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Do fogo à fumaça: a construção social do problema ambiental das queimadas nos canaviais paulistas
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 17, núm. 1, 2020
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 17, núm. 1, 2020

Recepção: 06 Setembro 2019

Aprovação: 22 Dezembro 2019

Resumo: A partir da década de 1970, o uso da prática agrícola das queimadas impulsionou um cenário fértil de debates e controvérsias em torno da produção canavieira paulista. Os efeitos nocivos de tal prática abrangiam discussões tanto sobre as formas de uso dos recursos naturais quanto a precarização das relações e condições de trabalho dos cortadores de cana, tangenciando questões trabalhistas, de dignidade humana, de saúde pública e de proteção ambiental. Nesta comunicação, no sentido de traçar algumas considerações acerca da construção social do problema ambiental das queimadas nos canaviais paulistas, buscamos reconstituir e analisar um conjunto de argumentos socioambientais, políticos e econômicos que despertaram diferentes percepções sobre meio ambiente dessa lavoura e, da mesma forma, um cenário institucional conflituoso pelo qual o setor sucroalcooleiro paulista foi capaz de se movimentar. Do ponto de vista metodológico, partimos de uma abordagem qualitativa, subsidiada pela pesquisa bibliográfica e documental, além de entrevistas semiestruturadas com representantes da burocracia estatal e da União da Indústria da Cana-de-açúcar (UNICA).

Palavras-chave: Construção social dos problemas ambientais, queimadas, lavoura canavieira paulista.

Resumen: Desde la década de 1970, el uso de la práctica agrícola de las quemas condució un gran escenario de debates y controversias acerca de la producción de caña de azúcar en el estado de São Paulo. Los efectos nocivos de esta práctica incluyeron debates, no solo sobre las formas de uso de los recursos naturales, sino también sobre la precarización de las relaciones y condiciones de trabajo de los cortadores de caña de azúcar, abordando cuestiones de laborales, de dignidad humana, de salud pública y de protección ambiental. En este artículo, para delinear consideraciones acerca de la construcción social del problema ambiental de las quemas en el cultivo de caña de azúcar en el estado de São Paulo, buscamos reconstruir y analizar un grupo de argumentos socioambientales, políticos y económicos que despiertan diferentes percepciones sobre el medio ambiente de esta labranza y, también, un escenario institucional de conflictos por donde el sector de caña y alcohol de São Paulo fue capaz de moverse. Del punto de vista metodológico, partimos de un abordaje cualitativo, subsidiado por la investigación bibliográfica del estado y de la UNICA (Unión de la Industria de Caña de Azúcar).

Palabras clave: construcción social de los problemas ambientales, quemas, labranza de caña de azúcar del estado de São Paulo.

Abstract: From the 1970s the use of burning as an agricultural practice promoted a pulsing scenario of debates and controversies around the sugar cane production in São Paulo state. The harmful effects of this practice opened the discussions around the use of natural resources as well as the precariousness of the work relations and conditions of the sugar cane workers, addressing labor issues, human dignity, public health and environmental protection. In this paper, as an effort to describe some considerations about the social construction of the environmental problem related to the burning of sugar cane crops in São Paulo, we intend to reconstruct and analyse a series of socio-environmental, political and economic arguments that awoke distinct perceptions about the environment of this crop, and, similarly, a conflicting institucional scenario through which the sugar and alcohol industry in São Paulo was capable to move. From the methodological point of view, we start from a qualitative approach, subsidized by the bibliographical and documental research, besides the semi-structured interviews with the representatives of the state bureaucracy and the UNICA (Union of the Sugar Cane Industry).

Keywords: social construction of environmental problems, burnings, sugar cane crops in São Paulo state.

Introdução

Queima-se a cana porque se tornou um processo produtivo mais barato. Pouco importa se o Meio Ambiente, se a sociedade em geral vai ter prejuízos com isso. O que interessa, de fato, no final das contas, é que a produção se torne mais barata. O trabalhador está dentro dessa lógica também (Procurador Regional do Trabalho da 15ª Região, SÃO PAULO, 2008).

Enquanto um meio mais rentável para a realização do corte manual da cana-de-açúcar, a prática agrícola das queimadas torna-se mais habitual e intensiva nos canaviais paulistas a partir da década de 1970, motivada pelos incentivos estatais à produção do combustível álcool. Tal prática deu margem à intensificação de impactos socioambientais que se estenderam proporcionalmente à expansão territorial da produção sucroalcooleira.

Em contrapartida, o alcance e as percepções de tais impactos acionam respostas e ações de diversos agentes e setores da sociedade, sendo vinculadas tanto a discussões acerca das formas de uso dos recursos naturais quanto àquelas voltadas à precarização das relações e condições de trabalho dos cortadores de cana. Neste sentido, a pauta das queimadas chegou ao âmbito jurídico e legislativo do estado de São Paulo[2] tangenciando questões distintas, instigando-nos a considerar que o despertar sobre o problema ambiental das queimadas se deu através do encaixe de diversos vieses, conforme nos sugere a abordagem construtivista da Sociologia Ambiental.

Vale destacar que tal abordagem demonstra interesse aos processos sociais que fazem com que o meio ambiente e os problemas ambientais recebam sentido, adquiram visibilidade e ganhem credibilidade no campo das decisões políticas (HANNIGAN, 1995; FLEURY et al., 2014). Assente a isso, denota atenção a uma dupla dimensão social do meio ambiente, sob a qual buscamos nos debruçar no decorrer da discussão.

A primeira dessas dimensões defende que o meio ambiente e os problemas ambientais derivam de sua valoração social, dependendo de fatores sociais, políticos, econômicos e/ou culturais implicados na interação entre a sociedade e a natureza, distanciando-se de uma constituição propriamente física dos recursos naturais (HANNIGAN, 1995; LEZAMA, 2004).

Seguindo essa linha e pensando nessa interação, uma segunda dimensão revela como o meio ambiente e os problemas ambientais são definidos e enfrentados institucionalmente na arena social e política, considerando as relações de poder daí implicadas e despontadas (HAJER, 1995).

Recorrendo às contribuições dessa abordagem a fim de refletir sobre a construção social do problema ambiental das queimadas nos canaviais paulistas, buscamos reconstituir e analisar um conjunto de argumentos socioambientais, políticos e econômicos gerados a partir da pesquisa bibliográfica e documental, assim como a realização de entrevistas semiestruturadas[3] com representantes da burocracia estatal e da União da Indústria da Cana-de-açúcar (UNICA)[4] .

Em sequência, exploraremos os argumentos que puderam despertar diferentes percepções acerca e a partir das queimadas, privilegiando a dupla dimensão supracitada. Para tanto, tomamos como aporte o modelo relacional-cognitivo de Hannigan (1995), elaborado no intuito de compreender a construção de um problema ambiental a partir das tarefas de junção, apresentação e contestação dos argumentos socioambientais.

Um ponto importante a ser destacado é que as tarefas apresentadas ocorrem em concomitância, não de forma linear ou etapista. Tais tarefas são aqui tomadas enquanto recurso analítico para ilustrar as particularidades do alcance do problema ambiental das queimadas em âmbito institucional. Seguindo esse percurso, nossa proposta também caminha no sentido de evidenciar como tais argumentos puderam sustentar um cenário institucional conflituoso pelo qual o setor sucroalcooleiro paulista foi capaz de se movimentar.

As diferentes percepções sobre as queimadas: a junção dos argumentos socioambientais

A primeira tarefa do modelo relacional-cognitivo para a construção de um problema ambiental consiste na junção dos argumentos. Isso representa a descoberta e a elaboração iniciais de um problema, sendo composta por atividades específicas, tais como: a nomeação do problema, sua distinção de outros problemas similares, a determinação das bases científicas, técnicas, morais ou legais dos argumentos e, ainda, designar quem é o responsável por levar a cabo a decisão de melhorias (HANNIGAN, 1995).

Eu queria fazer uma pergunta ao engenheiro [nome], se ele como engenheiro e pai de família acha a queimada nociva ou não ao meio ambiente? [...] Como engenheiro e funcionário da CETESB, que conhece bem do assunto, se é nocivo ou não (Deputado condutor da discussão da CPI das Queimadas[5]. SÃO PAULO, 2008).

[...] Não tenha dúvida nenhuma que como técnico, profissional e cidadão, o nosso entendimento é que a queimada é um procedimento que já deveria ter sido abolido, ou ser abolido no menor espaço de tempo possível. Isso tanto ambientalmente, não só pelas questões ligadas aos padrões de emissão, padrões de qualidade, condições atmosféricas, condições de saúde, reclamações das populações, e não tenha dúvida que esse hoje é o maior conflito entre a atividade supra o poder da sociedade e a queima da palha de cana (Gerente da Agência Ambiental da CETESB em Ribeirão Preto. SÃO PAULO, 2008).

A fala acima, reforçada por uma autoridade - gerente da Agência Ambiental da CETESB -, já apresenta alguns desses aspectos ao identificar as queimadas como causadora de impactos socioambientais, sinalizando os ?padrões de emissão, padrões de qualidade, condições atmosféricas, condições de saúde, reclamações das populações? enquanto pautas dessa problemática. A dimensão do conflito entre a sociedade e o setor sucroalcooleiro também é evidenciada, considerando este último como o responsável pelas queimadas e, portanto, por seus impactos.

Essa prática, por sua vez, é realizada previamente ao corte da cana-de-açúcar, atingindo de maneira direta os recursos naturais que compõem a lavoura. Dentre seus efeitos, podemos destacar o aumento da temperatura e a diminuição da umidade natural dos solos, ocasionando uma maior compactação e uma perda de porosidade dos mesmos, além da polimerização de substâncias húmicas[6] e a perda de nutrientes, seja para a atmosfera - através da combustão -, seja para as águas - através da lixiviação[7] (LANDGRAF et al., 2005).

Para além dessas questões, outro efeito das queimadas é a emissão intensa de gases tóxicos à atmosfera, como o monóxido e dióxido de carbono (CO e CO2), monóxido e óxidos de nitrogênio (NO e NOx), dióxido de enxofre (SO2), metano (CH4), hidrocarbonetos não metânicos, sulfatos, material particulado, compostos orgânicos voláteis (COV) e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) (KIRCHHOFF e MARINHO, 1991; ARBEX, 2001). Esta variedade de substâncias espalha-se pelos arredores dos canaviais sob forma de fumaça e fuligem, formando o ?carvãozinho?, experienciado no cotidiano dos moradores de áreas próximas aos canaviais, conforme salientado na fala a seguir:

[...] [a queima nos canaviais] é um incômodo mesmo à população, independente de problemas respiratórios e tudo mais, o simples fato de você ter sua roupa no varal suja, o seu quintal sujo, ter que varrer aquele carvãozinho que desmancha (Especialista ambiental ? SMA/SP. Entrevista concedida em 14/01/2016).

A atenção dos argumentos científicos, ancorados no conhecimento prático (HANNIGAN, 1995), também se volta aos efeitos das queimadas no que concerne à saúde pública. Os compostos orgânicos gerados na combustão da palha são responsáveis pelo desencadeamento e agravamento de uma série de doenças, sendo as mais comuns e perceptíveis as doenças respiratórias ? como a bronquite, rinite, asma, etc. (RIBEIRO, 2008). Ademais, a fumaça liberada da queima pode causar sonolência, prejudicar o raciocínio e diminuir os reflexos e a destreza manual, principalmente dos trabalhadores que estão em contato direto com os resquícios dessa fumaça (ARBEX, 2001).

Para além de considerar as formas de uso dos recursos naturais, podemos observar que o despertar sobre o ambiental está ligado a outros fatores implicados na interação entre a sociedade e a natureza (LEZAMA, 2004). No caso das queimadas, as emissões de fuligem e fumaça podem ser percebidas visualmente, bem como a partir das consequências que tangenciam questões de saúde pública. Tais fatores, no entanto, não esgotam as possibilidades de pensar essa interação, como ilustrado a seguir:

Essa questão de queima da cana-de-açúcar, se você bem olhar e bem analisar, ela tem várias nuances. Para mim, sempre acho, qualquer coisa que envolva o meio ambiente diretamente, está relacionada com a saúde. Então, ela tem a questão ambiental, tem a questão da saúde, e nós vimos nessa vertente, a questão da dignidade da pessoa humana (Procurador Regional Federal e representante do Ministério Público Federal no CONAMA. Entrevista concedida em 15/12/2016).

A questão da dignidade da pessoa humana, presente na fala acima, destaca outro aspecto bastante presente nos argumentos socioambientais contrários a essa prática agrícola e que, da mesma forma, ampara a lógica expansiva do setor sucroalcooleiro: o trabalho no corte da cana. Diante disso, ao analisarmos as justificativas desse setor que sustentam a permanência das queimadas, notamos que estas não se veem descoladas da figura dos trabalhadores que realizam tal tarefa.

O argumento de que essa prática elimina palhas e folhas da cana-de-açúcar, não aproveitadas no processamento industrial, caminha junto àquele que reforça que tais matérias são altamente cortantes e se apresentam enquanto um risco aos trabalhadores. Seguido pelo fato do fogo também ser capaz de espantar animais peçonhentos, como cobras e escorpiões, que encontra, do mesmo modo, respaldo em termos de segurança e risco.

Outrossim, tal argumento acaba por reforçar a ação biocida das queimadas, isto é, uma ação letal em relação à fauna, à flora e aos microorganismos (GONÇALVES, 2005), como pode ser ilustrado na fala em sequência[8]:

[...] Nós vimos aí que a queimada também causa diversos desequilíbrios ecológicos com a questão da morte dos animais silvestres no meio dos canaviais, essa prática de queimar a cana à noite que pode ter certo benefício, mas que à medida que o fogo é ateado em círculo, os animais que estão ali, principalmente de noite, os pássaros principalmente, morrem todos. Nós temos aí documentos e fotos de animais que morrem, eu vi uma notícia outro dia que os cortadores de cana na hora que chegaram a um determinado canavial tinham tantas pombas mortas que eles comeram essas pombas carbonizadas, ou o pouco que restava delas (Presidente da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil. SÃO PAULO, 2008).

Concomitante ao quadro de justificativas postas pelo setor sucroalcooleiro estão os argumentos que contestam a realidade vivenciada por esses mesmos trabalhadores. Na fala anteriormente apresentada já é possível ter uma dimensão dessa realidade, estendida a outros aspectos abarcados pelas condições desse trabalho[9], conforme discorrido pela coordenadora da Pastoral do Migrante:

[...] As características desse trabalho, é um trabalho árduo, estafante, tem o calor, o cansaço, e com relação a essa questão de calor, saiu uma informação que foi feita pelo Ministério Público de Trabalho que nesse período de 29 e 30 de Outubro [de 2007], dezenas de trabalhadores passaram mal e tiveram que ser socorridos pela questão do calor. Perda de potássio, aspiração da fuligem, presença de gases com partículas, e a questão da saúde, constituição física debilitada, os que vêm para o corte de cana, eles não têm tido uma boa alimentação e nem uma constituição física que dê conta desse tipo de atividade. A perda de peso na safra... tem trabalhadores que chegam a perder oito quilos em uma safra, eles mesmos quando se sentem fracos, vão direto na farmácia e solicitam algum tipo de vitaminas, de fortificantes e de coquetel. As usinas não oferecem planos de saúde, a maioria delas, e eles acabam utilizando os ambulatórios e a maioria deles vai para o SUS. Os sintomas freqüentes, além de ocorrerem vários acidentes de trabalhos, eles tem dores na coluna, nas pernas, nos braços, deformações nos ombros, nos pés e na coluna, câimbras, problemas respiratórios, muitos deles acabam pegando sinusite e perda do apetite, no tempo de calor eles perdem o apetite (Coordenadora da Pastoral do Migrante Regional de Ribeirão Preto. SÃO PAULO, 2008, grifos da relatora).

Para além do sofrimento físico apontado pela coordenadora, Verçoza (2018) destaca um sofrimento moral e psíquico. Na visão do autor, existe o encobrimento da questão do adoecimento que perpassa a vida e a morte desses trabalhadores. Na mesma direção, também podemos apontar o desencadeamento de doenças cardiovasculares e, inclusive, de mortes ocorridas nos canaviais durante o corte da cana, diretamente atreladas à alta produtividade e ao tipo de remuneração por produção (SILVA e MARTINS, 2010; VERÇOZA, 2018).

Ademais, como consequência dessa dinâmica produtiva, Andrade (2003) evidencia o consumo de maconha e crack por parte de alguns trabalhadores. Segundo a autora, a fim de alcançar ou ultrapassar as metas diárias de toneladas de cana cortada, o consumo dessas substâncias contribuiria, no primeiro caso, na inibição/alívio das dores musculares e, no segundo, em um aumento da disposição durante o trabalho.

Em contrapartida, em meio a este debate que expõe a lógica da monocultura canavieira como causadora de impactos socioambientais variados, o depoimento do representante da UNICA pode ser interpretado enquanto uma estratégia discursiva do setor que favorece a manutenção da prática das queimadas.

Havia sempre o argumento, sempre muito forte do que fazer com 1 milhão de trabalhadores que eram sustentados pela colheita da cana. Mormente, porque eles haviam acordos. Em todos acordos com os sindicatos firmados pela indústria, a indústria era proibida de exigir o corte da cana crua sem ser queimada, porque do ponto de vista do trabalhador é um crime você por eles para cortar folha. Não só o rendimento, a produtividade cai brutalmente, mas é muito mais... o perigo é enorme. Corta! Aquilo você tem que ter uma armadura, por mais que você esteja protegido, não tem conversa (Representante da UNICA. Entrevista concedida em 10/10/2016).

A fala desse agente reforça a estratégia do setor em atrelar a permanência das queimadas à figura dos cortadores de cana. Nesse caso, aponta que existem acordos que proíbem o corte manual da cana sem queima prévia e, por isso, a permanência dessa prática é também justificada pela manutenção do emprego desses trabalhadores.

Com isso, observamos que a apresentação dos argumentos e exigências socioambientais tiveram como resposta contra-argumentos elaborados pelo setor sucroalcooleiro, construindo, assim, um campo conflitivo de lutas acerca das queimadas nos canaviais paulistas que pôde se estender ao âmbito institucional e refletir desequilíbrios de força entre os agentes interessados e envolvidos nesse debate.

Seguindo nossa proposta de discutir a construção social do problema ambiental das queimadas, buscamos expor o alcance e os desdobramentos das pautas apresentadas, mobilizando a segunda e a terceira tarefa da Hannigan (1995), constituídas pela apresentação e a constatação das exigências ambientais.

Queimadas em pauta: a apresentação e a constatação dos argumentos socioambientais

A segunda tarefa da construção social dos problemas ambientais consiste na apresentação dos argumentos e é composta por dois intuitos específicos: liderar a atenção desses argumentos de modo que o problema ambiental seja visto como algo importante e compreensível, bem como legitimá-los por meio do uso de estratégias retóricas e de referência a argumentadores como fontes de autoridade de informação, tais como, a ciência, a política e os meios de comunicação[10] (HANNIGAN, 1995).

No que tange às queimadas, destacamos que a apresentação desses argumentos contou com a colaboração de múltiplos grupos e setores sociais, capazes de disseminar essa problemática por meio de processos judiciais, manifestações públicas, do movimento sindical dos trabalhadores rurais, de assembleias legislativas municipais e da mídia (ANDRADE JÚNIOR, 2016).

Diante disso, Andrade Júnior (2016) agrupa o histórico das lutas ecossociais pela eliminação da prática das queimadas em três períodos que, por sua vez, contribuem para melhor compreendermos o alcance dos argumentos socioambientais apresentados no tópico anterior, que puderam se desdobrar em disputas ocorridas em âmbito institucional. São eles:

1º período - 1988 a 1994: marcado pela intensificação das preocupações com a emissão de gases poluentes em âmbito internacional e pelo alinhamento de interesse entre diferentes grupos e setores sociais acerca das queimadas nos canaviais paulistas, tais como entidades ecológicas, professores universitários e pesquisadores, moradores próximos a áreas canavieiras;

2º período - 1995 a 2006:abrange a intensa oposição à prática agrícola das queimadas iniciada no período anterior, reforçada pela divulgação de estudos científicos e das manifestações de descontentamento, a ocorrência de fiscalização, o ajuizamento de ações judiciais e a prolatação das primeiras decisões proibitivas;

3º período - 2007 a 2012: indica um nítido enfraquecimento em termos de lutas quando comparado aos períodos anteriores em decorrência do processo de implementação de máquinas capazes de realizar o corte da cana crua, sem queima[11]. Contudo,

Frente aos períodos apresentados, as manifestações públicas e as denúncias contrárias às queimadas chegam ao âmbito jurídico e legislativo, cravando institucionalmente as lutas pelo fim das queimadas. Tais ações foram capazes de contribuir para a repercussão dessa pauta, fortalecendo a proposta de criação de leis, decretos e regulamentações ao longo das décadas, assim como criando um cenário conflituoso pelo qual o setor sucroalcooleiro passou a enfrentar, mobilizando seus recursos de poder e elaborando estratégias para defender seus próprios interesses.

[...] eu estou procurando pensar, transmitir a você o que era o pensamento naquele momento, eu não quero fazer a crítica hoje do que eu pensava ontem, eu quero ver ontem, como se pensava ontem, nós do setor achávamos que o problema da queima da palha era irrelevante. Eu achava isso. Que o usineiro achasse isso era uma coisa, mas eu achava isso! E nós, os técnicos, os caras que conduziam os estudos, nós não estávamos convencidos de que era um mal. Era um mal. Mas primeiro para efeitos de limpeza da matriz de carbono, de combustível, não pesava nada. A queima da palha da cana pesava muito pouco como efeito sobre o aquecimento global, sobre o aumento de carbono na atmosfera. Era muito ridículo. E ele aconteceria de qualquer forma. Seja na palha que fica no campo e fica apodrecendo e portanto fica se emitindo da mesma forma que se queimar, seja que se eu pegasse essa palha e fosse processá-la nas caldeiras. Ou seja, a palha desaparecia de qualquer maneira, portanto, o efeito carbono dela aconteceria, não importa se fosse pela queima, na cana de pé ou nas outras formas. Portanto, o problema, e eu faço um pouco de ridículo nisso... O primarismo no nosso pensamento, porque era, na verdade, os subúrbios das cidades que estavam dentro da área de cana que viam sua roupa lavada suja pela fuligem. E o argumento que a gente usava era assim mesmo, com essa crueza. Não era um problema sério (Representante da UNICA. Entrevista concedida em 10/10/2016).

Destacamos, a partir desse depoimento, que a iniciativa de elaboração de ações voltadas à proibição das queimadas não partiu de motivações do próprio setor sucroalcooleiro pretendendo defender seus interesses. O entendimento das queimadas enquanto prejudicial ao meio ambiente e à sociedade como um todo surgiu, inicialmente, por meio de um conhecimento prático, experienciado no cotidiano, conforme apresentado no tópico anterior.

Alcançamos, assim, a terceira e última tarefa do modelo relacional-cognitivo de Hannigan (1995), a qual implica em contestar os argumentos ambientais. Nessa tarefa, ocorre a transposição das exigências ambientais para o âmbito institucional, resultando em ações e políticas de implementação por meio da produção de novas normas e regulamentações.

Chegamos ao campo político, envolvendo o arbitramento de disputas sobre as exigências formuladas por agentes ou grupos que visam gerar legitimidade de seus enunciados, por vezes, distintos (BOURDIEU, 2010). Ademais, de acordo com Hajer (1995), em face dos acordos e desacordos que refletem as disputas no âmbito institucional e movem as negociações políticas, daí podem ser concebidas novas maneiras de criar o próprio meio ambiente, apontando a relevância de compreender as particularidades das relações de poder que também despontam em meio aos processos de institucionalização.

Lutas em pauta: a construção de uma agenda política

Temos, então, como expressão do primeiro período das lutas ecossociais, o Decreto Estadual nº 28.848/1988, que torna proibida qualquer forma de emprego de fogo para fins de limpeza e preparo do solo, de preparo do plantio e de colheita (SÃO PAULO, 1988a). A promulgação desse decreto afeta diretamente os interesses do empresariado canavieiro, ficando ainda mais insatisfeito quando se iniciam as ações repressivas e preventivas de agências ambientais nas propriedades canavieiras e nas usinas do estado (ANDRADE JÚNIOR, 2016).

Contestando essa promulgação, o setor passa a pressionar o governo na tentativa de revogar a proibição, utilizando-se da estratégia de justificar a permanência do uso da prática agrícola das queimadas a partir da figura dos cortadores de cana, como mencionamos no tópico anterior. Assim, podemos encarar tal estratégia enquanto um recurso de poder, uma jogada dos usineiros para dar continuidade à monopolização de alguns recursos políticos e econômicos provindos do próprio Estado (BOURDIEU, 2010), tendo como resultado a constante substituição de leis que favorecem seus interesses.

Segundo Andrade Júnior (2016), imerso a lógica desse campo conflitivo, Orestes Quércia, o então governador do estado de São Paulo, acaba por ceder às pressões do setor e, dias depois de proibir a queima em todo o estado, tal prática agrícola volta a ser permitida por meio de um novo decreto. O Decreto Estadual n° 28.985/1988 veio, pois, regulamentar o anterior, alterando seu conteúdo de acordo com as necessidades da produção canavieira, acrescentando a vedação da queima em 1 km do perímetro urbano das cidades como restrição (SÃO PAULO, 1988b).

Dada a ausência de resoluções mais imediatas que proibissem as queimadas, bem como pelas leis que davam respaldo bastante abrangente à manutenção dessa prática agrícola, percebemos a continuidade das lutas ecossociais no período subsequente, marcado pelos anos de 1991 a 1994 (ANDRADE JÚNIOR, 2016).

No desenrolar dessas disputas, em 1995, o setor sucroalcooleiro resolve, estrategicamente, mudar de postura, passando a articular uma proposta de eliminação lenta e gradativa das queimadas (SABADIN, 2017). Essa nova estratégia de negociação visa a garantia do prolongamento da utilização das queimadas até o ano de 2009 nas áreas mecanizáveis; a permissão irrestrita de queima nas áreas não mecanizáveis[12]; e, por fim a permissão da queima na faixa de 1 km do perímetro urbano (ANDRADE JÚNIOR, 2016).

Em 1997, o Decreto Estadual nº 42.056, editado pelo governador Mário Covas, opta por uma solução ?intermediária? que favorece a proposta da eliminação gradativa das queimadas, prevendo um prazo de 8 anos - isto é, até 2005 - para a eliminação da queima da cana nas áreas mecanizáveis e de 15 anos às áreas não mecanizáveis - portanto, 2012 (SÃO PAULO, 1997). Além disso, mantém-se a proibição na faixa de 1 km do perímetro urbano, determinando, inclusive, que qualquer expansão territorial canavieira dali para frente deveria ser realizada sem a utilização das queimadas (ANDRADE JÚNIOR, 2016).

Se por um lado esse posicionamento não favorece por completo as exigências do empresariado canavieiro, por outro permite, mesmo que com algumas restrições, a continuidade da utilização do fogo nos canaviais paulistas. Isso faz com que o setor ganhe tempo para fazer novas negociações com o governo do estado de São Paulo, utilizando-se da própria criação de leis enquanto ferramentas de poder a fim de manter a ordem já estabelecida (THOMPSON, 1987) ou, ao mesmo, evitar novas perdas econômicas.

No ano seguinte, o Decreto Federal nº 2.661/1998 garante ao setor prazos maiores para a eliminação gradativa e, então, passa a ser permitida a queima nas áreas de expansão canavieira e também nas áreas de 1 km do perímetro urbano; as áreas não mecanizáveis passam a não ter prazos previstos para o fim da prática; e as áreas mecanizáveis têm seu prazo de eliminação estendido para o ano de 2018 ? 20 anos (SÃO PAULO, 1998). Dessa forma, as exigências solicitadas pelo setor sucroalcooleiro anteriores ao decreto de 1997 são contempladas em meio à ?mudança de postura? estratégica do setor em face da imposição de seus interesses.

Perto dos prazos impostos pelo Decreto Estadual nº42.056/1997 chegarem ao fim, existe uma tentativa de instituir o Projeto de Lei nº 491/1999, que possui o mesmo conteúdo do Decreto Federal de 1998. Tal projeto é, inicialmente, vetado pelo governador Mário Covas, visto que confronta as exigências do Decreto Estadual de 1997.

No entanto, de volta à Assembleia Legislativa, o projeto é aprovado e nos anos 2000 é promulgada a Lei Estadual nº 10.547/2000, atendendo aos prazos novamente estipulados pelo empresariado. Em oposição a isso, o governador recusa-se a regulamentar, mediante decreto, a lei aprovada, desfavorecendo os interesses do empresariado.

Em vista da ausência de regulamentação da Lei Estadual nº 10.547/2000, e com a posse de Geraldo Alckmin em 2001, inicia-se uma nova ação no governo do estado de São Paulo, que institui a suspensão da queima da cana em todo o estado, fazendo com que a Secretaria do Meio Ambiente fique responsável por negar todas as autorizações de queima solicitadas. Em decorrência da ausência de regulamentação desta última lei estadual, o judiciário é acionado, exigindo que o executivo estadual edite um decreto regulamentador, o Decreto Estadual nº 45.869/2001. Logo, podemos observar as lutas concorrenciais ultrapassando as disputas entre a opinião pública e o setor sucroalcooleiro e atingindo os campos político e jurídico, não necessariamente em concordância com seus interesses e decisões, como ilustrado no decorrer deste histórico.

A então regulamentação dos anos 2000 acaba por agregar uma nova restrição: 13,35% das áreas não mecanizáveis devem ser colhidas sem queima e, para além disso, admite a eliminação gradativa nas áreas não mecanizáveis, desagradando novamente o setor (ANDRADE JÚNIOR, 2016). Ainda, no início da fase de regulamentação, o governo envia a Mensagem 105/2001, reforçando sua disposição para o debate, posto que não se mostra de acordo com as medidas tomadas até então.

No ano seguinte, aprova-se e promulga-se a Lei Estadual nº 11.241/2002, vigente até os dias atuais, com o objetivo de conduzir a eliminação gradativa da queima da cana-de-açúcar no estado de São Paulo, estipulando os prazos de permissão dessa prática para o ano de 2021 às áreas mecanizáveis e 2031 às não mecanizáveis. Ademais, tal lei estabelece que nas áreas de expansão canavieiras ocorridas entre os anos de 1997 e 2002 seria permitida a queima, bem como nas novas expansões do plantio, mantendo a decisão de proibir a queima na faixa de 1 km do perímetro urbano (ANDRADE JÚNIOR, 2016).

Esta última lei representa um fim na disputa entre o executivo e o legislativo estaduais, favorecendo os interesses do setor sucroalcooleiro previstos nas décadas anteriores e, principalmente, deixando permitida, de certa forma, a queima da cana-de-açúcar. Se Thompson (1987) admitiu que as leis podem inibir o poder e oferecer proteção aos destituídos de poder, ao contrário disso, as leis de proibição das queimadas, ao invés de atender as demandas sociais que lutavam pelo fim do fogo nos canaviais, acabaram por reforçar o poder do setor sucroalcooleiro neste campo conflitivo.

Nesse mesmo sentido, no que se refere a essa última lei, o relatório da CPI da queima da palha da cana-de-açúcar aponta que,

Tal legislação vigente se, por um lado, previu prazos para o fim das queimadas, atendendo aos reclamos do setor sucroalcooleiro, com prazos extremamente longos e exigências demasiadamente permissivas, gerou conseqüências sócio-econômicas extremamente danosas, onde o Ministério Público e grande parte da sociedade civil a entendeu com um retrocesso na legislação, com reflexos negativos em diversas áreas (SÃO PAULO, 2008).

Apesar dos reflexos negativos, o período posterior à lei de 2002 marca uma nova fase na produção do etanol no país. Em razão da maior visibilidade do produto no mercado mundial e visando a conquista de novos mercados, o empresariado canavieiro novamente assume uma nova postura, buscando tornar a imagem do produto mais ?sustentável? (GAMEIRO, 2015).

[...] o movimento político das cidades do interior de São Paulo começou a crescer, e nós começamos a sentir na assembleia legislativa o efeito disso. Eram os deputados que começavam a repetir o que os prefeitos falavam, ou as associações, e aí, nós preocupadíssimos com a opinião pública... É uma época em que a UNICA toma conhecimento de que existe um público que tem que ser tratado direito, que precisa ser conquistado, porque isso é que é conquistar o mercado do etanol. [...] Então, nós começamos a nos preocupar enormemente com opinião pública. E começamos a investir pesado. Onde esse assunto [as queimadas] era um dos assuntos. Ele era pouco relevante do ponto de vista técnico para nós? Era. Mas era de uma importância... E aí, tivemos que prestar atenção nisso (Representante da UNICA. Entrevista concedida em 10/10/2016)

Essa nova postura mostra-se estratégica frente ao cenário do período, visto que este permanece agravado pela continuidade das denúncias sobre mortes nos canaviais em decorrência do trabalho degradante, sobre as próprias condições de trabalho e os impactos ambientais em decorrência das queimadas. Vemos aí, também, uma tentativa de barrar a criação de novas leis debruçadas sobre a proibição dessa prática e que, de certa forma, expõem o setor de maneira negativa.

Em 2007, firma-se, então, o primeiro Protocolo Agroambiental Paulista[13], que pode ser pensado como um arbitramento de disputas, nos termos de Bourdieu (2010). Esse arbitramento, por sua vez, propõe um modelo regulador, um ajustamento de conduta do setor sucroalcooleiro, capaz de transformá-lo, como evidenciado no próprio documento, em um produtor sustentável de cana-de-açúcar e de etanol a partir de uma proposta de mecanizar o corte da cana-de-açúcar (SABADIN, 2017).

Podemos observar que, desse modo, o setor passa a se inserir ao debate da problemática das queimadas, criando uma nova verdade, ou visão de mundo, dentre os argumentos apresentados e guiando sua própria agenda, antes orientada por leis e decretos. A nova estratégia, no entanto, não elimina o debate conflitivo existente dentro e fora dos campos político e jurídico, mas mantém a relação ativa e definida desse campo (THOMPSON, 1987).

O setor sucroalcooleiro passa, com isso - junto à legitimidade das Secretarias de Agricultura e Abastecimento (SAA) e do Meio Ambiente (SMA) do estado de São Paulo, encaradas aqui enquanto estabelecedoras de normas sociais -, a propor novos prazos gradativos à eliminação das queimadas, bem como a criar outras diretivas de melhoria ambiental a longo prazo que reforçam, a menos de maneira discursiva, a campanha do etanol como combustível verde, silenciando as críticas e as lutas ecossociais.

À guisa de conclusão

Partindo de duas dimensões sociais do meio ambiente, buscamos trazer uma possibilidade de interpretação da construção social do problema ambiental das queimadas nos canaviais paulistas. A primeira dessas dimensões, que se apoia na interação entre a sociedade e a natureza, contribuiu para acessarmos os diferentes argumentos socioambientais acerca dos efeitos da prática das queimadas, sinalizando o despertar sobre o problema ambiental em questão. Notamos, dessa forma, que este debate aciona preocupações que ultrapassam o domínio daquelas voltadas aos recursos naturais da lavoura canavieira. A referida relação pôde, então, ser percebida também através de questões trabalhistas, de dignidade humana e saúde pública, mobilizadas por agentes diversos, chegando ao âmbito institucional.

Tendo em conta a discussão levantada a partir da interação entre a sociedade e a natureza, a segunda dimensão ocupou-se da compreensão da maneira como os problemas ambientais são conduzidos e tratados na arena política, direcionando-nos a um campo de poder que, neste caso, contribuiu não só para observar o alcance do problema ambiental das queimadas em âmbito jurídico e legislativo, mas para ter acesso aos movimentos do setor sucroalcooleiro - e porque não do próprio aparelho burocrático estatal - diante dessa institucionalização.

O campo estratégico pelo qual o setor se movimentou despontou um embate em torno desse problema ambiental que se apresentou cravado entre os efeitos da poluição atmosférica e a segurança ou desemprego dos cortadores de cana, colaborando para pensarmos em como esses argumentos socioambientais foram absorvidos ou ignorados na condução da produção sucroalcooleira, estando, de fato, por muito tempo ausentes em sua agenda.

Nesse sentido, pensar a permanência das queimadas seria dar luz à questão do emprego e de segurança dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, desconsiderar a questão ambiental. Por outro lado, eliminar a prática das queimadas nos canaviais paulistas demandaria, com isso, evidenciar a questão ambiental em detrimento da segurança e/ou do desemprego dos cortadores. Posto isso, notamos que em ambos os casos, o setor sucroalcooleiro não perde em termos de obtenção de lucros, refletindo no ocultamento da realidade das relações de força econômica, que encontrou suporte na problemática socioambiental.

Enquanto isso, as nuvens de fumaça pairam sobre a plantação. São elementos visíveis ainda presentes no interior do estado de São Paulo, apesar de propostas de eliminação gradativa da prática agrícola das queimadas. O fogo destrói não só o que veio a destruir, e os elementos invisíveis parecem escapar e se desmanchar como as fuligens.

Referências

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Notas

[1] Pesquisadora do Grupo de Pesquisa CNPq Ruralidades, Ambiente e Sociedade. Doutoranda e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos. E-mail: acsabadin@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6581-1312.
[2] O Estado de São Paulo foi elencado como foco de nossa pesquisa levando em consideração seu posicionamento de destaque frente ao ranking na produção e processamento do setor sucroalcooleiro do país. Ver CAMARA e CALDARELLI (2016).
[3] Optamos por identificar os agentes entrevistados a partir dos cargos e/ou instituições das quais fazem parte, não pelos nomes. O mesmo ocorre com os agentes alcançados por meio da pesquisa documental.
[4] A UNICA consiste em uma organização representativa do setor sucroalcooleiro, criada em 1997, resultante da fusão de diversas organizações setoriais do estado de São Paulo (UNICA, 2019).
[5] Esta CPI foi criada sob a denominação de ?Reavaliação dos prazos para eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar?, cujo relatório foi publicado em 2008 (Relatório da CPI da queima da palha da cana-de-açúcar). Seu objetivo foi o de reavaliar os prazos para a eliminação gradativa da queima da palha de cana-de-açúcar no estado de São Paulo, a partir da fala de deputados membros e especialistas nas questões relacionadas ao tema para entendimento detalhado do assunto, em audiências públicas e reuniões.
[6] Entendemos por substâncias húmicas como uma mistura complexa, dispersa e heterogênea de vários compostos orgânicos sintetizados a partir de restos de matéria orgânica decomposta por microrganismos (LANDGRAF et al., 2005).
[7] A lixiviação ocorre quando o solo fica demasiadamente exposto ? devido às queimadas, por exemplo-, e a partir da ação gradativa das chuvas vai tendo seus materiais arrastados tornando-se primeiro infértil, e depois, podendo ocasionar erosões graves, variando de acordo com o tipo de solo e com o grau da exposição (LANDGRAF et al., 2005).
[8] A fala desse agente também evidencia o papel da mídia na propagação dos argumentos, salientado por Hannigan (1995), compreendida aqui enquanto um dos meios de legitimar o problema ambiental.
[9] Ver Silva e Martins (2010), Verçoza (2018) e Reis (2017).
[10] As argumentações acionadas por esses diferentes agentes são consideradas legítimas. Contudo, para a construção bem sucedida de um problema ambiental seria necessário validar os argumentos por parte de uma autoridade científica e por meio de pesquisas e análises que verifiquem as proporções de tais impactos (HANNIGAN, 1995).
[11] Vale apontar que essa mudança tecnológica não esgota o debate acerca da dupla degradação do trabalho e da natureza que marca a produção sucroalcooleira e, dessa forma, desencadeia novas críticas e discussões também estendidas ao âmbito institucional. Ver Silva e Martins (2010); Rodrigues (2014); Sabadin (2017).
[12] É importante ressaltar a diferença entre áreas mecanizáveis e não mecanizáveis. Tem-se como referência a declividade dos terrenos e, de maneira bem simples, as áreas mecanizáveis são aquelas onde se existe a dificuldade de entrada das máquinas colheitadeiras.
[13] A construção política desse protocolo foi objeto de investigação da pesquisa de mestrado que deu origem a esta comunicação. Ver Sabadin (2017). Não coube a esta investigação, no entanto, abordar o segundo Protocolo, conhecido como ?Protocolo Etanol mais verde?, firmado em 2017.


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