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VOLLEY-BALL E BASKET-BALL NO SERTÃO MINEIRO: O ADVENTO DOS ESPORTES AMERICANOS EM MONTES CLAROS-MG NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
VOLEIBOL Y BALONCESTO EN EL INTERIOR DE MINAS GERAIS: EL ADVENIMIENTO DEL DEPORTE ESTADOUNIDENSE EN MONTES CLAROS-MG EN LA PRIMERA MITAD DEL SIGLO XX
VOLLEY-BALL AND BASKET-BALL IN THE HINTERLAND OF MINAS GERAIS: THE ADVENT OF AMERICAN SPORTS IN MONTES CLAROS-MG IN THE FIRST HALF OF THE 20TH CENTURY
Caminhos da História, vol.. 26, núm. 1, 2021
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 26, núm. 1, 2021

Recepção: 18 Novembro 2020

Aprovação: 21 Dezembro 2020


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: O presente artigo tencionou investigar a veiculação e desenvolvimento dos esportes americanos (voleibol e basquetebol) na cidade de Montes Claros, sertão de Minas Gerais, na primeira metade do século XX, e sua profunda relação com um evidente processo de incremento de uma cultura esportiva local. Como método, foram analisadas reportagens do principal periódico citadino no período, o “Gazeta do Norte”, disponibilizado pelo acervo do Centro de Pesquisa e Documentação Regional (CEPEDOR), organizado e gerenciado pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Foi possível notar que, ao passo em que entidades como escolas e associações vão surgindo, algumas práticas esportivas destacam-se no projeto modernizador/civilizatório em curso, para além do decantado e popular futebol. Notadamente as noções de progresso e civilidade aparecem como justificativas para o crescimento dessas práticas, imbuídas do espírito de uma sociedade que almejava alcançar um padrão de cultura social elevado, com nítida referência às principais cidades brasileiras. A ocorrência dos festivais esportivos no período, com destaque às partidas de voleibol e basquetebol, acentua a busca da distinção de uma coletividade atenta às novidades modernas, especialmente pelo viés do esporte. Esse cenário, constitutivo de equipes competitivas/representativas, desembocaria com mais ênfase na construção da Praça de Esportes Minas Gerais (ou Montes Claros Tênis Clube). No entanto, todo este panorama representa um claro intento: a adesão ao processo civilizador e moderno, articulado ao particular contexto da cidade.

Palavras-chave: História dos Esportes, Cidade, Modernidade, Cultura Esportiva, Educação Esportiva.

Resumen: Este artículo tuvo como objetivo investigar la propagación y desarrollo del deporte estadounidense (voleibol y baloncesto) en la ciudad de Montes Claros, en el interior de Minas Gerais, en la primera mitad del siglo XX, y su profunda relación con un evidente proceso de crecimiento cultural del deportes locales. Como método, se analizaron los informes de la principal publicación periódica de la ciudad del período, “Gazeta do Norte”, analizados por la colección del Centro Regional de Investigación y Documentación (CEPEDOR), organizado y administrado por la Universidad Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Se pudo notar que, a medida que van surgiendo entidades como escuelas y asociaciones, en el proyecto modernizador / civilizador en marcha destacan algunas prácticas deportivas, además del fútbol decantado y popular. Cabe destacar que las nociones de progreso y civismo aparecen como justificaciones para el crecimiento de estas prácticas, imbuidas del espíritu de una sociedad que pretendía alcanzar un alto nivel de cultura social, con clara referencia a las principales ciudades brasileñas. La ocurrencia de festivales deportivos en la época, con énfasis en partidos de voleibol y baloncesto, acentúa la búsqueda de la distinción de una colectividad atenta a la actualidad actual, especialmente por el sesgo deportivo. Este escenario, constituyendo equipos competitivos / representativos, llevaría a un mayor énfasis en la construcción de la Praça de Esportes Minas Gerais (o Club de Tenis Montes Claros). Sin embargo, todo este panorama representa una clara intención: adhesión al proceso civilizador y moderno, ligado al contexto particular de la ciudad.

Palabras clave: Historia del Deporte, Ciudad, Modernidad, Cultura Deportiva, Educación Deportiva.

Abstract: This article intended to investigate the propagation and development of American sports (volleyball and basketball) in the city of Montes Claros, in the hinterland of Minas Gerais, in the first half of the 20th century, and its profound relationship with an evident process of increasing a culture local sports. As a method, reports from the main city periodical in the period, “Gazeta do Norte”, analyzed by the collection of the Regional Research and Documentation Center (CEPEDOR), organized and managed by the State University of Montes Claros (UNIMONTES), were analyzed. It was possible to notice that, as entities such as schools and associations are emerging, some sports practices stand out in the modernizing / civilizing project underway, in addition to the decanted and popular football. Notably the notions of progress and civility appear as justifications for the growth of these practices, imbued with the spirit of a society that aimed to achieve a high standard of social culture, with clear reference to the main Brazilian cities. The occurrence of sports festivals in the period, with emphasis on volleyball and basketball matches, accentuates the search for the distinction of a collectivity attentive to modern news, especially due to the sports bias. This scenario, constituting competitive / representative teams, would lead to more emphasis on the construction of the Praça de Esportes Minas Gerais (or Montes Claros Tennis Club). However, this whole panorama represents a clear intention: adherence to the civilizing and modern process, linked to the particular context of the city.

Keywords: History of Sports, City, Modernity, Sports Culture, Sports Education.

Primeiros Apontamentos

Na segunda metade da década de 1920, nas poucas informações encontradas nas fontes jornalísticas acessadas para além do futebol, notamos que pelo menos três eventos esportivos aconteceram no prado Oswaldo Cruz, campo do Montesclaros Sport Club, espaço cedido pela Câmara Municipal. Os chamados festivais esportivos ocorreram em maio de 1926, em benefício do asilo São Vicente, dezembro de 1927 e outubro de 1929. Tais eventos não carregavam explicitamente vínculos com políticos ou constituíam-se em ações de órgãos públicos, apresentavam pois, características peculiares, como o anunciado pelo jornal de 1929: Promovido e organisado por elementos de nosso meio, terá lugar amanhã, na praça de sports do Montesclaros F. Club, no prado Oswaldo Cruz, um attrahente festival sportivo[1].

No festival esportivo filantrópico de maio de 1926, anunciado na seção Sport da Gazeta do Norte, o apelo pela caridade é o mote principal. A festividade em questão foi “[...] organisada pela directoria Sportiva do “Montes Claros Sport Clube” e tenente Octavio Diniz, da policia de Minas, em benefício do asylo São Vicente, desta cidade[2]. De característica amadora, a entidade esportiva dirigida por elementos distintos da sociedade local, mobilizou atividades da mocidade – moderna – em benefício do asilo.

A programação do festival foi dividida em duas partes e para sensibilizar o público houve mobilização para que as pessoas comparecessem por uma causa justa, onde a assistência pagaria ingresso ao preço que quisesse. Foi disputada uma partida de futebol e um “cabo de guerra” entre associados do clube e os policiais da cidade e, além disso, fizeram parte do programa “corrida de 100 metros”, “corrida de sacos” e uma partida de voleibol entre alunas da Escola Normal.

Para chamar a atenção da sociedade, personagens importantes da cidade foram convidados para “apadrinharem” as provas de corridas e jogos. Especificamente, o voleibol, que “[...] teve seu início na Escola Normal, em 1923 mais ou menos”, (PAULA, 1957, p.238), constituía-se numa das atrações do festival. A prática do voleibol era exclusivo para as moças da escola: O “Match de “volley-ball” entre as alumnas da Escola Normal Mello Vianna – Protectores: Drs. M. Mauricio, Antonio Teixeira, Plinio Ribeiro e Ferreira Machado[3].

O referido jogo de voleibol, introduzido há poucos anos na cidade, seria lembrado no próximo número da Gazeta do Norte, chamando a atenção para o gênero particular feminino, mas distintivo na sociedade e, supostamente organizado, pois, a alusão a uma comissão protetora do voleibol apontava o interesse pelo novo esporte na cidade:

Um dos numeros de maior enthusiasmo e grande interesse foi o jogo de “volley-ball” disputado pelos “teams” Verde e Amarello da Escola Normal Mello Vianna”. [...] A commissão protectora do jogo de “volley-ball” entre as alumnas da Escola Normal, ofereceu ao “team” Amarello, vencedor da interessante pugna de domingo, um sarau dansante que teve grande encanto e brilhantismo. Esse festival, ao qual compareceram numerosos rapazes e senhoritas da nossa sociedade, realizou-se na residencia da familia S. Caldeira, tendo tocado durante as dansas excelente orchestra”[4].

Ao final da década de 1920 coube ao Grupo Escolar Gonçalves Chaves, durante as solenidades cívicas do “dia das mães” de 1928, a primeira demonstração de ginástica coletiva na cidade: Os numeros de gymnastica executados na praça dr. Chaves, deixaram a melhor impressão, sendo um bello espectaculo, inedito em nosso meio. Diversos numeros de gymnastica por todos os alunos[5]. O ineditismo da apresentação seria prenúncio da institucionalização da Educação Física no contexto escolar que estava por vir, no período do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), “[...] onde se deveria buscar a melhoria da complexidade atlética, com exercícios de resistência, força, longas corridas, ginástica localizada, a formação atlético-esportiva” (RENK; COSTA; BUENO, 2017, p.4474).

Objetivando disciplinar e moldar o corpo do “novo” brasileiro, Vargas tinha na escola um local privilegiado para o desenvolvimento eugênico e higiênico, a fim de moldar o cidadão ordeiro, imbuído de civismo e bem preparado fisicamente (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994). Por isso que, a partir da década de 1930, o jornal noticiaria cada vez mais as atividades esportivas nas escolas da cidade, num nítido esforço de educar o corpo da mocidade montes-clarense, direcionando-o “[...] para o ideal do civismo, da moral, da boa performance do físico e do sentimento patriótico. Estes elementos eram tidos como preponderantes para o discurso oficial ligado ao Brasil “forte e saudável”. A juventude brasileira deveria estar preparada para este novo cenário” (SILVA, 2007, p.173).

Adentrando a década de 1930, observaremos uma profusão de novos hábitos ditos modernos em Montes Claros, associados a uma nova cultura corporal de movimento. Cuidar do corpo entrava na moda. Nesses termos que a Gazeta do Norte anunciava a fundação de um estabelecimento privado de atividades físicas (FIG. 1), algo inédito até então, e que se integrava aos preceitos em voga a época para a forja de um “novo” brasileiro:


Figura 1
Anúncio do curso de Educação Física.
Gazeta do Norte (MG). Sábado, 01 de setembro de 1934, p.1.

Publicamos hoje uma noticia auspiciosa para a nossa mocidade: - a fundação, nesta cidade, do Curso de Educação Physica Montes Claros, destinado a cultivar o aperfeiçoamento physico e esthetico dos moços e moças montesclarenses. A gymnastica, hoje em dia, é complemento indispensavel á educação da mocidade. E os modernos methodos eugenicos, postos em pratica nos grandes centros vão apresentando os mais belos resultados, concorrendo para a pureza physica da raça, realisando o grande milagre proclamado “mens sana in corpore sano.” A fim de que pudessemos informar aos nossos leitores o que é a novel sociedade esportiva, achamos oportuno ouvir o seu instructor o distincto academico Adherbal Senna, recem-chegado da capital da Republica, e fervoroso cultor dos esportes, tendo conseguido destacada posição na aquatica carioca. O principal objectivo do Curso de Educação é introduzir entre os nossos rapazes e moças o prazer dos modernos esportes, onde se encontram em primeiro plano a natação, a gymnastica, a lucta livre, etc. È pensamento da direção organisar oportunamente , festas mensais que constarão de demonstrações de gymnastica por rapazes e moças, competições de lucta livre, canto e dansas e campeonato de natação. Como vê, cocluio o jovem sportman, temos um programa de acção que espero realizar integralmente, dado o enthusiasmo e a bôa vontade com que foi recebido o Curso de Educação pela mocidade montesclarense[6].

O curso trazia características singulares, pois o Brasil idealizado via política de Vargas, diferentemente da velha república, incentivava a prática de Educação Física e Esportes, pois a nação necessitava de jovens fortes e disciplinados (MAZZONI, 1945). As aulas de Adherbal Senna em Montes Claros se encaixavam nesse cenário, prometendo cultivar o aperfeiçoamento physico e esthetico dos moços e moças montesclarenses através da gymnastica e modernos methodos eugenicos para a pureza physica da raça.

A construção desse imaginário corporal nas páginas da Gazeta do Norte se propagava no incentivo às práticas esportivas, normalmente endereçado aos jovens. No caso das mulheres, desenvolveu-se na Era Vargas o entendimento de que a educação física, através da ginástica (FIG. 2) ou do esporte, por exemplos, deveria criar uma cidadã para as tarefas do lar e para a maternidade, atribuindo-lhe papeis específicos em função do gênero (GOELLNER, 2003).


Figura 2
Apresentação de gymnastica das alunas da Escola Normal (data incerta).
Disponível em: < https://bityli.com/et523 >. Acesso em: 24 set. 2018.

Esse tipo de campanha em prol do papel social da mulher pode ser observado nas reportagens da Gazeta do Norte, em 1933 e 1934. Na primeira, é salientado que a mulher moderna deveria, a priori, ser uma reprodutora, e para isso faria uso da ginástica; e na segunda, uma nota sobre a prática do voleibol na cidade por um [...] grupo de enthusiastas senhorinhas da nossa fina sociedade. Em tempo, o voleibol não se constituía numa novidade, mas a nota do jornal indica sua irregularidade, pois é desejado o progresso e a introdução na sociedade do [...] preferido sport feminino:

Despois, é preciso, distinguir: uma mulher esbelta não é sempre uma mulher magra; uma mulher gorda não é sempre uma mulher robusta. A venus moderna, - que não é a parisiense, que não será a italiana, - a venus moderna norte-americana è forte, è solida, tem musculos elasticos, e não è enxundiosa. Matronas obesas poder ser anemicas, flacidas, preguiçosas, mas reproductoras[7].

Acha-se em treino constante no campo da Escola Normal, um grupo de enthusiastas senhorinhas da nossa fina sociedade que esforçadamente praticam o Voley, estando assim de acordo com a educação da mulher moderna. Os nossos votos são que as nossas conterraneas muito progridam, entrodusindo na nossa sociedade o preferido sport feminino[8].

Importa notar que, mesmo o jornal indicando o voleibol como uma prática feminina, no mesmo ano são mencionadas três disputas de jogos de voleibol entre alunas da Escola Normal versus um time de homens. Os dois primeiros são contra uma equipe de Estudantes da própria escola, e o último seria contra alunos do Ginásio Municipal. Por fim, consta que [...] a primeira partida terminou com a victoria das moças pelo score de 3x2 e não se conformando com a derrota os Estudantes pediram revanche[9].

Podemos afirmar que as práticas esportivas, na primeira metade do século XX, já estavam arraigadas no contexto social brasileiro, porém, esse processo não foi coeso, pois, como observado antes, é preciso observar as particularidades de cada região. Dantas Júnior (2007, p.3) nos informa que a incorporação dos esportes nas escolas “[...] seguiu ritmos distintos, de acordo com as características geográficas e institucionais que coabitam o país, possibilitando inferir que o esporte "escolarizou-se" desde sua chegada ao país”.

Dois anos após, em 1936, notaríamos o voleibol com a participação não só de escolares, o esporte se entranhava em outros locais da cidade. Fundada naquele ano, a equipe da Associação Athletica Atheneu disputaria duas partidas contra o time da Escola Normal. Cabe notar que, no primeiro jogo anunciado pela Gazeta do Norte[10], todos os atletas da partida são homens, descaracterizando a suposta particularidade feminina do esporte, alegada anos antes. No segundo jogo, pela escalação trazida no jornal, notamos que a equipe da escola era formada por homens e mulheres, enquanto o Atheneu continha só homens:

No campo da Escola Normal, a annunciada partida volley ball entre os six da A.A. Atheneu e da Escola. A partida, cheia de lances empolgantes, terminou com a victoria do Atheneu, que venceu com grande dificuldade o seu leal adversario. Os teams enraram em campo, assim constituidos: ATHENEU: Jair, Quincas, Velloso, Alcides, Gomes e Peres. ESCOLA: Olivia, Zezé, Josephina, Marcello, Paz e Nune[11].

No mesmo jornal que propagava a ideia da mulher “moderna”, forte e preparada para ser mãe, também notamos resistência à postura de submissão por gênero. Ao mesmo tempo que denunciava [...] a extravagante invenção de andar sem meias, como nas praias de banho, a pretexto de estarem em dia com as novas creações, convencidas de figurarem como verdadeiros expoentes à “dernier-cri”[12], em edições muito próximas, também publicava crônicas escritas por uma integrante da Liga Pró-feminismo de Montes Claros, intitulada A nova organização social e a mulher, de 1934, onde evocava a revolução feminista, porque a mulher era [...] quase sempre relegada a um plano inferior, porém, tinha [...] elevados predicados e a conquista do direito de votar seria [...] o primeiro passo para o advento de uma grande renovação social.

Ao lado do homem, a mulher, martyr de todos os tempos, sonhou e sofreu como companheira inseparavel quase sempre relegada a um plano inferior... [...] Estudando a personalidade masculina sob ponto de vista da moral privada e social, concluiremos fatalmente que o espirito feminino dispõe de muito mais elevados predicados para a direcção e controle das grandes emprezas humanitarias. [...] A mulher eleitora no Brasil é o primeiro passo para o advento de uma grande renovação social[13]

Dias após, o artigo feminista de Djenane Brandão para a Gazeta do Norte seria contra argumentado por Helio Cyano. A resposta trazia justificava num contexto inconteste supostamente biológico, onde a superioridade masculina se percebia nas dimensões anatômicas do cérebro e que o ideal de uma mulher perfeita era a nobre missão de ser mãe:

Os cérebros das mulheres pesam 100 grammas menos que os cérebros dos homens. O homem, sendo dotado de maiores recursos de adaptação ao meio é consequentemente superior á sua companheira. A mulher, Djenane, veiu ao mundo não para governar, mas para uma missão mais nobre: - Ser Mãe! Ser mãe deve ser o ideal de uma mulher perfeita[14]!

A contenda terminaria, pelo menos nas páginas da Gazeta do Norte, com o apelo de Djenane Brandão às mulheres: É necessario, patricias, que as nossas actividades não se restrinjam ao ambiente do lar domestico, onde, durante seculos e seculos, nos mantiveram como escravas e prisioneiras... precisamos agir diretamente em todos os sectores do trabalho humano[15]. O jornal parecia cumprir o papel de instigar a opinião pública, ainda que o aspecto tradicionalista fosse mais aparente.

Para marcar a década de trinta, quase dez anos após a chegada da ferrovia, ainda que historiadores sustentem que o alarde produzido pelos supostos avanços advindos pela ligação com o sul tenham sido desproporcionais às expectativas, o trem de ferro ajudou a impulsionar o ideário moderno montes-clarense. Para subsidiar essa discussão, apresentamos trecho da crônica de Olyntho da Silveira, intitulada Montes Claros, metropole do norte, cujo teor demonstra a hipotética pujança local, só possível a reboque dos trilhos da ferrovia:

Montes Claros, que teve o seu desenvolvimento estacionado por muito tempo, de dez annos a esta parte vem ampliando cada vez mais a esfera do seu progresso. E para tal, a Estrada de Ferro deve ser colocada em primeiro plano, pois que, incontestavelmente, sem ela, pouco teria a cidade progredido. E não só Montes Claros, como toda a região norte-mineira e sul-bahiana, se beneficiaram com a vinda dos trilhos áquella cidade, obra de grande esforço do inolvidavel Francisco Sá[16].

O esporte em Montes Claros: do trem-de-ferro ao Montes Claros Tênis Clube

Associar o progresso da cidade à estrada de ferro não se constituía numa novidade e, no bojo desse processo, observamos o surgimento e desenvolvimento de elementos modernos, como alguns esportes e a ginástica. Contudo, considerando o aspecto sertanejo que a região carregava, não só geográfica como socialmente e politicamente falando, havemos de considerar o que defende o historiador Cleber Dias (2018) em sua obra Esportes nos confins da civilização: Goiás e Mato Grosso, c. 1866-1936. Nela, o autor questiona e desconstrói o entendimento estanque de que no século XX cidades/regiões rurais e descoladas de um grande centro urbano refletia inevitavelmente suas práticas esportivas.

Enfim, Dias (2018) relativiza o processo ao afirmar que: ser rural e interiorana imprimia uma demanda própria para, entre outras coisas, o desenvolvimento de divertimentos modernos em locais diferentes. O isolamento não era intransponível, ressaltando-se as devidas proporções:

Ao longo da primeira metade do século 20, portanto, regiões às vezes distantes do que se supõe o centro irradiador de um ideário de progresso e modernidade, pouco ou nada urbanizadas, inteiramente rurais e às vezes, ausentes mesmo de quaisquer vestígios de industrialização, conheceram também uma sociabilidade ligada aos esportes. É questionável, portanto, a equação teórica, tomada já quase como pressuposto, de que haveria uma homologia estrutural inevitável entre esportes e urbanização – a menos que admitíssemos que um vilarejo brasileiro qualquer, em meados da década de 1920 e 1930, com cinco mil e pouco habitantes, ou menos, ocupados quase sempre em trabalhos rurais, muitas vezes sem remuneração em dinheiro, dispersos por territórios às vezes extensos, pudesse ser visto como uma “cidade” onde se experimentava o frenesi de uma vida urbana. Em sentido contrário, é questionável também imagens de atraso e isolamento, que tão caracteristicamente marcam as representações sobre regiões do interior rural brasileiro, que se mantiveram interligados entre si, bem como articulados a outras regiões mais populosas e economicamente mais dinâmicas, além de terem conhecido e praticado com entusiasmo práticas esportivas (DIAS, 2018, p.33).

Para discutir um cenário de introdução de um esporte moderno em Montes Claros, ressaltamos o advento do basquetebol. Prática originada nos Estados Unidos no final do século XIX, se disseminou para várias partes do mundo durante o século XX, carregando a sua ligação com os jovens da burguesia que se estabelecia como elite, como afirmou Bourdieu (1990) ao analisar os esportes como elemento das sociedades modernas.

Entretanto, cabe relembrar que o ritmo dessa difusão do basquetebol não foi uniforme. Para este entendimento, importa observar o alerta feito por Dias (2018, p.35), para o autor, “[e]m geral, tenta-se demonstrar que um processo de modernização também esteve em curso nessas regiões, tal e qual nas maiores cidades do país, reservada, quando muito, apenas as devidas proporções”. As primeiras notícias sobre a prática do basquetebol em Montes Claros datam do ano de 1937, cabendo analisar um certo “atraso” regulamentar para que o dito esporte se estabelecesse na cidade.

Ressaltamos que, em nível mundial, a partir dos Estados Unidos, a atuação da Associação Cristã de Moços (ACM), “[...] demonstrou ter sido primordial para o basquetebol, não apenas porque foi em seu interior que o jogo foi inventado, mas principalmente porque a difusão e sucesso da modalidade foi facilitada pela adesão da prática em suas filiais” (HIRATA; STAREPRAVO, 2016, p.12). Em Montes Claros, coube à Associação Atlhetica Atheneu os primeiros movimentos organizados do basquetebol, originados por representantes da elite local, com o apoio da imprensa da época:

Visando incentivar entre os nossos moços a pratica do «Basket-ball», sport movimentado e emocionante, a «ASSOCIAÇÃO ATHENEU», fez iniciar em 24 do preterito, o seu 1º Torneio Interno, ao qual concorrem os teams seguintes: «GAZETA NORTE», «O OPERARIO» e «O BRASIL», tendo como madrinhas respectivamente, as senhorinhas Walkyria Teixeira, Lourdes Oliveira e Yeda Mauricio. O successo obtido pelas duas primeiras partidas, faz nos considerar já victoriosa essa louvavel iniciativa do« ATHENEU», que merece o apoio integral da nossa imprensa e do nosso povo[17].

A Associação Atlhetica Atheneu e a Associação Municipal de Estudos e Atletismo (AMEA) foram agremiações montes-clarenses fundadas na década de trinta que em seus objetivos assemelhavam-se à já reconhecida Associação Cristã de Moços (ACM), entidade norte-americana que desde a década de 1920 “[...] dispunha de grande prestígio no Brasil, pois contribuía com o processo de formação do homem brasileiro” (MAZO; SILVA; FROSI, 2012, p.170) e também tinha por finalidade promover o desenvolvimento físico e intelectual através das práticas corporais, mas principalmente incentivando o basquetebol e o voleibol, esportes originários dos Estados Unidos. “Os esportes estavam presentes no espaço do associativismo esportivo, para além do seu objetivo final, o da prática em si, mas como instrumento para se chegar a objetivos externos, como representações de modernidade, de identidade etnocultural e de distinção” (SILVA; MAZO, 2015, p.386).


Figura 3
O “five” do Ateneu - campeão de bola ao cêsto desta cidade
Revista Montes Claros, n.2, novembro de 1940, p.36.

Nesse contexto de associativismos esportivos que surgiu o basquetebol em Montes Claros: O Ateneu, que foi a primeira sociedade esportiva local a praticar o basket-ball e que possue um dos mais fortes conjuntos de basket em todo o Norte de Minas, promoverà brevemente, segundo nos informaram, um torneio, não sò de bola ao cesto como tambem de wolley-ball[18]. Podemos inferir que, tanto o basquetebol quanto o voleibol, se ampliavam num ambiente de mudanças de hábitos sociais, inerentes àquele contexto esportivo, mas também higiênico e eugênico. O Atheneu, organizada em agosto de 1936, era [...] uma associação esportiva que tinha por fim aumentar o surto de esportes já praticados e incrementar outros não conhecidos, assim como tratar de melhores conhecimentos social, cultural e esportivo[19](FIG. 3).

Ambos, Atheneu e a AMEA, estavam imbuídos de preceitos semelhantes, de desenvolvimento físico e intelectual em prol do progresso da cidade. Segundo Hermes de Paula (1957, p.238), “No Ateneu predominavam os filhos da terra; na Amea, os bancários e outros elementos de fora: ambos, entretanto, incentivados pela rivalidade, aprimoraram-se na prática do esporte e apresentavam jogos magníficos”.

Tal sentimento está explícito no discurso de extinção da nomenclatura Associação Athletica Atheneu, feito pelo seu presidente em 1940, quando completava quatro anos de existência e seria anexada pelo Club Esportivo Montes Claros (futura Praça de Esportes – Montes Claros Tênis Clube). “O Ateneu chegou a contar com mais de duzentos associados de ambos os sexos, todos entusiasmados, não somente com esporte (basquete, futebol, vôlei, tênis, etc.), como também pelo atletismo” (PAULA, 1957, p.238), ainda assim, seria suprimido.

Encerrou oficialmente a sua função, por ocasião do seu 4º ano de vida, a Associação Atletica Atêneu, passando a aguardar o inicio das atividades do Club Esportivo Montes Claros, ao qual foi anexada por sugestão do sr. Prefeito Municipal. No dia 17 de Agosto de 1936 ás verdes margens do rio Vieira, uma reduzida turma de rapazes idealisava a fundação de um novo clube em Montes Claros. Nasceu o Atêneu de uma unificação de idéas. Viveu amparado por êsse mesmo ideal e agora depois de quarenta e oito mezes de vida, vem encerrar a sua ação esportiva, consumando o sacrificio do seu proprio nome pela: unidade ao serviço do progresso[20].

A ideia de se transferir o ânimo do Atheneu para a futura Praça de Esportes parecia uma ação positiva do Prefeito, uma vez que os equipamentos seriam melhores para a prática dos esportes, mas, tornou-se pouco tempo depois, temerário. Por fim, para o memorialista Hermes de Paula (1957, p.238) “[...] o entusiasmo dos rapazes não resistiu ao golpe. Até hoje Montes Claros não conseguiu mais a prática de esportes e atletismo com aquele espírito do Ateneu”.

A fundação da AMEA confirma os propósitos alegados para esse tipo de associativismo esportivo. Estava claro que a prática de esportes, aliada aos estudos intelectuais, auxiliariam no progresso da cidade, obviamente, como alegado, contando com os melhores elementos da sociedade montes-clarense de 1938. Por fim, confirmando sua inspiração norte-americana, foi inaugurada com [...] uma sensacional partida de basket-ball entre a «A.M.E.A. » e a sua valorosa co-irmã «Associação Athletica Atheneu»:

Fundada nesta cidade a Associação Municipal de Estudos e Atlhetismo – Esta entidade que, criada por um grupo de moços amantes dos sports e dos estudos, tem por finalidade proporcionar aos seus associados a pratica dos exercicios physicos nas suas variadas especies e encentivar o amor e dedicação aos livros, creando cursos e promovendo conferencias periodicas sobre sociologia, philosphia e literatura, visando sempre o desenvolvimento physico e intelectual de cada um e contribuir com verdadeiro empenho pelo progresso da nossa cidade. A A.M.E.A, segundo nos informaram os seus dirigentes, deseja colaborar amistosa e cordialmente com todas as suas congeneres jà existentes nesta cidade, em tudo o que diz respeito ás suas finalidades, quer na esfera cultural e educativa ou esportiva, e unir cada vez mais as relações de amizade entre os seus associados. A novel sociedade, será dirigida pela seguinte Direção eleita por acclamação: [...] Como se vê, a nova associação que se funda sob os melhores auspícios, conta na sua direcção com elementos de destaque na sociedade, que saberão, estamos certos, tornal-a uma agremiação valorosa e merecedora do apoio da nossa população. Para a sua instalação, que se verificará conjunctamente com a inauguração das installações sportivas do nosso modelar Gymnasio Municipal, a Directoria convida por nosso intermedio ao publico em geral, certa de que, com o seu incentivo, mais facilmente poderá attingir o seu objectivo. No nosso proximo numero, daremos detalhes sobre o programma das festividades a realisarem-se naquelle dia, que terá como fecho uma sensacional partida de basket-ball entre a «A.M.E.A. » e a sua valorosa co-irmã «Associação Athletica Atheneu»[21].

Segundo a Gazeta do Norte, a solenidade de fundação da AMEA foi cercada de pompas e circunstâncias, notando-se as presenças das principais autoridades da cidade. Juiz da comarca, prefeito, representante do bispo diocesano, reitor e professores do Gymnasio Municipal, entre outras, foram as pessoas que compuseram a mesa de honra. Na programação esportiva, o basquetebol: O jogo principal foi entre as esquadras da «AMEA» e da «AAA». Esse prelio que se desenrolou cheio de lances empolgantes, terminou com a contagem de 24 x 9, favoravel á «AMEA»[22].

No segundo semestre de 1938, há relatos de jogos de voleibol e basquetebol entre equipes da AMEA, do Atheneu, do Colégio Imaculada e do próprio Gymnasio Municipal(Instituto Norte Mineiro de Educação), Num dos encontros, foram disputadas partidas de voleibol e basquetebol, [...] podendo apontar como a grande atração a de volley feminino, que servirá para apresentar ao publico, pela primeira vez, as equipes da A.M.E.A. e do Colegio Imaculada Conceição, ambas integradas de perfeitas manejadoras da pelota e em optimo apuro technico[23].

Cabe destacar que o Instituto Norte Mineiro de Educação e o Ginásio Municipal de Montes Claros (Gymnasio Municipal) eram locais mais adequados para os confrontos esportivos, visto que, no pátio da Escola Normal não havia uma quadra poliesportiva apropriada às dimensões oficiais dos esportes modernos. Nos anos trinta, o Gymnasio Municipal arrendou o prédio do Colégio Diocesano Nossa Senhora Aparecida, vinculado à Igreja Católica, se reorganizou para melhor atender as necessidades da época, refez instalações e aumentou o corpo docente (PAULA, 1957).

Já o Instituto Norte Mineiro de Educação, fundado em 1936, segundo o memorialista Hermes de Paula (1957), inicialmente funcionou num prédio na praça Dr. Carlos, porém, após reformas internas, mudou-se para a praça Dr. João Alves. O instituto tinha as ginásticas e os esportes como componentes da sua política educativa. Tal estratégia é notada na propaganda da escola veiculada na Gazeta do Norte, em dezembro de 1938: Possuindo o Grémio Lítero-Esportivo Dr. Alvaro Marcilio, “com inteiro apoio” da Directoria do estabelecimento, [...] Possue para a prática de esportes òtimos campos, sendo o de ginástica obrigatoria para os alunos do Ginásio, de Volley-ball e de basket-ball, um sò porém junto ao educandário. [...] É preciso educar e instruir por métodos modernos. A escola deve ser alegre, atraente, amavel e leve[24]. A foto da equipe de basquetebol feminino da escola trazida no jornal (FIG. 4), além de ser a primeira associada a este esporte na cidade, demonstrava o vínculo da nova prática com o ambiente escolar. Enfim, ambos, educação e esportes associavam-se aos preceitos modernos de desenvolvimento social.


Figura 4
Team feminino de basket-ball do Instituto Norte-Mineiro de Educação - 1938.
Gazeta do Norte (MG). Sábado, 31 de dezembro de 1938, p.12.

Podemos afirmar que, no final dos anos trinta, nas páginas da Gazeta do Norte, seção Gazeta nos Esportes, voleibol e basquetebol ocupavam espaços iguais e, por diversas vezes, maior do que o noticiário do futebol, gozando de prestígio nas inserções do jornal. Para confirmar, notamos que as associações esportivas tiveram atividades periódicas em 1939, notadamente os dois esportes norte-americanos, destacando-se no ano, os jogos comemorativos do primeiro aniversário da AMEA, quando aconteceram: [...] nas quadras do Ginasio Municipal, animadas partidas de bola ao cesto, entre os teams principaes da A.M.E.A e do Ateneu, e de Wolley-ball, entre o six feminino da A.M.E.A. e o do Colegial Esporte Club, em seguida, a revanche do jogo de basquete aconteceria na inauguração das [...] otimas quadras de Volley e basket da União Operaria Esporte Club[25].

No ano de 1939 a cidade contava com duas praças esportivas apropriadas ao basquete e ao vôlei, no Gymnasio Municipal e no Instituto Norte Mineiro. Contudo, no meio do ano foi estabelecida a quadra da recém-inaugurada União Operaria Esporte Club, que a Gazeta do Norte reportou: Inaugurando a otima quadra de basket-ball do União Operaria Esporte Club, em sua sede, á rua Bocaiúva, realisou-se animada partida desse esporte, entre os quadros do Ateneu e da A.M.E.A[26].

Nesse cenário de profusão de equipamentos adequados aos esportes modernos, talvez provocada e incentivada pelo momento, a Associação Atlética Ateneu, ainda em 1939, anunciava a construção da sua praça de esportes na Gazeta do Norte:

Foi quem introduziu nesta cidade o basket-ball, o violento e elegante esporte da cesta, já iniciou os trabalhos de sua praça de esportes, que contará com quadras para wolley e basket-ball, alem de locais que servirão á pràtica de outros esportes. [...] O novo campo do Ateneu està sendo construido em um grande terreno, jà murado, situado á rua D. Veloso. [...] É mais um passo dado em favor do esporte montesclarense, de que tem sido o Ateneu um grande e entusiasta animador[27].

A coluna esportiva da Gazeta do Norte anunciou em 1940: Montes Claros possue atualmente 6 ótimas quadras de basket-ball, destacando-se as do estádio da Rua Dezembargador Velôso e do Instituto Norte Mineiro[28]. Possivelmente, devido a importância que vinha se constituindo à época, o basquete montes-clarense teve o seu primeiro jogo intermunicipal em março de 1939, quando a cidade foi visitada pelo Curvêlo Tenis Club, da cidade de Curvelo, para enfrentar um selecionado constituído por jogadores da AMEA e do Ateneu:

A cidade assistirá, no proximo dia 19 do correspondente, a um espetaculo esportivo de altas proporções quando o quadro de basket-ball do Curvêlo Tenis Club enfrentará á um team de cestobolistas da cidade, no Campo do Instituto Norte Mineiro de Educação. Para esse prelio já foram convocados elementos da associação Municipal de Estudos e atletismo e da Associação Atletica Ateneu, que formarão o quadro que representará a cidade frente ao Cuvêlo, que vem precedido de grande fama, justificada pelo alto conceito que goza o Curvêlo Tenis Club, e a alta classe de seu jogadores[29].

Se uma equipe da cidade de Curvelo esteve jogando basquete em Montes Claros, em julho de 1940 foi a vez de Januária visitá-la para jogar vôlei na nova quadra da, já antiga, A. A. Ateneu. Sobre o encontro, denotando a característica amadora e a vinculação elitista que o esporte moderno carregava, a Gazeta do Norte descreveu que [m]omentos de sensações foram vividos pela numerosa assistencia que compareceu á quadra da ex-Associação Atlética Ateneu afim de assistir aos encontros de voleibol, entre o Club dos 40, de Januaria e o combinado dr. Antonio Teixeira de Carvalho. [...] Com a presença honrosa do Sr. Prefeito e inúmeras pessoas da nossa alta sociedade[30].

Neste ano específico, sobre a prática do voleibol em Montes Claros, uma constatação da Gazeta do Norte chama a atenção: Em estatistica levantada ha poucos dias, verificou-se que cerca de 60 pessôas praticam o volei-ból nesta cidade, diariamente[31]. O grande número de praticantes para a época se refletia na quantidade de partidas realizadas na cidade, ao ponto de o jornal surpreender-se com o mês de julho de 1940, atestando a ampliação do esporte na cidade: Durante este mês foram realizadas 5 partidas oficiais de wolley, o que prova o grande desenvolvimento desse esporte em nosso meio[32].

Consolidando a prática do vôlei na cidade, escolas organizavam campeonatos internos, como no Colégio Imaculada Conceição[33] e no Gymnasio Municipal[34]. Possivelmente, em função dessa ampliação, em 1941, a recém instituída Federação Montesclarense de Esportes, promoveu o primeiro campeonato de vôlei masculino e feminino da cidade: O estadio do Ginasio foi pequeno para conter a enorme multidão que lá compareceu para assistir a mais bela manhã esportiva montesclarense[35]. Entretanto, aumentar o número de adeptos suscitava a manutenção, ou mesmo aprendizagem, de códigos de condutas próprios dos esportes, ou seja, o advento do público assistente nos jogos de vôlei, talvez provocado pelo universo do futebol, também esquentava os ânimos, pois a ingenuidade e características “delicadas” já não existiam.

Numa rodada do campeonato, a equipe masculina do Instituto Norte Mineiro jogava contra o Aeroclub. No instante em que o placar apontava empate em 14 a 14, após um lance duvidoso, “[...] os espectadores invadem o campo exigindo a invalidade do ponto e coagindo a autoridade maxima a fazê-lo[36]. A atitude da torcida produziu uma situação nova no ambiente do vôlei: os “sururus”, confusão comum, à época, no futebol. A Gazeta do Norte reproduziu o incidente e repreendeu a assistência, porque a “educação esportiva” deveria ser inerente ao progresso do esporte:

A Educação esportiva é um fator impressindivel no bom andamento e no progresso de um “associaton”. Esse campeonato de volei que a F.M.E. está promovendo veio por em evidencia o que, sobremodo, nos falta – A EDUCAÇÃO ESPORTIVA – Mas nota-se de uma maneira algo interessante, que aquele fator tão necessario ao progresso dos esportes, não afeta em absoluto, aqui em Montes Claros, aos jogadores, mas sim a torcida! [...] Todo aquele brilho, entretanto, foi eclipsado quando a assistencia entendeu de intervir diretamente no jogo. Formava-se de quando em vez, uma cousa parecida com um desses classicos “sururus” de futebol. [...] Essas cousas desagradaveis deverão ser banidas do nosso esporte. A assistencia deverá inteirar-se de sua parte num jogo – estimular os preliantes e não apupar as autoridade fazendo-as tomar atitudes indecisas[37].

Na semana seguinte, o tumulto do jogo seria pauta de reunião da Federação Montesclarense de Esportes: De inicio o delegado escalado pela F.M.E. fez a leitura do seu relatorio, o qual, logo após, entrou em discussão. Nada ficou deliberado. Aliás, parece-nos, apenas uma cousa ficou deliberada, a morte da F.M.E[38].

Após os incidentes, a federação voltaria às atividades sob forte crítica da Gazeta do Norte: Achamos que seria conveniente que a entidade maxima do nosso esporte, antes do reinicio do campeonato, aprovasse os estatutos que aliaz foram elaborados com muito criterio e bastante entendimento das regras esportivas do Paiz por parte de seus organizadores[39]. Em resumo, a história do vôlei em Montes Claros adquiria contornos bem diferentes do seu início escolar e restrito às mulheres, nos anos 1940, o cenário é composto por homens e mulheres praticando nas escolas, associações e por competições gerenciadas por um órgão esportivo.

Considerações finais

Ainda que ponderemos as considerações defendidas por Cleber Dias (2018, p.37), quando argumenta que no Brasil “[...] predomina ainda o modelo que supõe a difusão histórica dos esportes a partir de um ou dois pontos específicos, que seriam, portanto, lugares privilegiados para a compreensão do seu desenvolvimento”, na ampliação social e urbana montes-clarense observada na primeira metade do século XX, notamos também o alavancar dos esportes modernos na cidade. Entendemos que, ao passo que entidades como escolas e associações vão surgindo no período, algumas práticas esportivas originam-se e outras incrementam-se, normalmente tendo o progresso e da civilidade como justificativas paralelas. Esse cenário seria marcado, com mais ênfase, com a construção da Praça de Esportes Minas Gerais.

Em outro sentido, fica evidenciado o processo de educação esportiva da população, com vistas ao alcance de um projeto civilizatório/modernizador, que enxergava no esporte e no lazer canais privilegiados para tal intento. O desenvolvimento dos esportes especializados, notadamente os americanos, como voleibol e basquetebol, diferentemente do já popularizado futebol, são utilizados como ferramentas de propagação do ideário esportivo, entendido como fundamental na organização e controle social.

Por fim, cabe destacar que estudos desta natureza não devem ser entendidos como um debate fechado e hermético. Neste sentido, pela particularidade local, acaba se tornando um farol para a possibilidade de diálogo com outras investigações que tematizem a história do esporte fora do eixo das grandes cidades, percebendo as aproximações e afastamentos que a interlocução com o contexto particular de outros espaços comporta.

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Notas

[1] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 26 de outubro de 1929, p.1.
[2] Gazeta do Norte (MG). Quarta-feira, 26 de maio de 1926, p.1.
[3] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 22 de maio de 1926, p.1.
[4] Gazeta do Norte (MG). Quarta-feira, 26 de maio de 1926, p.1.
[5] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 5 de maio de 1928, p.1.
[6] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 01 de setembro de 1934, p.1.
[7] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 08 de abril de 1933, p.1.
[8] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 09 de junho de 1934, p.2.
[9] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 30 de junho de 1934, p.2.
[10] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 31 de outubro de 1936, p.2.
[11] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 14 de novembro de 1936, p.4.
[12] Gazeta da Norte (MG). Sábado, 05 de maio de 1934, p.1.
[13] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 09 de junho de 1934, p.1.
[14] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 16 de junho de 1934, p.1.
[15] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 30 de junho de 1934, p.1.
[16] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 31 de agosto de 1935, p.1.
[17] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 06 de novembro de 1937, p.4.
[18] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 04 de março de 1939, p.4.
[19] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 17 de agosto de 1940, p.3.
[20] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 24 de agosto de 1940, p.3.
[21] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 30 de abril de 1938, p.3.
[22] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 14 de maio de 1938, p.1.
[23] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 22 de outubro de 1938, p.1.
[24] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 31 de dezembro de 1938, p.3.
[25] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 29 de abril de 1939, p.3.
[26] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 06 de maio de 1939, p.3.
[27] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 22 de julho de 1939, p.4.
[28] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 28 de setembro de 1940, p.3.
[29] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 04 de março de 1939, p.4.
[30] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 06 de julho de 1940, p.3.
[31] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 24 de setembro de 1940, p.3.
[32] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 27 de julho de 1940, p.3.
[33] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 31 de agosto de 1940, p.3.
[34] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 26 de outubro de 1940, p.3
[35] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 16 de agosto de 1941, p.3.
[36] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 06 de setembro de 1941, p.4.
[37] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 06 de setembro de 1941, p.4.
[38] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 13 de setembro de 1941, p.4.
[39] Gazeta do Norte (MG). Sábado, 20 de setembro de 1941, p.3.

Autor notes

1 Professor do Departamento de Educação Física e Desporto da Universidade Estadual de Montes Claros.
2 Professor do Departamento de Educação Física e Desporto da Universidade Estadual de Montes Claros.

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