valores sociais, étnicos, diferenciados, minoritários, em confronto com o sistema centralizado de massificação, que conhecemos e que nos cerca em nosso dia-a-dia. (DIAS, 1998, p. 257).

Assim sendo, a Música Popular Urbana é um objeto privilegiado quando se pretende estudar o impacto das transformações tecnológicas a partir de uma perspectiva da história do cotidiano e das sensibilidades. Pois nenhum objeto cultural pode ser produzido fora de sua própria cultura e um fenômeno cultural, no nosso caso a música, é parte da sociedade que o produz (FISCHERMAN, 2005, p. 19). Afinal, os artistas são especialistas em notar as trocas de percepção sensorial e enfrentar impunemente a tecnologia como afirma (DOMINGUES, 1997, p. 30).

No caso do Ok Computer, as letras e a sonoridade do disco são carregadas de alienação tecnológica, paranóia e melancolia, mas também de revolta e de uma atitude crítica em relação à tecnologia. Portanto, em uma abordagem realizada pela perspectiva da história das sensibilidades e do cotidiano, é possível identificar no álbum elementos que iluminam e ajudam na compreensão e na discussão sobre a influência da tecnologia nos "espaços de experiência" e "nos horizontes de expectativa” dos indivíduos e da sociedade no final da década de 1990 (KOSSELLECK, 2006, p. 309-310).

Nas últimas décadas do século XX, advento do computador pessoal, com interfaces gráficas amigáveis e sua convergência com a mídia e as telecomunicações, provocou uma revolução que transformou a informática num instrumento de massa para a criação, comunicação e simulação. Alguns enxergavam a tecnologia como um novo credo que poderia acabar com todos os problemas sem que fosse necessário fazer muito esforço. A ideia era a de que a tecnologia venceria guerras, salvaria vidas e facilitaria todas as necessidades do cotidiano. Já em um certo imaginário tecnológico apresentado pela ficção cientifica, o futuro se mostrava pouco promissor. Nestas histórias, algumas de nossas tecnologias seriam responsáveis pelo fim da existência da vida na terra. São essas contradições, contrastes e custos da aceleração tecnológica a partir das experiências vividas e das expectativas futuras em relação ao fim do século e a chegada do novo milênio de que o Ok Computer apresenta como temática.

Considerações finais

Alguns podem dizer que é fácil tratar das transformações tecnológicas a partir de um disco semi-conceitual ou temático como o Ok Computer. De fato, como foi tratado no decorrer do artigo, a tecnologia foi amplamente usada na composição sonora do álbum, com ruídos e sons que emulavam as paisagens sonoras tecnológicas do período. Outrossim, o disco também é resultado de modernas tecnologias de gravação e foi comercializado principalmente na forma de CD, à época o formato mais moderno de distribuição. Essas são características que a música popular urbana não pode escapar, uma vez que sua produção, difusão e consumo estão diretamente relacionados com as transformações nas tecnologias de comunicação e informação uma vez que o contexto econômico e tecnológico são pré condições para a cultura musical da contemporaneidade, embora não sejam os únicos. (LYSLOFF; LESLIE C GAY, 2003). Mais recentemente diversas questões relacionadas com a música e a tecnologia, desde o uso de algoritmos para elaborar playlists em serviços de streaming, até mesmo o caso de músicas que vêm sendo produzidas por inteligências artificiais (THORSBERG, 2022).

De 2008 para cá acredito que os estudos de música já sejam um fato mais do que consolidado não apenas dentro da história, mas das ciências humanas em geral e as abordagens se multiplicaram. Na atualidade já existem estudos que abordam aspectos relacionados às performances que utilizam recursos tecnológicos, outros centrados no papel dos fãs e nas interações pelas redes sociais[19].

Refletir sobre as transformações tecnológicas é um papel que cabe a todos nós, pois a tecnocultura é uma parte importante do nosso cotidiano e deve ser vista de maneira crítica. O que pode parecer uma contradição: usar a tecnologia para criticá-la Talvez uma das respostas para essa contradição esteja na dualidade do nome do álbum Ok Computer. Embora o título desperte a ideia de que o "okay" dirigido ao computador remeta a uma incorporação dos computadores às canções, O título Ok Computer, mais do que o reconhecimento de um xeque-mate do computador, joga luz sobre outros aspectos não tão maravilhosos da tecnologia.

Embora o computador não seja citado em nenhuma canção do disco, ele é um símbolo de progresso tecnológico; ao retirar de seus contextos os discursos, símbolos, slogans, realçando experiências limites e lhes dando um novo significado, são questionados valores, modelos de controle e consumo que são cada vez mais aceitos como normalidade. As canções, com suas diversas personas, refletem uma preocupação com as criaturas que por vezes se sentem deslocadas, exauridas sem controle sobre seu próprio destino em meio a aceleração tecnológica que afeta as mais variadas instâncias da vida cotidiana. Assim, ao contrário de uma aceitação irrestrita ao computador, o título sugere um recuo estratégico, uma tomada de fôlego que serve para refletir e pensar formas de ação que questionam e desconstroem as narrativas desses estilos de vida - que muitas vezes são dados como naturais e que colonizam as subjetividades - recorrendo ao uso da tecnologia.

Portanto, a Música Popular Urbana pode ser um objeto fundamental para entendermos as transformações propiciadas pelas tecnologias e a história, parafraseando o grande historiador Nicolau Sevcenko, estabelece um sentido de deslocamento que nos possibilita observar o processo sem nos sentirmos arrastados pela pressão da aceleração tecnológica de modo que possamos respirar, recuperando outros paradigmas "para julgar o funil para o qual estamos sendo rapidamente sugados” (SEVCENKO, 2005, 75). Nesse sentido, os últimos versos (Hey man, slow down, slow down / Idiot, slow down, slow down) e a sineta que encerra a canção The Tourist servem como uma sugestão e um alerta para que pensemos a nossa própria relação com a tecnologia e invade e envolve o cotidiano.

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Notas

[1] O disco foi tema da minha dissertação de mestrado defendida no programa de história social do Departamento de História da Universidade de São Paulo e que foi orientada pelo saudoso professor Nicolau Sevcenko (CORREIA, 2012).
[2] A música The Tourist, bem como o disco Ok Computer podem ser facilmente encontrados em diversos serviços de streaming, conforme link disponibilizado pela banda: https://radiohead.ffm.to/okcomputer
[3] Algumas discussões presentes neste artigo são resultado das minhas conversas com Said Tuma e Priscila Piazentini Vieira. Gostaria de agradecer ambos pelas sugestões e apontamentos.
[4] Pablo Honey (1993), The Bends (1995), Ok Computer (1997), Kid A (2000), Amnesiac (2001), Hail to the Thief (2003), In Rainbows (2007), King of Limbs (2011) e Moon Shaped Moon (2016). Em 2017 para comemorar os 20 anos de lançamento do Ok Computer, foi lançada uma versão remasterizada com faixas extras chamada OKComputerOKNOTOK 1997-2017.
[5] Também partindo do conceito de Máquina formulado por Deleuze e Guatarri, o pesquisador Alexei Monroe, elaborou o conceito de Máquina de Interrogação para analisar a produção artística e musical do grupo esloveno Laibach no livro, Interrogation Machine de 2005.
[6] Aqui a metáfora do fantasma presente na letra da música é bastante esclarecedora, uma vez que os fantasmas são quase como turistas, pois não pertencem nem ao mundo dos mortos nem ao mundo dos vivos e ficam vagando sem lugar.
[7] A primeira é o livro História & música – história cultural da música popular do historiador Marcos Napolitano que foi publicado em 2002; o segunda é o Dossiê de História e música publicado na edição 157 da Revista de História da USP, e a terceira é a coletânea História e música no Brasil que foi organizada pelos historiadores José Geraldo Vinci de Moraes e Elias Thomé Saliba em 2010.
[8] Um exemplo de trabalho que leva em consideração aspectos relacionados com a performance, análise de espectogramas e crítica do cotidiano é o trabalho “Nada me consola”: cotidiano e cultura nas canções de Caetano Veloso e de Chico Buarque da historiadora Priscila Gomes Correa.
[9] No Brasil, um dos trabalhos pioneiros sobre a relação entre transformações tecnológicas e paisagens sonoras foi feito pelo historiador Nelson Aprobato Filho. No livro Kaleidosfone, ele estuda as sonoridades difusas proporcionadas pela inserção das inovações tecnológicas que foram incorporadas à sociedade e à cultura de São Paulo no inicio do século XX. Estas sonoras difusas se referem à totalidade dos sons que sobrepostos e mesclados de forma continua e crescente que estavam presentes nas ruas e nos espaços públicos da cidade.
[10] O trecho extraído do filme apresenta diz: "Esse é o escritório do Pânico, seção 917 pode ter sido destruído. Ative o procedimento seguido.]”
[11] Por ocasião do 1º Simpósio Popfilia: " “Que pop é esse que nos habita?” de 2021 eu fiz a apresentação: "Ok Computer - modulações entre o analógico e o digital” na qual analise as músicas Karma Police e Fitter Happier, a apresentação em vídeo está disponível em: https://youtu.be/8vPiyDCLcm0
[12] Por exemplo, a inclusão da guitarra na Música Popular Brasileira e o movimento Tropicalista.
[13] Os textos abordam aspectos epistemológicas e metodológicas e trazem discussões sobre os usos da tecnologia em contextos étnicos e nacionais, as histórias discursivas de artefatos tecnológicos particulares para usos subculturais e apropriações de tecnologia que extrapolam os limites da ética e da propriedade.
[14] Os autores propõem uma abordagem preocupada em como a tecnologia se entrelaça com as práticas culturais relacionadas à música, o que inclui não apenas contraculturas musicais baseadas em tecnologia mas também o conhecimento e formas de conhecimento relacionadas à tecnologia.
[15] Podemos destacar dois discos lançados no decorrer dos anos 1990: em 1991, o grupo britânico Primal Scream lançou o disco Screamadelica. Influenciado pela cena eletrônica e pelas raves, o grupo fundiu o Blues e o Rock com ritmos de música eletrônica como o Acid House, Techno e a Dance Music, conseguindo extrair o melhor do balanço e da sensualidade de cada um desses estilos. O segundo disco que destacamos é POP, da banda Irlandesa U2, lançado em 1997, que trazia também influências de Dance Music e Techno.
[16] Um exemplo é a como no caso da dissonância que anteriormente era considerada ruído com o tempo passou a ser aceita como música.
[17] O manifesto futurista escrito por Luigi Russolo em 1913, como resposta ao manifesto da música futurista de Balila Pratella (1911).
[18] Referência da autora para o conceito de Sociedade de Controle de Gilles Deleuze.
[19] Um exemplo dessa multiplicidade de abordagens pode ser vislumbrado a partir dos Anais eletrônicos do 1º Simpósio Popfilia realizado em 2021. Disponível em: https://grupopufpe.com.br/anais/. Acesso em 28 de agosto de 2022.

Autor notes

i Doutor em História Social pela FFLCH - USP. Contato: luiz.correia@usp.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9039-0898.

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