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QUANDO SERÁ O DECOLONIAL? COLONIALIDADE, REPARAÇÃO HISTÓRICA E POLITIZAÇÃO DO TEMPO
WHEN WILL THE DECOLONIAL BE? COLONIALITY, HISTORICAL REPAIR AND POLITICIZATION OF TIME
¿CUÁNDO SERÁ LO DECOLONIAL? COLONIALIDAD, REPARACIÓN HISTÓRICA Y POLITIZACIÓN DEL TIEMPO
Caminhos da História, vol. 27, núm. 2, pp. 58-78, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 27, núm. 2, 2022

Recepção: 29 Maio 2022

Aprovação: 28 Junho 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: O artigo explora o conceito de colonialidade, com o objetivo de demarcar seus aportes possíveis para o problema das políticas do tempo que orientam os modos de elaboração das experiências históricas sob as mais variadas formas de historiografia, bem como as demandas por reconhecimento e reparação histórica. A discussão vincula-se aos impasses entre universalismos e particularismos, deixados em aberto pela crítica aos fundamentos eurocêntricos de construção do conhecimento histórico, alinhando-se à ideia de que uma guinada decolonial não se efetua sem a crítica aos usos da temporalidade e aos silenciamentos, provocados pela perspectiva historicista que estabelece uma relação de distância irreversível com o passado. O argumento central é o de que a colonialidade, como lógica latente e incômoda que organiza as condições do presente, ao sinalizar uma dívida irreparável do passado, poderia funcionar também como categoria operatória de politização do tempo na ultrapassagem das determinações da história.

Palavras-chave: colonialidade, reparação histórica, políticas do tempo, historiografia, teoria da história.

Abstract: The article explores the concept of coloniality, with the aim of demarcating its possible contributions to the problem of the politics of time that guide the ways of elaborating the historical experiences under the most varied forms of historiography, as well as the demands for recognition and historic repair. The discussion is linked to the impasses between universalisms and particularisms, left open by the critique of the eurocentric foundations for the construction of historical knowledge, in tune with the idea that a decolonial shift does not take place without criticizing the uses of temporality and silencing, caused by the historicist perspective that establishes an irreversible distance relationship with the past. The central argument is that coloniality, as the latent and uncomfortable logic that organizes the conditions of the present, by signaling an irreparable debt of the past, could also function as an operative category of politicization of time in overcoming the determinations of history.

Keywords: coloniality, historical repair, politics of time, historiography, theory of history.

Resumen: El artículo explora el concepto de colonialidad, con el objetivo de demarcar sus posibles aportes al problema de las políticas del tiempo que orientan las formas de elaboración de las experiencias históricas bajo las más variadas formas de historiografía, así como la demandas de reconocimiento y reparación histórica. La discusión está ligada a los impasses entre universalismos y particularismos, dejados abiertos por la crítica de los fundamentos eurocéntricos para la construcción del conocimiento histórico, em sintonia de la idea de que no se produce un giro descolonial sin criticar los usos de la temporalidad y el silenciamiento, provocados por la perspectiva historicista que establece una relación de distancia irreversible con el pasado. El argumento central es que la colonialidad, como lógica latente e incómoda que organiza las condiciones del presente, al señalar una deuda irreparable del pasado, puede funcionar también como categoría operativa de politización del tiempo en la superación de las determinaciones de la historia.

Palabras clave: colonialidad, reparación histórica, politización del tempo, historiografia, teoría de la historia.

Cada geração enfrenta a tarefa de escolher o seu passado. Heranças são escolhidas, tanto quanto são transmitidas. O passado depende menos “do que aconteceu então” do que dos desejos e descontentamentos do presente. Esforços e fracassos moldam as histórias que contamos. Aquilo que lembramos tem tanto a ver com as coisas terríveis que esperamos evitar quanto com a vida boa pela qual ansiamos. Mas, quando alguém decide parar de olhar para o passado e, em vez disso, conceber uma nova ordem? Quando é que é hora de sonhar com outro país ou de abraçar outros estranhos como aliados ou de fazer uma abertura, um prelúdio, onde não há? Quando fica claro que a velha vida acabou, uma nova começou e não há como olhar para trás? Da cela, era possível ver além do fim do mundo e imaginar viver e respirar novamente?

Saidiya Hartman. Lose your mother: a journey along the Atlantic slave route.

Se não chega a ser um dado inquietante que o silêncio esteja presente em todo o percurso de construção do conhecimento histórico, menos apaziguadora é a constatação de que, em suas diversificadas configurações, seja como negação, banalização ou apagamento, “nem todos os silêncios são iguais” e, por conseguinte, não podem ser abordados ou eliminados todos da mesma forma (Trouillot, 2016, p. 58). Na medida em que diversas camadas de silenciamento podem emergir da memória e do testemunho aos gestos de criação do corpus do arquivo, abarcando as categorias teórico-conceituais e a tessitura narrativa, a operação necessária para reverter os efeitos de “seleção e exclusão, de obliteração e esquecimento” (Añon e Rufer, 2018, p. 113), também se torna menos óbvia. Disso se deduz que, para qualquer abordagem crítica das historiografias, não é suficiente “uma mera cronologia de seus silêncios” (Trouillot, 2016, p. 60) porque o problema não se confunde com uma perda, falta ou lacuna, mas diz respeito a ações no presente que se efetuam sobre passados vividos, dentro de certos horizontes de inteligibilidade que tornam possível as suas representações.[1]

As reflexões a seguir tomam, como ponto de partida, não apenas as variáveis e persistentes formas com que a narrativa histórica é constituída por múltiplos silêncios, mas sobretudo os modos como pode reiterar uma relação paradoxal com os sujeitos silenciados. O paradoxo consiste no fato de que, mesmo tendo adquirido notória visibilidade na historiografia contemporânea, determinados grupos de indivíduos não ultrapassam o estatuto de objetos da operação historiográfica pois, não obstante o reconhecimento de sua condição de subalternidade como “excluídos da história”, permanecem sem lugar e sem parte (Rancière, 2005, p. 15-16) na distribuição de posições de sujeitos dessa mesma operação e, por conseguinte, destituídos de um locus próprio de enunciação e de autoridade epistêmica para a elaboração de suas experiências singulares.

Se nunca faltaram evidências de que a historiografia, como gênero narrativo e saber disciplinado, mostrou-se pródiga na reificação e domesticação de seus “outros” (Oliveira, 2019 e 2020), restaria examinar os modos como tal gesto que, desde sempre, foi o de uma escrita conquistadora(Certeau, 2000, p. 9), desvela os impasses das políticas de reconhecimento e seus desdobramentos nas lutas por reparação.[2] Na atualidade, tais impasses acompanham a profusão de pesquisas históricas que se justificam como respostas às crescentes demandas sociais do dever de memória e de afirmação das diferenças identitárias coletivas, ambicionando a superação de silenciamentos, apagamentos e esquecimentos.[3]

Neste cenário, uma das interpelações mais desafiadoras é formulada por Saidiya Hartman, que indaga como e por que escrevemos as histórias da violência colonial, apontando para a impossibilidade de ultrapassagem dos “limites do dizível ditados pelo arquivo” (Hartman, 2020, p. 30). No caso específico da escravidão, tais limites deveriam demarcar, de acordo com a autora, não apenas a derrota da tentativa de narrar vidas perdidas, mas uma tensão produtiva a ser mantida no presente, mas longe de qualquer expectativa miraculosa de “dar voz” a escravizados e escravizadas ou de “redimir os mortos” do passado escravista. As reflexões incisivas de Hartman, na medida em que denunciam o fracasso que assombra todo esforço de representação das experiências de opressão, desestabilizam também a convicção, cara à disciplina, quanto aos efeitos emancipatórios espontâneos da narrativa histórica, na medida em que o próprio arquivo, a partir do qual emerge a sua elaboração, se inscreve em uma “violência fundadora” que determina, regula e organiza os tipos de afirmações possíveis sobre o passado (Idem, p. 27). Portanto, se as histórias das Vênus negras escravizadas ou de quaisquer passados de opressão possuem algum sentido, este consiste em iluminar o modo como o presente permanece preso a elas. Ou seja, todo trabalho de reconstrução do passado “é, também, uma tentativa de descrever obliquamente as formas de violências autorizadas no presente, isto é, as formas de morte desencadeadas em nome de liberdade, segurança, civilização e Deus/o bem” (Idem, p. 31).

A provocação do argumento de Hartman acerca de uma contra-história capaz de abarcar a dimensão incomensurável da violência colonial, assim como a demonstração contundente de Trouillot sobre o caráter impensável da revolução de escravizados haitianos dentro dos quadros de referência ocidentais do século XVIII, incidem sobre convicções tácitas que sustentam as práticas disciplinares e os modos de fazer história, bem como as demandas e expectativas emancipatórias que se projetam sobre a própria operação historiográfica. Diante desses argumentos, ainda seria possível acreditar na eficácia da história em desfazer silêncios de modo a exceder os limites, e até mesmo o fracasso, da representação narrativa de passados opressivos que organizam e assombram nosso presente, seja pelos enquadramentos empíricos do arquivo ou pelas determinações de inteligibilidade mais amplas do que pode ou não ser pensado e narrado? De que protocolos epistêmicos dispomos para revisitar cenas de sujeição sem replicar a gramática da violência (Hartman, 2020, p. 18)? E, nestes casos, mais do que uma cronologia dos silêncios, não seria necessária uma crítica aos usos do tempo que se mantém como medida taxonômica soberana da experiência histórica e ferramenta de hierarquização e de naturalização de todas as formas políticas de opressão?

No encaminhamento destas questões, farei uma incursão inicial e panorâmica no conceito de colonialidade, proposto por autores do chamado giro decolonial, de modo a demarcar aportes possíveis desse debate para o problema das políticas do tempo que orientam os modos de elaboração não apenas das experiências históricas do passado colonial sob as mais variadas formas de historiografia, mas também as demandas sociais por reconhecimento e reparação para as quais as histórias também podem ser escritas. A seguir, discutirei a questão que julgo ainda mais relevante, explorada tanto pelo giro decolonial quanto, antes dele, pelos intelectuais do pensamento pós-colonial e dos estudos subalternos, que remete aos impasses entre universalismos e particularismos, deixados em aberto pela crítica aos fundamentos eurocêntricos de construção do conhecimento histórico. Faço este percurso por conta da relevância dessa discussão para pensarmos formas de politização do tempo (Turin, 2019, p. 267), implicadas nas lutas por reconhecimento e reparação histórica. Como pressuposto geral, seguirei as pistas contidas nas palavras de Valeria Añon e Mario Rufer, quando argumentam que “pensar o colonial é um trabalho de leitura sobre a temporalidade”, remetendo “ao silêncio acerca da colonialidade produzido de maneiras distintas pelas diversas disciplinas”, ou seja, se trata de “pensar algo que se nega” em sociedades como a nossa, que articulam seu presente em torno desse silêncio fundante (Añon e Rufer, 2018, p. 110).

Colonialidade/decolonialidade: um horizonte utópico?

A expressão giro decolonial tem sido usada para dar nome ao debate e à agenda de questões específicas de intelectuais latino-americanos que, no final dos anos 1990, formaram com o grupo modernidade/colonialidade, como “um movimento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade” (Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007, p. 20).[4] Introduzido pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano entre o final dos anos 1980 e início da década de 1990, o conceito de colonialidade foi posteriormente explorado por Walter Mignolo como “o lado mais escuro da modernidade” (Mignolo, 2017). O termo adquire, assim, um novo sentido crítico ao colonialismo, tal como este foi conceituado durante a Guerra Fria, juntamente com o conceito de descolonização, para designar as lutas pela libertação na África e na Ásia. Com a categoria de colonialidade, Quijano nomeou a lógica subjacente da fundação e do desenvolvimento histórico da civilização ocidental desde o Renascimento até os dias atuais, da qual os colonialismos teriam sido uma dimensão constituinte, embora minimizada.

O traço fundamental do conceito que se constitui como um dos pilares da reflexão crítica do projeto decolonial, seria dado pela própria condição dos povos colonizados ou marcados historicamente pelos processos de invasão e conquista pelos europeus, que tenderiam a experimentar essa história não como um passado distante, e, portanto, ultrapassado, mas sim como um presente em que a experiência da diferença colonial se manifesta e se perpetua sob variadas formas. Poderíamos acrescentar que se trata de uma espécie de reencenação que remete a experiências traumáticas que repetem lógicas, conflitos e desigualdades estruturais.[5]

A diferença entre colonialidade e colonialismo deve ser sublinhada, na medida em que este último designa processos e modalidades de dominação/exploração, controle da autoridade política, dos recursos materiais de produção e do trabalho de uma população determinada, que nem sempre implicaram relações racistas de poder como a colonialidade. Portanto, a colonialidade pressupõe uma dinâmica de dominação que se origina historicamente na América, baseada na imposição de uma classificação étnico-racial das populações do mundo, tornando-se um dos elementos constitutivos do padrão mundial do poder capitalista, que opera através de dimensões materiais, subjetivas e epistêmicas (Quijano, 2018).

O fundamental, nesta diferenciação, é que o conceito de colonialidade contradiz o pressuposto da descontinuidade histórica entre a condição colonial e a sua pretensa ultrapassagem pela conquista da autonomia política dos estados-nação. Se pensarmos o caso do Brasil e nos modos como o regime monárquico e depois o republicano resignificaram o passado colonial, isso é verificável não apenas no âmbito de uma discussão sobre o tempo das respectivas historiografias, mas concretamente nos modos de construção e nas matrizes de criação dos arquivos e nomeação das fontes, que irão permitir ou não a legibilidade da própria história.

A categoria de decolonialidade foi desenvolvida, no contexto desse debate, pelo filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado-Torres (2007), originalmente como conceito complementar à descolonização, utilizado pelas ciências sociais no final do século XX. A decolonialidade, contudo, sinaliza dois elementos importantes: (a) de modo semelhante à colonialidade, a palavra pretende se diferenciar da ideia de descolonização, concentrada no sentido de conquista da independência econômica e autonomia política e (b) como efeito dessa diferenciação, “serve como uma constante lembrança de que a lógica e os legados dos colonialismos podem continuar existindo mesmo depois do fim da colonização formal” (Maldonado-Torres, 2018, p. 28). Portanto, se podemos pensar que a colonização e a descolonização remetem a eventos tangíveis que despontam e se situam dentro de uma certa cronologia histórica, a colonialidade designaria fenômenos que escapam a uma totalização temporal linear, sinalizando o que Quijano chamou de “heterogeneidade histórico-estrutural” na constituição e desenvolvimento da América sob o impacto do padrão colonial capitalista moderno. Trata-se, em suma, de um tipo de formação social marcada pela dinâmica de “elementos, experiências, produtos, historicamente descontínuos, distintos, distantes e heterogêneos” (Quijano, 2018, p. 79).

Em contraposição à lógica da colonialidade, a decolonialidade toma por alvo as estruturas e fundamentos epistêmicos das ciências sociais e humanidades europeias, exigindo “um engajamento crítico com as teorias da modernidade” (Maldonado-Torres, 2017, p. 29). Neste aspecto, talvez esteja o ponto de maior resistência para a recepção acadêmica mais ampla desse debate, por conta do suposto risco de a crítica à modernidade ser lida ou mal compreendida como uma espécie de retorno a formações cognitivas, culturais pré-modernas ou anteriores à colonização, idealizadas como “intocadas” e “genuínas”.[6]

Não por acaso, o grupo dos intelectuais latino-americanos adota o nome “modernidade/colonialidade” para assinalar a tese de que, ao invés de conceber o colonialismo como fenômeno inscrito no período histórico “moderno”, seria mais adequada uma inversão dos termos para afirmar que a modernidade, como uma grande inflexão imbricada no paradigma das “grandes descobertas”, foi ou se tornou colonial desde o começo. Dito de modo sucinto, não haveria modernidade ocidental sem colonialidade, daí a impossibilidade do moderno sem a dimensão colonial e imperialista. Os argumentos de Walter Mignolo, nesse sentido, são cuidadosos pois, além de lançarem mão das noções de colonialidade e de dependência histórico-estrutural de Quijano, ancoram-se no conceito de transmodernidade do filósofo Enrique Dussel (1993) e de sistema-mundo moderno capitalista, de Immanuel Wallerstein, referências a partir das quais irá propor a ideia de “sistema mundial colonial moderno” (Mignolo, 2005).

O conceito de decolonialidade parte do pressuposto de que a divisão internacional do trabalho entre centros e periferias, bem como a hierarquia étnico-racial das populações, formada historicamente durante os séculos de expansão colonial europeia, não foi transformada de forma substancial com o fim do colonialismo e a formação de estados-nação independentes (Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007, p.13-14). Em vez disso, teríamos a transição do colonialismo moderno para uma colonialidade global, processo que certamente transformou as formas de dominação que emergiram na modernidade, mas não alterou a estrutura das relações centro-periferia em escala mundial. Desta forma, seria possível pensar em um “sistema-mundo capitalista europeu / euro-norte-americano / patriarcal moderno / colonial”, como propõe Ramon Grosfoguel (2005) e não apenas em um sistema-mundo capitalista, o que questionaria abertamente o mito da descolonização e a tese de que a pós-modernidade nos levaria a um mundo já desconectado e emancipado da colonialidade. Portanto, a partir da perspectiva decolonial, “o capitalismo global contemporâneo ressignificaria, em novo formato, as exclusões causadas pelas hierarquias epistêmicas, ontológicas, raciais/ étnicas e de gênero/sexualidade introduzidas pela modernidade” e, com isso, estruturas duradouras, formadas durante os séculos XVI e XVII, continuariam a provocar efeitos no presente (Idem).

Entre as leituras equivocadas do debate decolonial estaria certa compreensão do fenômeno da modernidade como mera “totalidade opressora”, que justificaria uma postura “anti-moderna”, para a qual não se encontra qualquer evidência entre os autores do grupo. O objetivo da decolonialidade, segundo Maldonado-Torres, não estaria nem em um suposto “retorno” ao pré-moderno e tampouco no “não moderno”, mas em um movimento de ultrapassagem e um “além da modernidade”. Outra objeção previsível ao decolonial reduz o alcance deste projeto ao seu caráter “utópico”, o que me parece ser uma forma apressada e preguiçosa de esvaziarmos a validade do debate. De todo modo, não se trata de uma percepção de todo infundada, pois encontramos a defesa da dimensão de utopia política da decolonialidade nos argumentos de intelectuais como Maldonado-Torres e Ramon Grosfoguel (Grosfoguel, 2018, p. 68, n. 6). O primeiro chega a argumentar que a decolonialidade guarda traços da própria modernidade que pretende ultrapassar: ela seria tanto um “projeto inacabado” quanto um engajamento crítico de reconstrução do mundo a partir de uma outra “geografia da razão” (Maldonado-Torres, 2018, p. 46).

Ainda no âmbito da crítica epistemológica, outro ponto do debate decolonial que encontra resistência na academia, está no argumento que incide não unicamente na denúncia do eurocentrismo e no caráter situado da produção do conhecimento, mas no questionamento mais radical do que Grosfoguel chama de “lugar geopolítico e corpo político do sujeito da enunciação” (2008, p. 119). Trata-se de um “lugar epistêmico étnico-racial/sexual/de gênero” que se contrapõe ao mito moderno do sujeito não marcado que produz conhecimento.[7]

Em sua dimensão epistêmica, o giro decolonial pretende ir além de uma crítica à geopolítica e ao caráter eurocentrado do conhecimento para se conectar ao eixo considerado por Quijano o elemento articulador das relações de dominação/exploração/discriminação do capitalismo global e, portanto, o nível que se torna decisivo na luta contra a colonialidade do poder: a materialidade dos corpos dos sujeitos (Quijano, 2010, p. 113). E aqui seria necessário fazer uma rápida observação sobre as interfaces do giro decolonial e os feminismos subalternos interseccionais, em especial a proposta do feminismo decolonial, formulada pela filósofa argentina Maria Lugones, em uma interlocução crítica e direta com a categoria de colonialidade do poder de Aníbal Quijano, no início dos anos 2000.

O que Lugones chama de “colonialidade de gênero” designa a “forma de compreender a opressão de mulheres subalternizadas através de processos combinados de racialização, colonização, exploração capitalista, e heterossexualismo” (Lugones, 2014, p. 940-941). Além da categoria de colonialidade do poder, a pensadora apoia-se no conceito de interseccionalidade, cuja referência mais conhecida está nos textos de Kimberlé Crenshaw nos anos 1990, como outro eixo para defender a ideia de um “sistema moderno-colonial de gênero” (Lugones, 2008). Em um feminismo decolonial, portanto, estaria a possibilidade de superação da colonialidade do gênero, a dimensão subjetiva e intersubjetiva imposta através da dominação colonial e compreendida como “opressão de gênero racializada capitalista”. Um dos eixos centrais da proposta de Lugones está no argumento de que o gênero é imposto como princípio ordenador, hierarquizante e classificatório, tanto quanto a raça, pelo sistema de poder colonial capitalista moderno, produzindo aquela que será a dicotomia central da modernidade colonial nas Américas e no Caribe: a distinção entre o humano e o não humano que servirá de base para outras classificações hierárquicas dicotômicas. Nesse processo, “a consequência semântica da colonialidade do gênero é que ‘mulher colonizada’ é uma categoria vazia: nenhuma mulher é colonizada; nenhuma fêmea colonizada é mulher. Diferentemente da colonização, a colonialidade do gênero ainda está conosco; é o que permanece na intersecção de gênero/classe/raça como construtos centrais do sistema de poder capitalista mundial”. (Lugones, 2014, p. 939).

A partir desta visão panorâmica, poderíamos indagar quais as contribuições do giro decolonial e dos feminismos interseccionais para a história, sobretudo na atual conjuntura, marcada por uma experiência inédita na qual se combinam a vigência de projetos políticos conservadores em um amplo processo do que Wendy Brown (2019) chamou de desdemocratização e o agravamento de uma pandemia cujos efeitos trágicos e catastróficos nos confinam cotidianamente dentro de um cenário de incertezas. Haveria ainda algum tipo de espaço para o que alguns intelectuais decoloniais chamam de novo horizonte utópico decolonial? E, nessa chave, o decolonial não implicaria outras formas de imaginação, representação e uso da nossa experiência do tempo? Poderíamos então apostar em uma indagação anterior: na medida em que se diferencia de toda a conotação de ultrapassagem, transposição, ruptura e/ou descontinuidade temporal, contida na ideia do “pós-colonial”, quando seria o decolonial?[8] E, portanto, de quais futuros possíveis a decolonialidade poderia ser portadora?

A coetaneidade do colonial e o beco sem saída do eurocentrismo

Em sua forma moderna disciplinada, a historiografia se caracteriza pelas práticas de sincronização de temporalidades plurais (Jordheim, 2014). Mais do que problema teórico, a existência de tempos históricos múltiplos assume amplas implicações políticas e sociais, que se manifestam “em expressões representativas de todo um vocabulário de atrasos, lapsos e acelerações, usado consistentemente para conceituar ordens e distúrbios globais” (Idem, p. 513). Entre os efeitos das práticas de sincronização, o “colonial” e o “pós-colonial” também podem ser pensados como marcadores de uma condição política e, sobretudo, histórica, posto que submetida a uma ordem cronológica, reivindicada como um tempo global e universal.

Portanto, quais seriam as temporalidades inscritas na lógica e na dinâmica que a colonialidade pretende circunscrever, além das categorias da permanência e da mudança, de que se ocupam os historiadores? Seriam apenas formas de sincronia estrutural de relações históricas de dominação? Ou se reduziriam a traços de continuidade residual de fenômenos históricos diacrônicos e meros fragmentos do passado, difíceis de serem capturados e identificados no presente? Do ponto de vista da questão das temporalidades que atravessam e se articulam no debate decolonial, alguns pontos podem ser observados.

O primeiro, decorrente da explícita contestação da modernidade, colocará em jogo a própria concepção de tempo que serve de substrato e orientação do projeto de universalização da experiência ocidental europeia com a imposição de categorias de classificação (humano/não humano; primitivo/civilizado; moderno/selvagem). Neste sentido, a proposta de busca de uma “racionalidade não-eurocêntrica” (Quijano, 2018, p. 76) seria uma resposta à própria heterogeneidade histórico-estrutural que caracterizaria a formação dos povos do Novo Mundo. Poderíamos acrescentar que o processo modernidade/colonialidade se serviu do trabalho de sincronização global de múltiplas temporalidades, de diferentes culturas e organizações sociais, sob a chave da ideia de progresso. É importante assinalar que tal ideia se renova, sob uma lógica distinta, com o conceito de crise, funcionando como o operador mais recente dessa sincronização de uma experiência global (Jordheim e Wige, 2018).

Como segundo aspecto, enquanto a colonização e a descolonização são “a soma do visível e/ou dos eventos quantificáveis, que aparecem dentro de um certo período de tempo” e, portanto, pertencem ao passado, a decolonialidade seria “uma luta viva no meio de visões e modos competitivos de experimentar o tempo, o espaço e outras coordenadas básicas de subjetividade e sociabilidade humana” e, portanto, não poderia se confundir com um “retorno ao passado ou como esforço em retroceder a formações culturais e sociais pré-modernas” (Maldonado-Torres, 2018, p. 29). Então, na medida em que a colonialidade é traço constitutivo e inaugural da modernidade, a decolonialidade se projeta como a “luta para alcançar não uma diferente modernidade [ou algo externo a ela], mas alguma coisa maior que a modernidade”. Como afirma Grosfoguel, “o mais além do projeto decolonial não leva a um regresso ao passado” ou a qualquer espécie de evocação essencialista e fundamentalista de formas de existência e de organização pré-coloniais (Grosfoguel, 2018, p. 66).

Se tomarmos as articulações entre as três dimensões temporais, poderíamos dizer que a colonialidade se relaciona a um regime de temporalidade no qual o passado colonial se mantém como latência sempre prestes a irromper no presente, ou melhor, pode ser acionado como uma espécie de “retorno do recalcado” ou de tudo aquilo que queremos silenciar e esquecer porque julgamos ter superado com a saída da condição de colonizados para a de cidadãos dos estados-nação emancipados, mas que se manifesta inadvertidamente com força e violência redobradas. A latência marcaria, portanto, o que poderíamos designar como a coetaneidade do colonial, mesmo que denegada, sob modos variáveis de repetibilidade da violência da conquista e do ordenamento colonial nas formas republicanas pós-coloniais que configuraram os estados-nação modernos (Segato, 2007, p. 158). A homogeneidade temporal, neste caso, não é um atributo da experiência, mas o próprio fundamento político da continuidade forjada entre as ordens coloniais/imperiais e nacionais (Rufer, 2010, p. 24).

Por fim, um aspecto ainda pouco destacado neste debate, é a perspectiva de alguns autores que situam no colonialismo e na chegada dos europeus às Américas um marcador sincrônico global para o Antropoceno, que é a denominação que se encontra em disputa atualmente sobre o advento de uma época geológica em que a espécie humana se torna o agente principal das mutações ambientais do planeta. Como destaca Rodrigo Turin, remontar a crise climática à própria “constituição dos modernos” e sua separação entre sociedade e natureza, responsabiliza menos o capitalismo em si do que toda uma cosmologia de época, a modernidade, como causa da “intrusão de Gaia”. Por sua vez, atribuir tais mutações ao processo de expansão marítima e de colonização, no século XVI, implica o reconhecimento da configuração do sistema-mundo capitalista, fundado em uma concepção predatória e extrativista de natureza, como fatores estruturais de uma forma de desenvolvimento histórico de longa duração que se conecta à degradação ambiental do presente (Turin, 2021).[9]

Entre os autores do giro decolonial, alguns argumentos despontam como uma via não reducionista, ao permitirem uma abordagem mais complexa das relações entre colonialidade e modernidade, especialmente frente ao beco sem saída da crítica ao eurocentrismo. Recentemente, o filósofo colombiano Santiago Castro-Gómez (2020) apontou para uma tendência usual e problemática do pensamento decolonial que, por meio da denúncia ao paradigma moderno eurocentrado, defenderia um projeto de descolonização com o sentido de recuperação do conhecimento ancestral de comunidades indígenas e afrodescendentes, no qual se encontraria uma dimensão de “exterioridade” e de “autenticidade” intocada, como prova da resistência desses povos à colonização europeia e à pretensão de universalismo da modernidade. Menos do que uma batalha dirigida à modernidade como totalidade unívoca e monolítica, a decolonização do pensamento não deveria se confundir com um “êxodo epistêmico-político” pois, ainda nas palavras de Castro-Gómez, “é somente através do legado da modernidade que poderemos combater as heranças coloniais geradas por essa mesma modernidade” (Idem, p. 11). Por conseguinte, o aporte teórico e político que daria conta do problema estaria na categoria de transmodernidade, originalmente proposta pelo filósofo argentino Enrique Dussel, que sinalizaria não uma saída disruptiva, mas um “atravessar politicamente” a modernidade desde outros lugares de enunciação, em especial dos sujeitos e coletividades de “mal-nascidos”, excluídos da condição de humanidade e silenciados pelo projeto republicano moderno. Trata-se, em suma, de uma “modernidade descolonizada” (Idem, p. 85), ou seja, um movimento de assimilação crítica, criativa e emancipadora da modernidade a partir das histórias locais e pelos sujeitos pós-coloniais, aqueles que, vivendo “entre dois mundos”, estabelecem as mediações culturais entre a modernidade ocidental e as culturas dos colonizados.

A fecundidade de tais argumentos ancora-se em uma abordagem do problema do eurocentrismo como uma forma específica de relação entre particularismos e universalismos, que acompanha o pressuposto da Ilustração moderna de que há “um agente privilegiado da História, cujo corpo encarna uma ideia de razão e de universalidade que o transcendem” (Laclau, 2011, p. 49). Não por acaso, a denúncia do universalismo/eurocentrismo tornou-se um dos pontos de convergência das críticas dos feminismos, do pensamento pós-colonial e da perspectiva de “provincialização” da Europa, baseadas na suspeita de que na ideia de razão universal encontra-se um lugar epistêmico e interesses particulares de um sujeito masculino, branco, heterossexual, burguês, proveniente do Norte Global (Grosfoguel, 2016).

O paradoxo foi bem sinalizado por Frantz Fanon, quando expressou uma insurgência mais radical: “não quero ser potencialidade de algo, mas ser plenamente o que sou. Não tenho de recorrer ao universal...” (Fanon, 2008, p. 122). No entanto, considerado do ponto de vista de suas implicações éticas mais radicais, não estaria contido aí o risco de uma recusa a qualquer possibilidade de universalização das lutas e dos interesses coletivos? Evocar um projeto de descolonização como estratégia de ultrapassagem da modernidade e de afirmação de “epistemes outras”, locais e não ocidentais, seria o bastante para promover políticas e ações emancipatórias substanciais? E sob quais modelos temporais de futuro ainda permanecemos projetando essa emancipação? Desde que a própria categoria do universal passou a ser frontalmente questionada, uma universalização da experiência seria, de fato, necessária como requisito de uma política emancipatória? [10] Em síntese, poderíamos recuperar a indagação de Judith Butler (1994): até que ponto seria possível sustentar as tensões entre universalidades múltiplas e particulares sem que esses conflitos sejam resolvidos às custas da violência?

Sobre este ponto, talvez seja incontornável ajustar as estratégias dos argumentos de defesa de uma descolonização do pensamento frente à conjuntura atual de avanço dos projetos políticos de extrema-direita na América Latina. Isso porque se trata de um cenário que, em seus contornos mais gerais, vem demandando resistência e luta pela sobrevivência política dos valores democráticos. Em termos concretos, como destacou Castro-Gómez, o que se encontra em jogo neste momento é a defesa de instâncias/instituições públicas fundamentais que, legadas pela modernidade, demandariam ser reinscritas ou ressignificadas por um giro decolonial transmoderno: a ciência, o Estado de direito, a democracia e a crítica (Castro-Gómez, 2020, p. 86).[11]

Políticas da temporalidade e reparação histórica

A denúncia dos fundamentos eurocentrados da historiografia como narrativa que pressupõe a Europa como seu sujeito teórico soberano, o Estado-nação ocidental como ápice da realização política e a modernidade como medida e ideal norteador (Rufer, 2010, p. 14), foi preocupação comum aos autores do pensamento pós-colonial. No entanto, a despeito dessa crítica incidir nas próprias bases da matriz disciplinar da história, um elemento se mantém intocado, na medida em que o Estado-nação permanece como a moldura de referência de toda a história moderna, pairando como o referente central não apenas da espacialidade, mas sobretudo da temporalidade e, por conseguinte, da estrutura narrativa das historiografias, mesmo aquelas que ambicionam adotar o ponto de vista de uma escrita “de baixo” ou “a contrapelo”. Como bem observa Mario Rufer, para fazer uma história fora dos enquadramentos da nação seria necessário nos despojarmos das próprias noções estabelecidas de evidência, de evento e, fundamentalmente, de arquivo. Desde que se tornou o horizonte intransponível das histórias, incluindo a dos povos pós-coloniais, é a categoria de nação que opera, de modo mais tangível, as suturas de um tempo homogêneo como fundamento político de continuidade entre as ordens colonial, imperial e nacional (Rufer, 2010, p. 14). E, nestes casos, é na narrativa histórica que se forja “a abstração de múltiplas temporalidades (e mundos divergentes) na imagem abrangente de uma nação homogênea independente”, à qual corresponde não mais a figura do sujeito colonizado, mas a do cidadão racializado e mestiço (Idem, p. 15).

A presença do Estado-nação, mantido como princípio, meio e fim de toda história pensável, atravessa o argumento central de On the Judgment of History, livro em que Joan W. Scott (2020) aborda os processos do Tribunal Internacional de Nuremberg, na Alemanha, em 1946, e da Comissão da Verdade e da Reconciliação, na África do Sul nos anos 1990. Em cada um desses casos, seria possível perceber o papel do Estado como agente operador do julgamento da história. Não obstante as suas particularidades, em ambos, o foco permaneceu no poder punitivo ou redentor das instituições estatais, sendo a agência das vítimas inteiramente apagada. Em contraste, os movimentos de reparação histórica pela escravidão (nos Estados Unidos, como em outros países), para Scott, operariam por outra lógica, levando o Estado-nação a “prestar contas como cúmplice da perpetuação da injustiça e a assumir a responsabilidade por seus repetidos fracassos em fazer justiça aos escravizados e a seus descendentes” (Scott, 2020, p.xxi).[12]

Nos movimentos de reparação histórica, o que se impõe ao Estado é o reconhecimento de uma dívida que jamais poderá ser convertida em valores materiais e monetários e, mesmo quando representada nestes termos, não é apenas a compensação financeira, mas a responsabilidade histórica que está em jogo. Aí residiria, segundo Scott, a importância central dos movimentos de reparação: “eles chamam a história (definida como ação humana no passado, presente e futuro), para prestar contas” (Idem, p.77). O que está em questão, portanto, não é tanto o julgamento no sentido de uma decisão que consignará o mal ao passado, mas a demanda pelo reconhecimento de que o passado não passou, de que as narrativas lineares progressivas são insustentáveis ​​porque representam equivocadamente a história.

A nação como unidade da história permanece inquestionável, mas a concepção dessa história é radicalmente revisada. Esta é uma demanda não apenas por uma história diferente, mas, no sentido de Benjamin, por “uma visão diferente da história”. Esta é uma visão que abjura a função redentora da história, tomando a história como um registro da descontinuidade e das múltiplas temporalidades (os tempos vividos pelos escravos e seus descendentes são diferentes daqueles dos americanos brancos), um processo de disputa e conflito, uma história de lutas com e pelo poder, sem fronteiras nítidas entre passado, presente e futuro. (Idem, p. 82)

As demandas por reparação colocam em questão o pressuposto de uma temporalidade histórica irreversível, que produz efeitos de distância, bem como de inalterabilidade do passado. Trata-se de uma noção basilar da história disciplinada que, como bem demonstrou Berber Bevernage, se contrapõe ao tempo jurídico ou tempo reversível da jurisdição, desafiando qualquer ação reparatória sobre injustiças pretéritas sofridas ou já cometidas (Bevernage, 2018, p. 30). No entanto, ao dar ênfase à distância e ausência do passado, a flecha do tempo histórico também provoca “algo de desconfortável, por vezes injusto e quase moralmente inaceitável”, na medida em que a experiência de um passado irrevogável se torna “um depósito persistente e massivo que se adere ao presente” (Idem, p.33). Ademais, passados persistentes e assombrosos não apenas desestabilizam as noções de distância e de ausência, mas também embaralham “a delimitação rigorosa entre passado e presente” e, assim, podem borrar até mesmo a existência de tais dimensões temporais como entidades separadas (Idem, p. 34).

A suposição de que erros históricos possam ser, de alguma forma, reparados, encontra resistência em argumentos que enfatizam os efeitos irreversíveis de passados violentos e traumáticos. Para alguns autores como David Scott, nem mesmo o tempo da jurisdição, ou sequer as ações de uma justiça de punição retroativa, cujo exemplo emblemático estaria nos processos de reparação das vítimas do Holocausto e dos regimes de exceção, conseguiria aplacar as marcas trágicas e catastróficas do escravismo colonial no Novo mundo (Scott, 2017). Longe de qualquer esperança utópica no futuro sempre adiado de uma emancipação reconciliatória em termos de igualdade e justiça, qualquer política reparadora pós-escravidão, ao contrário, precisaria ser formulada como

uma demanda agora pelo que é devido, pelo que foi tomado, moral e materialmente, simbólica e espiritualmente, uma demanda que inclui o reconhecimento de que o erro imperdoável de gerações submetidas à escravização deu origem a uma dívida racial permanente que, embora nunca possa ser definitivamente quitada, deve necessariamente ser honrada antes que qualquer futuro comum de liberdade possa começar (Scott, 2017, p. x. grifos do autor).

Reparar o irreparável?

No início do texto, me referi aos paradoxos do reconhecimento que se manifestam no campo da historiografia nos modos de reificação e domesticação dos seus “outros”, que não correspondem, necessariamente, a processos de autorização ou de protagonismo epistêmico na elaboração das narrativas e do conhecimento histórico. Não é necessário muito esforço para concluirmos que os apelos e as demandas por reconhecimento, sem a necessária redistribuição das posições e lugares ocupados pelos sujeitos epistêmicos, não produzem condições de igualdade de qualquer tipo, mas criam o que podemos chamar de armadilha da visibilidade. Em suma, é possível concordar com as ponderações de Mario Rufer de que “estamos cada vez mais acostumados a reconhecer, exibir, perceber a alteridade, mas não a produzir a guinada política que implicaria validar essa outra presença, guinada que implica repensar a linguagem científica da experiência social e a linguagem moderna da experiência política” (Rufer, 2010, p. 16).

Neste sentido, a colonialidade como a lógica latente (e aqui seria importante não confundir latência com presença) que organiza as condições do nosso presente, deveria funcionar como uma categoria operatória de politização do tempo que, menos do que nos confinar em um mundo de “reparações retroativas”, talvez possa permitir efetuar o salto nos termos de Frantz Fanon (2008, p.189), para a invenção de outros futuros. E, para tanto, em uma perspectiva menos óbvia de ultrapassagem das determinações densas da história, talvez seja necessário quebrar certas formas de uso e domínio do presente sobre o passado, porque é sempre a partir do presente que se estabelece o gesto historicista de ruptura, distância, ausência e reificação do passado como único, irrepetível e irreversível, através de conexões regradas entre acontecimento, evidência e verdade (Rufer, 2020, p. 275). De modo ainda mais abrangente, caberia buscar modalidades do que Massimiliano Tomba chamou de “universalidades insurgentes”, através de ações políticas que possam disseminar espaços comuns de soberania, em vez de sincronizá-las sob o princípio da soberania unívoca do Estado-nação indivisível (Tomba, 2019, p.26).

Concluo com a reprodução do quadro (Imagem 1) da artista plástica Marcela Cantuária, que chama a atenção por seu espantoso sentido premonitório. No centro, aparece estampada a figura insurgente de Marielle Franco: sentada em uma cadeira-trono de mãe de santo, com uma pantera negra aos seus pés, ela empunha a cabeça cortada do governador do Rio de Janeiro, afastado do cargo por impeachment e condenado por unanimidade por crime de responsabilidade na gestão da pandemia. O título com que a artista identifica a obra, “voltarei e serei milhões”, evoca a promessa do grito revolucionário do imperador inca do século XVI, Tupac Amaru. Lida como presságio ou não, a imagem talvez possa condensar “a história da repetição da conquista, do despojo ou da violência” (Rufer, p. 276), inspirando a recriação de mundos outros a partir das ruínas da colonialidade.


Imagem 1
Voltarei e serei milhões (2018), óleo e acrílica sobre tela. Marcela Cantuária.[13]

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Notas

[1] Este é um dos pontos centrais do argumento de Trouillot acerca da “história impensável” da Revolução Haitiana como um “não evento”, quando aborda o silenciamento geral que a historiografia ocidental produziu sobre o episódio e seus atores, bem como os usos de tais silêncios para demarcar posições políticas do presente, na medida em que “o que ocorreu no Haiti também contradiz muito do que o Ocidente conta de si mesmo, para si e para os outros” (Trouillot, 2016, p. 173).
[2] Embora o conceito de reconhecimento se vincule ao vasto campo da filosofia da justiça desde Hegel, com desdobramentos importantes nas obras de Charles Taylor (1998), Axel Honneth (2009) e Paul Ricoeur (2004), tomo por referência os argumentos de Nancy Fraser (2006) que, em diálogo com essa tradição, defende uma teoria crítica do reconhecimento, baseada em políticas culturais das diferenças que possam ser combinadas com políticas sociais de redistribuição material e de igualdade econômica. Para uma recente e oportuna discussão em torno das mutações das políticas de reconhecimento em economia de reputação, sustentada pela esfera pública das mídias digitais com a ascensão do capitalismo de plataforma, ver Davies, 2021.
[3] É curioso notar os modos como algumas reações recentes contra as políticas de reconhecimento, nomeadamente aquelas que apelam para acusações ressentidas, usando o rótulo de “identitarismo”, dirigido às pautas interseccionais de raça, gênero e sexualidade, também se enquadram na chave do pleito ao reconhecimento. Nestes casos, como bem aponta William Davies (2021), as “pautas identitárias” são denunciadas por privar os homens brancos, a classe trabalhadora ou o estado-nação do reconhecimento que supostamente seria deles por “natureza” e direito.
[4] É importante lembrar que esse debate, feito a partir da América Latina e para pensar a América Latina, se conectam a uma tradição de pensamento social crítico, tais como a teoria de la dependência, a análise do sistema-mundo capitalista moderno, o marxismo contemporâneo e os estudos pós-coloniais. Para o mapeamento dessas interlocuções e filiações teóricas, a referência fundamental encontra-se em Ballestrin, 2013.
[5] Para citar uma das evidências mais tangíveis da colonialidade, os episódios de racismo cotidiano que Grada Kilomba define como “reencenação do passado colonial e realidade traumática”, explicitaria uma lógica que “aprisiona os sujeitos negros, homens e mulheres, em uma ordem colonial que os força a existir apenas através da presença alienante dos sujeitos brancos” (Kilomba, p. 227).
[6] E, neste caso, me reporto às críticas recentes de Santiago Castro-Gómez sobre o que ele chama de formas de “abyayalismo”, como variantes do pensamento decolonial que condena “a modernidade em seu conjunto, como um projeto imperialista, patriarcal, genocida, racista, epistemicida”, em nome das epistemologias e saberes ancestrais (Castro-Gómez, 2019, p. 11).
[7] Para uma discussão em torno dos lugares epistêmicos universais e “não marcados”, ver Pereira, 2018.
[8] Anne McClintock faz crítica oportuna à ideia de “pós-colonial” como um “marcador determinante da história”, ou seja, com o termo, “as múltiplas culturas do mundo são marcadas, não positivamente pelo que as distingue, mas por uma relação retrospectiva subordinada em relação ao tempo linear europeu.” (McClintock, 2010, p. 30).
[9] Nesta perspectiva, a geógrafa inglesa Kathryn Yusoff oferece um dos argumentos mais provocativos ao demonstrar que o atual debate do Antropoceno, ao tomá-lo como “nova” época geológica, negligencia as suas origens com os processos históricos do colonialismo, das políticas de expropriação, racialização, escravidão e economias extrativistas. Portanto, menos do que sugerir preocupações com um futuro distópico, a discussão deveria considerar extinções historicamente já sofridas por populações originárias de negros e indígenas, e isso é o que ela chama de “um bilhão de Antropocenos negros” (Yusoff, 2018)
[10] Não é minha pretensão aprofundar essas questões no espaço deste texto, apenas tomo por referência e inspiração a discussão de Ernesto Laclau em torno do problema do universalismo, particularismo e a questão da identidade (Laclau, 2011, pp. 45-64).
[11] Como exemplo, citado pelo autor, na Bolívia, o Estado de direito não desaparece, mas integra e reconhece diferentes formas de autoridade e de governo comunitário, gerando assim um constitucionalismo de outra ordem. O Estado Plurinacional boliviano assenta-se, assim, em dois pilares: a democracia intercultural e a autonomia dos povos indígenas originários campesinos.
[12] Para citar um caso recente, nos EUA, a cidade de Evanston, ao norte de Chicago, no estado de Illinois, se tornou a primeira cidade norte-americana a pagar restituições em dinheiro a pessoas negras como reparação histórica pela escravidão, políticas de segregação e consequências do racismo ao longo dos anos. MAZZEI (2021). No Brasil, cabe mencionar o encaminhamento desta questão no âmbito jurídico, através de comissão específica criada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), composta por juristas e militantes do movimento negro (Bon e Adami, 2020).
[13] https://www.agentilcarioca.com.br/content/feature/404/artworks-5606- marcelacantuariavoltarei-e-serei-milhoes-2018/. Acesso em janeiro de 2022.

Autor notes

i Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Atua no Programa de Pós-Graduação em História (PPHR/UFRRJ). E-mail: mgloria@ufrrj.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6041-4649.

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