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MONTAIGNE, DENIS E GONÇALVES DE MAGALHÃES: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A VALORIZAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL
MONTAIGNE, DENIS AND GONÇALVES DE MAGALHÃES: A FEW REFLECTIONS ABOUT VALORIZATION OF INDIGENOUS PEOPLE IN BRAZIL
MONTAIGNE, DENIS Y GONÇALVES DE MAGALHÃES: ALGUNAS REFLEXIONES SOBRE LA VALORIZACIÓN DE LOS PUEBLOS INDÍGENAS EN BRASIL
Caminhos da História, vol. 27, núm. 2, pp. 109-123, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 27, núm. 2, 2022

Recepção: 24 Fevereiro 2021

Aprovação: 15 Abril 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: No presente trabalho, procurou-se apresentar alguns apontamentos e reflexões sobre a presença indígena, como ponto de valorização da cultura e literatura brasileira, a partir do livro “Resumo da História Literária do Brasil”, de Ferdinand Denis e “Dos Canibais”, ensaio de Michel de Montaigne. Tais autores influenciariam diretamente a primeira geração de românticos, representada aqui por Gonçalves de Magalhães. Procura-se entender a abordagem de tais autores sobre os indígenas no Brasil, assim como apontar como essas obras influenciaram na percepção da presença originária na literatura, principalmente romântica. Parte-se das perspectivas apresentadas por Roque Spencer Maciel de Barros para entender as obras literárias como fontes para a história e das aproximações ético-políticas de Marcelo de Mello Rangel.

Palavras-chave: Ferdinand Denis, Michel de Montaigne, movimento romântico, indígenas, história indígena.

Abstract: In this essay, we seek to present some notes and reflections about the presence of indigenous people, as valorization point of brazilian culture e literature, through the book “Resume of Literature History of Brazil”, by Ferdinand Denis and “From Cannibals”, essay written by Michel de Montaigne. These authors would directly influence the first generations of Romantic authors, here represented by Gonçalves de Magalhães. We seek to understand these authors approaches about the indigenous people of Brazil, as well as pointing out how these pieces affected the perception of indigenous presence in literature, especially the Romantic one. We come from the perspective presented by Roque Spencer Maciel de Barros so we can understand both texts as historical source and as ethical-political approches, defended by Marcelo de Mello Rangel.

Keywords: Ferdinand Denis, Michel de Montaigne, romantic movement, indigenous people, indigenous history.

Resumen: : En el presente trabajo, intentamos presentar algunas notas y reflexiones sobre la presencia indígena, como un punto de valorización de la cultura y la literatura brasileñas, del libro “Resumen de la Historia Literaria Brasileña”, de Ferdinand Denis y “Dos Canibais”, ensayo de Michel de Montaigne. Estos autores influirían directamente en la primera generación de románticos, representada aquí por Gonçalves de Magalhães. Buscamos comprender el enfoque de dichos autores sobre los pueblos indígenas en Brasil, así como señalar cómo estas obras influyeron en la percepción de su presencia en la literatura, especialmente en la romántica. Se parte de las perspectivas que presenta Roque Spencer Maciel de Barros para entender las obras literarias como fuentes de la historia y desde los planteamientos ético-políticos de Marcelo de Mello Rangel.

Palabras clave: Ferdinand Denis, Michel de Montaigne, movimiento romántico, Pueblos indígenas, historia indígena.

Presenciamos nos últimos acontecimentos da história do Brasil, vários exemplos de negligência política, social e ética para com os povos indígenas no país. Sabemos que esses descasos são frutos de um processo de longa duração de privações, construção de estereótipos e preconceitos múltiplos e que, infelizmente, permanecem no curso diário de ações governamentais. Vivenciamos uma realidade sem precedentes até então, em uma Pandemia que tem se estendido por meses e que completa um ano de mudanças drásticas em nosso viver cotidiano. Nesse ínterim, os povos originários já foram alvo de privação de acesso à leitos hospitalares e à higiene básica, como foi o caso do veto presidencial ao plano emergencial de prevenção de contágio aos povos indígenas[1], além de também terem sido alvo de fake News a respeito das vacinas: entre alguns povos tem circulado a informação falsa de que a vacina seria “a marca da besta” ou que conteria um “chip líquido”[2]. Esses eventos interferem diretamente na vulnerabilidade dos povos originários, além de constituirem parte fundamental do preconceito e fortalecimento do racismo estrutural ao qual estes povos sofrem.

Contudo, é fundamental que, principalmente no contexto que vivenciamos, destaquemos as valorizações direcionadas a esses povos na escrita da história do Brasil, pois para além das violências físicas e simbólicas é necessário destacar também as resistências articuladas contra essas forças opressoras. É preciso encarar essas valorizações como persistências às sucessivas depreciações que, os mais de trezentos povos originários do Brasil, sofrem todos os dias. No que se refere às narrativas históricas, é necessário sempre ter em mente que elas se tratam de tensões constantes, em que posicionamentos depreciadores e racistas se confrontam com seu oposto, que são forças de valorização que destacam as contribuições originárias à pluralidade histórica e cultural do Brasil.

Ferdinand Denis e sua escrita sobre os povos originários

Comecemos então por Ferdinand Denis (1798 – 1890), viajante e naturalista francês que, após a abertura dos portos às nações amigas (decreto promulgado por Don João VI por carta régia, em 1808) viajou ao Brasil. A partir de suas viagens e de seu trabalho como bibliotecário da Biblioteca da Instrução Pública e da Bibliothèque Sainte-Geneviève (foi bibliotecário de 1838 à 1885), Denis dedicou-se a produção de trabalhos em que divulgava aspectos culturais e naturais do Brasil para a sociedade francesa. Uma de suas importantes contribuições foi Une Fête Brésilienne Célébrée a Rouen en 1550, obra em que transcreveu um manuscrito do século XVI sobre um grupo Tupinambá que foi levado a Rouen, na Normandia, onde teriam encenado seu cotidiano à corte. Este evento é também importante para o segundo autor que abordaremos neste trabalho, como veremos mais a frente.

Entre outros trabalhos realizados por Denis, destaca-se também o seu “Resumo da história literária do Brasil” (1825), texto que destacaremos aqui. Nesta obra, Denis faz apontamentos fundamentais sobre os povos indígenas e que são recuperados por autores românticos, como Gonçalves de Magalhães, alguns anos depois. De acordo com Guilhermino César, Denis foi “efetivamente o primeiro a tratar de nosso processo literário como um todo orgânico” (CÉSAR, 1968, p. 10) e, assim, convocou os brasileiros ao conhecimento de sua própria terra. Esse chamado, para muito além do sentido, era também uma experiência de presença[3]. Sentir por meio de experiências sensoriais a terra, a floresta, seria uma forma de provocar identificação no que tange ao Brasil, ao ponto de defendê-lo através da poesia, da literatura. Além disso, principalmente no que tange à presença indígena na escrita da história, faltava ao Brasil “um Cooper[4], para dar à Europa uma ideia exata de tribos cujos remanescentes vagam ainda nas florestas das Capitanias desertas” (DENIS, 1968, p. 56). Esse é o chamado feito por Denis e ouvido pelos autores Românticos logo depois.

Mas por trás desse chamado, existiria um método necessário à pesquisa. Método que por sua vez permanece, no decorrer do século XIX, no discurso que defendia a necessidade de uma literatura essencialmente brasileira. Especialmente para Denis, a sujeição ao elemento europeu, assim como sua mitologia e recursos estilísticos literários, deveria ser evitada para que não se corresse o risco de alienação do que seria a própria natureza brasileira[5]. Essa natureza seria a grande responsável por positivar e valorizar o indígena. Gonçalves de Magalhães defenderia que é a proximidade com a natureza que deixa o homem civilizado e sua distância com ela o torna bárbaro, ou seja, a harmonização com a natureza era o que definia a real civilidade. Em outras palavras, como aponta Roque Spencer Barros: “próximos à natureza e não desvirtuados pela hipocrisia, pela ambição, pelo luxo, pela ‘sofisticação’” (BARROS, 1973, p. 143).

O problema da originalidade, primeiro para Denis e depois para românticos como Magalhães, é um ponto capital. Essa originalidade deveria perpassar, como mencionado anteriormente, pela natureza que seria mais propriamente brasileira, afinal “(...) o Brasil experimenta já a necessidade de ir beber inspirações poéticas a uma fonte que verdadeiramente lhe pertença; e, na sua glória nascente, cedo nos dará as obras-primas desse primeiro entusiasmo que atesta a juventude de um povo” (BARROS, 1973, p. 143).

Uma ressalva de Ferdinand Denis, que foi uma preocupação importante e constante durante todo o século XIX, refere-se ao embasamento histórico, realizado por meio de pesquisa em documentação específica. Os relatos de viajantes, por exemplo, foram essenciais para que o indianismo apresentado pelos autores se constituísse em um indigenismo, no sentido de consciência em relação à “alteridade dos habitantes do Novo Mundo” (BARROS, 1973, p. 143). O indianismo romântico ou, como aponta Roque Spencer Barros,

(...) a sua ideologia, para falar mais precisamente, desempenhou no Brasil um papel e uma função: ele como que nos convidava a uma recondução às origens e, devidamente situado no contexto das relações entre o índio e o europeu, abria-nos a perspectiva, ao menos subjetivamente, de uma definição da cultura nacional, pensada como algo criador, original e próprio. E Magalhães nos aparece, pela antecedência cronológica, bem como pela elaboração mitopoética, como aquele que, individualmente, cria, de fato, a ideologia indianista do romantismo, pela epopeia e pelo ensaio (Grifo nosso. BARROS, 1973, p. 162).

Denis aponta, em vários momentos de seu “Resumo”, para a dificuldade de utilizar referências bibliográficas e documentação histórica acerca da produção literária no Brasil. Sobre os periódicos, por exemplo, produzidos em Salvador e no Rio de Janeiro, o autor diz que “seria desejável que o Brasil fosse o objeto essencial de suas considerações” (DENIS, 1968, p. 98), voltando sua preocupação em relação à originalidade literária. Em 1825, ele discorre sobre a necessidade de uma divulgação da cultura que seria mais propriamente brasileira e, tanto para Denis quanto para os Românticos, a cultura indígena era parte fundamental disto que seria a cultura brasileira:

Para a literatura, e, mormente para as ciências, seria muito conveniente à fundação de um jornal hebdomadário, onde se estampassem as memórias enviadas das províncias, ao lado das tradições orais que diariamente fossem recolhidas; por esse meio, não somente os produtos naturais seriam mais bem conhecidos, e o comércio se enriqueceria, mas redundaria também em se obterem informes do maior interesse a respeito dos povos selvagens que habitam ainda essa vasta porção da América do Sul. Os habitantes do interior vêm incessantemente ao litoral realizar suas trocas; conviria interroga-los, e não desprezar nenhuma tradição interessante, mesmo quando não agrade inteiramente ao homem instruído (Grifo nosso. DENIS, 1968, p. 98).

Não fica claro se por “habitantes do interior” o francês se refere aos índios ou apenas aos colonos/súditos descendentes de europeus, considerados partes da sociedade dita “civilizada” [6]. Defende-se aqui a possibilidade desses “habitantes” também serem os próprios indígenas, mediante a menção de “trocas”, referência ao escambo e não a compras realizadas no comércio, assim como a menção ao possível desprezo de sua “tradição”: uma tradição própria e que não faria parte da realidade do “homem instruído”. Aqui vale mencionar que

A modernidade pode ser descrita como um “tempo histórico” específico que se constitui a partir da perda da imediatidade do sentido - Deus. O que está em questão aqui é que a partir do século XVI uma série de acontecimentos históricos radicais como a “Expansão Ultramarina”, a “descoberta das Américas”, a “expansão da imprensa”, as “Revoluções” científica, Francesa e Inglesa, as independências das colônias americanas etc. liberaram uma série de entes, questões, desafios e possibilidades, às quais as “tradições” (a linguagem em geral) até então constituídas não eram capazes de responder (Grifo nosso. RANGEL, 2016, p. 1).

É assim que Denis, influenciando Magalhães futuramente, demonstra a possibilidade de entendimento de diferentes alteridades, convocando esse “homem instruído” a interrogar, a conhecer, a estabelecer diálogo com os indígenas e não desprezar tradição alguma.

O interesse significativo de Denis para com os “brasileiros”[7] é ressaltado pela aproximação que o autor faz com os europeus. No que tange à inspiração pela natureza, esta que estaria já esgotada na Europa, o brasileiro estaria em vantagem, se alimentando de “força e liberdade”, e isso sempre relacionado ao ambiente:

Se os poetas dessas regiões fitarem a natureza, se se penetrarem da grandeza que ela oferece, dentro de poucos anos serão iguais a nós, talvez nossos mestres. Essa natureza, muito favorável aos desenvolvimentos do gênio, esparze por toda a parte seus encantos, circunda os centros urbanos com os mais belos dons; e não é como em nossas cidades, onde a desconhecem, onde muitas vezes não a percebem (DENIS, 1968, p. 33).

Mas Denis não dirigia seu interesse apenas ao brasileiro “branco”. O autor francês faz um longo e exaltado elogio aos povos originários, que mesmo em decorrência de sucessivos massacres[8] sobreviveram:

O Novo Mundo não poderá passar sem tradições respeitáveis; dentro de alguns séculos, a época presente, na qual se fundou a sua independência, nele despertará nobres e comovedoras evocações. A sua idade das fábulas misteriosas e poéticas serão os séculos em que viveram os povos que exterminamos e que nos surpreendem por sua coragem, e que retemperaram talvez as nações saídas do Velho Mundo: a recordação de sua grandeza selvagem cumulará a alma de orgulho, suas crenças religiosas animarão os desertos; os cantos poéticos, conservados por algumas nações [aborígenes], embelezarão as florestas. O maravilhoso, tão necessário à poesia, encontrar-se-á nos antigos costumes desses povos, como na força incompreensível de uma natureza constantemente mutável em seus fenômenos: se essa natureza constantemente mutável em seus fenômenos: se essa natureza da América é mais esplendorosa que a da Europa, que terão, portanto, de inferior aos heróis dos tempos fabulosos da Grécia esses homens de quem não se podia arrancar um só lamento, em meio a horríveis suplícios, e que pediam novos tormentos aos inimigos, porque os tormentos tornam a glória maior? Seus combates, seus sacrifícios, nossas conquistas, tudo apresenta aspecto esplendoroso. À chegada dos europeus pensaram, na sua simplicidade, que se confiavam à proteção dos Deuses; mas, quando perceberam que deviam combater contra homens, morreram sem conhecer derrota (Grifo nosso. DENIS, 1968, p. 31).

A passagem mencionada aponta, dentre vários aspectos, para a existência de um sentimento de alteridade. O autor percebe a presença do maravilhoso no sentido de que o meio no qual o indígena se movimentava era absolutamente desafiador; encantamento esse que toca também autores como Gonçalves de Magalhães. Além disso, a ideia essencial era a de acolher a tradição indígena naquela sociedade que se formava, afinal, o que teria essa tradição de “inferior”? A exaltação de Denis é referente ao que o autor chama de valentia e glória dos indígenas, contida no enfrentamento de sacrifícios e rituais antropofágicos.

O autor tem um olhar distinto quando tematiza os rituais antropofágicos entre os indígenas; enquanto outros autores ligavam o canibalismo apenas à presença “demoníaca” ou à vingança entre os grupos étnicos, depreciando ou mesmo ignorando a cosmologia existente entre as diferentes etnias. Outro ponto a ser ressaltado é a responsabilidade que Denis sente em relação ao massacre desses indígenas. O autor responsabiliza a todos, inclusive a si próprio, pela situação “decadente” da cultura indígena e de seus grupos étnicos. Essa passagem se apresenta, então, essencial para o entendimento disto que estamos chamando de um sentimento de alteridade fundamental à sua tematização do indígena, ou mesmo desta positivação/valorização do indígena, como defendemos.

É claro que não podemos, teologicamente, esperar dos autores do século XIX o conhecimento do conceito de alteridade. O entendimento de Denis sobre os grupos étnicos brasileiros se baseava na “simplicidade selvagem de um povo ainda na infância” (DENIS, 1968, p. 49), não exigindo uma postura social esperada de um europeu. Sua atitude era então, ao menos, menos etnocêntrica que tanto outros autores e existente a partir de um exercício dessa espécie de alteridade. Isso nos parece fundamental, visto que poucos anos antes, Dom João VI promulgava por Carta Régia, em 1808, a “guerra ofensiva aos Botocudos antropófagos”, presente na bacia hidrográfica do Rio Doce e Mucuri. Este evento é particularmente importante no que tange a questão da terra e à construção de uma suposta antropofagia sobre os povos indígenas generalizados como “Botocudos”[9]

Sobre a antropofagia[10] Tupinambá, Denis, recuperando Frei Santa Rita Durão, apresenta-os como “temíveis” devido à prática de rituais antropofágicos. No entanto, o autor problematiza a própria limitação do seu entendimento sobre tais rituais, reservando aos indígenas a possibilidade de uma natureza dúbia, entre a inocência da infância, referente à “idade primitiva”, como anteriormente apresentada, e a ferocidade existente entre os mesmos. Mesmo dentro desse raciocínio ambíguo, Denis insere a dúvida: “Mas o poeta [Durão] talvez houvesse exagerado ao nô-los mostrar devorando logo após as vítimas que apanhavam ou que o mar deitava à praia. Ordinariamente, tais cenas horripilantes faziam parte de horrendas cerimônias, preparadas com muita antecedência” (DENIS, 1968, p. 51). Percebemos, aqui, que Denis, já no século XIX, apresenta um entendimento dos rituais praticados pelos Tupinambás, que só seria sistematizado no século XX[11]. A dúvida, e mesmo a crítica que Denis apresenta a Santa Rita Durão ressalta a ideia de que a problematização do “índio”[12] era necessária, além do entendimento de seus aspectos culturais dentro do mundo regido por sua própria cosmologia.

Outra passagem do “Resumo”, importante para a defesa da positivação do indígena brasileiro já no século XIX, é quando Denis aponta que o herói do poema “Caramuru”, Diogo Álvares Correia, teria utilizado primeiramente de certa “etnografia”[13], ou seja, da observação direta:

Diogo quis espalhar as luzes da religião entre os selvagens; mas, antes disso, precisa conhecer-lhes as crendices, e Gupeva lhe explica as antigas tradições dos povos da região. A longa fala do chefe ocupa o terceiro canto, e Durão não consultou sempre fontes exatas, ou antes – seu zelo religioso buscou nas crenças das tribos descobrir revelações que outrora lhes teriam sido feitas. Chega, mesmo, a transportar um apóstolo ao Novo Mundo, e conta seus milagres (Grifo nosso. DENIS, 1968, p. 53).

Essa “etnografia” exercida pelo Caramuru, de acordo com Denis, demonstra um conjectural entendimento de ao menos parte da uma cultura indígena. É assim que Durão demonstra seu suposto conhecimento daquela cultura com a intenção de desacreditá-los, mesmo porque a crítica direta de Denis a Durão é justamente por ele não ter conseguido tirar o devido proveito da “oportunidade excepcional que lhe haviam propiciado as aventuras de Diogo Álvares Correia” (DENIS, 1968, p. 61), e mesmo por não “consultar sempre fontes exatas”. Pode-se dizer que Denis demonstra a dificuldade de Santa Rita Durão de “sair da força do hábito”, fugir de um senso comum. Esta ideia de fugis do senso comum é algo trabalhado mais detidamente por Montaigne, autor que, além de ser citado por Denis, influencia profundamente sua escrita.

Valorização dos povos indígenas no Brasil por Montaigne

Michel de Montaigne (1533 – 1592) é um nome importante no que tange a defesa dos povos indígenas, e isto desde o século XVI. Foi um ávido crítico dos métodos utilizados na educação francesa, defendo o senso crítico em oposição à memorização e o que ele mesmo aponta como “senso comum”. Para este filósofo,

O principal efeito da força do hábito reside em que se apodera de nós a tal ponto que já quase não está em nós recuperarmo-nos e refletirmos sobre os atos a que nos impele. Em verdade, como ingerimos o primeiro leite, hábitos e costumes, e o mundo nos aparece sob certo aspecto quando o percebemos pela primeira vez, parece-nos não termos nascido senão com a condição de nos submetermos também aos costumes; e imaginamos que as ideias em torno de nós, e infundidas em nós por nossos pais, são absolutas e ditadas pela natureza. Daí pensarmos que o que está fora dos costumes está igualmente fora da razão, e Deus sabe como as mais das vezes erramos (MONTAIGNE, 1987, p. 61).

Montaigne questiona, nesta citação, o poder que a estagnação do pensamento exerce sobre o homem. Em sua própria historicidade questionou, mediante análise comparativa da sociedade francesa, a tradição como ponto imaculável de referência. A proposta de combater a estagnação do pensamento ou, para Gonçalves de Magalhães, “(...) desvanecer alguns preconceitos” (MAGALHÃES, 1986, p. 1), é uma ideia presente em autores do século XIX quer na Europa, quer no Brasil. Assim, podemos dizer que é a partir de uma leitura crítica dos eventos, tanto habituais quanto históricos, que é possível propor um questionamento da sociedade a partir de alteridades diversas, como notaremos mais à frente.

Uma das principais propostas de Montaigne, de acordo com Plínio Junqueira Smith, é descrever o ser humano criando por meio de um princípio etnográfico material primário para a análise das diversidades humanas presentes em seu tempo. Para tal, Montaigne teria adotado uma “perspectiva ‘realista’ muito próxima à de Maquiavel” (SMITH, 2009, p. 9). Assim, podemos perceber que a preocupação do autor não era necessariamente a de instruir, mas sim de descrever o ser humano, com mínimo julgamento possível[14]. É a partir dessa descrição minuciosa e “realista” que se criaria a possibilidade de entender e organizar os homens e seus respectivos governos.

A partir dessa consciência de diversidade, Montaigne demonstra o porquê de a maior parte dos relatos não conseguirem explicar o novo mundo. Não era possível porque os viajantes não conseguiam perceber que suas observações, daquelas realidades, eram traduzidas por meio de suas próprias experiências e ideologias. É assim que se constróis a vergonha sobre a nudez, ou a demonização de suas crenças (LIMBERTINI, 2012). Desta forma, Montaigne é um dos primeiros a influenciar Denis, Magalhães e muitos Românticos anos depois. Montaigne rejeita, assim, a autoridade dos antigos clássicos (com ênfase nos gregos) na escrita da história nas Américas.

Mas no que tange a essas “novas” sociedades, qual o material de análise que o autor usaria para seus ensaios? Montaigne era um assíduo leitor de relatos de viajantes, tendo mencionado várias vezes André Thevet e Jean de Léry. Para além dessa leitura, o autor se baseava no princípio básico do poder de “múltiplas observações”, que para Smith se resumiria à possibilidade de o “filósofo não estar limitado à sua própria observação, recorrendo às novas informações trazidas pelas navegações dos modernos, desconhecidas pelos antigos” (SMITH, 2009, p. 13), sejam informações colhidas em publicações ou de forma oral pelos navegantes. Esses relatos se diversificavam e podemos perceber isso prontamente a partir dos viajantes mencionados: Lery e Thevet participaram da mesma jornada e, no entanto, têm observações bruscamente diferentes[15].

Mediante estas perspectivas Montaigne questiona, como mencionamos anteriormente, a acomodação ao hábito, ao costume. Esse seria o fator principal, de acordo com o Smith, que daria sustentação ao preconceito e, podemos dizer, mesmo em nossa contemporaneidade...

porque o costume é efetivamente um professor violento e traidor. Pouco a pouco, às escondidas, ganha autoridade sobre nós; a princípio terno e humilde, implanta-se com o decorrer do tempo, e se afirma, mostrando-nos uma expressão imperativa para a qual não ousamos sequer erguer os olhos (MONTAIGNE, 1987, p. 57).

É assim que o costume dificultaria a possibilidade de entendimento do diferente, do Outro, em uma oposição ao Eu. Ou mais precisamente, em uma oposição àquela sociedade dita civilizada (a europeia) em contraposição às sociedades indígenas que se encontravam nas Américas (vistas de forma etnocêntrica como selvagens e bárbaras). Dessa forma,

o principal efeito da força do hábito reside em que se apodera de nós a tal ponto que já quase não está em nós recuperarmo-nos e refletirmos sobre os atos a que nos impele. Em verdade, como ingerimos o primeiro leite, hábitos e costumes, e o mundo nos aparece sob certo aspecto quando o percebemos pela primeira vez, parece-nos não termos nascidos senão com a condição de nos submetermos também aos costumes; e imaginamos que as ideias em torno de nós, e infundidas em nós por nossos pais, são absolutas e ditadas pela natureza. Daí pensamos que o que está fora dos costumes está igualmente fora da razão, e Deus sabe como as mais das vezes erramos (Grifo nosso. MONTAIGNE, 1987, p. 61).

Por meio dessa perspectiva, podemos perceber que Montaigne tematiza a contraposição do diferente, permitindo sua percepção para uma possibilidade, digamos antropológica, de abordagem sobre o Eu e o Outro. É a partir da diferenciação dos conceitos de selvagem . bárbaro, que Montaigne continua a tematizar o Diferente, a ser exemplificado pelos indígenas nas Américas. Para o autor “(...) cada um chama de bárbaro o que não é de seu uso – como, em verdade, não parece que tenhamos outro critério de verdade e da razão que o exemplo e a ideia das opiniões e usanças do país de onde somos” (MONTAIGNE Apud. Smith, 2009, p. 20), retomando assim os estudos clássicos que colocam os povos além do Império Romano como bárbaros.

Em contraposição, o autor expõe que os selvagens seriam aqueles mais próximos à natureza o que, de acordo com Smith, não poderia medir a capacidade de serem civilizados, no sentido de serem mais ou menos bárbaros, e isto por estarem além daquela civilização europeia, referência para as demais sociedades: “(...) Eles são selvagens do mesmo modo que chamamos de selvagens os frutos que a natureza, de si e de seu curso ordinário, produziu” (MONTAIGNE Apud. Smith, 2009, p. 25). Assim, para Montaigne, ser “selvagem” não corresponderia a um estágio evolutivo cultural, mas seria encarado apenas como referência à floresta, à “selva”.

Autores Românticos, exemplificados por Gonçalves de Magalhães, vão usufruir desse raciocínio aproximando a natureza da civilização, em contraposição ao afastamento dos mesmos. Desta forma, os indivíduos e povos que estivessem mais próximos à natureza seriam mais “civilizados”, valorizando os povos indígenas. Em via oposta, os povos que estivessem mais afastados desta natureza, seriam considerados os verdadeiros bárbaros, já que se afastavam cada vez mais de suas raízes. Ou ainda, como aponta Roque Spencer Barros: “próximos à natureza e não desvirtuados pela hipocrisia, pela ambição, pelo luxo, pela ‘sofisticação’” (BARROS, 1973, 143). Nesta definição, se enquadrariam os povos europeus e suas ascendentes nações.

Assim, além de tematizar propriamente os dois termos utilizados – selvagem e bárbaro –, Montaigne também utiliza o conceito de barbárie em sentido semelhante ao publicado por Rafael Bluteau, em 1712, que considerava bárbaro o “homem rude, sem polícia, nem civilidade, oposto ao civilizado, e urbano” (BLUTEAU, 1789, p. 167), enquanto selvagem “posto que selvagem é mais conforme a etimologia” (BLUTEAU, 1789, p. 387), remetendo-se ao que vive na selva. Para Smith, “Montaigne julga os diversos povos (do Novo ou do Velho Mundo) segundo seu grau de distanciamento da natureza. Quanto mais próximos da natureza, tanto menos bárbaros; quanto mais a cultura nos molda, tanto mais bárbaros seremos” (SMITH, 2009, p. 13), e a partir disso cita Montaigne “Ora, eu acho, para retomar meu assunto, que não há nada de bárbaro e selvagem nessa nação [referindo-se aos indígenas]” (MONTAIGNE Apud. SMITH, 2009, p. 24). O autor chega, assim, a inverter as premissas, ou seja, o autor evidencia esta relação com a natureza como algo positivo e civilizado, algo que se diferencia, profundamente, do que era proposto até então.

Montaigne utiliza desse raciocínio para criticar sua própria sociedade, tematizando, assim, o problema da cegueira do hábito. Não apenas resumiria a análise em um relativismo extremo da dualidade de oposição bárbaro/não bárbaro, mas combateria a “tirania do hábito”. Percebe-se, então, uma tentativa de apresentar a plasticidade das sociedades humanas, demonstrando, a partir das diferenças, sua heterogeneidade. Cabe aqui salientar também que essa mesma “tirania do hábito” poderia estar relacionada à própria catequização que, conjuntamente aos projetos civilizatórios sobre os indígenas, protagonizou desde o período colonial (e infelizmente até nossa contemporaneidade[16]) como ferramenta substancial de intimidação e violência sobre os povos originários.

Como leitor de Montaigne, Magalhães critica o projeto civilizatório brasileiro do século XIX, pois se consideravam “supra-humanos e por isso capazes de civilizar todos os demais que se encontravam na barbárie e/ou na selvageria” (RANGEL, 2005, p. 12). Para a sociedade dita “civilizada”, não importava de fato se o termo era selvagem ou bárbaro, já que ambos eram tidos como pejorativos. O próprio estranhamento dos termos, ou seja, sua tematização é deixada de lado pela prática diária, mas recuperada pela leitura que Magalhães tem de Montaigne, ou ainda mais precisamente, sua tematização é recuperada pela literatura.

A partir de Rangel podemos refletir sobre como “o autor do Discurso [Gonçalves de Magalhães] revelava ser possível, através da literatura, a investigação e a transformação do que vinha sendo afirmado como verdadeiro, a saber, a constitutiva dependência e filiação dos brasileiros em relação às formas morais e políticas portuguesas e à cultura clássica” [17], e expandir o questionamento da “voz comum”. Desde Montaigne já se abria a possibilidade para o questionamento sobre como o que se conhecia como indígena deveria ser retratado, ou seja, de como se deveria expandir esse questionamento para a escrita da literatura; afinal “a razão humana é um amálgama confuso em que todas as opiniões e todos os costumes, qualquer que seja a sua natureza, encontram igualmente lugar. Infinita em suas matérias, infinita na variedade de formas que assume” (MONTAIGNE, 1987, p. 58/59).

Considerações finais

Conseguimos perceber como certas ideias circulavam entre os autores mencionados, fazendo com que um fosse leitor do outro e, desta forma, ocorresse adaptações importantes de suas produções. É a partir destas noções que podemos dizer que ocorre uma construção de uma consciência histórica sobre o que se entende por “indígena” no Brasil. De certa forma, essa consciência permanece em nossos dias.

Esta consciência histórica é mobilizada pela produção de conhecimentos históricos, que existe também através da literatura. A produção indianista realizada por autores românticos, exemplificado aqui através de Gonçalves de Magalhães, foi importante para combater uma depreciação mais geral e bruta dos indígenas brasileiros, embora também, deve-se ressaltar, não correspondesse a uma delimitação cuidadosa dos diversos povos originários que habitavam o Brasil, naquele período. Mais precisamente, as produções românticas foram importantes para se oporem ao estigma de antropófagos e selvagens, que vinha sendo cunhado desde os primeiros registros ainda no século XVI. Em contrapartida, a leitura de outros autores românticos, como José de Alencar, deve ser realizada com o devido cuidado, visto que eles são utilizados como referência de identificação dos indígenas em nossa contemporaneidade, de maneira equivocada.

Este texto foi escrito, então, com o princípio de resistir às generalizações máximas que ainda são realizadas sobre os mais de trezentos povos indígenas no Brasil atual, assim como destacar a importância de vozes dissonantes às escritas hegemônicas que existiram no passado. Salientar as tensões entre forças que valorizavam e depreciavam os povos indígenas, é também resistir aos preconceitos construídos em projetos de longa duração. É, ao fim e ao cabo, se opor às violências simbólicas que persistem em nossa contemporaneidade.

Referências bibliográficas

AMANTINO, Márcia. A Conquista de uma fronteira: o sertão oeste de Minas Gerais no século XVIII. Dimensões: Revista de História da UFES, nº14, 2002.

BARROS, Roque Spencer Maciel de. A Significação Educativa do Romantismo Brasileiro: Gonçalves de Magalhães, São Paulo, Editora USP, 1973.

BLUTEAU, Rafael. Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, Oficina de Simão Tadeo Ferreira, 1789.

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Notas

[1] Como aponta reportagem de Daniel Carvalho para a Folha de São Paulo em 8 de julho de 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/07/bolsonaro-veta-obrigacao-de-governo-fornecer-agua-potavel-higiene-e-leitos-hospitalares-a-indigenas.shtml ;;;. Acesso em 19/02/2020.
[2] Para ler detalhes, consultar a reportagem de Daniela Chiaretti, publicada em 22 de janeiro de 2021, para a Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/01/22/desinformacao-ameaca-campanha-de-vacinacao-entre-povos-indigenas.ghtml ;;;. Acesso em 22/02/2021.
[3] Para leitura detida, consultar GUMBRECHT, 2010.
[4] Denis faz referência a James Fenimore Cooper (1789 – 1851), romancista americano que realizou viagem através dos Estados Unidos da América para realizar pesquisa histórica, a ser utilizada em seus romances.
[5] Denis critica Cláudio Manoel da Costa sobre o excesso de referências europeias: “(...) talvez se tenha tornado demasiado europeu nas suas metáforas; suas églogas se nos afiguram submissas às formas poéticas impostas pelos séculos anteriores, como se os habitantes das campanhas do Novo Mundo devessem desencavar imagens semelhantes às anteriormente usadas”, Idem, p. 82.
[6] Civilizar o Império, no sentido de combater o egoísmo, a ambição com o amor pela nação, era um dos objetivos do jovem Magalhães e seus companheiros da revista Niterói. Para leitura mais aprofundada, consultar RANGEL, Marcelo de Mello. “A literatura a serviço da nação e da civilização na revista Niterói: identidade nacional e civilização através do amor”.
[7] A denominação “brasileiro” é utilizada pelo próprio autor no decorrer do texto.
[8] “Celebre desde já o poeta dessas belas regiões os magnos acontecimentos do século; mas não esqueça também os erros do passado; suspenda a sua lira por instantes nos galhos dessas árvores antigas, cujas sombrias ramadas ocultam tantas cenas de perseguição; retome-a, após haver lançado um olhar de compaixão aos séculos transcorridos; lamente as nações exterminadas, excite uma piedade tardia, mas favorável aos restos das tribos indígenas; e que este povo exilado, diferente na cor e nos costumes, não seja nunca esquecido pelos cantos do poeta; adote uma nova pátria e cante-a ele mesmo; console-se à lembrança de outros infortúnios, rejubile-se com a radiosa esperança que lhe dá um povo humano”, DENIS, Ferdinand. “Resumo da história literária do Brasil”, p. 33.
[9] Salienta-se aqui que a denominação “botocudo” é depreciativa e foi criada originalmente por portugueses, que faziam alusão aos adornos auriculares, nasais e bucais e povos como os Krenak, Potijá, Giporok, Naknanuk, Porokun, Aranã e talvez outros povos que foram generalizados sob tal alcunha. Para leitura detida, consultar o texto de Márcia Amantino, “A Conquista de uma fronteira: o sertão oeste de Minas Gerais no século XVIII”.
[10] Destacamos a diferença entre “antropofagia” relaciona aos rituais realizados por povos indígenas no Brasil em contraposição ao termo “canibalismo”, que se relaciona à prática de ingestão de carne por indivíduos da mesma espécie com intenção nutricional.
[11] Por exemplo, Florestan Fernandes apresenta análise da função social da guerra e dos rituais antropofágicos em “A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambás”, publicado pela primeira vez em 1952.
[12] É importante destacar que o conceito “índio” é intensamente problemático e redutor da pluralidade cultural existente entre os povos originários no Brasil e no mundo. Utilizamos o conceito aqui precisamente para destacar o preconceito existente entre os autores trabalhados, ressaltando que apesar da valorização direcionada aos grupos étnicos, ainda havia a permanência de uma simplificação sobre os povos indígenas no Brasil, ressaltando o aspecto singular de “índio” em contraposição à pluralidade de “povos originários” (PAULO DE ALMEIDA, 2020).
[13] Utilizamos do termo “etnografia” apenas por ser a forma que o autor menciona no texto analisado. Não é intensão do texto reduzir o conceito em uma explicação simplista de “observação direta”.
[14] Devemos ressaltar aqui que a noção de objetividade versus subjetividade faz parte de um debate delicado, e que não faz parte das reflexões apresentadas neste texto. No entanto, é importante destacar que possivelmente, para Montaigne, estas fariam parte de seu escopo de preocupações, já que é possível perceber essas nuances em seus demais ensaios.
[15] É importante ressaltar as memórias aqui mencionadas, assim como outros relatos de viagens, são fontes importantes para a escrita da história desenvolvida a partir do século XIX. Sharyse Amaral ressalta que “temos, portanto, que as crônicas e memórias seriam espécies de descrições da realidade brasileira, que deveriam servir de auxílio ao historiador que desejasse escrever a História do Brasil. É com a preocupação na escrita de uma história do Brasil que Martius traçou um plano detalhado que, por sua vez, Varnhagen buscou executar, utilizando para isso, justamente, como suas principais fontes, esses relatos de cronistas e memorialistas” (AMARAL, 2004, p. 3).
[16] A catequização compulsória dos povos indígenas no Brasil ainda é uma realidade, como podemos perceber em reportagem realizada por Fernanda Wenzel e Pedro Papini para o jornal The Intercept, no dia 22 de fevereiro de 2021. Disponível em https://theintercept.com/2021/02/22/prouni-formacao-missionarios-evangelizar-indigenas-unimissional/?utm_campaign=later-linkinbio-theinterceptbrasil&utm_content=later-14682565&utm_medium=social&utm_source=instagram ;;;. Acesso em 23/02/2021.
[17] Ainda é importante salientar que “a literatura para Magalhães deve ser pretendida apenas enquanto elemento capaz de analisar o que vinha sendo apresentado como última instância do real”, ou seja, o que encarava como problema real em seu próprio tempo. Idem, p. 15.

Autor notes

i Doutoranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Editora colaboradora da revista HH Magazine - humanidades em rede. Pesquisadora integrante do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM/UFOP), do Grupo de Pesquisa em História, Ética e Política (GHEP/UFOP), do Laboratório de Ensino de História (LEHIS/UFOP) e do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão sobre Matrizes Antropofágicas e Educação (GEPEMAE/UFBA). E-mail: helenoca@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6687-6289.

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