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ECOS DE OUTRAS ÁFRICAS: FESTAS DOMICILIARES DE SANTOS CATÓLICOS NAS AMÉRICAS
ECHOES OF OTHER AFRICAS: RESIDENTIAL CATHOLIC SAINT FESTIVITIES IN THE AMERICAS
ECOS DE OTRAS ÁFRICAS: FIESTAS RESIDENCIALES DE LOS SANTOS CATÓLICOS EN LAS AMÉRICAS
Caminhos da História, vol. 28, núm. 1, pp. 10-38, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 28, núm. 1, 2023

Recepção: 29 Novembro 2022

Aprovação: 27 Dezembro 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: O trabalho visa reimaginar o legado africano nas Américas. Em particular, o foco do texto são as festas domiciliares de santos católicos que as pessoas celebram hoje em alguns países específicos da América: Venezuela, Brasil, Colômbia, Equador e República Dominicana. De forma significativa, as celebrações musicais para os santos católicos que se realizam em casas particulares nestas várias localidades da América são bastante parecidas em termos tanto cosmológicos como estéticos. Isso se deve, em grande parte, a uma matriz comum não só na Ibéria como também na África Central, pois, ao comparar as dimensões musicais, estruturais, sociais e cosmológicas destas festas americanas numa perspectiva histórica, percebemos que seriam evidentes frutos da contribuição centro-africana às Américas, e especialmente do catolicismo centro-africano que começou a se desenvolver desde o século XV. Ainda, o texto procura avançar –– de modo implícito –– um argumento metodológico-teórico de que as práticas musicais têm uma historicidade que deixa com que o seu estudo (especialmente quando comparativo e historicizado) possa fazer ressoar vozes e narrativas esquecidas e silenciadas.

Palavras-chave: Catolicismo, África Central, Diáspora Africana, América Afro-Latina.

Abstract: This essay seeks to reimagine the African legacy in the Americas. Specifically, the text discusses residential Catholic saint festivities in several different countries in the Americas: Venezuela, Brazil, Colombia, Ecuador, and the Dominican Republic. Importantly, the musical saint veneration celebrations carried out in private homes in these various American localities share significant cosmological and aesthetic similarities largely due to a common origin traceable not only to Iberia but also to central Africa. Indeed, a comparison of the musical, structural, social, and cosmological aspects of these celebrations within a historical perspective shows that they are fruits of the central African contribution to the Americas, and especially of the central African Catholicism that began to develop starting the fifteenth century. Furthermore, this essay implicitly advances a methodological-theoretical argument that musical practices have a historicity that allows them to be studied (especially in a comparative and historicized way) in such a way that we can hear resonances of forgotten and silenced voices and narratives.

Keywords: Catholicism, Central Africa, African Diaspora, Afro-Latin America.

Resumen: El trabajo tiene como objetivo reimaginar el legado africano en las Américas. En particular, el enfoque del texto son las fiestas de santos católicos que la gente celebra hoy en algunos países específicos de América: Venezuela, Brasil, Colombia, Ecuador y República Dominicana. Significativamente, las celebraciones musicales de los santos católicos que tienen lugar en casas particulares en estos diversos lugares son bastante similares tanto en términos cosmológicos como estéticos. Esto se debe, en gran parte, a una matriz común no solo en Iberia sino también en África Central, ya que, al comparar las dimensiones musicales, estructurales, sociales y cosmológicas de estas fiestas americanas en una perspectiva histórica, nos damos cuenta de que serían frutos evidentes del aporte central-africano a las Américas, y en especial del catolicismo centroafricano que empezó a desarrollarse en el siglo XV. Es más, el texto busca avanzar –– implícitamente –– un argumento teórico-metodológico de que las prácticas musicales tienen una historicidad que permite que por medio de su estudio (especialmente cuando es comparativo e historizado) podamos escuchar resonancias de voces y narrativas olvidadas y silenciadas.

Palabras clave: Catolicismo, África Central, Diáspora Africana, Afrolatinoamérica.

Este artigo visa reimaginar o legado africano nas Américas. Em particular, o foco do texto são as festas domiciliares de santos católicos que as pessoas celebram (pelo menos a partir de meados do século XX) em alguns países específicos da América: Venezuela, Brasil, Colômbia, Equador e República Dominicana. De forma significativa, as festas de santos realizadas em casas particulares nestas várias localidades da América são bastante parecidas: os devotos e as devotas congregam diante de altares domiciliares para entoarem ladainhas, rezarem, dançarem em roda e cantarem de forma responsorial ao acompanhamento de tambores, palmas, marimbas, violões ou outros instrumentos cujos timbres, construções e padrões rítmicos são em grande parte de matriz centro-africana. Com efeito, é a África Central que configura como origem importante, pois, ao comparar as dimensões musicais, estruturais, sociais e cosmológicas destas festas americanas numa perspectiva histórica, percebemos que seriam evidentes frutos da contribuição centro-africana às Américas. Ou seja, todas essas tradições fazem parte de uma linhagem genealógica do catolicismo que começou a se desenvolver na África central desde o século XV. Isto é, todas elas seriam ligadas pelas várias histórias católicas em que são enraizadas; não só o catolicismo ibérico que os portugueses e espanhóis importaram às suas colônias mas também –– e mesmo principalmente –– o catolicismo africano que os africanos e africanas teriam trazido consigo ao serem escravizados nas Américas.

Além de apresentar esta argumentação discursiva, também este artigo avança de forma implícita um argumento metodológico sobre a utilidade de perspectivas comparativas e da importância de colocar as nossas pesquisas etnográficas em diálogo com estudos etnográficos alheios. Assim, se por um lado alguns dados apresentados neste artigo advêm de minhas próprias pesquisas de campo na Bahia, por outro lado, a maioria dos dados encontrados nas páginas que seguem vêm de escritas etnográficas de outras pessoas –– antropólogas, folcloristas e etnomusicólogas –– publicadas nas últimas décadas. Desta forma, o texto funciona como uma tentativa performativa de mostrar o quanto que se ganha ao olhar para além do nosso contexto específico geográfico de pesquisa. Por fim, um último argumento proposto no texto, este de teor metodológico-teórico: tratar com historicidade as manifestações musicais do presente (isto é, o presente etnográfico) abre a possibilidade de encontrar "traços" ou "vestígios" do passado que nos ajudam a ouvir vozes e narrativas esquecidas e silenciadas por discursos hegemônicos (IYANAGA, 2015a).

Este texto não pretende construir uma narrativa totalizante sobre a história destes rituais religiosos domiciliares americanos. Ao contrário, meu objetivo é enfatizar as questões importantes levantadas por este estudo comparativo-histórico-etnográfico. Em especial, quero interrogar o que imaginamos quando pensamos no legado da "África nas Américas" e como esta África ecoa nas tradições de hoje. Assim, o texto questiona os pressupostos analíticos a priori que fazem com que se ouça certas (e não outras) coisas como "africanas" num hemisfério que foi remodelado –– em termos humanos, geográficos, culturais, arquitetônicos e econômicos — de forma explícita e profunda por africanos e africanas (e seus descendentes) escravizados em terras americanas. Afinal, se de fato as origens de uma parcela significativa das crenças e práticas católicas encontradas nas Américas podem ser encontradas na África Central, como argumentarei ao longo do texto, isso significaria que o catolicismo, enquanto uma instituição e prática sociorreligiosa generalizada, poderia ser tanto um local de agência, inovação, resistência e negociação negra americana quanto as religiões que geralmente são vistas como os espaços por excelência de tal resistência e agência: as religiões afro-atlânticos, tais como, o candomblé, regla de ocha, vodou etc.

Insistir que o catolicismo ou pelo menos as festas católicas seriam locus do legado africano nas Américas é uma tentativa de repensar o binário histórico e a repetição da posição interpretativa a priori que justapõe o "católico" ao "africano".[2] Ao contrário, muitas tradições católicas nas Américas são também "africanas" ou pelo menos tão afro-diaspóricas quanto a veneração de orixás/orishas. Afinal, o catolicismo já era uma "religião africana" amplamente praticada na África Central gerações antes que o tráfico transatlântico dos escravizados e escravizadas se desenvolvesse de tal ponto que criasse o sistema global de comércio que mudou o mundo inteiro. E entre os grupos africanos escravizados nas Américas, os centro-africanos e centro-africanas eram os principais, consistindo em quase a metade de todas as pessoas levadas do continente africanos.

O catolicismo na África Central

Os portugueses estabeleceram contato com o Reino do Kongo pela primeira vez em 1483 (FROMONT, 2014, p. 4). Em 1491, Nzinga a Nkuwu, o monarca do Kongo, aceitou o batismo (THRONTON, 1988, p. 263), levando o poderoso reino africano para dentro do mundo cristão. Ao longo do século XVI, o catolicismo (isto é, as crenças, ritos, dogma e ideologia católicos) foi impactando todos os setores da sociedade do Kongo e também dos reinos e vassalos vizinhos. Mas o catolicismo nunca substituiu de forma completa as tradições kongolesas. Ao contrário, um novo catolicismo kongolês foi se constituindo a partir de uma inusitada mistura de aspectos estéticos, práticos e cosmológicos advindas das duas tradições, a centro-africana e a europeia.

Entre os exemplos mais marcantes deste novo catolicismo kongolês encontramos o ritual de jogo/dança/arte marcial conhecido como o sangamento ( DEWULF, 2019). O termo “sangamento” era um lusitanismo do verbo kikongo "ku-sanga" (FROMONT, 2014, p. 21), e constituía-se como uma prática comum em muitas partes da África Central tanto antes como depois do contato com os europeus. O sangamento era uma dança em que se encenavam "encontros de grande escala durante contextos rituais tais como as cerimônias de iniciação dos Imbangala, a festa de São Tiago –– o santo padroeiro do reino do Kongo, ou antes de guerra" (DESCH-OBI, 2002, p. 359). Segundo explica a historiadora de arte Cécile Fromont:

O Frei Girolamo Merolla da Sorrento descreveu os sangamentos no final do século XVII como performances tramadas em duas partes. No primeiro ato, os dançadores se vestiam "a modo da terra", usando na cabeça cocares de penas e usando arcos e flechas como armas. No segundo ato, os homens trocaram os trajes, usavam chapéus europeus de pena, cruzes de ouro, colares de corrente, cordões de corais até o joelho e casacos vermelhos bordados com linha de ouro. Também trocaram seus arcos e flechas por armas de fogo, armas importadas (...) Merolla notou a evidente estrutura binária das performances que observou, mas os sangamentos frequentemente entrelaçavam as duas partes em vez de delineá-las com clareza. (FROMONT, 2014, p. 23-24)

O sangamento serve como exemplo de como os elementos europeus e kongleses foram integrados para formar um único evento de tal maneira que mesmo que a origem de um instrumento musical, arma ou tipo de traje fosse claramente marcada, ainda podemos entender isso –– tomado como um todo –– como algo novo e coerente, que assim representaria esta novidade cristã centro-africana.

Da mesma forma, os instrumentos musicais europeus e centro-africanos eram executados de tal maneira que demarcasse momentos separados de um único evento, especialmente em celebrações religiosas. Segundo relatam John Thornton e Linda Heywood (2007, p. 213-214), por exemplo, “trombetas de estilo europeu (introduzidas pelos portugueses) juntavam-se às trombetas tradicionais de marfim e madeira (mpungu) na corte do Kongo,” ao mesmo tempo que "os reis do Kongo, tais como Álvaro III [que reinava na virada da década de 1620], ia à igreja acompanhado de músicos executando 'instrumentos de música e guerra à sua moda', mas dentro da igreja poderia ouvir um órgão, que provavelmente se afinava às escalas europeias". Também em representações das cerimônias de coroamento dos reis kongoleses no século XVII muitas vezes apareciam símbolos europeus –– a exemplo os tronos, coroas e trajes no estilo europeu –– junto a símbolos e instrumentos musicais kongoleses (FROMONT, 2014, p. 40-43).

No entanto, além dos rituais, a cosmologia cristã também tomava novas dimensões no Kongo, marcada por características bem distintas. Uma das transformações mais interessantes era a de converter os santos europeus em santos kongoleses que não só protegiam o Kongo como também eram reconfigurados como filhos da terra e portanto ancestrais kongoleses. O exemplo mais expressivo se encontra no mito da ascensão ao trono do Rei Afonso I em 1509 que, segundo o que ele mesmo escrevia na década de 1510, teria sido com a ajuda de São Tiago, um exército de cavaleiros divinos e a cruz de Constantino. Assim se vê como São Tiago e os símbolos cristãos europeus se tornam kongoleses; são indigenizados. Nas palavras de Fromont (2014, p. 27), este mito de origem "deixou com que Afonso naturalizasse o cristianismo para ser fenômeno centro-africano ao mesmo tempo inscrevesse o seu reino no universo maior da cristandade". De forma significativa, este mito situou um santo católico (e os símbolos católicos) no cerne da história/mitologia do Kongo, uma vez que foi São Tiago que ajudou no reestabelecimento do reino.

Um exemplo ainda mais radical do que parece ter virado uma tradição kongolesa de indigenizar os santos católicos se encontra no caso da kongolesa Kimpa Vita, cujo nome de batismo era Dona Beatriz. Em 1704, Kimpa Vita/Dona Beatriz morre de uma febre. Logo depois ela se ressuscita, porém não é mais Dona Beatriz; agora ela diz que é Santo Antônio. Nos meses que se seguiram, Santo Antônio –– através do seu médium, Dona Beatriz –– atravessa os vários territórios kongoleses, disseminando uma mensagem de que Jesus, a Virgem Maria, São Francisco e o próprio Santo Antônio eram todos kongoleses e, portanto, negros e ancestrais (THORNTON, 1998, p. 114). Assim, de acordo com a mensagem de Dona Beatriz/Santo Antônio, essas figuras cristãs agora pertenceriam à história do Kongo, parecendo ser uma continuação da maneira que Afonso refez a mitologia de São Tiago. No mínimo, este exemplo –– tomado junto com a intercessão de São Tiago pelo Rei Afonso I e as outras evidências citadas –– sugere que o cristianismo congolês, que já tomara forma até o século XVI, se diferenciava de forma significativa do seu equivalente europeu não só na prática mas também nas crenças e na cosmologia. Consequentemente, é bem provável que este cristianismo localizado, africanizado já teria influenciado a visão de mundo de uma grande parcela dos milhões de centro-africanos e centro-africanas escravizadas nas Américas.

Uma África católica nas Américas

No início do comércio transatlântico de escravos, os centro-africanos e centro-africanas compunham uma parcela pequena das pessoas escravizadas do outro lado do Atlântico. No entanto, logo se tornaram os principais a serem escravizados além-mar. Com efeito, até o último quartel do século XVI o porto principal de embarcação do comércio de escravos era na Alta Guiné (Senegâmbia), quando os negreiros começaram a dar preferências aos portos na África Central (BORUCKI; ELTIS; WHEAT, 2015, p. 446; WHEAT, 2011, p. 21).[3] É importante notar que a intensificação da escravização dos centro-africanos e das centro-africanas coincidiu com o momento em que o número total de africanas e africanos escravizados aumentou de forma vertiginosa. Isto é, entre 1551 e 1575, aproximadamente 61.007 africanos e africanas foram escravizados (81% da Alta Guiné; 6% da Baixa Guiné; e 13% da África Centro-Oeste e Santa Helena). Nos próximos 25 anos, quando a proporção de pessoas da África Central se torna muito mais significativa, o número total de pessoas escravizadas aumenta em quase três vezes para aproximadamente 152.373 pessoas (29% da Alta Guiné; 2% da Baixa Guiné; e 69% da África Centro-Oeste e Santa Helena). Já entre 1601 e 1625 o número dobrou, subindo para 352.843 pessoas, sendo que mais de 91% destas vinham da África Centro-Oeste e Santa Helena.[4] Tudo isso sugere o seguinte: mesmo que os centro-africanos e centro-africanas não tenham sido os primeiros a chegar nas Américas, foram eles os primeiros a chegar em números significativos. No final das contas, os cativos levados da região da África Central acaba compondo quase a metade do total de pessoas escravizadas do continente (~45%, por volta de 6 milhões de pessoas).[5]

Desta forma, é muito provável que os centro-africanos e centro-africanas, que em grande parte eram falantes de línguas bantu, tiveram um impacto expressivo sobre as novas culturas que estavam se formando nas Américas. É justamente essa a hipótese do argumento dos antropólogos Sidney Mintz e Richard Price, que insistiam que os primeiros a chegar teriam um papel definidor na criação da cultura afro-americana (MINTZ e PRICE, 1992, p. 50). Além disso, o historiador Robert Slenes (2007, p. 116), que cita as pesquisas do historiador Jan Vansina, argumenta de forma convincente que toda a África Central ocidental representaria "uma única 'área cultural'" que teria em comum não só uma "herança linguística bantu" como também uma cosmovisão e ideologia política. Consequentemente, os cativos bantu que foram levados às Américas em números tão expressivos teriam sido de importância fundamental nas novas terras não só devido ao fato de terem chegado nos primeiros momentos da construção das colônias, como também por causa dos pontos de convergência entre eles em termos de cultura, sociedade e cosmovisão. Somos assim levados a entender que as pessoas advindas da África central teriam sido os principais agentes na construção das primeiras instituições negras coloniais –– com base na consonância de suas ideologias africanas e experiências tanto na África como na América –– que serviriam como a fundação sobre a qual se construíram as novas culturas negras nas Américas.

Se de fato o catolicismo já fazia parte da cosmovisão centro-africana desde antes do período do comércio transatlântico dos escravos, muitas festas católicas que hoje vemos nas Américas poderiam bem ser frutos das sementes católicas germinadas há séculos por centro-africanos e centro-africanas. Não seria por acaso, portanto, que encontramos nos registros coloniais evidências de rituais e práticas centro-africanos (tais como variações do sangamento) com o uso de instrumentos musicais advindos desta mesma região africana (tais como xilofones, pluriarcos e de certos tipos de tambor) (BUDASZ, 2014, p. 11; DAWSON, 2019, FROMONT, 2013, p. 194; KUBIK, 1979, p. 23; IYANAGA, 2015b, p. 127; LÜHNING, 2013).[6]Além disso, há registros, tais como o apresentado pela historiadora Lucilene Reginaldo (2011, p. 139-140), em que os membros de uma irmandade colonial brasileira reconfiguram seu santo padroeiro como ancestral, e assim mostram a presença da tradição centro-africana que vimos nos casos de Afonso I e de Dona Beatriz, a de localizar e reimaginar os santos como ancestrais.

Percebe-se, portanto, a institucionalização do legado centro-africano nas Américas é encontrada de forma mais significativa nas irmandades coloniais pelos estudiosos e pelas estudiosas. Não é por acaso, por exemplo, que Arthur Ramos já escrevia que as procissões, irmandades e festas coloniais nos "países hispano-sul-americanos" se devia a "influências culturais dos Negros bantus" (1946, p. 263). Mas passado da época colonial, as cosmologias e as práticas bantu parecem desaparecer (menos em alguns casos excepcionais, tais como os congados brasileiros), uma vez que as irmandades teriam servido como incubadoras para a eventual (re)emergência de religiões como o candomblé e a regla de ocha (MURPHY, 2010, p. 401-402). Roger Bastide (1971, p. 183), por exemplo, famosamente dizia que "a confraria frequentemente prolongou-se em candomblé". Numa transposição desta interpretação ao contexto cubano, ambos David Brown (2003, pp. 62-67) e Stephan Palmié (1993, p. 341) notaram que os cabildos de nación coloniais também, de forma tanto cronológica como causadora, antecedem as casas de Lucumí. Não duvido que as cosmologias centro-africanas façam parte hoje das religiões negras amplamente conhecidas como o candomblé, vodou, regla de ocha etc. Mas será que não haveria outra história destas cosmologias que não fosse a de ser apenas uma parte constituinte das religiões cujas principais referências se encontram na África Ocidental? Creio que há sim, e é a ela que agora destinamos a nossa atenção.

As festas domiciliares de santos católicos nas Américas

Uma vez tendo as nossas pistas históricas em ordem, podemos repensar o legado bantu nas Américas. Vimos as evidências de um catolicismo africano transplantado nas Américas, na criação de um catolicismo americano de matriz centro-africana, praticados pelas pessoas que Jeroen Dewulf (2022) chama de "católicos afro-atlânticos". Para contar esta história precisamos juntar os fragmentos, os vestígios deste legado. Deste modo, insisto que se olharmos as inúmeras tradições católicas praticadas hoje nas Américas encontraremos traços de ideias, estéticas, tecnologias e práticas centro-africanas. Em particular, o estudo comparativo de festas domiciliares de santos católicos faz com que possamos perceber como a história marginalizada do catolicismo centro-africano nas Américas continua se manifestando em vários lugares do continente. Isto é, os vestígios do cristianismo centro-africano parecem estar bem vivos em casas por toda a América, e simplesmente em notar isso ganhamos um novo ponto de vista do qual podemos repensar os santos católicos, seus devotos humanos e as religiões de dizemos ser de matriz africana. Apresento informações da Venezuela, Brasil, Colômbia, Equador e República Dominicana. Foco nestes países somente porque são os lugares de onde pude encontrar dados etnográficos suficientemente detalhados para colocá-los em diálogo. Quando possível, pretendo expandir para considerar outras localidades americanas.

Venezuela

Começamos com a Venezuela e as festas de São João (e outros santos) que se encontram em diversas comunidades afro-venezuelanas da costa caribenha (GUSS, 1993, p. 452; SUÁREZ e BETHENCOURT, 1994, p. 5).[7] Estas festas têm sido estudadas enquanto parte da diáspora africana desde pelo menos a década de 1970, quando a antropóloga vienense Angelina Pollak-Eltz (1972, p. 193) teorizou que estas abrigavam "las antiguas divindades africanas" das tradições iorubá da África Ocidental. Em tempos posteriores ao trabalho de Pollak-Eltz, alguns estudiosos começaram a argumentar que a predileção afro-venezuelana pelas festas de São João seria, na verdade, por conta de sua ligação com a África central. O etnomusicólogo Max Brandt, por exemplo, explica que em Barlovento, São João seria "às vezes chamado de San Juan Congo, San Juan Congolé e San Juan Guaricongo, revelando uma conexão ao vale do Congo na África central" (BRANDT, 1998, p. 536; LISCANO, 1973, p. 54). Estas designações locais, que evidenciam uma conexão estreita entre São João e o Congo (ou talvez Kongo), parecem demonstrar que o santo seria imaginado como Kongolês, sendo assim uma extensão da já mencionada tradição centro-africana de reconfigurar os santos como ancestrais Kongoleses. Além disso, os protótipos de alguns dos tambores usados nestas festas de São João (assim como nas festas de outros santos), tais como o redondo ou o culo e’ puya, parecem ser oriundos da África Central (BRANDT, 1998, p. 529; GUSS, 1993, p. 454).

Até em outras partes do país, já distante de Barlovento, a África Central também aparece como ponto de referência geo-histórica. De acordo com o estudioso Jesús García, por exemplo, o estado de Yaracuy é “una de las regiones donde mejor se ha conservado la música de origen africano, en este caso de origen loango, grupo étnico de la República del Congo” (GARCÍA, 2013, p. 30). Apesar da sua infeliz alusão à "conservação", ideia que tem ares de um congelamento cultural, não podemos deixar de notar que García especifica Loango como lugar de origem dessas músicas católicas. Afinal, até o século XVI o Reino de Loango já mantinha uma relação próxima com o vizinho (cristão) ao sul, sendo que o Reino do Kongo e Loango também já praticavam a sua própria variação do já mencionado "sangamento" (FROMONT, 2014, p. 23; THORNTON e HEYWOOD, 2007, p. 106). Além disso, nota García, "[e]n la comunidad afrovenezolana de Palmarejo y de Farriar, estado Yaracuy, se conoce como Loango a un género musical con el que se acompaña al San Juan de esas comunidades" (GARCÍA, 1990, p. 86). As ligações entre Loango, Yaracuy e São João Batista são salientes.

Também se ouve os sinais dessas origens centro-africanas na música. Um exemplo ilustrativo se encontra numa gravação de uma música no gênero que se chama sanguéo, “Viene saliendo la luna” (GARCÍA, 2013, disco 2, faixa 12).[8]Trata-se de um exemplo oriundo de uma procissão de São João que consiste na repetição de frases melódicas curtas cantadas de forma responsorial ao acompanhamento de um idiofone de agitamento e tambores (Fig. 1). É evidente que poderia ser valiosa uma análise musical mais apurada, mas aqui quero apenas chamar a atenção aos acentos rítmicos que ouvimos nos tambores, pois, enfatizam uma célula rítmica assimétrica, conhecida na literatura etnomusicológica latinoamericana de língua espanhola como tresillo, ou o 3-3-2 (BÉHAGUE, 1980, p. 120; MANUEL, 2009, p. 193; DÖRING, 2004, p. 78; SANDRONI, 2001, p. 28). Este padrão consiste em 8 pulsos (/x. .x. .x./) que, quando inserido no contexto das frases vocais que as acompanha, constitui um ciclo rítmico de 16 pulsos. Se de fato, como asseveram Gerhard Kubik (1979, pp. 16-17) e Kazadi wa Makuna (2000, pp. 27-29), os ciclos rítmicos de 16 pulsos (tipicamente organizados em padrões assimétricos conhecidos como "linha-guia") no contexto da América negra seriam advindos da África Central, “Viene saliendo la luna” bem poderia servir como exemplar de sua linhagem musical bantu. Além do mais, o próprio tresillo parece indicar a sua conexão centro-africana. Afinal, mesmo que este padrão rítmico se encontre em várias tradições do mundo inteiro, a sua presença em inúmeras tradições musicais americanas que teriam uma ligação com as culturas bantu acaba por reforçar a sua possível origem centro-africana (GERSTIN, 2017, pp. 13-14).


FIGURA 1
Um verso transcrito de "Viene saliendo la luna", mostrando as partes da voz principal, do coro, de um dos idiofone de agitamento e de um tambor.

As festas de São João diferem de acordo com a região da Venezuela. Se em algumas comunidades as festas tendem a acontecer mais nas ruas do que em casas particulares, em outros lugares o inverso parece ser a regra. Não obstante, mesmo nos casos onde predominam procissões públicas, ainda há ligação estreita à tradição domiciliar do velorio de santo. De acordo com Brandt (1987, p. 55), "El velorio de Santo es una celebración familiar que se realiza en la casa del patrocinante (...) Um velorio usualmente comienza al atardecer y se inicia con rezos dedicados al santo. En una ocasión durante el trabajo de campo los cantos y los golpes de tambora comenzaron mientras el anfitrión del velorio estaba recitando sus oraciones frente al altar” (negrito no original). O canto e os tambores alternam com a declamação de décimas até o amanhecer.

Mas não se sucedem assim todos os velorios em toda parte do país, pelo menos no caso dos de São João. No estado de Aragua, por exemplo, as pessoas começam os velorios de São João cantando sirenas (rezas cantadas) de forma a capella diante dos seus altares domiciliares antes de dançarem aos tambores em frente à casa. Daí as pessoas seguem repetindo este ritual de casa em casa na vizinhança até decidirem parar num local que se chama La Sabana, onde “los hombres y mujeres forman la rueda y cantan y bailan tomados de la mano" (LISCANO, 1973, p. 55; GUERRA VELÁSQUEZ, 2007). Também há diferenças em Curiepe (no estado de Miranda). Segundo explica o antropólogo David Guss (1993, p. 454), “Durante o velório, que dura a noite toda, a imagem de San Juan, vestida de vermelho e coberta de flores, está instalada num lugar de honra. Na sua frente imediata, os tambores culo e’ puya são tocados, ao mesmo tempo que na rua do lado de fora outro grupo dança e canta aos [tambores] mina e curbata. Estes velórios continuam de casa em casa até a festa terminar”. Embora existam poucos dados sobre estes velórios domiciliares, tudo que pude encontrar sugere que apesar da evidente diversidade que caracteriza estes eventos sagrados ainda pode-se reconhecer uma estrutura básica: canto, tambores, dança e um santo católico. Em termos mais específicos, todas as informações terminológicas, musicais, e mesmo cosmológicas parecem apontar uma origem comum: África central.

De certa forma, nada disso surpreende, uma vez que os centro-africanos e centro-africanas de fato desembarcaram em números significativos na Venezuela, mesmo que fossem em distintas ondas demográficas. Isto é, ainda que chegassem na Venezuela mais cativos da Alta Guiné (embora nunca de forma exclusiva) do que da África central (através de Santo Domingo) até 1592, entre 1595 e 1640, mais de metade dos africanos e africanas escravizados na Venezuela teria vindo de Angola (BORUCKI, 2012, pp. 32, 34; BORUCKI; ELTIS; WHEAT, 2015, p. 446). Assim, a presença centro-africana nunca foi pouca, ao mesmo tempo que nunca dominou. E esta diversidade étnica poderia explicar, em parte, a diversidade musical que se encontra nas devoções aos santos. Por exemplo, os devotos e devotas tocam em conjuntos de tambores que incluem tambores que parecem derivar de várias regiões da África (BRANDT, 1998, p. 529). E essa história de importação de mãos escravas africanas justapõe de forma significativa à do Brasil, o contexto que olhamos na sequência, onde quase um milhão de africanos e africanas já tinham desembarcado até o final do século XVII, com os centro-africanos e centro-africanas compondo, de acordo com James Sweet (2007, p. 33), “[a]té cerca de 1680, mais de 90% dos escravos chegados ao Brasil eram originários da África Central”. E um dos mais importantes legados musicais deixados pelos falantes de línguas bantu é aquele que hoje o mundo todo diria ser a música nacional do Brasil: o samba.

Brasil

O samba se encontra em inúmeros contextos brasileiros, mas na Bahia –– e especialmente na região do Recôncavo –– é inextricável das devoções católicas. O exemplo quiçá mais conhecido seria o da Festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte que acontece todo ano na cidade de Cachoeira. No terceiro e último dia da festa é que tem lugar não só a assunção de Nossa Senhora como também horas e horas de samba que se faz na sede da irmandade (CASTRO, 2006; MARQUES, 2008). Não obstante, a importância do samba como meio de veneração do santo é mais evidente nas festas domiciliares conhecidas como rezas (ou então "devoções" ou mesmo "sambas"). A reza é um evento musical onde as pessoas abrem suas casas em nome do seu santo de devoção para acolherem familiares, vizinhos e vizinhas e amigos e amigas na intenção de oferecer ao santo uma noite de orações, canto, samba e comidas típicas. As rezas são muitas vezes ligadas à promessas feitas pelos devotos e devotas, pelos seus pais e suas mães ou mesmo por ancestrais distantes ( IYANAGA, 2022, pp. 95-99).

O evento oficialmente começa diante do altar da casa que as pessoas entoam, de forma a capella, a chamada "novena", que é um ciclo de cânticos. Na sequência vem o samba, que é puxado de forma responsorial e executado numa roda por todas as pessoas presentes com ou sem os instrumentos musicais comumente associados ao samba: pandeiros, tambores, diversos idiofones, cavaquinhos, violões, violas etc. (IYANAGA, 2010, p. 130). De forma significativa, os versos dos sambas não só falam do cotidiano dos participantes como celebram os santos e suas características. Os participantes acompanham o canto coletivo com as palmas, geralmente externalizando o mesmo ritmo: o tresillo, aquele mesmo ritmo que ouvimos no sanguéo venezuelano (apresentado na Figura 1). Ainda, e assim como também no exemplo venezuelano, esta célula rítmica no samba baiano se enfatiza não só nas palmas e outros elementos percussivos como igualmente nos acentos rítmicos do canto (Figura 2) ( IYANAGA, 2020, p. 132-136).


Figura 2
"Meu São Cosme, Meu," um samba comum nas rezas de São Cosme e Damião no Recôncavo Baiano. Aqui transcritas são a voz e as palmas que acompanham o canto. Este exemplo vem de uma performance feita em Cachoeira, Bahia, no dia 27 de setembro de 2011.

Ao levar em consideração todas as evidências –– as etimológicas, rítmicas e coreográficas ––, percebemos que o samba encontraria as suas origens principalmente nos falantes das línguas bantu da África central. Este é o caso, por exemplo, com a palavra "samba." Apesar de todo o debate sobre as origens do termo, os estudiosos e estudiosas tendem a entrar em concordância no que tange à derivação bantu do léxico (E. CARNEIRO, 1961, p. 6-7; S. CARNEIRO, 1937, p. 436; CASTRO, 2005, p. 333; KUBIK, 2013, p. 31; SANDRONI, 2001, p. 84-85; SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1983, p. 44).[9]Ainda, a origem bantu do samba se sugere no fato de que o ritmo seria de 16 pulsos (pelos mesmos motivos já mencionados sobre o sanguéo venezuelano) e que este ritmo seria inextricavelmente ligado a dois movimentos coreográficos importantes: a umbigada e o miudinho (DÖRING, 2016, p. 121-122). Tanto a umbigada como o miudinho –– neste contexto rítmico e cultural –– parecem ter suas origens na África central (IYANAGA, 2015b, p. 122-123, 136).

Em certas ocasiões ––quando socialmente coerente com as expectativas dos participantes e quando o ritmo está suficientemente "quente" –– o samba pode estimular a manifestação de entidades conhecidas como caboclos, encantados e/ou anjos de guarda (IYANAGA, 2022, p. 245). Ainda que não totalmente distintas, as cosmologias que contemplam estas entidades seriam um pouco diferentes das que se encontram nas casas de candomblé. Nas rezas os "caboclos" podem muito bem ser santos católicos, orixás africanos ou arquétipos brasileiros como marujos, boiadeiros ou caciques, etc. Dizem que as pessoas que são médiuns destes caboclos (que são categoricamente diferentes dos caboclos advindos dos contextos do candomblé) as são por questões de herança ancestral (isto é, "de nascença"), uma lógica metafísica que sugere uma ligação sutil com a crença pré-colonial bantu no que tange à centralidade dos ancestrais, os "primeiro a chegar” (KLIEMAN, 2003, p. 74; SLENES, 2007, p. 117). Da mesma forma, as características dos caboclos no contexto da reza, onde podem fazer curas e dar conselhos, parecem ligá-los de forma significativa à tradição centro-africana dos rituais ngoma (JANZEN, 1992, p. 87) e àquilo que o antropólogo Victor Turner (1975, p. 37) chamava, para os Ndembu, um grupo bantu, de "cultos de aflição."

Apesar da perspectiva profana que historicamente reinou sobre o estudo do samba, no contexto da reza percebe-se que o samba não seria apenas um "anexo" profano a uma celebração religiosa. Muito ao contrário, o samba está explicitamente associado aos santos em nome dos quais essa dança afro-brasileira seria executada. Com efeito, o seu caráter religioso se manifesta de inúmeras formas. Em alguns casos, a religiosidade está explícita no canto. Isto é, os versos dos sambas louvam o santo da noite, rimando sobre seus feitos milagrosos ou então comunicando diretamente com ele. Ainda, os movimentos coreográficos muitas vezes indicam a natureza católica do samba: a roda do samba geralmente contempla o próprio altar, como se o santo tivesse ali junto com os devotos e devotas, formando a roda, e os participantes se curvam e fazem o Sinal da Cruz diante do altar. Até quando, na reza, os versos não são especificamente sobre o santo ou quando o samba acontece em lugar um pouco afastado do altar, aparentando portanto exibir a sua profanidade, basta lembrar que o samba está sendo feito num contexto explicitamente católico, uma vez que a reza se faz sempre em homenagem a um santo.

Por fim, é importante salientar os motivos cosmológicos que fazem com que as pessoas se queiram sambar nas festas de santo. Diz-se que sambar seria algo que alegra os próprios santos pois os santos gostam de festa, farra e samba (IYANAGA, 2015b, p. 120). Resumindo: esta dança de matriz centro-africana faz parte intrínseca da veneração de santos tanto quanto os cânticos de inspiração católica. Assim, não parece por acaso que seria justamente o samba –– por sua vez uma herança da África Central –– que é o gênero musical que motivam os devotos, devotas e caboclos –– entidades cuja cosmologia remete às culturas bantu da África Central –– a dançarem em festas de santos católicos.

Colômbia

Celebrações domiciliares aos santos católicos também são lugar comum na costa pacífica da Colômbia (especialmente nos departamentos de Nariño e Chocó) e do noroeste do Equador, por exemplo em Esmeraldas (LOSONCZY, 2006, p. 214-216; PRICE, 1955, pp. 189-203; BIRENBAUM QUINTERO, 2009, pp. 59-65; WHITTEN, 1974, pp. 135-138). Neste contexto as festas são chamadas de arrullos ou belenes de santo. Na sua análise sobre a prática do ritual domiciliar em Tumaco (no departamento de Nariño), o antropólogo Thomas Price (1955, p. 189) explica que o belén de santo “consiste num grupo de homens e mulheres que congregam numa casa particular para uma noite de canto e tambores em nome de um santo”. Um belén pode ser uma obrigação anual ou então festa oferecida apenas uma ou duas vezes ao longo de uma vida em troca de uma bênção específica recebida por um santo, o qual a antropóloga Anne-Marie Losonczy (2006, p. 214) chama de um “santo de devoción especial". Segundo mostram Juan Sebastián Ochoa, Leonor Convers e Oscar Hernández (2015, p. 55), os santos mais amplamente venerados na região pacífica sul da Colômbia são São José, São Pedro e Santo Antonio, além da Virgem Maria e o Menino Jesus.

Na noite do belén, segundo conta Price, os participantes processam da igreja até a casa do anfitrião ou da anfitriã. O antropólogo ainda explica que "o culto não começa oficialmente até a última vez que o terço for recitada pela rezandera que é especialmente convidada, quando a reunião está tão silenciosa quanto possível. Ao terminar a oração, vê-se uma explosão de gritos e risadas na intenção de informar ao santo que o belén será alegre, os participantes se sentam no chão diante do altar, e se canta a primeira música" (PRICE, 1955, p. 195). Talvez não tão claro na descrição de Price é o quanto que a música é fundamental ao evento. Mas de fato, na "noche de fiesta", segundo relata Losonczy (2006, p. 215), “[l]as animan música y bailes en torno al altar, adornado con flores y cirios”. A execução da música, que consiste em gêneros como a juga e o bunde, é principalmente da responsabilidade das cantadoras (ou cantaoras), que tocam guasás (um tipo de ganzá de bambu) e cantam. Os homens acompanham as cantadoras com dois tipos de membranofones: bombos e cununos. Por fim, no arrullo é possível encontrar uma marimba, que é tipo de xilofone cuja proveniência africana se afirma não só no fato de que os habitantes locais a entende enquanto parte do legado africano na região como também no fato de que o provável protótipo teria vindo da África Central (GARFIAS, 1983, p. 205-207; KUBIK, 1979, p. 36; MIÑANA BLASCO, 2010, p. 327-333; OCHOA, CONVERS e HERNÁNDEZ, 2015, pp. 57-58). Se por um lado a marimba não contaria entre os instrumentos mais historicamente comuns nos arrullos, por outro lado o instrumento ainda carrega fortes ligações com a tradição no imaginário da religião (OCHOA, CONVERS e HERNÁNDEZ, 2015, p. 55; BIRENBAUM QUINTERO, 2009, p. 63; WHITTEN, 1967, p. 2). Papá Roncón, por exemplo, que é sem dúvidas um dos tocadores de marimba mais conhecidos do Equador, guarda saudosas lembranças da importância da marimba no sagrado canto, dança e –– de forma semelhante às festas venezuelanas já mencionadas –– recitação de décimas (GARCÍA SALAZAR, 2011, p. 136).

Os versos cantados ou declamados nos arrullos podem variar do explicitamente sagrado ao ostensivamente profano. O etnomusicólogo Michael Birenbaum Quintero, por exemplo, explica que as letras mostram a tendência de humanizar os santos por retratá-los "em contextos mundanos, humanos" (2009, p. 64), ao mesmo tempo em que Losonczy afirma que “ningún canto evoca temas religiosos" (2006, p. 215). Não obstante o conteúdo em si, este canto é –– a meu ver –– sempre sagrado, mesmo de forma implícita, quando se considera o seu papel fundamental nos arrullos. Além do canto, "os devotos dançam em direção ao altar (...) para declamarem ao santo poemas religiosos chamados de loas" (BIRENBAUM QUINTERO, 2009, p. 63). Se de fato a loa é, como assevera Norman Whitten (1974, pp. 137-138), uma "décima sagrada", então o arrullo parece assemelhar-se de forma significativa à alternância entre os tambores e as décimas que caracteriza o velorio venezuelano.[10]

A música, somada à alegria dos participantes e às bebidas alcóolicas servidas no evento, são os aspectos que criam o "calor" necessário para a festa do santo, fato que é importante em perspectiva comparativa uma vez que seria a "quentura" que chama os caboclos nas rezas baianas (LOSONCZY, 2006, p. 216; BIRENBAUM QUINTERO, 2009, p. 64). Com efeito, dizem que é quando o clima do arrullo está suficientemente quente que o santo se faz presente no altar, nas vozes das cantadoras ou nas mãos dos tocadores (LOSONCZY, 2006, p. 215). O calor tem uma fundação cosmológica importante, pois, segundo explica Birenbaum Quintero (2010, p. 230), "la generación del calor en un arrullo agrada al santo porque contrarresta el frío del cielo (mundo divino), recordándole su humanidad, y trayéndolo temporalmente al mundo de los seres humanos para ayudar a los que le brindan ese calor humano". Em alguns casos, diz-se que o santo poderia entrar temporariamente nos corpos dos participantes, fazendo com que o tocador bata o tambor com mais vigor ou então que a cantadora cante com mais força. Ora, vale notar que mesmo que a pessoa em transe possa sorrir ou mesmo fixar o olho no altar, a possessão em si nunca tem a intenção de fazer com que o médium dance (PRICE, 1955, p. 198). Neste aspecto, portanto, vê-se uma dessemelhança clara entre o arrullo e a reza baiana. E não poderia deixar de haver diferenças, uma vez que a história da Colômbia é tão distinta da brasileira, desde as dissimilaridades coloniais, sociais e econômicas até as diferenças demográficas em relação às africanos e africanas que foram escravizados na Colômbia.

Quanto a este último, embora seja um pouco difícil encontrar informações precisas para a costa pacífica, os dados advindos de Cartagena (o principal porto de desembarque colombiano) são iluminadores. Como explica David Wheat (2011, p. 12), “Angola e Alta Guiné forneceram um número quase igual de cativos à cidade (de Cartagena) entre 1573 e 1640”, que coincide com o período durante o qual as colônias espanholas importaram a grande maioria das pessoas escravizadas para suas terras (BORUCKI; ELTIS; WHEAT, 2015, p. 437). Desta maneira, podemos depreender que a influência centro-africana teria sido bem menos dominante na Colômbia do que no Brasil, por exemplo. Isso não quer dizer, evidentemente, que as pessoas da África central fossem de alguma forma insignificantes no contexto colombiano, pois Cartegena recebeu "mais navios negreiros de Angola do que de qualquer outra região específica, mesmo ao somar as viagens das Ilhas do Cabo Verde às da Alta Guiné" (WHEAT, 2011, p. 15).

República Dominicana

As pessoas na República Dominicana também fazem suas festas domiciliares aos santos católicos. As designações locais são várias: velaciones, veladas, noches de vela, velas ou velorios de santo (DAVIS, 2012; JORGE, 1996). De forma semelhante às rezas brasileiras, as velaciones dominicanas –– que são patrocinadas por irmandades, famílias ou indivíduos –– tendem a ser obrigações herdadas de gerações passadas (JORGE, 1996, p. 45). Assim como já vimos em todas as demais tradições domiciliares apresentadas, encontramos grande variedade entre as velaciones, seja de região em região ou mesmo de casa em casa. Não obstante, a estrutura e o conteúdo musicais básicos destes rituais parecem coincidir de forma impressionante com os das tradições venezuelanas, colombianas e brasileiras que já vimos. De acordo com a etnomusicóloga Martha Ellen Davis, as velaciones seguem na seguinte sequência: “Depois de cada uma das três partes do rosário (tercios) –– rezada às 18 horas, meia-noite e logo antes de amanhecer –– seguem três versões musicadas da Salve Regina. Cada uma destas é seguida por três peças de tambor sagradas nas regiões dos tambores. Daí o restante do evento é sem estrutura em relação às Salves litúrgicos ou não-litúrgicos e/ou os palos para a dança social até o próximo tercio" (DAVIS, 2012, p. 169). A alternância entre orações, canto e tambores claramente lembra os velorios de Santo observados por Brandt na Venezuela. Mas não é só isso. A organização geral de "estruturado" para "não-estruturado" parece coincidir com os arrullos colombianos e as rezas baianas.

Além disso, até o estilo do canto do velorio parece, em termos gerais, quase que idêntico ao da reza. Segundo explica Davis, o canto a capella da primeira parte (a estruturada) se caracteriza por uma voz tensa, melismática, antifonal, não-métrica e com uso de escalas modais que incluiriam a assim-chamada terça "neutra" (DAVIS, 2007, p. 201; 1981, p. 30).[11] Esta mesmíssima descrição caracterizaria as novenas no contexto baiano (IYANAGA, 2018, pp. 176-185). Já a segunda parte da velación, a das "Salves não-litúrgicas" ou então "Salves profanas" (DAVIS, 1981, p. 29), marca uma mudança radical musical. Embora haja muita diversidade nestas Salves, são caracterizadas por um canto responsorial que é acompanhado por palmas, violões e vários tipos de tambores (muitas vezes os tambores longos conhecidos como palos) e horas de dança (DAVIS, 2012, p. 169). Ainda, estas "salves", de acordo com a estudiosa dominicana Bernarda Jorge, que as designa de “salves de regocijo”, teriam "un diseño rítmico regular", o que ela explica como um ritmo binário num compasso de 2/4 com muitos "valores sincopados" (JORGE, 1996, p. 102; DAVIS, 2007, p. 202-203). Bastar dizer que tal descrição caberia quase perfeitamente numa caracterização do samba devocional da Bahia, mesmo que os ritmos em si não seriam os mesmos (IYANAGA, 2022, pp. 300-310).

Não precisamos ir longe para imaginar que o motivo por trás destas semelhanças gerais poderia muito bem ser uma ancestralidade comum na África Central. Afinal, Davis (2007, p. 193) assevera que “os costumes e enclaves africanos [na República Dominicana] (...) advêm das contribuições das pessoas de línguas bantu da região geocultural do Congo na África Central". Isso pode parecer surpreendente uma vez que os cativos africanos que desembarcaram na Hispaniola o fizeram em grande parte antes do século XVII, quando ainda eram levados principalmente da Alta Guiné, com um número bem menor de pessoas que vinha da África Central (BORUCKI, 2012, p. 32; BORUCKI, ELTIS, WHEAT, 2015, p. 437, 446; LANDERS, 2002, p. 235). Não obstante, vale notar que os escravizados e escravizadas da África central poderiam ter desempenhado uma influência desproporcional, pelo menos em algumas esferas sociais. Por exemplo, Jane Landers (2002, p. 234-235) observa que na ilha da Hispaniola, ainda que a maioria dos escravizados e escravizadas viesse da região da Senegâmbia, "um dos mais temidos líderes de quilombo nos anos 1540 era Lemba", cujo "nome tem várias associações culturais no Kongo", mesmo que a sua origem étnica nunca tenha sido especificada nos documentos espanhóis. No mínimo, este caso nos serve para perceber que o impacto social de alguns centro-africanos (e até de algumas hierarquias sociais centro-africanas) poderia ser muito mais significativo do que só os dados demográficos brutos pudessem nos indicar.

Muito já foi dito até aqui e portanto vale a pena uma breve revisão: as terminologias, os instrumentos musicais, os ritmos e suas combinações, as cosmológicas e os timbres que caracterizam as festas domiciliares de santos católicos na Venezeula, Colômbia, Equador, Brasil e República Dominicana não só coincidem de um país para o outro como também apontam sua matriz centro-africana. Em particular, vimos que assim como o sangamento centro-africano, as estruturas litúrgicas das examinadas festas se constituem em uma coincidência complexa de expressividades e de lógicas musicorreligiosas que, apesar de sua interligação e coerência, também parecem ser liturgicamente divididas de forma evidente, onde existe um primeiro momento cuja estrutura musical parece remeter mais à Europa (p.ex., décimas, salves litúrgicas e novenas) e um segundo momento em que parece apontar mais a África Central (p.ex., o samba, o sanguéo, as salves e as não-litúrgicas). Se por um lado a ideia de rezas solenes seguidas por danças festivas claramente remete ao cristianismo ibérico medieval e poderia, além disso, ser observado em algumas religiões negras cujas origens são identificadas como ocidental-africanas, por outro lado os inúmeros motivos já mencionados nos indicam que para o contexto das velaciones, velorios, arrullos e rezas, a referência mais imediatamente relevante seria a África Central (CHRISTIAN JR., 1989, p. 57-59; BAZINET, 2015). Afinal, existem não só as evidências materiais e metafísicas que apreendemos com as pesquisas etnográficas mais recentes como também os precedentes históricos africanos e dados demográficos que servem como base das minhas interpretações das possíveis continuidades.

Ou seja, o catolicismo também é africano

Repito o argumento principal deste trabalho: assim como seria o caso do candomblé, da regla de ocha cubana e do vodou haitiano, as festas domiciliares aos santos do tipo apresentado aqui fazem parte do legado africano religioso nas Américas. Mas apontar o catolicismo como locus de "religião africana" nas Américas parece desconsiderar um dos aspectos que os estudiosos e estudiosas têm mais apontado como fundamental à constituição das religiões que se chamam de "negra", "afro" "afro-atlântico", "africana" etc: a possessão/transe. A possessão, como nos diz o antropólogo Paul C. Johnson (2014, p. 4), "tem sido aplicado faz muito tempo para o aspecto definidor e mesmo constitutivo das religiões afro-atlânticas". De fato, há mais de um século que o etnógrafo pioneiro Raymundo Nina Rodrigues dizia que no "estado de santo" é que "reside a essência de todas as práticas religiosas dos Negros" (ROGRIGUES, 1945, p. 375), uma noção que encontra um eco décadas depois na fala de Edison Carneiro (1978, p. 25), que insiste que "[a] possessão pela divindade (...) torna inconfundíveis os cultos de origem africana".

Mas como é que a possessão se tornou referencial da africanidade? Em grande parte, seria resultado da tendência histórica no estudo das religiões afro-diásporicas de tratar a África Ocidental –– onde de fato manifestar entidades no intuito de dançar ocupa um lugar privilegiado em muitas tradições –– como o padrão analítico para a identificação e compreensão do legado religioso africano nas Américas. Assim, seria dentro deste quadro de África Ocidental-centrismo que a possessão teria sido reimaginada enquanto índice da África. Deste modo, até o início do século XX, certos aspectos imaginados das religiões ocidental-africanas (e especificamente da região litoral tropical florestal chamada de Baixa Guiné) já tinham-se tornado sinédoque de uma "religião africana" generalizada. Estes aspectos não contemplam só a possessão como também certos rituais (tais como o sacrifício animal), mitologias (sobre deuses africanos), línguas (em especial, iorubá e fon), ritmos e instrumentos musicais e padrões sociais específicos (Cf. HERSKOVITS, 1941). E estes "traços" ocidental-africanos essencializados acabaram por alimentar todo um processo muito mais complexo que já estava em andamento havia séculos, em que o "africano" se consistia naquilo que seria sempre "outro" (PALMIÉ, 2008, p. 8-9).

Ou seja, quanto mais outra fosse (e seja) uma expressão religiocultural americana, mais africana aparentaria ser. A partir desta perspectiva, portanto, parece ser bastante evidente o porquê que o catolicismo –– que não seria suficientemente outro –– fugiria ao interesse daqueles pesquisadores e pesquisadoras em busca da África nas Américas. Ora, não se pode negar que este "ser outro" tenha sido abraçado por muitas pessoas negras nas Américas para afirmar uma postura e identidade antirracista e anti-colonial onde esta "diferença" (e a africanidade em particular) seria reelaborada como empoderamento em vez de subordinação (ver, p. ex., YELVINGTON, 2006, p. 36). Mesmo assim, isso não seria motivo para ignorar o problema inerente no fato que esta pequena parcela de tradições religiosas ocidental-africanas essencializadas teria sido tomada como representativas de uma "religião africana" generalizada.

Assim, insistir na africanidade do catolicismo parece contrariar toda a história intelectual do estudo das religiões negras nas Américas, a partir de Nina Rodrigues no final do século XIX. Afinal, o catolicismo aparece como parte da diáspora africana aparece apenas no passado, especialmente no "catolicismo negro" das irmandades (BASTIDE, 1971, p. 179; SOUZA, 2002), que só em casos isolados, tais como no do congado, faria parte do nosso mundo contemporâneo, ou então através do assim chamado "sincretismo" que continua sendo motivo de comentário há mais de um século (FERRETTI, 1995). Mas no caso deste último, é importante notar que todo e qualquer cenário interpretativo do sincretismo afro-católico entende os santos como parte da diáspora africana à medida que seriam ligadas aos deuses africanos (orixás, voduns, lwas etc.), sempre sendo os santos católicos postos em oposição ao "africano". Mas que tal pensar os santos católicos como muito mais do que apenas adições pós-tráfico das religiões africanas? Que tal compreender os santos como símbolos, agentes e até vestígios de uma religião africana? Isto é, a África católica –– oficialmente católica! –– antecede qualquer envolvimento de europeus no Hemisfério Ocidental. E um catolicismo propriamente centro-africano já começara a desenvolver-se gerações antes da escravização da grande maioria dos milhões de centro-africanos e centro-africanas que eventualmente teria sido levado às Américas. Assim, somos obrigados e obrigadas a reconhecer o grande número de práticas católicas americanas que são muito mais de matriz africana do que europeia.

Observações finais

O meu argumento é que as festas domiciliares de santos católicos na Venezuela, Colômbia, Equador, Brasil e Republica Dominicana poderiam muito bem ser frutos atuais de um tipo de catolicismo cujas origens se encontram principalmente na África Central. Ora, não estou dizendo que estas tradições são centro-africanas, assim como seria errôneo insistir que o candomblé ou a regla de ocha são religiões ocidental-africanas.[12] Ao contrário, apenas insisto que assim como os panteões e rituais específicos do candomblé (especificamente nas nações nagô/ketu e jeje) e da regla de ocha, além de muitas outras, são em larga medida identificáveis como advindos dos povos ocidental-africanos de língua iorubá e gbe, uma grande parte dos elementos cosmológicos e litúrgicos de certas festas católicas nas Américas bem parece ter suas origens com os povos bantu da África Central. Isto é, o catolicismo levado às Américas nunca foi apenas o europeu. Evidentemente, a minha narrativa aqui ignora muitas diferenças históricas locais que certamente tiveram influência sobre como as festas se sucedem nestes países. Mas o fato é que este texto não se trata de um estudo sobre diferenças, pois, são as diferenças que continuam a ser a regra no estudo do assim-chamado "catolicismo popular" (CHRISTIAN JR., 2006, p. 259). Ao contrário, este artigo se interessa pelas semelhanças e continuidades entre contextos distintos. Mais especificamente, a minha tentativa é a de reconhecer que algumas das características do catolicismo centro-africano aparecem também nas festas domiciliares atuais de santos católicos em várias partes da América.[13]

Ora, seria erro não reconhecer os problemas que emergem com o tipo de identificação de origens que realizei aqui. Afinal, como é que sabíamos o que estávamos procurando? Identificar "traços" da "africanidade" centro-africana no catolicismo afro-diaspórica por meio das terminologias, ritmos musicais e cosmologias não seria apenas a mesma classe de erro cometido por aqueles e aquelas que usaram a possessão de deuses africanos como índice de uma continental "religião africana"? Ou seja, será que não estou apenas, de forma circular, criando limites de africanidade que acabam provando nada senão as minhas próprias suposições e projeções a priori? No final das contas, como é que nós (quem quer que seja este "nós") identificamos o que seria ou não de matriz africana num hemisfério (aliás, num sistema mundial!) cujas economias, sistemas políticos, culturas e instituições devem a sua existência em grande parte ao trabalho forçados de africanos e africanas escravizados. Não poderíamos por isso dizer, sem exagero, que tudo eventualmente seria de matriz africana? Por isso é importante explicitar o porquê de afirmar que algo seria de matriz africana, e de que forma. Assim, espero que a minha motivação seja clara: reconhecer a agência das pessoas que foram fundamentais na criação das Américas que conhecemos hoje.

Espero ter mostrado que os centro-africanos e centro-africanas e seus descendentes continuam a ter um impacto sobre estruturas que tipicamente são vistas como europeias. Ao mesmo tempo, espero ter mostrado alguns dos benefícios conceituais (e humanos) que se ganha ao ampliar a visão sobre o que se pensa ser "religião africana". Em outras palavras, a motivação principal deste artigo é a de chamar a atenção às contribuições esquecidas, ignoradas e marginalizadas dos centro-africanos e centro-africanas e seus descendentes. Este projeto, portanto, é estratégico, assim como é qualquer tentativa de identificar origens dessa espécie. Dizer que algo é ou não é de matriz africana se revela muito mais enquanto postura política do que observação objetiva: nunca é, como diz Palmié (2013, p. 248), "inocente". Com efeito, minha meta neste texto foi a de reconhecer um dos legados africanos que menos se reconhece nas narrativas hegemônicas, e assim procurei enfatizar a pluralidade do legado religioso africano nas Américas. Os ecos africanos que encontramos nas Américas são múltiplos, mas a nossa capacidade de ouvi-los em sua complexa diversidade de fato depende muito pouco dos sons que ouvimos. Ou seja, não são os nossos ouvido o problema mas sim os nossos preconceitos.

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Notas

[1] Este artigo é uma versão bastante ampliada, modificada e atualizada do texto "On Hearing Africas in the Americas: Domestic Celebrations for Catholic Saints as Afro-Diasporic Religious Tradition", que foi publicado (em inglês) no livro Afro-Catholic Festivals in the Americas: Performance, Representation, and the Making of Black Atlantic Tradition (Penn State University Press, 2019), organizado por Cécile Fromont. Porém, não deve ser considerado uma tradução do capítulo publicado em 2019. Embora os dois percorram um território comum, há alterações que fazem com os dois textos sejam distintos no que e como lidam com os assuntos que abordam. Agradeço a Raiana Maciel pelo convite de publicar este artigo como parte de um dossiê tão importante.
[2] Sobre a bolsa de mandinga no Brasil, por exemplo, Roger Sansi (2011, p. 24) demonstra o quanto que o "católico" e o "africano" são imaginados como mutuamente exclusivos: “os verdadeiros componentes materiais dessas bolsas e os feitiços e rituais rezados não eram necessariamente africanos. Ao contrário, muitas vezes eram católicos”
[3] Cf. Trans-Atlantic Slave Trade Database, Disponível em: <http://www.slavevoyages.org/assessment/estimates>. Acesso em 16 nov. 2015.
[4] Cf. Trans-Atlantic Slave Trade Database, Disponível em: <http://www.slavevoyages.org/assessment/estimates> Acesso em 20 dez. 2015.
[5] Cf. Trans-Atlantic Slave Trade Database, Disponível em: <http://www.slavevoyages.org/assessment/estimates> Acesso em 20 dez. 2015.
[6] Embora se possa notar alguns tipos de membranofones, tais como as fotos centro-africanas que aparecem no texto de Lühning (veja a primeira legenda), as origens destas não são de fato tão fáceis de identificar, sendo que os membranofones fazem parte de tantas culturas africanas. Sem dúvida o exemplo menos controvérsio de um tambor de origem centro-africana que ainda se encontra em uso seria o cuíca brasileira.
[7] Suárez e Bethencourt nos contam que São João Batista é celebrado nas seguintes comunidades: Barlovento, Borburata, Patanemo, Puerto Cabello, Farriar, Agua Negra, San Rafael de Orituco, a costa central (de Carayaca a Todasana), os vilarejos de Ocumare de la Costa, El Playón, Cata, Cuyagua, Choroní, Turiamo e Chuao.
[8] Esta música é bastante representativa das características métricas e rítmicas do gênero (como explica Ramón y Rivera (1971, pp. 59, 147–48 e 165).
[9] Durante muitos anos os estudiosos e estudiosas insistiam que "samba" seria uma corruptela de "samba" enquanto outras pessoas diziam que "samba" seria uma palava das línguas bantu que se referiria a práticas sagradas. O mais convincente, a meu ver, é o argumento de Gerhard Kubik (2013, p. 31) de que "o étimo, samba, onde existe na maioria das línguas bantu, refere-se a um procedimento de moção".
[10] Whitten (1967, p. 138) ainda explica que as loas que ele ouviu recitar era em termos de texo "bem simples; incluíam partes do terço, frases de louvor a Santo Antonio, Deus, Jesus, e terminam num pedido de boa pesca para o ano que vinha". Apesar de saber nada sobre a etimologia desta palavra "loa", parece-me muito mais do que só coincidência que o termo também se encontra para referir-se a músicas no contexto brasileiro do maracatu.
[11] Sobre a terça neutra, ver Figueiredo e Lühning (2018).
[12] Desde final dos anos 1990, os estudos são cada vez mais convincentes em mostrar que estas religiões "clássicas" diaspóricas seriam muito mais atlânticas e americanas do que realmente africanas (CAPONE, 2011; PALMIÉ, 2008).
[13] Não estou afirmando que o povo bantu teria levado apenas o catolicismo às Américas. Afinal, há registros históricos nas Américas de outras manifestações de matriz centro-africana, tais como o "calundu" e a "calenda", que têm pouco a ver –– exceto em alguns casos específicos –– com o catolicismo (IYANAGA, 2019, p. 181-182).

Autor notes

i Mestre e Doutor em Etnomusicologia pela Universidade da Califórnia - Los Angeles (EUA), Pós-Doutor Universidade Federal de Pernambuco e pelo College of William and Mary (EUA). Professor Associado de Música e Estudos Latino-Americanos na College of William and Mary (EUA). E-mail: michaeliyanaga@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8399-3383

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