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DESAFIOS DO APRENDER A ENSINAR HISTÓRIA: REFLEXÕES SOBRE O LIVRO DIDÁTICO A PARTIR DO PROJETO PIBID (FAHIST)
DESAFÍOS DE APRENDER A ENSEÑAR HISTORIA: REFLEXIONES SOBRE EL LIBRO DIDÁCTICO DEL PROYECTO PIBID (FAHIST)
CHALLENGES OF LEARNING HOW TO TEACH HISTORY: REFLECTIONS ON THE TEXTBOOK BASED ON THE PIBID PROJECT (FAHIST)
Caminhos da História, vol.. 26, núm. 1, 2021
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 26, núm. 1, 2021

Recepção: 07 Abril 2020

Aprovação: 08 Maio 2020


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: O artigo apresenta uma síntese das atividades desenvolvidas no Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) da Faculdade de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa, Marabá-PA) para analisar o livro didático de História como objeto de pesquisa. Como procedimento metodológico, recorremos à literatura especializada e à análise de um dos livros usados na escola onde o projeto foi desenvolvido. As análises permitiram identificar que o livro em questão apresenta uma narrativa estruturada de forma linear e cronológica por meio de uma exposição descritiva dos acontecimentos, o que pode não contribuir para o entendimento da historicidade dos conteúdos narrados. Da mesma forma, identificou-se como a abordagem apresentada mantém uma perspectiva eurocêntrica, mesmo tratando de uma temática sobre povos africanos.

Palavras-chave: Ensino de História, Livro didático, Pibid, Unifesspa.

Resumen: El artículo presenta un de las actividades desarrolladas en el Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) de la Faculdade de História de la Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa, Marabá-PA) para analizar el libro de texto de Historia como objeto de investigación. Como procedimiento metodológico se utilizó la literatura especializada y el análisis de uno de los libros utilizados en la escuela donde se desarrolló el proyecto. Los análisis permitieron identificar que el libro en cuestión presenta una narrativa estructurada de manera lineal y cronológica a través de una exposición descriptiva de los hechos, lo que puede no contribuir a la comprensión de la historicidad de los contenidos narrados. Asimismo, se identificó cómo el enfoque presentado mantiene una perspectiva eurocéntrica, incluso cuando se trata de un tema sobre pueblos africanos.

Palabras clave: Enseñanza de la historia, Libro de texto, Pibid, Unifesspa.

Abstract: The article presents a synthesis of the activities developed in the Institutional Project of Scholarships for Teaching Initiation (Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - Pibid) from the History Course the Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa, Marabá-PA, Brazil) to analyze the history textbook as a research object. As a methodological procedure, we used specialized literature and the analysis of one of the books used in the school where the project was developed. The analysis allowed us to identify that the analyzed book presents a narrative structured in a linear and chronological form through a descriptive exposition of the events, which may not contribute to the understanding of the historicity of the narrated contents. Likewise, it was identified how the approach presented maintains a Eurocentric perspective, even dealing with a theme about African peoples.

Keywords: History teaching, Textbook, Pibid, Unifesspa.



A disciplina da história não pode mais ser considerada uma atividade divorciada das necessidades da vida prática.

Fonte: Jörn Rüsen

Considerações iniciais

Este texto apresenta algumas reflexões resultantes das pesquisas desenvolvidas no Projeto Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), vinculado à Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e realizado junto à Faculdade de História (Fahist), Campus Sede.

O projeto da Unifesspa foi realizado entre agosto de 2018 e janeiro de 2020, tendo como temática central “O Pibid na Educação Básica: prática de ensino e aprendizagem compartilhada”. O projeto específico, desenvolvido na Fahist, tematizou o livro didático de História como objeto de problematização.

O Pibid/Fahist foi coordenado pelo professor Dr. Erinaldo Cavalcanti, e contou com três professoras supervisoras: Edileuza Andrade, Maria Raimunda Fontes e Maria do Socorro, lotadas na Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio (E.M.E.F) O Pequeno Príncipe. Nessa escola, situada no Bairro Nova Marabá (Marabá, PA), foram realizadas as atividades do projeto. Inicialmente, o projeto contava com 24 bolsistas ligados ao projeto financiado pela Capes e doze bolsistas financiados pela Unifesspa. Estes últimos, contaram com a coordenação do professor Dr. José Amilton de Souza.

As 32 horas de atividades obrigatórias foram divididas em oito horas para leitura e fichamento da bibliografia especializada; oito horas de planejamento de atividades a serem realizadas na escola; oito horas para dois encontros mensais, na universidade, destinados a debater a literatura e socializar as experiências de observação; oito horas divididas em dois encontros, para as ações in loco, destinados a observação, acompanhamento, registros e intervenções na sala de aula, quando viável e planejado.

A definição do tema de estudo do projeto

Quatro fatores contribuíram para a escolha do objeto de estudo a ser desenvolvido no Pibid/Fahist. O primeiro (sem ordem de hierarquia) está ligado ao fato de o livro didático ocupar lugar central no exercício da atividade docente na educação básica, ainda se constituindo como a principal ferramenta de trabalho dos professores e professoras. O segundo fator está relacionado à constatação de que o debate sobre esse instrumento de trabalho ainda continua restrito a uma pequena parcela de pesquisadores especializados, ou seja, os profissionais que no dia a dia mobilizam essa ferramenta não participam — ou pouco participam — das reflexões especializadas. O terceiro fator diz respeito à trajetória profissional/pessoal do coordenador do projeto que, desde 2008, vem realizando pesquisas sobre Ensino de História, livro didático e formação docente. Por último, a influência da relação estabelecida com o Projeto Político Pedagógico do Curso de História, sobretudo com as disciplinas voltadas à problematização do Ensino de História e, em especial, ao componente curricular que tematiza o livro didático de História.

Vinculado à essas questões, o projeto teve por objetivo principal ampliar as ações destinadas à formação dos futuros professores e professoras que atuarão na educação básica, problematizando a principal ferramenta de trabalho da maioria dos docentes: o livro didático. Por conseguinte, objetivou-se contribuir com a formação continuada das professoras supervisoras por meio das atividades, trocas e reflexões compartilhadas.

Esse objetivo geral se desdobrou em ações específicas para ampliar o universo compreensivo dos discentes/bolsistas sobre as distinções conceituais entre livro didático e material didático. Da mesma forma, interessou-nos pesquisar e debater o processo de produção, seleção, avaliação e distribuição dos materiais didáticos para a rede pública da educação básica no Brasil. Essa proposição era necessária por entendermos ser importante a compreensão sobre o processo de construção do livro didático para ampliar as possibilidades de usos em sala de aula.

Outro objetivo perseguido no projeto se direcionou à reflexão sobre as relações envolvendo o livro didático, a história ensinada e o currículo escolar, em especial o currículo dos anos finais do ensino fundamental. Sobre esse ponto, interessou-nos, especialmente, ampliar a compreensão entre a História ensinada na graduação e aquela ensinada na sala de aula da educação básica e narrada nos livros didáticos. Refletir sobe essa problemática nos permitiu adensar a compreensão também das singularidades entre a História acadêmica e a escolar. Ademais, permitiu-nos perceber os limites e as possibilidades entre esses espaços de experiências.

As primeiras ações desenvolvidas foram direcionadas para a leitura/apropriação da literatura especializada. Foi fundamental estabelecer um diálogo sistemático com as reflexões que tematizavam o Ensino de História, o livro didático de História e a aprendizagem histórica. Essas atividades se constituíram em leituras voltadas para a problematização da docência e suas implicações no que tange aos desafios em aprender a ensinar História. Para tanto, foi acionado um leque de debates, objetivando oferecer suporte teórico para pensarmos o ensino e a aprendizagem histórica no diálogo com o livro didático e as atividades vinculadas à Escola O Pequeno Príncipe.

O diálogo com a literatura especializada: breve discussão

As atividades de leituras possibilitaram ampliar a reflexão sobre os desafios em aprender e ensinar História. De maneira especial, expandir a compreensão sobre o livro didático dessa disciplina, como um instrumento de trabalho do professor da educação básica e uma ferramenta mobilizada no processo de aprendizagem histórica na sala de aula. A literatura acionada no projeto contribuiu, sobremaneira, para mostrar a complexidade que envolve o processo de construção do objeto de estudo em questão. Por conseguinte, também ajudou a ampliar a percepção acerca do livro, tanto no que diz respeito aos conteúdos como no que se refere à própria estrutura e ao processo de produção. Essas atividades, no projeto, em alguma medida contribuíram para desenvolver uma análise mais consistente sobre as práticas docentes, à medida que íamos correlacionando a observação das atividades na escola, o exercício das aulas, os usos do material didático, o desenvolvimento de projetos e oficinas, entre outras ações.

Para estabelecer um diálogo em sintonia com as reflexões acadêmicas e o exercício docente na educação básica, realizamos uma ampla variedade de leituras sensíveis às singularidades entre os espaços da academia e da escola. Nesse sentido, as reflexões iam permitindo ampliar o entendimento acerca da História ensinada na universidade e a História ensinada a escola. De tal modo, também contribuíam para construir a percepção sobre os desafios, limites e possibilidades de aprendizagem em cada um desses espaços.

Nesse percurso analítico, foram significativas as reflexões promovidas pela Didática da História,[1] em especial as contribuições do historiador alemão Jörn Rüsen. Ele é enfático ao sentenciar que a Didática da História não se vincula à concepção convencionalmente atribuída à didática em geral. Esta, via de regra, é vista como uma abordagem destinada a ensinar História nas escolas formais, promovendo a mediação entre a História acadêmica e a História ensinada na educação básica. Portanto, não teria nada a ver com a ciência histórica. Assim, a Didática da História serviria como “[...] ferramenta que transporta conhecimento histórico dos recipientes cheios de pesquisa acadêmica para as cabeças vazias dos alunos. Essa opinião é extremamente enganosa.” (RÜSEN, 2006, p. 8). Para o autor, a Didática da História “[...] é a ciência da aprendizagem histórica. Produz de modo científico (especializado) o conhecimento necessário e próprio à história, quando se necessita compreender os processos de aprendizagem e lidar com eles de modo competente.” (RÜSEN, 2015, p. 248).

Inspirada nas reflexões promovidas pelo historiador alemão, Maria Auxiliadora Schmidt tem contribuído de forma significativa com o debate. Nesses termos, ela destaca que a aprendizagem na prática docente tem sido objeto de interesse de diversos educadores e especialistas na área das didáticas, entre elas a Didática da História: “[...] pudiendo entonces afirmar que, si sabemos cómo se aprende, podremos saber cómo enseñar.” (SCHMIDT, 2018, p. 27).

Essas reflexões, somadas a outras análises promovidas no decorrer das atividades, permitiram pensar nas questões “o que aprender” e “como aprender”, como condições para debater “o que ensinar” e “como ensinar”. As leituras nos “impelem” a refletir as relações entre vida prática — às vezes cristalizada no conceito de “realidade do aluno” — e ensino de História. Nessa perspectiva, as contribuições da professora Flávia Caimi (2015) são significativas ao afirmar que “[...] para se ensinar história a João é preciso entender de ensinar, de História e de João.” (CAIMI, 2006, p. 111).

De acordo com suas reflexões ao dialogar com o debate promovido por Jörn Rüsen, Schmidt afirma que a matriz de pensamento desse autor

[...] sugere a indispensável relação entre a vida prática dos sujeitos – professores e alunos – e a ciência da história, quando se propõe um processo de ensino e aprendizagem. Esta relação é o ponto de partida e de chegada do ensino de história, partindo das carências e dos interesses dos sujeitos, sempre relacionados ao mundo em que estão e poderão ser envolvidos. (SCHMIDT, 2018, p. 104).

Movidos com essa percepção, as referências acionadas no projeto proporcionaram uma abordagem pautada nos desafios acerca do aprender e do ensinar História no cotidiano. Essas reflexões contribuem para lapidar nossas sensibilidades sobre o aprender a ensinar História, fundamentado em aportes teóricos que deslocam o ângulo de percepção para as demandas do tempo presente, a realidade da escola e dos alunos e o uso do livro didático, como a principal — e, às vezes, a única — ferramenta de trabalho disponível para o professor.

Outra experiência de aprendizado compartilhada no projeto foi realizada a partir das reflexões promovidas por Christian Laville (2005) ao discutir algumas transformações que colocaram a memória como foco principal do Ensino de História e alguns desdobramentos para a História ensinada em sala de aula. O autor chama a atenção para o campo de disputas que caracteriza o Ensino de História para refletir como os projetos políticos e os governos se apropriam da História ensinada como estratégia política de poder. Um exemplo desses usos se percebe, como afirma o autor, nos objetivos que foram atribuídos ao ensino dessa disciplina, que foca na formação de cidadãos defensores dos valores morais e cívicos de cada projeto de governo. Um ensino, assim regado, pautava-se na construção e na preservação de uma memória oficial, sustentada nos grandes feitos, nas batalhas heroicas e nas conquistas dos considerados grandes homens. Em outras palavras, um ensino voltado à construção de projeto de nação.

Nesse sentido, Christian Laville (2005) foi uma importante referência compartilhada no projeto por defender que, no âmbito das discussões da educação histórica, a memória não vale a razão. O pesquisador defende que no campo da História — acadêmica ou ensinada — a razão (como ferramenta) mobilizada para operar a necessária crítica documental deve ter primazia sobre a memória. Em suas palavras, “[...] mais que uma memória estabelecida, o ensino de história tem agora por dever levar os alunos a adquirir e desenvolver esse conjunto de capacidades intelectuais e atitudes que é de praxe denominar ‘pensamento histórico’.” (LAVILLE, 2005, p. 35).

Um dos objetivos, não apenas do projeto Pibid/Fahist, mas de todo o Ensino de História, seria/será construir um conhecimento que estabeleça uma conexão entre a História ensinada e aprendida nas aulas e a vida prática do discente. Essa conexão possibilitaria ampliar, no educando, a construção de leituras com as quais passaria a operar de forma crítica e autônoma. O Ensino de História, ao operacionalizar a memória dessa maneira, estava servindo de “antídoto” às pretensões essencialistas e aos significados naturalizados pela memória.

Não precisaríamos fazer muitos esforços para encontrar trabalhos que consideram a memória como uma construção desprovida de intencionalidades, de interesses e de disputas políticas. O professor e historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior faz uma importante reflexão sobre como o historiador precisa lidar com a memória:

O historiador nos dias de hoje não se dedica a cultuar as memórias. Sabe que deve ter com ela uma relação mediada pela problematização, pela interrogação, pelo questionamento. O historiador desfaz as memórias e as refaz usando o aparato conceitual aprendido em sua formação. As memórias são desfeitas para serem refeitas no discurso do historiador (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p. 37).

Não raro, encontramos trabalhos que fazem uso da memória, sobretudo de culturas historicamente reprimidas ou silenciadas, como as de origens afrodescendentes, cujas análises mais enaltecem do que problematizam. São usos que interpretam a memória de forma essencializada.

Essas reflexões ainda precisam avançar bastante nos espaços de formação inicial do professor de História, conforme ressaltou Cristiani Bereta da Silva (2016). Não raro, presenciamos nos debates vivenciados em sala de aula, na graduação, posições que não privilegiam a compreensão dos processos históricos sobre as populações que foram submetidas às diferentes práticas de perseguição e/ou exploração. Nessa perspectiva, Cristiani Bereta da Silva (2016) ressalta que, “[...] numa fração de segundos, num lapso de tempo, a ênfase recai na mitificação de um ou outro personagem ou acontecimento, que fortalece certo discurso que ora vitimiza, ora heroiciza a população africana ou afrodescendente.” (SILVA, 2016, p. 129).

Nesse sentido, o Pibid/Fahist direcionou a atenção, a leitura e o tempo para a reflexão dos desafios em operacionalizar um ensino de História que seja sensível às demandas da vida prática dos estudantes, às lutas por direito à memória e a outras narrativas. Entretanto, esse direcionamento precisa ser regido por uma operação crítica permanente. Um movimento de reflexão que não inviabilize o entendimento das relações, de pessoas e grupos como construções historicamente situadas.

A criticidade discutida pode e deve ser vinculada a procedimentos metodológicos mobilizados na sala de aula. Uma possibilidade viável, discutida no projeto, indicava o diálogo com fontes documentais como estratégia potente para ampliar a criticidade sobre a História ensinada e sobre as narrativas mobilizadas na sala de aula. Por essa chave de leitura, as reflexões promovidas por Mullet e Seffner (2008) foram de estimável valia para refletir sobre a utilização de fontes como recurso didático no Ensino de História.

Os autores destacam a existência de um distanciamento entre as pesquisas acadêmicas e o Ensino de História na sala de aula da educação básica. Por essa perspectiva de análise, ao utilizarmos fontes como recurso didático na sala de aula, poderemos ampliar a leitura crítica dos alunos e reduzir algumas distâncias entre o universo da academia e o universo escolar. A chamada “revolução documental” ampliou as definições de fontes históricas. Se antes elas se restringiam aos considerados documentos oficiais, na atualidade, conforme destacam Mullet e Seffner (2008), há uma variedade de fontes que perpassam jornais, cinema, literatura, fotografia, carta, música e memória, para citar apenas algumas.

No entanto, o uso de fontes documentais no ensino não deve ser operacionalizado para a construção de uma narrativa que tenha pretensões de verdades absolutas. A reflexão é colocada para analisar diferentes narrativas e formas interpretativas que os acontecimentos produzem. Deve-se, pois, também evitar a compreensão de que na fonte documental residiria a verdade primeira sobre os fenômenos históricos. Nesses termos, também nos ajudou a reflexão de Cristiani Bereta Da Silva (2016), ao apontar a necessidade em operar com uma reflexão crítica na utilização de fontes documentais em sala de aula.

Essas experiências permitiram observar em que medida era possível estabelecer aproximações e distanciamentos entre as problematizações debatidas nos textos e o exercício da docência na sala de aula. O projeto permitiu acompanhar atividades em que as professoras mobilizaram outras estratégias para refletir sobre seus objetivos de aula, como o uso da literatura. “O Diário de Bitita” foi um exemplo; enquanto literatura de linguagem acessível, possibilitou o estímulo interpretativo individual e a construção coletiva de saberes conectados à vida prática do aluno. Outra atividade experienciada foi desenvolvida com a execução do projeto “Quem sou eu?”, que tematizou a pluralidade de identidades que nos formam, com foco espacial nos elementos da cultura afro-brasileira. O projeto também contribuiu para promover a construção de conhecimentos históricos sobre o lugar social dos estudantes, da escola e da cidade. Ademais, foi uma experiência rica na promoção do diálogo com outras disciplinas do currículo da educação básica, na troca entre saberes acadêmicos e saberes escolares e no incentivo ao respeito às diferenças de raça, etnia, gênero e religião.

Essas reflexões realizadas no projeto ampliaram o campo de percepção acerca do Ensino de História e, de maneira específica, do livro didático de História. Essa ferramenta continua sendo o principal — e, às vezes, o único — instrumento de trabalho para o professor na sala de aula da educação básica. De tal modo, as leituras realizadas promoveram importantes reflexões para apreender o livro didático em sua complexidade e, assim, ampliar as possibilidades de uso desse instrumento.

Nesse sentido, Cavalcanti (2016) ampliou as perspectivas de entendimento acerca do livro didático de História ao dissertar sobre os múltiplos elementos e os diversos profissionais que trabalham no processo de produção desse objeto, que não se limita ao texto escrito pelo autor do livro. Segundo o autor:

Os profissionais que trabalham na área da editoração, como os diagramadores, revisores e o designer gráfico, imprimem um conjunto de símbolos visuais e estéticos num diálogo estabelecido com a proposta pedagógica sugerida pelo profissional que escreve o texto, convencionalmente denominado de autor de livro didático. Acredito que aqueles profissionais também exercem a função de autor no processo de fabricação do livro, pois o livro não se resume ao texto. (CAVALCANTI, 2016, p. 266).

Cavalcanti também destaca a importância em mobilizar o livro didático sem apreendê-lo como um “dispositivo de verdade inquestionável”, mas fazendo uso dele como um instrumento, como uma narrativa — não única, nem absoluta — possível e que amplie o leque de possibilidades interpretativas.

É importante registrar que qualquer análise destinada aos livros didáticos precisa levar em consideração as relações de poder que condicionam, em cada experiência de tempo e de lugar, as possibilidades de sua produção. Nesse sentido, é oportuno destacar as reflexões desenvolvidas por Alain Chopin no que tange às pesquisas sobre livro didático. Para ele, “[...] o estudo sistemático do contexto legislativo e regulador, que condiciona não somente a existência e a estrutura, mas também a produção do livro didático, é condição preliminar indispensável a qualquer estudo sobre a edição escolar.” (2004, p. 561).

Nesses termos, não podemos operar com críticas apressadas que se limitem a apontar as lacunas de conteúdo da narrativa escrita nos livros didáticos. Como ressalta Bittencourt (2009), esse tem sido o principal foco das críticas destinadas aos livros, como se fosse possível existir um livro completo e perfeito. É necessário, pois, um entendimento do conjunto da relação político-social que constrói normas, regras e condições, que possibilitam um determinado tipo de livro, ao passo que inviabiliza outro. Precisamos entender que os conteúdos não aparecem nas páginas dos livros apenas por interesse de uma única pessoa, seja essa o autor, o editor, o revisor ou o avaliador do livro. Da mesma forma, a ausência seria resultado apenas do desinteresse da pessoa responsável pela redação da narrativa textual.

Existem variados elementos que concorrem para a inserção e/ou supressão de um conteúdo, de um tipo de abordagem e do uso de elementos gráficos, layouts, documentos e imagens, para citar alguns. No entanto, o uso do livro didático em sala de aula depende de muitas variáveis. Qualquer que seja a possibilidade, essa deve ser experienciada no espaço de formação inicial do professor. Nesses termos, Cavalcanti destaca que

O problema não será resolvido apenas apontando que os professores devem ressignificar os usos que fazem dos livros didáticos. Que condições práticas os professores têm para promover tamanha mudança? Que disciplinas – no plural – durante o período de formação regular oferecem as condições teóricas e, acima de tudo, práticas, para experienciar entre os formandos essa problematização? (CAVALCANTI, 2016, p. 276).

O autor pontua a necessidade de se implementar disciplinas voltadas para esse tipo de temática na graduação, não só com o intuito de reconhecer sua relevância, mas também para fornecer o tempo necessário ao estudo e ao aprendizado sobre as possibilidades de usos desse instrumento de trabalho. Na ausência de disciplinas diretamente voltadas a temas de cunho semelhante a esse, alguns projetos, como o Pibid/Fahist, tornam-se ainda mais importante na promoção de espaços de reflexão e produção de saber, tanto para os graduandos como para os docentes da educação básica.

Partindo de tais perspectivas, pode-se observar que o professor, como mediador do processo de ensino-aprendizagem, precisa reconhecer as limitações que são inerentes a qualquer livro didático. Nesse sentido, o artigo de Cavalcanti dialoga diretamente com a discussão proposta por Miranda e Luca (2004). As autoras buscam mostrar que o livro didático é mais que um instrumento metodológico, pois está envolvido em um processo político e econômico, visto que se insere em um ambiente de disputas ideológicas e interesses financeiros, já que ele é tido como uma mercadoria de alto valor para a as editoras.

Como podemos perceber, a partir da literatura mobilizada, as normas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) condicionam todo o processo de construção do livro didático. Impedem, por exemplo, que conteúdos de cunho discriminatório — sejam eles ligados a gênero, raça, condição social, religião ou outros — possam ser vinculados às coleções didáticas. Além disso, expõem que o livro didático tem um alto grau de complexidade que possibilita uma ampla variedade de leituras, interpretações e utilizações por parte dos discentes e docentes. Pudemos constatar que o livro didático possui um importante papel social, além de capacidade de legitimar as narrativas nele presentes. Tendo em vista tamanha importância, faz-se necessário interpretar de forma crítica esses recursos e suas utilizações. Problematizar esse recurso foi um dos objetivos do Pibid/Fahist e, portanto, a análise de um dos livros utilizados na Escola O Pequeno Príncipe faz parte da reflexão a que se propõe este texto.

O livro didático usado na escola e analisado neste texto

Para proceder essa análise, faz-se necessário pensarmos no livro didático como um “produto cultural” (BITTENCOURT, 2009) que reflete valores, objetivos e políticas do meio social no qual está inserido. Ele é um produto que dialoga com diferentes forças e campos de poder. Nesses termos, Selva Guimarães (2012) contribui com as reflexões ao afirmar que “[...] pensar o ensino de história e os materiais didáticos implica refletir sore as relações entre mercado (envolvendo toda a cadeia produtiva do livro), o Estado e a universidade (centro de produção e difusão de saberes), as escolas e os currículos prescritos e em ação nas aulas de História.” (GUIMARÃES, 2012, p. 93).

Entende-se que o livro didático é o principal recurso utilizado nas salas de aula do Brasil. Como afirma Circe Bittencourt, os manuais são “[...] os mais usados instrumentos de trabalho integrantes da ‘tradição escolar’ de professores e alunos, fazem parte do cotidiano escolar há pelo menos dois séculos.” (BITTENCOURT, 2009, p. 299), por ser um recurso produzido e distribuído em larga escala, e que pode ser utilizado de variadas formas pelos docentes. Porém, destacamos que, nas atividades e aulas que acompanhamos, a professora supervisora utilizava-se pouco de tal recurso, pois buscava focar em outras dinâmicas de atuação.

A coleção que nos propomos a analisar foi publicada pela Editora IBEP. Trata-se da Coleção Integralis, aprovada no PNLD, destinada aos anos 2017, 2018 e 2019. A referida coletânea é assinada por um autor e duas autoras. Na capa do livro, pela ordem de apresentação, consta: Pedro Santiago, graduado pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com experiência de atuação na docência no ensino superior e nas redes de ensino básico; Célia Cerqueira, bibliotecária formada pela Universidade de Brasília (UnB) e Maria Aparecida Pontes, graduada em Pedagogia pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), atuando em consultoria pedagógica na área de publicações didáticas. Na ficha catalográfica, os nomes dos autores aparecem em ordem inversa à que está na capa.[2]

Nossa reflexão se propõe a analisar apenas um capítulo do livro destinado ao 8º ano. O livro, aqui analisado, trata-se de uma obra de primeira edição, produzida pela editora IBEP no ano de 2015. O livro é composto por quatro unidades, divididas em 19 capítulos que mesclam História global e História do Brasil. Tais unidades utilizam-se tanto de elementos textuais quanto de componentes imagéticos que, juntos, estabelecem diálogos, visando equilibrar a composição narrativa com a disposição gráfica, característica dos livros didáticos de modo geral. Na capa, destacam-se as cores vermelho, azul e branco, acompanhadas de uma imagem que remete a uma localidade histórica bem conservada, com colorações harmônicas, como podemos perceber na Imagem 1.


Imagem 1
Capa do livro.
Pontes, Cerqueira e Santiago (2015).

Nas páginas iniciais, encontramos uma breve apresentação em meia página de texto, mostrando os objetivos do livro, e uma “página dupla” denominada “Conheça seu livro’’, apresentando a estrutura da obra. No livro, além do texto principal, há uma grande diversidade de boxes com diferentes títulos e formatos, entre eles “Janelas abertas”, “Ampliar o foco”, “Conecte-se”, “Almanaque” e “Pequena enciclopédia da história”, que se propõem a explicar termos históricos, instigar diálogos paralelos, questões sociais, interações e investigações, além da organização dos conhecimentos de modo geral.

Aqui, analisaremos especificamente o quarto capítulo, intitulado: “A chegada dos Africanos”. Localizado na Unidade 1, esse capítulo é antecedido pelo capítulo sobre a cultura canavieira na “sociedade colonial”, e é sucedido pelo capítulo voltado ao estudo sobre as colonizações espanhola, inglesa e francesa. É composto por cinco sessões temáticas, a saber: “Um terrível encontro”, “As muitas Áfricas”, “Tráfico: um grande negócio”, “A dura travessia” e “Resistência escrava”. O capítulo é composto por um total de 13 páginas, incluindo as atividades, e busca trabalhar as relações entre a África e o Brasil, apresentando questões sociais, econômicas, culturais, políticas e religiosas. A escolha do referido capítulo deu-se a partir da observação de que esse se insere em temáticas que foram trabalhadas dentro da proposta pedagógica da escola na qual desenvolvemos o projeto. De maneira específica, o tema central do capítulo dialoga com o projeto “Quem sou eu?”, desenvolvido no ano de 2019, ao abordar as identidades de origens afrodescendentes.

A primeira página do capítulo é construída com um texto introdutório, uma imagem ilustrativa e duas questões que buscam aproximar o conteúdo apresentado com o conhecimento prévio dos alunos. Essa estratégia pode contribuir para promover um debate, como é possível identificar a partir da primeira questão: “Pergunte a um adulto com quem você vive o que ele sabe sobre a escravidão, que perdurou no Brasil por quase quatro séculos.” (PONTES, CERQUEIRA, SANTIAGO, 2015, p. 54).

Nesse mesmo capítulo, é usada uma foto que representa uma prática cultural de origem africana, conforme podemos perceber na Imagem 2.


Imagem 2
Missa e festa para o Senhor do Bomfim.
Pontes, Cerqueira, Santiago (2015).

Como aparece em forma de legenda, no livro, essa é uma fotografia de uma prática religiosa específica da comunidade Agudá, de Porto Novo, capital oficial do Benin, África. O texto principal da primeira página faz referência ao comércio transatlântico de escravos, desenvolvido pelos europeus, e às modificações realizadas no continente africano. Esse comércio, segundo o texto didático, teria sido responsável pela criação de alguns reinos e pelo desaparecimento de outros. Ainda na primeira página, menciona-se a construção do Forte de São João Batista de Ajudá, realizada pelos portugueses para facilitar o comércio de escravos. Segundo essa narrativa didática:

Atualmente, o referido território faz parte do Benin, mas ainda é possível encontrar vestígios dessa história, por exemplo, a comunidade denominada brasileiros ou agudá (corruptela de ajudá) que se formou a partir da fixação de traficantes baianos e, nos anos 1830, acrescida de 4 mil a 8 mil ex-escravos que retornaram da América. (PONTES, CERQUEIRA, SANTIAGO, 2015, p. 54. Destaques do original).

A imagem inserida na narrativa textual é usada como forma de ilustrar a história narrada em palavras. Não há nenhuma reflexão sobre os usos da imagem, quem a produziu, porque e para quem. Simplesmente é inserida como ilustração; como representação imagética do relato escrito. Outra questão que fica perceptível é a perspectiva eurocêntrica na condução da história narrada. Nota-se que os acontecimentos começam a ser narrados/apresentados tendo os europeus como sujeitos responsáveis pela condução da história.

Os boxes apresentados no livro, em alguma medida, podem contribuir para ampliar os diálogos entre os conteúdos narrados. Os boxes-padrão de cada capítulo — “Interações”, “Esquemas do mundo”, “Ampliar o foco”, “Vida de Detetive”, “Ser cidadão: experiências e vivências” e “Diálogo entre conhecimentos” — mesclam informações complementares, como uso de mapas e atividades. No capítulo em discussão, ainda aparecem mais dois boxes, um sobre o Reino de Oxum e outro sobre o trabalho infantil.

Sem a devida problematização e mobilização de outros recursos acompanhados de debates, as questões colocadas nos boxes podem ficar apenas na narrativa meramente descritiva. Percebe-se que a inserção do boxe, como recurso no livro didático em análise, poderia ser potencializada e estabelecer conexões com as demandas do “tempo presente”, por exemplo; sobretudo com as práticas de intolerância religiosa que povoa nosso cotidiano.

Além disso, os boxes que sugerem pesquisas se limitam a indicar dois sites. Entendemos que, nesses espaços, também poderiam ser inseridas sugestões de obras literárias, cinematográficas e sites de centros de pesquisas com variadas fontes documentais. Essas opções poderiam ampliar o leque de reflexão sobre a História ensinada na sala de aula.

As imagens que acompanham os textos, em sua maioria, são mobilizadas como ilustração. Não há nenhuma problematização das fotografias que permita sua análise como documentos. Esses recursos não são acompanhados de questionamentos que estimulem a reflexão e possibilitem seu uso como fonte no ensino da história na educação básica. Os mapas, por sua vez, apesar de pouco explorados, mostram-se como recursos viáveis a sua utilização, apesar de predominar o uso ilustrativo desse recurso. Todavia, a partir dos elementos e das instruções disponíveis na narrativa didática, os usos dos mapas dependeriam, predominantemente, das iniciativas do professor, uma vez que não há sugestões de reflexão, usos e possibilidades de diálogos com esses materiais.

A narrativa textual, propriamente dita, é construída por meio de uma descrição linear e cronológica. Os autores apresentam pequenos resumos acerca das histórias narradas em uma perspectiva eurocêntrica, como já sinalizado. Trata-se de um texto estruturado em uma “exposição descritiva de acontecimentos” que se propõe a transmitir uma informação sobre um fato, ou seja, sobre um conteúdo estudado.

As pesquisadoras Sônia Miranda e Tania de Luca (2004), ao analisarem o conjunto de coletâneas de História aprovadas no PNLD, identificaram três tipos principais em termos de composição de narrativa. Para elas, há um conjunto de obras que poderia ser identificado como de narrativas “procedimentais”, caracterizado por uma narrativa composta de atividades, textos e imagens que buscam construir um conhecimento pautado em procedimentos que estão mais próximos do trabalho do historiador, valorizando o pensamento crítico e a comparação de elementos do passado com o tempo presente. O segundo grupo trata-se das obras de narrativas “acontecimentais”, que visam a transmitir aos alunos um “conhecimento da matéria”, de maneira mais sintética e conteudista. Por fim, temos as obras que se utilizam de “narrativas globais”, que buscam articular as duas definições anteriores.

Usando as categorias mobilizadas pelas autoras, poderíamos classificar o livro, aqui discutido, com base no capítulo analisado, como sendo uma narrativa predominantemente “acontecimental”, ambientada em fragmentos de narrativas globais. Em outras palavras, o texto do livro se constitui por meio de uma exposição narrativa linear de acontecimentos. Por meio dos boxes e das atividades, percebe-se (de forma tímida) a inserção de temáticas correlatas ao tema do capítulo, em que se identificam aspectos relacionados a fenômenos globais.

Na página 58, por exemplo, identifica-se a proposição de três questões, buscando incentivar os discentes a traçarem uma análise entre as diferenças dos diversos processos escravistas ao longo da história. Essa atividade permite, em alguma medida, identificar algumas singularidades entre tais formas de organização política. O desafio reside nos elementos disponíveis para os estudantes e professores realizarem essas atividades. A narrativa disponível em menos de uma página se limita a oferecer uma rápida descrição da escravidão a partir da experiência europeia do século XV, mencionando ser a escravidão bem mais antiga. Para a resolução das questões, indicam-se dois sites para a pesquisa e um texto no boxe da página 66.

Apesar de o capítulo demonstrar algumas tímidas iniciativas para desenvolver a construção do conhecimento, por meio de uma discussão que valoriza a criticidade, a ênfase recai na exposição de uma narrativa conteudista. Sabemos que nenhum livro dará conta de atender a todas as questões, análises e debates promovidos pela ciência histórica, e não é essa a crítica que realizamos. No entanto, por sua composição predominantemente expositiva, sem o estímulo à crítica das fontes e versões dos fenômenos apresentados, entendemos que o presente capítulo não contribui para a devida e necessária crítica ao ensino de História na sala de aula.

No entanto, também identificamos o cuidado com o uso de certos termos utilizados na construção textual. Quando se trata de abordagens acerca dos africanos e dos processos escravistas que os envolveram compulsoriamente, o conceito mobilizado foi “escravizado” para se referir aos povos advindos do continente africanos. Assim, o termo “escravo” foi evitado, tendo em vista que esse conceito sugere uma interpretação de que aquelas pessoas já teriam nascido na condição de escravo ou que já estariam destinadas a exercer tal função.

No que diz respeito às atividades presentes no capítulo, percebe-se que essas são dispostas ao longo do texto. São diferentes questões relacionadas aos acontecimentos narrados no texto principal do livro. Há também atividades propostas para a realização de pesquisas relacionadas ao tema central do capítulo. Entre as atividades, é possível identificar um conjunto cuja competência estimulada é aquela que promove o exercício da comparação. Essas atividades, em alguma medida, promovem a possibilidade de estabelecer aproximações e distanciamentos entre os diferentes períodos da História. De forma perceptível, o boxe “Ampliar o foco”, na página 65, apresenta seis questões que abordam temas ligados ao texto anterior. Entre as questões, é solicitado aos estudantes que expliquem como os portugueses e africanos interpretaram as invasões europeias, denominadas no texto como “expedições”. Também se pede para explicar as diferentes características da escravidão na África antes da chegada dos portugueses, e porque é possível falar de diferentes Áfricas.

As atividades propostas com o uso das imagens não avançam para além da descrição do conteúdo. Na página 64, há um mapa do Brasil sem as divisões das unidades federativas, contendo pontos com a localização dos quilombos existentes entre os séculos XVII e XIX. A atividade proposta solicita que os estudantes identifiquem a localização, os nomes dos quilombos e um relatório com essas informações. Outras atividades, todavia, estimulam reflexões que permitem mobilizar os conhecimentos dos estudantes e dialogar com temas da vida prática do aluno, como o exercício sobre a teoria do branqueamento social. A atividade faz uso do quadro “A redenção de Cam” (1895), de Modesto Brocos, e propõe que o grupo reflita sobre questões referentes à teoria do branqueamento, ao preconceito na sociedade brasileira e às atitudes que seriam necessárias para combater o racismo.

Apesar do foco da narrativa e das atividades ainda predominar na descrição expositiva com base em um acontecimento passado, percebe-se que algumas atividades possibilitam outros deslocamentos. Essas possibilidades, em alguma medida, podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades interpretativas ao ampliar a capacidade de relacionar conteúdos de diferentes temporalidades, de identificar a forma com que os aspectos históricos se relacionam com sua realidade cotidiana, de expressar o que se aprende através de diálogos e discussões em grupo, por exemplo.

Percebe-se que o capítulo analisado tem elementos que contribuem para problematizar importantes questões no âmbito da História ensinada na sala da educação básica, como já ressaltado. Todavia, a partir da estrutura e da composição do material analisado, também identificamos questões que podem contribuir para a consolidação de uma concepção de História ainda fundamentada na perspectiva eurocêntrica, mesmo quando aborda um tema ligado à história da África. No geral, o capítulo analisado apresenta questões que são de suma importância ao falarmos de História afro-brasileira, como a pluralidade cultural, o racismo, a resistência negra e a diversidade religiosa. O texto também não resume a história negra à escravidão, abordagem bastante criticada pela historiografia especializada.

Sabemos que nenhum livro didático é perfeito, e que sempre será possível desenvolver ações que promovam seu aperfeiçoamento. Nesse sentido, concordamos que o livro didático é uma ferramenta que pode proporcionar importantes reflexões e ampliar as experiências de aprendizados, tanto para aluno como para o professor. Em outros termos, “[...] é preciso que o livro didático seja interrogado num esforço de desconstrução de discursos e de imagens, criando-se possibilidades de discussão que permitam a compreensão de sua historicidade.” (FONSECA, 1999, p. 205).

Considerações finais

As experiências vivenciadas no Projeto Pibid/Fahist constituíram-se um potente espaço de experimentação de aprendizagem. A partir das atividades realizadas, foi possível trilhar um percurso significativo de reflexão com base em uma importante literatura que se dedica a analisar as práticas e relações constituidoras da aprendizagem histórica, especialmente a literatura que tematiza o livro didático. Da mesma forma, foi possível vivenciar as experiências de observação e intervenção na sala de aula da educação básica. Essas experiências permitiram ampliar a compreensão das singularidades entre a História ensinada na academia e a ensinada na educação básica. Permitiram, igualmente, adensar o entendimento acerca do principal instrumento de trabalho do professor em sala de aula, reconhecer os limites e possibilidades que condicionam o processo de construção do livro didático e, simultaneamente, experienciar os limites de usos no cotidiano da sala de aula.

Seja política de estado, seja objeto de interesse político de governo, o livro didático ainda continua exercendo grande influência no exercício de professores e professoras que atuam na educação básica. Ele continua sendo a ferramenta, institucional e socialmente reconhecida, por meio da qual uma dada narrativa é oferecida aos jovens que estão em processo de formação na educação básica. O livro didático de História continua sendo o principal produto, por meio do qual milhares de jovens, no espaço formal da escola, têm acesso às explicações históricas sobre as sociedades próximas ou distantes no tempo ou no espaço.

Por meio da análise desenvolvida, foi possível identificar como o livro didático adotado na escola O Pequeno Príncipe ainda apresenta uma narrativa estruturada de forma linear, cronológica e “acontecimental”. Trata-se de um livro que prioriza a exposição descritiva dos acontecimentos, o que pode não contribuir para o entendimento da historicidade dos fenômenos relatados. Da mesma forma, identificou-se como a abordagem apresentada mantém uma perspectiva eurocêntrica, mesmo tratando de uma temática sobre povos africanos.

Como debatido pela literatura mobilizada no projeto, também não devemos superestimar o papel do livro didático, como se esse fosse o único responsável pela construção, circulação e consolidação de narrativas. Sabemos que os estudantes da educação básica têm acesso a um conjunto variado de relatos em diferentes suportes e plataformas. Diante dos limites apresentados por qualquer livro didático, torna-se imprescindível a presença de um professor munido de condições para promover as devidas reflexões.

No entanto, as Matrizes Curriculares dos cursos de licenciatura, em que se formam os professores e professoras que irão atuar na educação básica, têm negligenciado quase que completamente o debate sobre o livro didático. A maioria não apresenta uma disciplina obrigatória, voltada, exclusivamente, para os estudos que envolvem o livro didático. Os professores e professoras formados nesses percursos curriculares podem estar iniciando a docência sem nenhum conhecimento sobre seu instrumento de trabalho, como alerta Cavalcanti (2018).

Nesse sentido, é fundamental que os professores e professoras tenham a sua disposição um bom livro didático para trabalhar, e que os estudantes possam usufruir de um material de excelente qualidade. Todavia, um bom livro será de pouco proveito se não existir, na sala de aula, um professor com formação docente apropriada e sem condições de trabalho que o permitam exercer, de forma digna e adequada, as exigências e a responsabilidade que a profissão requer. Projetos como o Pibid potencializam, portanto, a formação docente, ampliam os espaços de aprendizados e tornam possíveis as experiências para problematizar o livro didático de História como instrumento de trabalho e objeto de pesquisa.

Fontes utilizadas

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Notas

[1] Há uma significativa produção, no Brasil, acerca da Didática da História. Recomendamos Cardoso (2008), Cerri (2010) e Saddi (2010).
[2] Não temos como saber os motivos pelos quais a ordem dos nomes aparece diferente. Via de regra, o primeiro nome a ser mencionado é o do/a autor/a de maior contribuição na obra, ou opta-se pela ordem alfabética dos nomes, o que não parece ter sido o caso do presente livro. Essa situação talvez se dê em virtude da representação reduzida do gênero feminino em livros didáticos de História nos últimos PNLDs. No entanto, não sabemos se essa foi a razão pela inversão da ordem dos nomes. Precisaria ser feita uma pesquisa para responder tal questão.

Autor notes

1 Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e coordenador do laboratório e grupo de pesquisa iTemnpo.
2 Discente da Faculdade de História, bolsista do Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid/Fahist) e membro do laboratório e grupo de pesquisa iTemnpo.
3 Discente da Faculdade de História, bolsista do Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid/Fahist) e membro do laboratório e grupo de pesquisa iTemnpo.

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