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LIA DE ITAMARACÁ, RAINHA DA CIRANDA: DE MÃOS DADAS COM A HISTÓRIA
LIA DE ITAMARACÁ, QUEEN OF CIRANDA: HAND IN HAND WITH HISTORY
LÍA DE ITAMARACÁ, REINA DE CIRANDA: DE LA MANO COM LA HISTORIA
Caminhos da História, vol. 28, núm. 1, pp. 60-80, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 1, 2023

Recepção: 28 Novembro 2022

Aprovação: 29 Dezembro 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Pretendemos perceber nas práticas musicais, dançantes e cotidianas da cirandeira Lia do Itamaracá, modo de viver ou forma cultural como prática de si, antagônica às técnicas do biopoder, ou biopolíticas que se espalham e nos atravessam, uma contraconduta. Tendo como pressuposto metodológico a história cultural e conceitos foucaultianos, buscar a efetivação de ações libertárias como quebra da corporeidade, social e culturalmente vigentes. Recorrendo à história da ciranda e a de Lia e sua obra, como compositora, intérprete, cirandeira e mestre de ciranda, atriz e cidadã, concluímos que o coco e a ciranda, provenientes das manifestações e práticas populares dos terreiros e festas profanas dos negros escravizados, praticantes das formas musicais, dançantes e de convívio, marginalizadas do batuque e do calundu, circunscrevem a tradição à qual Lia se vincula. Propiciando um corpo como suporte e estrutura dos valores propagados pela prática cotidiana da dança, promove ética e esteticamente a cultura do corpo singular e social, implicando o cuidado de si e a autoconstituição do sujeito no uso dos prazeres. Desacelerando o tempo do capital, une a emergência de uma ética de si com a presença contínua do outro, elaborando uma estetização da existência.

Palavras-chave: Lia do Itamaracá, ciranda, dança, história, contraconduta.

Abstract: We intend to understand in the musical, dancing, and daily practices of the cirandeira Lia de Itamaracá, a way of living or cultural form as a practice of itself, antagonistic to the techniques of biopower, or biopolitics that spread and cross us, a counter-conduct. Having as a methodological assumption the cultural history and Foucauldian concepts, to seek the realization of libertarian actions as a break with the corporeity, socially and culturally in force. Using the history of Ciranda and Lia with her work, as a composer, performer, “cirandeira” and ciranda master, actress and citizen, we conclude that coco and ciranda, coming from the manifestations and popular practices of religious yards and profane parties of enslaved blacks, practitioners of musical, dancing, and interation forms, marginalized from batuque and calundu, circumscribe the tradition to which Lia is linked. Providing a body as a support and structure of the values propagated by the daily practice of dance, it ethically and aesthetically promotes the culture of the singular and social body, implying the care of the self and the self-constitutio of the subject in the use of pleasures. Decelerating the time of capital, unites the emergence of an ethics of the self with the continuous presence of the other, elaborating an aestheticization of existence.

Keywords: Lia do Itamaracá, ciranda, dance, history, counter-conduct.

Resumen: Pretendemos percibir en las prácticas musicales, danzarias y cotidianas de la cirandeira Lia do Itamaracá, un modo de vivir o forma cultural como práctica de sí misma, antagónica a las técnicas del biopoder, o biopolítica que nos difunde y nos atraviesa, una contra- conducta. Teniendo como presupuesto metodológico la historia cultural y los conceptos foucaultianos, para buscar la realización de acciones libertarias como ruptura con la corporeidad, social y culturalmente, vigente. Utilizando la historia de ciranda y Lía y su obra, como compositora, intérprete, maestra de cirandeira y ciranda, actriz y ciudadana, concluimos que el coco y la ciranda, provenientes de las manifestaciones y prácticas populares de terreiros y fiestas profanas de negros esclavizados, practicantes de formas musicales, danzarias y convivenciales, marginadas del batuque y del calundu, circunscriben la tradición a la que se vincula Lía. Aportando un cuerpo como soporte y estructura de los valores que propaga la práctica cotidiana de la danza, promueve ética y estéticamente la cultura del cuerpo singular y social, implicando el cuidado de sí y la autoconstitución del sujeto en el uso de los placeres la emergencia de una ética del yo con la presencia continua del otro, elaborando una estetización de la existencia.

Palabras clave: Lia do Itamaracá, ciranda, danza, história, contra-conducta.

Introdução

Ícone da Cultura Popular, ou das Culturas Populares, símbolo da mulher negra guerreira, guardiã dos saberes e fazeres de seu povo nordestino, carregando a tradição da magnitude gestual da ciranda e uma ponte e fonte das práticas cotidianas e a História, Lia de Itamaracá traz segredos dessa mesma tradição e sua reconfiguração na atualidade.

O presente trabalho quer vislumbrar nas práticas da cirandeira um modo de viver ou forma cultural como prática de si antagônica às técnicas de dominação inauguradas pelo biopoder ou biopolítica, imersas nas esferas mínimas da existência, uma contraconduta[1]. Se liberdades individuais e coletivas são alvo de controle de comportamento através do que Foucault (2008) cunhou no conceito de governamentabilidade, visando a conduta dos indivíduos através de conjunto de práticas e procedimentos institucionais que atravessam uma dada sociedade. Contraconduta pode ser entendido como um modo de conduzir-se de outra forma diante do conjunto complexos das relações de poder que circulam e nos atravessam.

Foucault, em As Palavras e as Coisas, faz análise do discurso e do campo intermediário entre os diferentes domínios nos quais o homem aparece tematizado como sujeito e objeto do saber. A conexão entre sujeito, poder e verdade estabelece os procedimentos e enunciados que funcionam como jogos de verdade. Em Vigiar e Punir (1977), saber e poder conectam-se sob a forma de agenciamento, desdobrando-se num mecanismo pelo qual se pode estabelecer um vínculo entre práticas de vigiar e punir, que redundarão no diagrama do Panopticon – agenciamento de práticas e enunciados instaurando a vigilância. Da prisão emergem práticas e enunciados que constituirão a sociedade moderna.

A arqueologia propõe investigar as formações discursivas e não discursivas e indaga como se constitui o saber. A genealogia tematiza o porquê dos discursos, o poder tal como se exerce, substituindo a análise das funções macroscópicas pelas microscópicas e determinando a tecnologia política, que é, então, física e microfísica. Tecnologias do poder: o poder disciplinar produzindo subjetividade. Arqueologia e Genealogia não são dois modos excludentes, mas análises centradas nas práticas discursivas e não discursivas, restabelecendo as relações entre saber e poder – como aparecem, circulam, impregnam. Mais tarde, em História da Sexualidade, mais especificamente em Uso dos Prazeres . Os Cuidados de Si, operando um deslocamento metodológico, histórico e temático, Foucault envereda pela análise dos processos de subjetivação do sujeito na Grécia antiga, mostrando que na antiguidade se constituiu uma hermenêutica de si, conjunto de operações que os indivíduos estabelecem por conta própria, visando aprimorar regras para o governo dos outros. A partir daí, os procedimentos ascéticos e de vigilância permanente de si estabelecem uma ética que culminará na estetização da existência.

Este trabalho tem como pressuposto metodológico enveredar pela via da história cultural e como ferramentas conceitos, sob viés foucaultiano, detectar se a prática da dança se coloca ou faz parte do dispositivo disciplinar, ou se ela se enquadraria num outro modo de subjetivação: se ao construir um corpo ela propicia uma estetização da existência.

Margareth Rago, ao analisar o Brasil (RAGO, 2007), esclarece que a modernização conservadora, que se segue após o período de ditadura militar, nos anos 80, articula a esfera pública e a cultura do narcisismo, transformando a sociedade disciplinar em sociedade de controle. A autora enfatiza ainda, na esteira de Lasch (1983), que a personalidade narcisista, imersa na própria interioridade, voltada para o embelezamento próprio e aparência pessoal, está em desequilíbrio: dissociada de si, deve seguir a norma imposta pelo mercado. Nesse mundo, a esfera privada sobrepõe-se à pública, como indica Sennett (1988), diferentemente das práticas e cuidado de si do mundo grego, de acordo com Foucault em Hermenêutica do Sujeito, o cuidado de si implica numa transformação do sujeito:

[...] momento em que o sujeito se autoconstitui, com técnicas de si, constituindo-se através de práticas regradas, no uso dos prazeres e na elaboração de uma ética de si implicando presença contínua do Outro (...) é uma arte de viver, uma articulação constituinte entre ética e política”, (...) “onde o outro é indispensável ao eu”. (FOUCAULT, 2006, p. 158 e 621).

Essa articulação será retomada na arte e vida ou arte da vida de Lia de Itamaracá, que difunde a ciranda nacional e internacionalmente há quase 50 anos, e que começou a carreira na década de 60, momento em que duas linhas opostas e complementares presidiam estruturalmente a sociedade brasileira: de um lado, o projeto desenvolvimentista (indústrias automobilísticas, estradas, crescimento dos polos urbanos etc.) e, de outro, o subdesenvolvimento das grandes zonas de miséria e atraso. A necessidade de apagar a dualidade entre o atraso e a modernidade era tema dos grandes debates; e a viabilização dessa modernidade se daria, para alguns setores, através dos intelectuais progressistas. Esse clima pode ser entrevisto com o surgimento de Brasília, a Bossa Nova, a ascensão ‘espetacular’ do Futebol brasileiro e a implantação da Ditadura Militar em 1964.

Diversas vertentes da cultura seguem no debate desenvolvimentismo x subdesenvolvimento, engajando-se na crítica ao discurso desenvolvimentista. Surgiram o CPC – Centro Popular de Cultura da UNE, que pautaria sua atuação junto às camadas populares oferecendo arte – teatro, música e poesia –, nas fábricas, praças e escolas, com o objetivo de conscientizá-las e impulsionar ações transformadoras contra os representantes do atraso: o imperialismo americano e os latifundiários nacionais; o Cinema Novo, Teatro do Oprimido, a Canção de Protesto e o Tropicalismo.

Assinalando a crise entre subdesenvolvimento e desenvolvimento e concorrendo à simultaneidade desses processos, a Tropicália desfaz os esquematismos e trabalha as ambivalências para trazer à tona esse atraso, esse substrato de vergonha e humilhação, uma forma de fazer da dicotomia da oposição uma estratégia poética de liberação. Através da paródia, da liberação dos gêneros, desloca o nacionalismo exacerbado para os jogos relacionais. Desconstruindo a postura oficial que folcloriza os acontecimentos histórico-culturais, metaforiza o Brasil expondo o contexto em desarticulação, onde convivem os traços arcaicos e modernos. Operando a bricolage, a montagem sincrônica dos fatos, dos eventos, citações, jargões, emblemas que se realizam na música com alternância, a carnavalização e descarnavalização. Ritualizando as “relíquias do Brasil” (culturais, políticas e artísticas), dessacraliza as ideologias, corroendo a fruição-divertimento, e propõe a participação do ouvinte.

No Nordeste, especificamente em Recife, surge, em fins da década de 60, o Movimento Armorial idealizado por Ariano Suassuna, um projeto de resistência, ao mesmo tempo estético e político, valorizando a cultura popular. Contrapõe-se, de um lado, ao CPC, porque este considera a arte do povo “passatempo alienante” e, de outro, à Tropicália, que utiliza procedimentos da cultura de massa americana, ao incorporar o que Suassuna julga visão americana sobre os latino-americanos.

Diante desse cenário, na beira da praia, sob luz da fogueira, Lia se lança na dança da ciranda. Ela começa sua trajetória neste contexto, enfrentando todo tipo de barreira social, cultural, econômica, superando todos os percalços e galgando espaço próprio. De um lado, pela sua personalidade marcante e seu perfil guerreiro, na busca pela sua sobrevivência, de outro, pela própria demanda social histórica pela cultura popular.

Ao final de 2008, eleita embaixadora do Recife, Lia de Itamaracá participa horsconcours do show de Manguebeat, no Sesc Pompéia de São Paulo – homenagem à Era Iluminada –, comandado por Siba, músico pernambucano[2] que assim se expressa:

Seja lá o que separa os artistas populares da gente, a minha geração começou um tipo de diálogo que não existia. O que acontecia era o artista popular ser visto como matéria-prima e nada mais, isto foi a tônica, por exemplo, do Movimento Armorial. Este foi um passo grande, mas falta ainda, para o artista popular de Pernambuco, um tipo de reconhecimento individual que poucos artistas conseguiram, como Lia de Itamaracá, Mestre Salustiano. Essa é uma questão muito mais complexa, de preconceito social, de falta de aparelhagem para lutar dentro do campo profissional para quem não tem as armas da educação e da tecnologia. Mas quer queira, quer não, houve um avanço grande nessa época. Mas é importante também levar em consideração que não foi só o manguebeat da minha geração que possibilitou isso. O artista popular também vinha se articulando na luta, como a gente: luta pela sobrevivência, pelo espaço, por mais público. Vinha na luta de outro campo, neste momento houve uma eclosão. Enquanto a música de rua de Pernambuco fertilizou a música de mercado, ou que pretendia ser de mercado, esta conexão possibilitou que alguns poucos artistas se projetassem mais.[3]

Aqui, impõe-se a pergunta, formulada por Siba e Peter Pelbart, que indica uma mudança na lógica da resistência:

Como se dá a resistência, sobretudo num país como o Brasil, com sua herança histórica, em que regimes diversos de exclusão e segmentação se sobrepõem? O que é resistência, nesse contexto sem exterioridade, e na lógica imanente do poder atual? E, à luz disso, como redefinir a resistência hoje?. (PELBART, 2003, p.136 e 142).

Para tentar responder a essa questão, formulada em 2008, cujo contexto, foi brutalmente alterado pelo retrocesso em nossa democracia, hoje, em 2022, com a ascensão conservadora do neofascismo e do neoliberalismo, no Brasil, recorremos à História da Ciranda e à História de Lia e sua obra. Como compositora, intérprete, cirandeira e mestre de ciranda, atriz e cidadã.

História da Ciranda[4]

Percorrendo a história da ciranda, notamos que a dança é tematizada e descrita desde a carta de Pero Vaz de Caminha. Igualmente, os viajantes estrangeiros, do século XIX, não cansam de mencioná-la. É o caso de Spix e Martius (1981), Debret (1978), Rugendas (1972) e outros. As festas e danças causavam estranheza ao olhar desses viajantes sendo comum considerarem indígenas e negros, raças inferiores. Tributários das perspectivas e organicistas os fenômenos culturais e racistas, surgem, em fins do XIX e meados do século XX, os primeiros africanistas, salientando a experiência africana nos costumes, pensamento, cultura e religião, e delimitando também um novo campo acadêmico. O caso de Nina Rodrigues (2004) e Arthur Ramos (1974) que descreve a dança de roda, o Jongo no Rio e batuque, ou samba em outros estados. Resumidamente, este último conclui pela aculturação sincrética dos negros escravizados.

Jocélio Telles dos Santos (2005) e Letícia Vidor de Souza Reis (1993) discutem a construção da identidade brasileira por meio da elaboração/absorção de símbolos étnicos negros (samba – capoeira – candomblé), transformados em símbolos raciais. Jocélio traça a história da disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil: de um lado, a ingerência do Estado sobre as práticas populares e, de outro, a forma como as manifestações populares são elaboradas, definindo um processo de resistência e diálogo com as instâncias oficiais.

Com o objetivo de mostrar como os símbolos populares (samba e capoeira) são incorporados como nacionais, Letícia Vidor Reis aponta que a tese de miscigenação e sincretismo de Arthur Ramos, ao pressupor a igualdade de condições dos negros, brancos e índios, despolitiza o debate cultural, excluindo o tema da dominação.

Historicizando o processo pelo qual as danças populares negras, sagradas e/ou profanas, passam a contar com a participação branca e mulata, Tinhorão (1988) define elementos afro- brasileiros. Em Festas Coloniais (TINHORÃO, 2000) o autor estabelece duas tendências operando nas festas públicas oficiais do século XVII ao XIX: a medieval, dos torneios e jogos cavaleirescos, e a barroca, das grandes montagens cênicas dos símbolos do poder. Se, no entanto, essas festas públicas constituem formas de controle da participação popular, a profusão de diversões e festejos, proporcionando uma sociabilidade festiva, cujo controle não se efetiva, é prática corrente. Em Os sons dos negros no Brasil, analisando as músicas e danças populares a partir da mistura de influências crioulas, africanas e branco-europeias, seja no campo (lugar das tradições, segundo autor) ou na cidade (lugar da indústria cultural), Tinhorão diz que “a diversidade de práticas religiosas, danças rituais e formas de lazer constituía o que os portugueses chamaram batuque” e que era para os escravos, desde o século XVI, “um dos raros momentos de livre exercício de seus costumes originais”. Somente no século XVIII ocorre uma delimitação entre as regras de convívio social e diversão e as do culto religioso. A partir de então, os batuques negros, oficializados, passam a contar com a participação branca e mulata das camadas mais baixas da população, lançando e adaptando formas nacionais. É o caso da fofa e do fado (1730, em Portugal), e do lundu.

Paulo Dias (2001) pretende analisar três batuques tradicionais da região sudeste – o jongo, o batuque de umbigada e candombe –, indicando que, frequentemente, essas danças de terreiro de escravizados negros eram tidas como diversão desonesta, enquanto os festejos públicos de Reis Congos (congadas) eram considerados a diversão honesta para os escravizados. Impregnada pelos valores morais e religiosos da classe dominante, a dança de cortejo insere-se nas festividades dos brancos. Inscritos na longa duração, os batuques de terreiro espalham-se de forma marginal, preservando códigos e segredos de ordem religiosa. Já no século XVIII, são qualificadas de desonestas, e no século XIX há relatos de participação branca, tornando-se o lundu e a baiana, originados dos batuques, danças de salão. A crônica da instituição dos Reis Congos é mais branda e aceita, com apoio financeiro dos senhores, visando dissipar as disposições revoltosas dos escravizados.

Duas categorias formam o batuque: os candomblés e os batuques de sambas de terreiros. De um lado, são provenientes dos bantos (Congo, Angola, Moçambique), que formaram a mão de obra escrava dos engenhos de açúcar no Nordeste; no século XVIII extraíam ouro e diamantes de Minas Gerais; e no século XIX, eram mão de obra nas plantações do sudeste. De outro lado, nascem com os sudaneses (Nigéria e Benin), que formam os Jejes e Nagôs que, no final do século XVIII, tornam-se mão de obra dos trabalhos domésticos do Nordeste e do Rio Grande do Sul. Os escravizados urbanos reuniam-se segundo etnias, ainda que secretamente, para práticas de religião que darão origem ao candomblé, com mitologia e organização ritual próprios. Os escravizados da área rural desenvolvem religiosidade nas irmandades católicas afro-brasileiras do Congado do Reinado, que no período colonial reuniam-se nos batuques, calundus ou sambas, geralmente aos sábados à noite, dias santos e finais das colheitas. Duas tipologias: uma sagrada, outra profana. A atitude religiosa muitas vezes permeia a festa profana, e mesmo os batuques ou sambas de terreiro são anteriores à formação dos candomblés Congo - Angola.

Paulo Dias prossegue analisando esses três batuques da região sudeste do Brasil e conclui que é uma constante da classe média branca promover o gueto dos batuques nos morros e favelas, para que passem despercebidos das cidades, pois são tidos como foco de paganismo, falta de moral e desordem.

Em Dança na festa colonial, Marianna Monteiro remonta ao século XVII para mostrar como a dança no Brasil se articula, de um lado, à tradição dos cortejos processionais portugueses, ligado à prática religiosa e, de outro, reportando-se a José Sasportes (Sasportes, apud Monteiro, 2002, p.26), às formas teatrais, que virão substituir práticas rituais, processo dirigido pela Igreja e pela Corte, que retomam a exaltação gestual, regulamentando e limitando a dança para conter as práticas pagãs.

Em sua tese Espetáculo e devoção: burlesco e teologia-política nas danças brasileiras, Marianna F. M. Monteiro (2002), analisando os processos formativos da dança brasileira no contexto da colonização portuguesa, indica que, entre, séculos XVI e XVIII, estes constituem importante fator de desenvolvimento e expansão do Estado Moderno Português. Dentro do quadro da monarquia cristã portuguesa, proveniente das guerras de conquista, instala-se a oposição entre cultura popular e cultura erudita. De um lado, intensos intercâmbios realizam- se entre cultura popular e erudita, originando e estabelecendo os Reinados do Congo, Folias e Pastoris como divertimentos honestos; de outro, a cultura popular, foco de práticas heréticas ou pagãs, consideradas divertimentos desonestos que devem ser combatidos, controlados ou reprimidos, como os calundus, lundus ou batuques. Dessa forma, o processo de codificação e domesticação impetrado pela Igreja e pela Corte portuguesa, desde fins da Idade Média, visará submeter a limites e regulamentações os excessos da dança, substituir os rituais pagãos e conter a dança popular. A dança será pensada como fenômeno de caráter político “no interior de cerimoniais de afirmação do absolutismo monárquico” – propaganda da monarquia e ocasião para adesão ao modelo político, constituindo-se como determinante de efeitos persuasivos na distribuição de papéis sociais.

Congo, congadas ou Reinado do Congo, cortejos, curros, touradas e dança do Boi fazem parte da “carnavalização controlada”. É essencial à dinâmica dessas sociedades assistirem “à politização da retórica e à teatralização da política.” (MONTEIRO, 2002, p. 95.).

No entanto, diversas instâncias religiosas convivem produzindo um campo complexo e multifacetado, muitas vezes interagindo como complementares ou concorrentes. É o caso da devoção leiga institucionalizada, voltada para aspectos públicos, que convive com a religiosidade privada, seja do âmbito de uma devoção confrarial ligada à Igreja Católica, seja ligada às práticas religiosas africanas usadas para controle, proibição e repressão.

As manifestações pagãs, ao longo do século XVIII, são tidas como superstição, práticas fetichistas e demoníacas. No caso da religião privada, os Calundus (realizados a portas fechadas) e os Batuques proibidos são considerados “de longe pura festa profana, de perto religião proibida”. (TINHORÃO, 1988, p.28-29, 39) Práticas desonestas, o batuque e a dança de terreiro, perseguidos pela polícia e reprimidos até meados do século XX, são fundamentos do elemento africano.

Os batuques, originalmente do âmbito religioso, somente no século XVIII delimitam- se em duas modalidades: de um lado, do campo religioso; de outro, sob forma de lazer e diversão. Inicialmente, nos setecentos, calandus e lundus inserem-se como Batuques de ordem religiosa. Trata-se de danças de roda, com base nas umbigadas e castanholas de dedos, e que conta com a participação de brancos e mestiços, fato que acarreta sua expansão social entre as camadas mais baixas das zonas urbanas das cidades e vilas. Nesse momento, em que se configura ora como dança ritual, ora como confraternização racial, passa a ser foco da vigilância policial.

Dando margem a novas formas de diversão, ao aparecimento de novos hábitos sociais e à quebra de padrões morais, os batuques propiciam a crescente paganização dos antigos batuques religiosos transformados, nos inícios do século XIX, em simples diversão de escravos, crioulos, mulatos e gente das baixas camadas, não apenas permitiu o aproveitamento de um de seus momentos coreográficos, sob o nome de lundu, mas acabou conferindo ao próprio Batuque o nome de samba, quando o elemento angolano da umbigada veio neles prevalecer. (CARNEIRO, 1982, p.55).

A umbigada será também fonte comum da diversidade de danças – do baiano, do coco, do bambelô, do tambor-de-crioula, do jongo, do caxambu, do bate-baú e das várias modalidades do samba de roda baiana e carioca. Catalogando o Batuque, segundo as modalidades e zonas distintas, Edison Carneiro divide: a) zona do coco – Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas; b) zona do samba – Maranhão, Piauí, Bahia, Guanabara e São Paulo (talvez Minas Gerais); c) zona do jongo – Estrada do Rio e São Paulo (talvez Minas Gerais e Goiás) (idem, 1982, p.55 e 139.). Resumidamente, as modalidades de samba poderiam ser assim divididas: samba-lenço e batuque-jongo, no Sul, e coco, no Nordeste.

A origem do coco é discutível. Como aponta José Aloísio Villela (Vilela, 1961), o coco seria originário do Quilombo de Palmares, propagando-se como canto de trabalho ligado à atividade de quebrar o coco, por ocasião da extração do fruto homônimo, determinando o canto e a dança. Essa tese é refutada por Maria Ignez Novais Ayala e Marcos Ayala (Ayala e Ayala, 2000), que denunciam a falta de registro das fontes.

Engate que traz grande quantidade de informações sobre a ciranda é o trabalho do pesquisador pernambucano Evandro Rabello (1979), identificando a desaparição e substituição do coco por aquela, já na década de 40 do século XX. Inventariando os nomes que o coco assumia (baile do supapo, coco-de-supapo, samba coco, coco-de-zabumba, coco-de-ganzá, zambê, bambelô etc.) e as zonas em que existia e dividia espaço com a ciranda (Olinda, Paulista, Igarassu, Itamaracá, Goiana, Itambé, Aliança, Timbaúba, Vicência, Nazaré da Mata, Tracunhaem, Paudalho) – frequentando os pontos-de-rua e terreiro de casas de trabalhadores rurais –, o autor sublinha o destaque da ciranda controlada por algum dono de bar, ocorrendo nas primeiras horas da noite. Combinada às vezes com jogos de azar, transcorre em meios a comidas e bebidas, e perfaz o lucro da casa. Igualmente adota-se esse sistema na casa de trabalhadores. No meio rural pode ser controlado pelo proprietário ou arrendatário. O mestre cirandeiro, ou cirandeiro, é responsável pela organização e ordem, e pelo recebimento e distribuição do pagamento.

Descaracterizada nas cidades, a ciranda avança nas praças, avenidas, ruas, clubes, residências, bares, restaurantes, transformando-se, já na década de 70, em artigo de consumo para turistas. Se antes músicos, cantor e mestres apresentavam-se no centro da roda de ciranda, agora estarão isolados, em cima de um tablado ou palco, com microfone e caixa de som.

Buscando a origem da palavra ciranda, o autor realiza amplo levantamento e relaciona 18 dicionários e obras editadas em Portugal, Áustria, Alemanha, França e Brasil, desde 1837. Assim, consultando várias obras, fixa o significado e origem da dança:

[...] palavra, ao que parece, de proveniência espanhola, vem de Zaranda, que é um instrumento de peneirar farinha, Engelmam parece não aceitar a origem arábica de çarand, ao fato de as mulheres trabalharem juntas em serões e por esta razão... seranda, a moda da ciranda é possivelmente contemporânea da primitiva alfaia agrícola, a Ciranda que serve para joeirar os cereais. É dela que lhe provém o nome, dança de roda de origem portuguesa. No Brasil é roda infantil, ‘es una canción infantil brasileña, ligera y alegre’, a Ciranda é roda exclusivamente infantil. (RABELLO, 1979, p.29).

Há várias formas e maneiras de dançar a ciranda: uma antiga chamada pé-no-toco, com um pé na frente e outro atrás; ciranda de embolada com passos mais cadenciados; onda, sacudidinho e machucadinho. Na onda, as pessoas inclinam o tórax à frente, erguem o antebraço até o peito, e retrocedem o tórax e baixam as mãos dadas (fluxo e refluxo das ondas). No sacudidinho, braços à altura do peito, mantendo-se ligeiramente eretos, e os braços numa só posição, sacode-se o corpo. E o machucadinho, onde se parece machucar o barro com os pés.

No entanto, é com uma interessante análise sobre os cocos que Maria Ignês e Marcos Ayala (2000) iluminam o caminho da ciranda, concluindo que o coco teria por função estreitar solidariedade na comunidade, e função de oração, rememorando também o tempo da escravidão. Desta forma, aparecem em alguns rituais afro-brasileiros encontrados na Paraíba. Esta é uma outra situação do coco – cocos costumeiramente encontrados na brincadeira, quando aparecem na gira (como é denominada a dança nos cultos afro-brasileiros), ganham feitio de oração, isto é, de ponto cantado.

Brincadeira de minorias discriminadas (seja pela etnia, situação econômica, escolaridade, profissão etc.), os cocos, atualmente, são, de modo geral, alternados com as cirandas, fazendo com que os autores concluam e levantem as hipóteses: uma de que a ciranda funciona como descanso para o coco, fazendo parte dessa dança; outra de que o coco se oculta na ciranda, por ser reprimido, e por necessitar driblar a repressão (AYALA E AYALA, 2000, p.10 e 37)

Padre Jaime Diniz (1960) recolhe dados sobre a ciranda entre as décadas de 1950 e 60, cartografando as regiões onde se pratica a dança, em Pernambuco: Paudalho, Abreu e Lima e Caeté com Mestre Baracho e Zé Caboclo, Timbaúba com José Petronilha, João G. da Silva, Severino Aquino e Antonio Francisco Silva, em Limoeiro, Goiano e Nazaré da Mata. Ora ao ar livre e locais semidesertos, ora em locais cobertos de palha, sempre regado a um espírito associativo, em que todos se tocam ou nas mãos ou nos ombros e, às vezes, nas laterais do corpo, guiados sempre pelo mestre. Junto a ele, os instrumentistas costumam usar o Bombo (Zabumba), Caixa, Minêro ou Ganzá, diversificando as modalidades de dança. Sobre isso ele diz:

[...] Os dançadores de Ciranda de Nazaré da Mata distinguem dois tipos fundamentais de ritmo: o ‘ligêro’, que eles realizam levando o pé esquerdo (no caso em que a roda gire da esquerda para a direita, como é mais frequente) para trás e para frente, e o direito dá ‘um pulinho’, ou simplesmente avança; e o ‘moderno’, no qual eles ficam quase a arrastar os pés em movimento apressado. (...)

Observamos na Ciranda de Caeté que o pé esquerdo coincide no avanço para frente com a batida forte do Bombo, ou em termos musicais, com o primeiro tempo do compasso. Tal avanço leva o cirandeiro a fazer com o corpo gesto semelhante, isto é, ligeira inclinação acompanhando a direção do pé esquerdo. (...)

Para entrar na roda, ninguém encontra obstáculo. A roda é do povo. É de todos... O que existe é ingenuidade, é um ar de simplicidade que não nos é apenas uma lição, mas qualquer coisa capaz de nos humilhar. (DINIZ, 1960, p. 29, 30,31).

Diretamente vinculados às práticas dos terreiros, ou festas profanas dos negros escravizados descritos nas análises de Tinhorão, Paulo Dias e Marianna Monteiro, a ciranda e o coco são provenientes dessas manifestações e práticas populares, seja de convívio, diversão, ou culto religioso próprio. Essas formas musicais e dançantes, marginalizadas, o batuque e o calundu são, por sua vez, origem do samba também.

Imersa em um contexto social e cultural propício, há quase 50 anos, Lia de Itamaracá dá a mão à ciranda, prática que carregará como sua sobrevivência, legado e resistência.

Lia de Itamaracá

Essa ciranda quem me deu foi Lia que mora na Ilha de Itamaracá

O país conhece o refrão que fez de Lia de Itamaracá uma lenda viva. Resistente aos cantores de funk, axé e brega que se espalham perto de seu espaço, Maria Madalena Correia do Nascimento, Lia de Itamaracá, nasceu em 1944 e desde os doze anos canta e comanda rodas de ciranda, disseminando a tradição afro-brasileira e nordestina.

Filha de Severino Nicolau Correia do Nascimento, agricultor, devotado a outra família, com quem teve encontros fortuitos, Lia morava com a mãe, Matilde, e quatro de seus 22 irmãos. Prestava serviços domésticos desde tenra idade, o que a precipitou numa infância sofrida que a levou a suspender cedo os estudos. Vivendo sempre na Ilha de Itamaracá, há 50 quilômetros do Recife, região litorânea voltada para o turismo, Lia fugiu aos 25 anos para a cidade vizinha, Igarassu, com seu primeiro marido, vivendo com ele por oito anos.

Na década de 60, de volta a Itamaracá, começou a presidir as rodas de ciranda com a clientela do Bar Sargaço, onde trabalhava como cozinheira, cuja dona, Creuza de Albuquerque Pessoa, financiava músicos e instrumentos. Mais tarde, na década de 70, continuou divulgando a cultura de Itamaracá e lançou seu primeiro disco “A Rainha da Ciranda”, de 1977. Nesta mesma época começou a trabalhar como merendeira para 400 crianças carentes na escola pública do bairro onde mora e nasceu, Jaguaribe, até 2008, quando também foi nomeada Embaixadora do Recife.

Casada pela segunda vez, na década de 80, com José Antônio Januário, o Toinho, músico integrante de seu grupo, Lia vive com ele até hoje. Durante esse tempo, atravessou fases difíceis, passando por problemas de alcoolismo, quatro abortos e pressão alta. Mas também, adotou, como filha, sua sobrinha Lenita Correia do Nascimento, Chica. Parou de beber e inaugurou seu próprio espaço de cultura que praticamente não lhe propiciou retorno financeiro.

Alvo de grande controvérsia é a autoria da música “Quem me deu foi Lia”. Lia conta que essa música que a consagrou é de parceria dela com Teca Calazans (que participou do CPC na década de 60), em um encontro das duas na praia. Mas Teca nega e atribui a autoria ao Mestre Baracho. Esta versão também confirmada por suas filhas, Dulce e Severina.

Depois de ficar esquecida e afastada do show business por quase duas décadas, foi redescoberta em 1998, ao participar do evento Abril Pro Rock, em Olinda. A partir de então, voltou a fazer sucesso, também por conta do suporte de seu atual produtor, Beto Hees (Josiberto da Costa Hees), que a promoveu no exterior. O resultado desse trabalho apareceu em 2000, com a gravação e lançamento de seu segundo CD, “Eu sou Lia”, pela Ciranda Records, em Paris, também com a participação de Lia no disco da banda pernambucana Nação Zumbi. Reunindo nomes, como Mestre Ambrósio e Naná Vasconcelos, participa do festival Rec Beat, de 2000.

Apesar de comparada a Cesária Évora e Clementina de Jesus; cantar na Itália, Espanha, Suíça, França e Alemanha em 2002 e 2003; e os versos “Eu sou Lia da beira do mar/ morena queimada de sol/ da Ilha de Itamaracá” encantarem os europeus, não conseguia encontrar na sua música o reconhecimento necessário no Brasil capaz de permitir sua sobrevivência financeira.

Ao receber o título de Comendadora da Ordem do Mérito Cultural do Governo Federal, juntamente com outros onze representantes da cultura pernambucana, Lia foi eleita, em 2005, Patrimônio Vivo da Cultura do Estado de Pernambuco, obtendo como prêmio uma pensão vitalícia de R$ 750,00. Assentada na praia, inaugurou também seu Centro Cultural “Estrela da Lia”, que apesar da pequena infraestrutura, impulsionou encontros da comunidade com rodas de ciranda, oficinas de música, cerâmica, percussão e um bar de praia. Em 2008, após convênio com o Ministério da Cultura, o espaço cultural tornou-se ponto de cultura, para oferecer cursos, lazer e cultura para crianças, jovens e adultos. Ainda em 2008, estreia no Carnaval do Rio, desfilando no Sambódromo. Lia, incansável refez o espaço saqueado no mesmo ano, lançando o CD “Ciranda de Ritmos”, seu terceiro disco. Em 2010 passa 40 dias na Europa, e na temporada espanhola, divide o palco com Milton Nascimento.

Foi em 1983 que Lia inaugurou sua participação em obras cinematográficas, na maioria das vezes, interpretando a si mesma. A estreia aconteceu em 1983 no filme Parahyba mulher Importar imagen macho, de TizukaYamasaki, no qual empresta sua voz, imagem e compasso à produção. Em 2009 encerra o premiado Recife Frio de Kleber Mendonça e no seguinte, participa de O Mar de Lia, de Hanna Godoy. A representatividade de sua imagem também foi promovida em 2013, no filme Formiga Come do que Carrega, de Tide Gugliano. Já em 2014, participa de duas produções: Sangue Azul de Lírio Ferreira e Encantada, da diretora Lia Letícia. Mas foi quatro anos mais tarde, em 2018, que Lia de Itamaracá participa de uma das produções cinematográficas mais aclamadas pela crítica nos últimos anos: Bacurau, premiado com o Palma de Ouro e Grande Prêmio do cinema brasileiro, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, espécie de western ficção prestidigitador da realidade que se configurava em fins de 2018. Lia aparece no papel de Dona Carmelita sendo velada logo na primeira cena, tendo como fundo Réquiem de Matraga, de Geraldo Vandré, para reaparecer fantasmática com a querença de aplacar a fúria dos milicianos, mercenários fascistas na destruição do país. Bacurau, um pequeno povoado, que não aparece em nenhum mapa, lentamente, vai sendo invadido por estranhos que começam a dizimar sua população. Como um rito ofertório, a aparição da personagem de Lia de Itamaracá une e reúne pequena comunidade de Bacurau, que se põe a resistir. Além da filmografia, Lia participa desde sempre, da formação do Som na Rural, inicialmente, um programa de TV (1969) e que se transforma tendo um carro de som como equipamento cultural e se torna uma itinerância cultural e intervenção urbana, tendo à frente Roger de Renor, Nilton Pereira e Charque. Neste intervalo continua com suas apresentações pelo Brasil e, 2019, lança seu CD Ciranda sem Fim, com produção de Dj. Dolores e premiado pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Nesse mesmo ano sai no maior bloco de carnaval do Galo da Madrugada. Aliás, Lia participa de todos os carnavais, tanto na Ilha quanto em Recife, onde é sempre convidada. E em agosto de 2019, a Universidade Federal de Pernambuco outorga o título de Doutor Honoris Causa. Desde 2013 a Exposição: “Lia- A Ilha e a Ciranda” passa por Recife, Rio de Janeiro e Brasília. Em 2022, ganha retrospectiva de sua obra e vida na Ocupação: Lia de Itamaracá, no espaço Itaú Cultural em São Paulo. Recebendo nessa mesma cidade, e no mesmo ano a condecoração de Cidadã Paulistana, na Câmara dos Vereadores. No entanto, a o papel de Lia vai além da música e do cinema: coloca sua arte e se posiciona engajada nas lutas de seu tempo e dos movimentos populares. Participa da Marcha pela vida da Mulher e pelo Agroecologia, além de posar com o estandarte SOMOS TODAS MARIELLE. Em 2022 se une aos apoiadores de Lula, possibilidade democrática, e está presente no lançamento da candidatura do ex-presidente às eleições.

Remanescente da cultura oral, em sua atuação profissional e artística, tanto como merendeira que foi, quanto como cirandeira, Lia organizou e aliciou a comunidade para atividades pedagógicas em seu “Espaço de Lia”, hoje extinto derrubado pelas chuvas de 2014. Neste mesmo espaço, a artista reunia aos sábados, uma média de 500 pessoas, desde turistas até a população carente da Ilha de Itamaracá, dividindo 100 a 200 pessoas em aproximadamente quatro ou cinco rodas. O sucesso que atrai tantas pessoas às suas cirandas está em sensações, de certa forma, inexplicáveis que surgem durante a dança. Os participantes giram para o lado direito com a perna esquerda na frente e atrás, dando o compasso e a pisada forte com o bamboleio dos ombros, sempre de mãos dadas. A dança corre ininterrupta, numa espécie de transe coletivo: o andar de lado, como o do caranguejo, experimenta ângulos diferentes e uma condensação do presente, emocionando até o último fio de cabelo.

Ilustre e magnânima, unanimidade quanto à força e afetos, Lia de Itamaracá, ícone da cultura popular, divide com todos os outros cirandeiros a tarefa dessa divulgação. Sempre presente no seu Espaço, divide com a população amizade e carinho. A todos, vizinhos, conhecidos ou não, pobres, crianças e velhos, recebe e acolhe com uma palavra ou bênção. Lia de Itamaracá, a rainha é uma figura a quem todos têm acesso e admiração e com quem trocam palavras amigas.

Essa trilha de sucesso crescente se deve à popularização de velhos cirandeiros e coquistas entre as classes médias na década de 70, por meio da divulgação das cirandas no Pátio São Pedro, no Centro de Recife, levadas adiante por Mestre Baracho, Dona Duda[5], Lia de Itamaracá e outros. Dulce e Severina (Biu), as filhas de Baracho, em Carpina, hoje trabalham com Lia de Itamaracá. Sem ter vez e voz, as mulheres parecem se destacar na cultura popular, seja na música, seja na dança. É o caso de Lia, Dona Selma do Coco, Dona Cila, Dona Célia e outras.

Atualmente, incorporando suas referências às manifestações populares, o movimento Manguebeat (Nação Zumbi, Alessandra Leão, Otto, Lenine e outros incorporam as cirandas em seus repertórios) promoveu carreiras, e tirou do esquecimento muitos artistas populares, utilizando seus ritmos, inovando-os ou estilizando-os.

Promotora de ações educacionais e culturais, propicia o jogo democrático, combate o racismo e a discriminação, na perspectiva da reelaboração e reeducação étnico-racial. Sua atuação assume papel mediador na interação entre dois mundos, o da classe dominante e o da classe subalterna, como quer Ginzburg, por meio de fenômenos libertários como o da prática da dança – prática corporal a favor de uma ética e de uma estética da sociabilidade, que Lia possibilita e cria com seu devir lúdico.

Símbolo da cultura popular, cuja expressão cultural, conforme verbete do dicionário do Patrimônio Histórico e Cultural do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), está ligada aos segmentos menos favorecidos e excluídos do poder político e econômico, aqueles que não se adequam às normas e modelos hegemônicos, oficiais. Sua carreira se revela no espelho da desigualdade e da violência e arbitrariedade. Rainha, cujas práticas, musicais e dançantes filiam-se à tradição, mas não uma qualquer: a tradição descrita, já nas páginas dos colonizadores, cujas práticas coloniais exigiram, desde sempre, uma resistência, ou melhor entendida como contraconduta, a moldar a estranheza dos primeiros estudiosos e acadêmicos envoltos num saber comprometido e colonial. Lia de Itamaracá aviva a tradição dos marginalizados e excluídos, negros e indígenas, que é visada e perpetra as práticas do Batuque e do Calundu.

Considerações finais

Lia é frequente e insistentemente chamada, por todos, de “rainha”. Se perguntarmos o motivo deste tipo de chamamento que ela recebe, descobriremos que a maneira como Lia de Itamaracá engloba e diverte a todos na ciranda, revela-a como uma espécie de reservatório, irradiando história. Guardando os mistérios dos mitos de origem que ligam as tradições gregas e africanas, em Afrodite e Iemanjá, incorpora-as em si acendendo o destino do culto dançado.

Essa é Lia, encarnando a rainha (Iemanjá/ Afrodite), a qual simboliza a fonte matricial de todos os seres, e em cujo teor pulsional está associado ao mar, como unidade e extensão dos fluídos corporais (compostos de água e sal). Ambas as deusas, as mais antigas e sagradas, e o sentido do culto, conforme Sevcenko (2005), está centrado na estimulação sensorial, na sensualidade dos ritmos e das danças sincopadas e no gozo extático da embriaguez e dos prazeres da carne (...), rituais de celebração dos sentidos e prazeres do corpo e a excitação do corpo até os extremos do transe, clímax, êxtase (...). Seria esta a possibilidade de conexão entre homens e deuses.

Lia de Itamaracá, disseminando a estética afro-brasileira, une o sagrado ao profano (uma vez que é filha de Iemanjá e amiga de padre), veicula identidades múltiplas e funde o sensível e o inteligível, fugindo da separação corpo/ mente platônica e cartesiana do Ocidente. Além disso, preenche requisito e percorre as especificidades e os elementos constitutivos de uma estética negra, como propõe David Treece (Treece apud Marcondes, 2004, p.153): “princípio organizador da roda ou do terreiro, a composição improvisada coletiva, o canto responsorial (call-and-response), a invenção melódico-verbal, as sequências rítmicas, a polirritmia e a síncope”. Podemos ainda pensar, com Paul Gilroy, sobre o fazer do indivíduo no processo de autoconstrução pessoal e social:

(...) o resultado de atividades práticas: linguagem, gesto, significações corporais, desejos... Essas significações podem ser condensadas no processo da interpretação musical, embora esta última não os monopolize, é claro. No contexto do Atlântico negro, elas produzem o efeito imaginário de um núcleo ou essência racial interna ao agirem sobre o corpo através dos mecanismos específicos de identificação e reconhecimento que são produzidos na interação íntima entre o artista e a multidão. (GILROY, apud MARCONDES, 2004, p.154).

O magnetismo e fascínio que Lia exerce, vem dessa incorporação da dimensão mítica das deusas e dessa tradição que ela carrega, propiciando que, em uma hora de dança da ciranda, os participantes experimentem, na comunhão, 200 milhões de anos de história. Retomando sob a forma do coco e da ciranda, Lia traz dos meandros da história da cultura popular os batuques, calundu e lundu, levando a diante uma maneira de ser, pensar e viver que se conecta aos passados dos escravizados negros, resistentes aos jogos de poder.

Sobrevivendo aos discursos políticos e científicos, fazendo parte da diversidade regional e constituindo-se como alteridade, Lia de Itamaracá e sua ciranda disseminam, em sua comunidade, a cultura oral, aproximando a cultura do corpo das sociedades arcaicas, ágrafas como o outro da sociedade ocidental. Como quer Sevcenko (2005), arcaico posto em questão para qualificar o que o platonismo rejeita: a coordenação coletiva regida pelo elemento decisivo, o ritmo, que é marco da cadência do modo de sentir e reagir. Ritmo como domesticação dos recursos decisivos para sobrevivência da espécie, presidindo as experiências mágicas e a predisposição sensorial ao êxtase e ao sagrado. Avesso à experiência de receber o sagrado no próprio corpo, das culturas pagãs, o cristianismo perseguiu a tendência ao transe e êxtase que a dança permite.

Maria Madalena produz poéticas do viver e põe em relevo a memória corporal, cujo efeito performativo admite profunda relação entre o mestre e os cirandeiros, emitindo sons e ritmos circunstancialmente de cunho profundamente social. A ciranda acontece formando uma roda dentro da outra, sucessivamente formando uma espécie de labirinto que gira em sentido anti-horário, propiciando, depois de algumas horas de giro, uma espécie de transe, vertigem, êxtase que resulta na comunhão do todo, o desprender-se do aqui e agora, a perda da identidade. Assim, como mestre da ciranda, funciona como uma espécie de xamã, em meio a diferentes dimensões, irradia como uma fonte de energia, impulsionando os vários potenciais. Nesse sentido, Lia abraça valores da cultura pagã contra os valores que o cristianismo advoga, tal como a renúncia de si em detrimento do corpo, fonte de engano e pecado. Propensa à afirmação da estética negra, propicia a cultura da memória corporal para recuperar a história dos que foram excluídos, estigmatizados, amordaçados e silenciados, abraçando o devir outro, o diferir de si mesmo (contra a dialética ― o mesmo e a identidade), devir que propaga a Multiplicidade.

Ao problematizar a contemporaneidade, Richard Sennet (2001) discute a passividade e o cerceamento tátil que aflige o ambiente urbano, tomado pelos projetos arquitetônicos dos mais modernos edifícios, condenando a experiência corporal à privação sensorial e entorpecendo os sentidos. Se na modernidade a experiência da velocidade faz do espaço um lugar de passagem e deslocamento e o movimento autônomo vê diminuir a experiência sensorial, encontramo-nos diante de uma crise tátil: deslocar-se ajuda a dessensibilizar o corpo. Desacelerar será, pois, uma forma de resistência, e o corpo amortecido não experimenta vinculação. Recuperar a tradição e seu ritmo, por meio de rituais, música e dança, amplifica o compromisso entre os participantes, e sua consequente vinculação, por meio dos gestos corporais, restitui a conexão entre as pessoas, fazendo com que se importem, umas com as outras, e captem a diferença alheia. Por meio da dança, recupera-se a tatilidade e capacita as pessoas a expressarem fisicamente seus afetos.

Nesse contexto podemos aludir às questões formuladas por Siba e Pelbart, citadas neste trabalho: Lia de Itamaracá, fazendo do corpo suporte e estrutura dos valores propagados pela prática cotidiana da dança, da música e convívio, promove ética e esteticamente a cultura do corpo singular e social, implicando o cuidado de si e a autoconstituição do sujeito no uso dos prazeres. Desacelerando o tempo do capital, une a emergência de uma ética de si com a presença contínua do outro, elaborando uma estetização da existência.

Ciranda, é a dança, cujo tempo é o da pulsação e convívio dos corpos enfatizando os anseios de Lia: a destruição das formas tradicionais espaço-temporais empregadas pelo biopoder[6]. Assim pelas concepções cênicas que divulga, Lia liberta o teatro, rompendo com as diferenças autor-texto, diretor-ator, espetáculo-espectador. Todos, mestre cirandeiro e praticantes são, ao mesmo tempo, partícipes do espetáculo. Arte-sem-obra cujo centro e próprio “ator” “espectador”, atuando, ação eficaz como ato libertário, aquilo de que já falava Fernando Ortiz: “os dançantes não imitam a guerra (...), a atuam” (ORTIZ, 1951).

Como remanescente da comunidade afro-brasileira, discriminada, soube como ninguém se reerguer a cada tombo, buscar, dar força e se alimentar do convívio com os outros, criando uma estratégia de sobrevivência. Lutando contra a domesticação e o quadro institucional, desenvolveu formas inovadoras de relacionamento, de relação consigo e com os outros. Assentada na política da amizade, lança mão de propostas alternativas, formulando uma estética da existência e formalizando novas possibilidades de relacionamento que fuja à regulamentação, à institucionalização e normalização, normatização social, num experimento societário conforme prática coletiva, mediada pela arte no cotidiano, arte da vida, espaço de resistência para novas relações sociais, novos modos de vida e formas culturais.

Na fusão entre o sensível e o inteligível e na confluência do sagrado e profano, a arte do cotidiano e no cotidiano tem como desiderato o spatium intensivo, mais do que formas usuais das formas espaço-temporais assegurando identidades múltiplas.

Se Lia é cantadora e encantadora mestre de ciranda e cocos e os vários ritmos de que é capaz, também percorre a trilha da tradição, daqueles que não se sujeitam. Talvez, hoje, possamos entender o sucesso alcançado por Lia em um Brasil exausto da violência e da banalização da política, longe da institucionalização, busca um caminho mais doce cheio de ginga e malemolência, em consonância como a tradição remanescente da resistência, cuja variação e cadência se vinculam á uma constância de experimentação.

Aqui novamente podemos encontrar mais pistas para as questões apresentadas por Siba e Peter Pelbart, atualizado ao cenário contemporâneo de recrudescimento da democracia, Lia segreda e reconfigura a tradição da resistência negra com sua luta incansável pela dignidade, da arte, da política e da vida. Reformulando e transformando o gesto, ginga e malemolência, na disrupção, dita o modo de ocupar o espaço, cujo ritmo impregnam também as artes do pensar. Contraconduta à teatralização da política. Distinto do movimento frenético do Capital, instaurando a morte por todos os lados. Ética do som, do gesto e vida, polifonia, a multiplicidade se articulando como potência, na estetização da existência. Outra lógica, outro ritmo, outra subjetividade e doçura.

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Notas

[1] [...] são movimentos que têm como objetivo outra conduta, isto é: Querem ser conduzidos de outro modo, por outros condutores e por outros pastores, para outros objetivos e para outras formas de salvação, por meio de outros procedimentos e outros métodos. São movimentos que também procuram, eventualmente, em todo caso escapar da conduta dos outros, que procuram definir para cada um a maneira de se conduzir. (FOUCAULT, 2008, p.256- 257).
[2] Integrante do movimento Manguebeat de Chico Science, na década de 90, hoje Nação Zumbi reunindo gêneros rock pop e tradulçao. Siba é ex-integrante do grupo Mestre Ambrósio.
[3] Entrevista para Fernanda Gusmão e Silvia Espindola – Rádio Documentário sobre Lia do Itamaracá, 25/09/2008.
[4] Dança típica das regiões de Pernambuco e Paraíba. Difundida por todo o Brasil como dança de roda infantil, nestas localidades é dança de roda de adultos. A ciranda é dança democrática, pois engloba todos os sexos, idades e compleição social. O mestre cirandeiro é o integrante mais importante da ciranda, cabendo a ele “tirar as cantigas”, improvisar versos, tocar o ganzá e presidir a brincadeira.
[5] Dona Duda Vitalina Albertina de Souza, dona de comércio, comanda cirandeiros que frequentam seu comércio em Janga, em Olinda, destacando-se nas décadas de 60 e 70.
[6] Práticas de controle do corpo aperfeiçoadas desde século XIX, incidindo na sociedade disciplinar e ascetismo produtivo. O uso do corpo, a contenção do gesto e normas de civilidade para eficiência social, militar e econômica, nortearão, também, pedagogos, higienistas e médicos que invocarão necessidade de práticas sistemáticas contra os excessos do corpo. Táticas pedagógicas e gestuais complementam as táticas disciplinares como quer Vigarello (1995). Táticas que se completam com as tecnologias de controle da vigilância e polícia.

Autor notes

i Mestre em História, Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009. E-mail: tellersonia31@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6809- 614X. Gostaria de agradecer, sobremaneira, a colaboração, para realização deste artigo, da pesquisadora Sílvia Helena Paiva Espíndola.

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