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Na rua se faz trabalho: música e religiosidade entre rastafaris na periferia paulistana
En la calle se hace trabalho: música y religiosidad entre rastafaris en la periferia de São Paulo
In the street trabalho is made: music and religiosity among rastafarians in the periphery of São Paulo
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol. 20, núm. 1, pp. 107-132, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 2527-2551
ISSN-e: 1806-5627
Periodicidade: Semestral
vol. 20, núm. 1, 2023

Recepção: 09 Fevereiro 2023

Aprovação: 18 Março 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: A música se tornou uma das maiores formas de expressão do Rastafari, movimentação cultural que surgiu em 1930 na Jamaica e que durante o seu desenvolvimento estabeleceu conexões entre religiosidade, política, lazer e trabalho. Apesar de sua transnacionalização estar associada à difusão de um veículo da cultura popular, a música reggae, é no nyahbinghi que reside a principal fonte espiritual e musical, sendo ele um serviço (cerimônia ou trabalho espiritual) onde são entoados chants (hinos) ao toque de três tambores principais. Neste artigo serão abordados aspectos da organização de um grupo formado por rastafaris, o Instituto Cultural Bola de Fogo, apresentando reflexões sobre a prática do nyahbinghi a partir do trabalho de campo realizado nas apresentações-rituais que acontecem na cidade. Para uma melhor contextualização, inicialmente trarei algumas considerações históricas sobre o rastafari e sua musicalidade, o que remente a uma política contra o colonialismo e a colonialidade. Passado e presente confluem, bem como o material e o espiritual, trazendo conhecimento ancestral e benesses curativas. Inserido em programações de lazer periférico, percebe-se a importância da política e da religião emergindo nas ruas e espaços públicos na cidade.

Palavras-chave: Rastafari, Música, Religião, Lazer, Colonialidade.

Resumen: La música se ha convertido en una de las mayores formas de expresión de Rastafari, un movimiento cultural que surgió en 1930 en Jamaica y que durante su desarrollo estableció conexiones entre religiosidad, política, ocio y trabajo. A pesar de que su transnacionalización está asociada a la difusión de un vehículo de la cultura popular, la música reggae, es en el nyahbinghi donde reside la principal fuente espiritual y musical, siendo un servicio (ceremonia o trabajo espiritual) donde se entonan chants (himnos) al ejecución de tres tambores principales. En este artículo se abordarán aspectos de la organización de un grupo formado por rastafaris, el Instituto Cultural Bola de Fogo, presentando reflexiones sobre la práctica del nyahbinghi a partir del trabajo de campo hecho en los rituales-performances que se realizan en la ciudad. Para una mejor contextualización, traeré inicialmente algunas consideraciones históricas sobre el rastafari y su musicalidad, lo que conduce a una política contra el colonialismo y la colonialidad. Pasado y presente convergen, así como lo material y lo espiritual, aportando conocimientos ancestrales y beneficios curativos. Insertado en eventos de ocio periférico, se puede ver la importancia de la política y la religión emergiendo en las calles y espacios públicos de la ciudad.

Palabras clave: Rastafari, Música, Religión, Ócio, Colonialidad.

Abstract: Music has become one of the greatest forms of expression for Rastafari, a cultural movement that emerged in 1930 in Jamaica and that during its development established connections between religiosity, politics, leisure and work. Despite its transnationalization being associated with the dissemination of a vehicle of popular culture, reggae music, it is in the nyahbinghi that resides the main spiritual and musical source, being a service (ceremony or spiritual work) where chants (hymns) are sung to the playing of three main drums. In this article, aspects of the organization of a group formed by Rastafarians, the Instituto Cultural Bola de Fogo, will be addressed, presenting reflections on the practice of nyahbinghi from the field work carried out in the ritual-performances that take place in the city. For a better contextualization, I will initially bring some historical considerations about Rastafari and its musicality, which leads to a policy against colonialism and coloniality. Past and present converge, as well as the material and the spiritual, bringing ancestral knowledge and healing benefits. Inserted in peripheral leisure events, one can see the importance of politics and religion emerging in the streets and public spaces in the city.

Keywords: Rastafari, Music, Religion, Leisure, Coloniality.

Adoro ver quando você se move no ritmo

Porque adoro quando sua dança vem de dentro!

Dá uma grande alegria de ver este doce sentimento de unidade

Todos estão fazendo, e estão fazendo o seu melhor

Porque isto me lembra dos dias em Jericó

Quando derrubamos as muralhas de Jericó!

Estes são os dias em que derrubaremos a Babilônia

Nós continuaremos esmagando-a até que ela caia!

Nyahbinghi!

(pule, pule, pule) Nyahbinghi!

(pule, pule, pule) Nyahbinghi![1]

Em 2016 a cidade de São Paulo comemorava os seus 462 anos com diversos shows gratuitos promovidos pela prefeitura. No Centro Esportivo Tietê, o conjunto Demônios da Garoa fazia a “abertura” para a próxima atração, Gilberto Gil. Na apresentação deste último, músicas autorais e covers de Bob Marley agitavam o público. Duas sonoridades afrodiaspóricas, samba e reggae, se faziam presentes. Ambas consideradas “símbolos da cultura e identidade nacional”, Brasil e Jamaica, respectivamente, podem possuir conexões mais profundas que abrangem o domínio da religião, apesar dos distintos processos e relações com os quais estão inseridas. Para o reggae isto se dá através da presença do rastafari, talvez “o único movimento sócio-religioso contemporâneo cuja difusão está diretamente ligada a um veículo da cultura popular, a música reggae” (SAVISHINSKY, 1994:21). Compreendendo uma gama de estilos, a sua produção ou performance geralmente traz referências, direta ou indiretamente, à religiosidade e à política afrocêntrica do Rastafari: as cores da bandeira da Etiópia, o Leão de Judá, as sonoridades, entre outras “marcas”.

É que a transnacionalização da música reggae, cujo início se deu na década de 1970, iria não somente difundir uma “nova dança”[2], mas também as mensagens rastafaris sobre a divindade de Haile Selassie, repatriação, pan-africanismo e crítica à opressão colonialista. Foi um período marcado por uma grande influência dos rastafaris na música popular jamaicana, uma relação que já tinha se iniciado no ska, a primeira manifestação musical urbana na ilha[3]. Bob Marley, por exemplo, além de músico, foi um membro da Twelve Tribes of Israel (Doze Tribos de Israel), organização ou mansão rastafari jamaicana fundada em 1968 por Vernon Carrington, também conhecido como Profeta Gad.

Religiosidade, política e lazer se confluem no fazer musical (BLACKING, 2007) produzido por regueiros rastafaris, o que faz com que a performance seja um espaço de transmissão de conhecimento e transformação. As apresentações musicais não se restringem ao lazer, mas prescrevem uma continuidade ou atualização de tradições cujo significado histórico permite uma leitura crítica a um presente (e um passado) cercado por opressões da colonialidade, ou seja, pela “continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais, produzidas pelas culturas coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial” (GROSFOGUEL, 2008:126). A colonialidade, por sua vez, está relacionada a outro termo muito significativo aos rastafaris, Babilônia. Baseado em interpretações bíblicas, principalmente no livro do Apocalipse, hoje, Babilônia se refere à experiência de sofrimento na diáspora africana, experiência esta que remete às “forçadas deportações e servidão dos antigos hebreus sob o poder mundial babilônico” (EDMONDS, 1998:24). Babilônia seria “o complexo de valores, instituições educacionais, religiosas, políticas e econômicas que se desenvolveram do experimento colonial” (ibidem), sendo assim “todo complexo de instituições que conspiram para manter o homem negro escravizado no mundo ocidental, na tentativa de subjugar as pessoas de cor por todo o mundo” (OWENS, 1976:70). Neste caso, a cidade de São Paulo não seria somente uma metáfora, mas a própria encarnação desse conceito. Estar na Babilônia é estar sempre resistindo e enfrentando os poderes opressores, criando diversas maneiras de viver sem ser “invadido” ou “contaminado” por ela - ao mesmo tempo que se busca cultivar uma “floresta” dentro de si.

É através da música que símbolos são evocados e uma batalha espiritual é travada, tendo em conta as conexões religiosas e o espaço onde se dão as comunicações. Pensa-se aqui em um plano mais estritamente voltado ao Rastafari[4], tendo em mente a sua musicalidade ritual própria, o nyahbinghi - bem como a sua translocalidade, a cidade de São Paulo, mais especificamente. Neste artigo, para dar conta dessas dimensões na qual o Rastafari está imbricado serão abordadas primeiramente algumas proposições históricas sobre o seu surgimento, importantes para entender suas manifestações contemporâneas; em seguida, se voltará à apresentação-ritual do Instituto Cultural Bola de Fogo, organização que promove a realização do nyahbinghi tanto na floresta como em espaços citadinos – é sobre esse último lugar, na cidade, que se dará um maior enfoque.

Meandros históricos: rastafari e sua musicalidade

No final do século XIX e início do século XX, três movimentos sociais com características religiosas se destacaram como sendo de fundamental importância para o posterior surgimento do Rastafari, a saber, o bedwardismo, o etiopianismo e o garveyismo. O primeiro está centrado na figura de Alexander Bedward (1859-1930), jamaicano que iniciou seu ministério através do batismo com água, alegadamente curando algumas pessoas e ganhando fama por toda a ilha. Em pouco tempo ele se tornou uma liderança proeminente da Free Baptist Church of Jamaica, fundada anos antes por H. E. S. Woods. Já, o etiopianismo, considerado como uma manifestação do pan-africanismo, ou interrelacionado a ele (ANOBA, 2022), é visto como uma ideologia de orgulho racial (RABELO, 2016) e um movimento de liberdade política e religiosa de caráter cristão que teria se manifestado na década de 1880 na África do Sul, principalmente através de ministros da igreja wesleyana, atingindo seu apogeu na década seguinte com a criação da Igreja Etíope (SHEPPERSON, 1953). Em um momento seguinte o termo foi usado para designar a retirada de africanos das igrejas missionárias europeias, em protesto à discriminação racial ou também por conta de uma busca por uma espiritualidade africana que as igrejas ocidentais não contemplavam.

No outro lado do oceano, segundo o historiador Danilo Rabelo, após a Guerra de Independência dos Estados Unidos, muitos dos escravizados leais às forças britânicas foram libertos e fugiram para as Índias Ocidentais (2006:120). Um deles, George Liele, teve um papel muito importante para o etiopianismo no Caribe. Em 1874, ou seja, antes mesmo do etiopianismo na África do Sul, ele fundou a primeira igreja batista na Jamaica, a Igreja Batista Etíope, que se enxertou nas religiões africanas dos jamaicanos e se desenvolveu fora das missões cristãs, exibindo características marcadamente locais (BARRETT, 1997:76).

O terceiro movimento social, o garveyismo, está diretamente relacionado ao conhecido pan-africanista Marcus Mosiah Garvey. Nascido na Jamaica em 17 de agosto de 1887, ele até hoje é uma figura central entre os rastafaris, sendo reverenciado em canções, álbuns de reggae, camisetas, quadros, livros e serviços religiosos. Um homem de muitas ideias e ações, Garvey foi editor de jornais, ativista político, empresário, orador e profeta. Em 1914 fundou uma importante organização pan-africanista de luta pelos direitos civis dos afrodescendentes, a Universal Negro Improvement Association and African Communities League (UNIA, como ficou conhecida a sua sigla em inglês). Pouco tempo após a sua fundação, a UNIA já contava com mais de mil filiais nos Estados Unidos, América do Sul e Central, nas Índias Ocidentais e na África (HARVEY, 1994). O cientista político, Richard Harris, definiu o garveyismo como uma filosofia e um programa para a emancipação dos negros e a redenção da África para os africanos, tanto aqueles do continente como aqueles em diáspora (HARRIS, 1978). De acordo com a filosofia da UNIA, não importa onde um negro vive, ele ainda é africano. Há dois slogans da UNIA que resumem o garveyismo, “África para os africanos, de casa ou no exterior” e “um objetivo, um Deus, um destino”.

Marcus Garvey, em um de seus discursos na década de 1920, pronunciou uma frase cujo impacto ecoa por gerações: "Olhem para a África, onde um rei negro vai ser coroado, anunciando que o dia da libertação estará próximo". Isto, para alguns, foi percebido como uma profecia que iria se cumprir no dia 2 de novembro de 1930, com a coroação de Ras Tafari Makonnen ao trono do Império Etíope na catedral de São Jorge, em Adis Abeba[5], após a morte da Imperatriz Zawditu em abril do mesmo ano. A partir daí adotou um novo nome, Haile Selassie, o “poder da trindade”, em amárico, e ganhou o título de Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Leão Conquistador da Tribo de Judá, Eleito de Deus e Luz no Mundo.

A mudança de Marcus Garvey para os Estados Unidos da América em 1916 teve reflexo entre seus seguidores na Jamaica. Lideranças locais continuaram a existir, mas desamparados de sua presença marcante, se tornou difícil manter a organização da maneira como até então estava estabelecida. Quando o negus (rei) foi coroado na Etiópia, quatro garveyistas jamaicanos, a saber, Leonard Howell, Joseph Hibbert, Archibald Dunkley e Robert Hinds, este último também um bedwardista, começaram a pregar nas ruas, e não nas igrejas, sobre a divindade de Haile Selassie, o orgulho e a liberdade negra, e o retorno para a África daqueles em diáspora.

Além dessas questões político religiosas que foram se desenvolvendo na Jamaica, diversas musicalidades sacudiram os ânimos dos afro-jamaicanos. Durante este período, ou melhor, na primeira metade do século XX, gêneros musicais afrodiaspóricos como calypso, mento e jazz que se faziam presentes na ilha influenciaram o surgimento do ska na metade do século XX. A partir de 1966, o compasso desse “novo” ritmo ficou mais lento, a linha de baixo mais acentuada e profunda, e um novo gênero apareceu, o rocksteady. Apesar de ter predominado na Jamaica por apenas dois anos, foi fundamental para uma “transição” ao reggae (e ao dub). A passagem do ska para o reggae levou a música a se tornar mais afrocentrada e com uma linguagem mais político-religiosa. Isso se deu principalmente por causa da marcante presença rastafari. No entanto, é importante destacar que o Rastafari na Jamaica atraiu para as suas “fileiras” a classe negra trabalhadora e os sufferahs (os mais pobres): na década de 1950, o preconceito era generalizado, pois eram considerados a escória da sociedade, os mais pobres dos pobres, párias sociais (BARNETT, 2014:273-4). As comunidades e favelas sempre foram o âmago do apoio à música popular e, portanto, não é de se estranhar que os rastafaris estejam presentes não só no reggae, mas também na própria formação do ska e do rocksteady (ibidem).

O reggae possui similaridades com outras formações musicais populares do Caribe. Por exemplo, com relação à música de Trindade, há uma mesma ênfase na crítica social e no protesto político, além da conexão com as periferias e favelas; com a música popular haitiana, há a presença marcante de uma musicalidade africana dos cantos de trabalho (chamada-e-resposta) e uma profunda preocupação com questões de identidade e orgulho negro (HEBDIGE, 2007:43). Com um compasso ainda mais lento que o rocksteady e uma sonoridade mais “pesada” principalmente por conta da ênfase ainda maior num baixo mais flexível, o reggae ganha seus contornos no final dos anos 1960. Apesar dos rastafaris estarem presentes desde o advento do ska, uma das primeiras gravações de sucesso (em formato de reggae) com tema explicitamente rastafari a ser produzida foi a Blood and Fire de Niney the Observer, em 1970. Era uma época em que muitos jovens artistas de reggae estavam cada vez mais se comprometendo com as práticas, filosofia e religião rastafari.

Mas houve um personagem muito importante para essa relação entre o reggae e o rastafari, o tamboreiro Count Ossie. Organizando reuniões rastafaris (groundations) desde a década de 1950 em seu próprio acampamento na Rua Adastra (leste de Kingston), Ossie atraiu muitos músicos jamaicanos para esta religiosidade política ao mesmo tempo que, por outro lado, participou de diversas gravações da então incipiente produção musical popular jamaicana.

Talvez o trabalho mais icônico por sua importância na história da música jamaicana seja “Oh Carolina”, que logo se tornou um grande sucesso comercial. Gravada com o trio vocal Folkes Brothers, Ossie no tambor, Jah Jerry na guitarra, Owen Gray no piano e produzida por Prince Buster em 1960, essa canção é provavelmente uma das poucas (ou talvez a única) durante o período que expressou uma base africana veiculada nos principais e oficiais meios de comunicação. Ela representa o vínculo entre o Rastafari e a indústria musical jamaicana, um hit que tornou o Rastafari e a música popular jamaicana inextricavelmente entrelaçados (BARNETT, 2014:273-4).

Ossie também foi uma figura central para o estabelecimento dos tambores dos rituais rastafaris, o nyahbinghi. No início das movimentações não havia ainda uma “música rasta”. Leonard Howell e Joseph Hibbert, por exemplo, usavam as músicas de igrejas Euro-Ocidentais em suas celebrações nas ruas, especialmente hinos batistas e sankey, uma musicalidade popular na Jamaica nas décadas de 1930 e 1940 (RECKORD, 1998:238). Passaram também a adaptar as canções dos cultos revivalistas e da Pocomania, religião jamaicana que contém elementos africanos e europeus. Hinos cristãos também foram utilizados, mas com novas letras rastafaris. No entanto, a presença da musicalidade europeia começou a incomodá-los na medida em que se tornavam cada vez mais conscientes da importância da ancestralidade africana (HEBDIGE, 2007). Assim, já no final da década de 1930, os rastafaris se aproximaram das pessoas que tocavam burru[6] em Back-o-Wall, uma das favelas mais notórias do oeste de Kingston. Uma aproximação de certa forma facilitada por conta de inclinações similares entre os dois grupos: se opunham aos princípios convencionais do status quo, acreditavam na autonomia, na adesão às suas raízes africanas, num estilo de vida comunal e evitavam os grupos de Pocomania, Revival e Kumina que atuavam no mesmo nicho social no oeste de Kingston (RECKORD, idem). Em compensação, na década de 1940, muitos tocadores de burru e adeptos de outras religiões afro-jamaicanas aderiram ao Rastafari

Na medida que os anos passaram, alguns jamaicanos da fé Pocomania e Revival se tornaram rastafaris. As pessoas do burru não tinham religião própria, enquanto os rastas precisavam de uma forma musical. O burru foi um grupo que aos poucos foi desaparecendo no começo dos anos 1940, enquanto os rastas estavam crescendo em número. A troca da música pela doutrina no final dos anos 1940 resultou na fusão destes grupos e quase total extinção do burru como um grupo social. (RECKORD, 1998:238; tradução minha)

Começou então a se configurar uma “música rastafari”, aquilo que ficou conhecido como nyahbinghi. Assim como o burru, o nyahbinghi é tocado com três tambores, a saber, o thunder (grave), funde (médio) e kete (agudo), cada um representando um movimento espiritual na música. Segundo Christopher Partridge, o termo foi introduzido por Leonard Howell, possivelmente após ler um artigo de jornal sobre uma suposta milícia liderada por Selassie chamada Ordem Niyabingi da Etiópia (Niyabingi Order of Ethiopia), enfatizando que a palavra significaria “morte aos pretos e brancos opressores” (2010:43). A origem da palavra é um tanto controversa e Leonard Barrett apontou que ela teria vindo da África Oriental, em uma referência a um culto político-religioso que resistiu à dominação colonial durante a última década do século XIX até aproximadamente 1928. Desta forma, o termo provavelmente teria surgido do nome ou título de uma princesa real ruandesa do século XVIII que foi assassinada pelos colonizadores por conta de sua resistência. Após a sua morte, teria aparecido diversos cultos de possessão, principalmente no sul da Uganda e norte da Ruanda (HOPKINS, 1971) onde o espírito da princesa Nyahbinghi se fazia presente, principalmente através de mulheres (BARRETT, 1997:121).

Quando Ossie saiu de seu acampamento na Rua Adastra e construiu, em 1974, um centro comunitário juntamente com seguidores e o seu grupo musical Mystic Revelations of Rastafari na Avenida Glasspole, o sistema de vida comunal em acampamentos rastafaris já estava bastante difundido - o diálogo e as visitas entre estes acampamentos era muito forte, fazendo com que a música rastafari se espalhasse entre eles. Ossie era muito observado por rastafaris tamboreiros de outros grupos, que vinham para aprender e memorizar os riddims. Mas a sua música também se espalhou de outra forma, ele e outro “irmão de fé”, Filmore Alvaranga, costumavam ir para as ruas pregar as palavras de Jah Rastafari e nestes encontros eles tocavam seus tambores. Além disso também iam para o interior, levando as mensagens e a música para a área rural (RECKORD, 1998:241).

O Instituto Cultural Bola de Fogo (ICBF) na cidade

Atualmente, em São Paulo, observa-se uma multiplicidade de ritmos, lugares, espaços e tempos em que os shows e festas de reggae ocorrem: casas de espetáculos, bares, ruas, praças, parques e equipamentos públicos; finais de semana (principalmente) e feriados, mas também durante a semana; no período da tarde-noite, atravessando a madrugada ou por dias consecutivos e ininterruptos; no centro da cidade, mas também em periferias e favelas; em lugares específicos, dedicados somente ao reggae ou que “abrem as portas” para ele, já que promovem outros estilos musicais; pequenos concertos que reúnem apenas os “chegados” a festivais internacionais de médio e grande porte; festas únicas ou com diversas edições, periódicas ou aperiódicas, inseridas em datas comemorativas ou não.

No entanto, apesar do reggae estar presente em São Paulo desde o começo dos anos 1980 através da formação de bandas, foi somente no início do século XXI que a sonoridade do nyahbinghi chegou a esta metrópole de maneira mais incisiva. Isto se deu através de um grupo de Georgetown (República Cooperativa da Guiana) chamado Congo Nya Cultural Foundation, que veio ao Brasil em 2000 e passou por diversas cidades do país[7] para propagar elementos culturais da identidade, música e religiosidade rastafari. Atualmente, são poucos os grupos que realizam o serviço (cerimônia) nyahbinghi, considerado a base musical e espiritual do reggae. O Instituto Cultural Bola de Fogo (ICBF), atualmente, é o único que faz a celebração em formato apresentação-ritual em diversos espaços citadinos como equipamentos públicos, ocupações, espaços comunitários, escolas e praças públicas, ruas, eventos de reggae e casas religiosas. Surgido em meados de 2008, o ICBF sempre teve a preocupação de divulgar a prática e a espiritualidade rastafari através das vivências proporcionadas pelas reuniões com toques de tambor e cantos nyahbinghi[8]. Desta forma, possibilita o acesso ao conhecimento musical e litúrgico da religiosidade para a população citadina, alcançando um público que extrapola a cena reggae em si[9]. Neste sentido, pode-se citar, as cerimônias realizadas em ocupações no centro da cidade, como na Casa Amarela (Consolação) e no Centro Cultural Ouvidor 63 (Sé); em batalhas do Slam Resistência na Praça Roosevelt (República); em casas religiosas ayahuasqueiras e do Santo Daime como o Centro Jibóia Sagrada (Vila Clarice, zona norte) e Céu Sopro Divino (Cidade Tiradentes, zona leste), respectivamente; e eventos na rua, como o do Dia das Crianças do Projeto Novo Rumo na Quebrada (Vila Gomes). Estes são apenas alguns exemplos, a lista poderia se estender longamente. Além disso, há ainda as apresentações em festivais de reggae nas mais variadas localidades da cidade, inclusive eventos de médio e grande porte como o Dia Municipal do Reggae, SP Reggae Fest e o Reggae é a Lei, estes, no centro de São Paulo.

Deve-se observar que essas apresentações-rituais são realizadas não somente na cidade, mas também em um espaço “antagônico”, a floresta, onde abre-se a possibilidade de se sair da Babilônia - cuja representação máxima, material e concreta, estaria na cidade e suas dinâmicas: o concreto, a pavimentação, o tempo, a oposição à natureza, as relações de opressão demarcadas etc. Aliás, as cerimônias nyahbinghi feitas na cidade são possíveis justamente porque há o seu correspondente na floresta. É nesta última, localizada em um sítio no município de Itapecerica da Serra, que reside grande parte do desenvolvimento espiritual do grupo, o que compreende não somente a prática rastafari, mas também a do Santo Daime e da Umbanda. Aí outra organização se faz presente, o Céu da Santíssima Trindade (CST)[10]. Embora diretamente relacionada ao ICBF, o CST surgiu oficialmente em 2019, sendo hoje uma entidade filiada ao ICEFLU (Igreja do Culto Eclético Fluente Luz Universal), vertente do Santo Daime fundada em 1974 por Sebastião Mota de Melo, responsável tanto pela transregionalização como pela transnacionalização dessa religião. Por sua vez, a Umbanda se faz presente por conta da prática que muitos membros do ICBF-CST já desenvolvem há muitos anos atuando como médiuns em alguns terreiros da cidade, sendo que atualmente a ligação mais estreita seria com a Tenda do Caboclo Pena Branca (Jd. Peri-Peri, zona oeste) e a Aldeia de Caboclos (Mooca, zona leste).

São três religiosidades distintas que exigem, cada uma delas, estudos e práticas específicas, de acordo com os fundamentos que foram ensinados por suas autoridades, no caso, pais e mães de santo, elders e imperatrizes rastafaris e padrinhos e madrinhas do Santo Daime. Por exemplo, Fabrício Togni, conhecido também como Jah Fayah Elijah, dirigente do ICBF-CST, é fardado no Santo Daime (hoje padrinhono CST), liderança nas cerimônias nyahbinghi (aquele que conduz o ritual) e médium em terreiros de Umbanda. Antes mesmo de começar a trabalhar com essas religiosidades buscou aprofundar seu conhecimento através da convivência e aprendizado em terreiros, igrejas do Santo Daime e por meio de sua longa vivência no Rastafari, onde primeiramente foi instruído pelos membros do Congo Nya, quando estes passaram por São Paulo. Contudo, apesar do conhecimento e prática destas diferentes religiosidades pelo mesmo grupo elas são percebidas separadamente, cada uma tendo um propósito específico, assim como colocou Jah Fayah Elijah:

(...) Cada uma [das três religiosidades] tem o seu fundamento, do jeito que os mestres e mestras deixaram, então se você vai fazer a linha da Umbanda e do Candomblé, é do jeito que foi ensinado a Umbanda e o Candomblé, se você vai fazer o nyahbinhgi é do jeito que ensinaram o nyahbinghi, se você vai trabalhar com o daime, é o daime do jeito que ensinaram o Santo Daime, cada uma tem seu fundamento e não dizer que tudo isso é uma coisa só, e sim que são três coisas distintas que podem trabalhar juntas, são três linhas e não uma linha de três fios, e cada linha tem a sua função, e aí quando você aprende a respeitar o fundamento de cada uma dessas linhas você consegue trabalhar com elas em conjunto (...) dizer que é tudo a mesma coisa, dizer que tem um novo conceito, aí você vai estar entrando em coisas da sua cabeça porque os mestres e as mestras deixaram tudo pronto pra nós[11].

É na floresta que o nyahbinghi recebe um caráter mais integral, no sentido que seus participantes vivenciam outro tempo – diferentemente do que acontece na cidade, lá pode-se estender a cerimônia, entoando os chants (hinos) mais prolongadamente e em maior quantidade, com a possibilidade de atravessar a madrugada, sem problemas com vizinhança por causa do “barulho” – e espaço – a “força da floresta”, com os guias e entidades presentes na mata que embora não sejam relacionados diretamente ao rastafari estão ali para proteção e encaminhamento, além da preparação dos elementos materiais-espirituais que formam o nyahbinghi, um altar com frutas e uma fogueira, por exemplo. O ritual na floresta também permite momentos dentro da cerimônia que não se dão nas apresentações na cidade, como a leitura de salmos bíblicos e utilização opcional da ayahuasca. Ainda, é neste último espaço que as principais datas comemorativas, de acordo com o “calendário rastafari” são celebradas.

Enfim, este artigo se voltará à apresentação-ritual nyahbinghi realizada na cidade, mas é importante pontuar que ela está completamente conectada com o que se passa na floresta. Em ambos os espaços é possível observar a efetivação do ritual através da continuidade ou reforço para aqueles que o executam ou mesmo apresentando um caráter transformacional que se estende a todos os participantes.

Neste sentido, definindo o ritual como sendo ao mesmo tempo um sistema de comunicação simbólica culturalmente construído e um veículo comunicacional e semiótico com certas características de forma e padrão, Stanley Tambiah percebe a ação ritual como um meio de transmissão de significados, de construção social da realidade e uma maneira de trazer à vida o esquema cosmológico em si: a ação ritual faz a mediação entre agentes, níveis, domínios e eventos culturalmente distintos que compõe a cosmologia (TAMBIAH, 1985). Assim, dentro desses espaços, conceitos (Babilônia, repatriação, Eu, vida, opressão, etc.) são transmitidos, negociados e ganham novos contornos. Aqui são músicos nyahbinghi: performers e seus “espectadores”, muitas vezes atuando na liminaridade da transformação (TURNER, 2015), tanto de um como do outro, permitindo, assim, que exista “uma grande variedade de transformações de consciência envolvidas: junto aos performers individuais, junto ao grupo performático, junto à audiência como indivíduos e como grupo – e entre estas entidades” (SCHECHNER, 2001: 217).

Para se tratar desta ação ritual durante a apresentação nyahbinghi na cidade, recorre-se a relatos etnográficos em locais públicos (ruas, principalmente) observados em 2021 e 2022[12]. Ruas (e praças) se fazem significativos neste contexto por carregar uma dimensão não só simbólica, mas também por estarem inseridas em uma gramática do espaço religioso, no caso, tendo em mente as relações com a Umbanda, a presença dos Exus, entidades pertencentes ao “povo da rua”[13]. As descrições aqui apresentadas se referem principalmente a três eventos periféricos em que o ICBF esteve presente através do nyahbinghi: a festa de Dia das Crianças do Projeto Novo Rumo na Quebrada (Vila Gomes, outubro de 2021, na rua), a festividade em comemoração dos 57 anos da Vila Menck (Osasco, junho de 2022, na rua) e as atividades do Circuito Clandestino (Morro Doce, distrito Anhanguera, agosto de 2022, na praça).

Essas apresentações-rituais do ICBF estavam inseridas dentro de uma programação que envolveu diversas atividades, musicais ou não. Foram festividades que atraíram um público considerável, em sua maioria composto por jovens e adultos locais, moradores do próprio bairro. Territórios periféricos, o que está relacionado com uma preocupação do ICBF de levar o conhecimento e a cultura rastafari para as quebradas, espaço citadino caracterizado pela marginalização social e carência de políticas públicas, mas também por “parcerias mais fortes” (TAVARES, 2012) e marcantes mobilizações políticas (FELTRAN, 2010). No que concerne à música, as atrações anteriores ou posteriores ao nyahbinghi traziam uma diversidade de gêneros: o reggae e o hip hop sempre em destaque (uma quantidade maior de artistas no line-up), seguido do rock e do maracatu. Atividades não musicais como as voltadas para crianças, exposição de artes periféricas, show de motociclistas, entre outras, estavam presentes em um evento ou outro. As feiras de artesanatos, alimentos e serviços, quando existentes, se tornaram “atrações” a mais. Por exemplo, na Vila Menck, bem próximo ao local de apresentação do ICBF, a movimentação ficou ainda maior com barraquinhas vendendo alimentos (inclusive uma barraca vegetariana e outra vegana LGBT), doces, artesanatos, oferecendo massagens, cortes de cabelo, roupas e tranças. O comércio local, principalmente bares e mercearias, bem como os vendedores informais, também se beneficiaram.

Como toda festividade mobiliza-se uma rede de contatos que inclui organizações, técnicos, produtores, bandas etc. gerando um impacto tanto econômico, como social e cultural. Além disso, nesses eventos citados acima, não há o protagonismo declarado de políticas partidárias ou de uma religião institucionalizada. No entanto, há aspectos políticos e religiosos que podem operar em diversos níveis, muitas vezes inimagináveis, subjetivos. Nas apresentações musicais ambos os aspectos podem se fazer presentes, geralmente de uma maneira não “oficial”, mas verificada na afinidade de artistas com certas correntes do pensamento político e religioso que sobremaneira é expressa em sua performance. No caso aqui tratado, pensa-se numa “apresentação-ritual” do ICBF porque há marcadamente uma distinção, talvez implícita à grande maioria do público, de que o que se está fazendo não é uma apresentação per se, como as outras, mas um “trabalho espiritual”. Apesar de não abranger as dimensões de um nyahbinghi realizado na floresta - mas conectado a ela - carrega toda a potencialidade de seu ritual religioso.

O nyahbinghi na cidade

Chega-se ao local do evento e os membros retiram os tambores dos carros que há pouco tempo estavam no sítio em Itapecerica da Serra. É lá que eles são guardados. Aproveita-se para buscar as pessoas que moram no sítio como a Eliane e a Antônia[14], responsáveis por cantar e tocar o maracá no nyahbinghi. Antes da apresentação-ritual, os membros se reúnem para fazer uma concentração: conversar, acertar os últimos detalhes, fumar ganja (canabis) e aplicar rapé. A ganja, basicamente, opera como um “alimento espiritual” e o rapé como uma “limpeza energética”[15], são medicinas que implicam em uma sociabilidade necessária ao mesmo tempo que preparam para o que vem a seguir, a imersão no plano espiritual que o nyahbinghi proporciona. Enquanto isso, as crianças, filhos e filhas dos membros do ICBF brincam na rua ou em um parquinho infantil próximo, interagem com outras crianças com a supervisão de alguém do grupo.

Como dito mais acima, no nyahbinghi são utilizados três tipos de tambores. Para aqueles que irão tocá-los, organiza-se as cadeiras, uma ao lado da outra, às vezes em semicírculo (a depender do espaço, se no chão ou em um palco). A maioria dos tamboreiros são homens adultos, mas adolescentes também participam. Geralmente há três mulheres que ficam em pé, tocam maracá e cantam. Ao todo as apresentações giram em torno de dez a quinze pessoas tocando instrumentos - que se resumem em dois, os maracás e os tambores, sendo um grave (thunder) e o restante médios e agudos. O leading brother é o Jah Fayah Elijah, aquele que conduz a cerimônia e consequentemente os cantos (chants). Estes são estruturados no sistema de “chamada-e-resposta” (antifonía), uma característica formal de diversas práticas musicais das culturas afrodiaspóricas (MAKL, 2011). Praticamente todos os membros do nyahbinghi, homens e mulheres, são fardados no Santo Daime ou frequentam os seus trabalhos, bem como as giras de Umbanda do CST, alguns atuando como médium ou cambone.

Após agradecimentos aos organizadores e algumas considerações, a apresentação-ritual inicia-se com os chants de louvação a Haile Selassie, África e Etiópia. Os tambores, tocados ininterruptamente, sem pausas, seguem o compasso da “batida do coração” (com marcação no primeiro e segundo tempo), o que remete ao primeiro registro rítmico-sonoro contínuo que entramos em contato durante a gestação[16]. Carregada de uma potência fundada na ancestralidade, se liga ao ventre materno ou à própria África, considerada a origem e o destino espiritual (ou mesmo físico[17]) do Rastafari e da própria humanidade. Antes ou depois de entoar um chant o condutor exclama “Haile I Selassie I Jah!” enquanto o restante responde “Rastafari I[18]”, sendo que em alguns desses intervalos, ainda sob o toque dos tambores, são proferidas palavras que tem a capacidade de atuar no mundo e provocar transformações por sua potencialidade agentiva. Ao entrar no segundo momento da apresentação-ritual, a “queima da Babilônia” (a opressão colonialista), o condutor exclama:

O amor de Jah é como o fogo quente, que queima, destrói, corrói tudo aquilo que é ruim, mas transforma, ilumina, fortalece, nutre tudo aquilo que é bom, por isso que Jah Rastafari nos deu o poder do fogo através das palavras, através da batida do tambor, pulsando o coração, o nosso coração em harmonia com o coração da mãe terra. A primeira música que ouvimos quando estávamos na barriga de nossas mães, o coração batendo [ênfase nos tambores]. Nessa mesma força, com esse mesmo fogo, a gente vem trazer o fogo da justiça, pra queimar tudo aquilo que é ruim, destruir toda a opressão, todo racismo, toda desigualdade, todo fascismo, em nome de Jah! Rastafari I!

Começa-se o chant com o coro cantando “queima Babilônia” enquanto o oficiante queima os opressores:

Queima Babilônia, com fogo quente queima, falsos profetas queimam, e o Vaticano queima, todo racismo queima, por dentro e fora queima, você não vai aguentar, com fogo quente queima, e os opressores queimam, todos fascistas, todos vampiros, todos racistas, falsos profetas queimam, queima Babilônia queima, seu trono já caiu, cinzas e pó, e o Bolsonazi queima, falsos profetas queimam, por dentro e fora queima, e purifica, e nos transforma, pois nunca parou de queimar, queima Babilônia, com fogo quente.

Segundo Amadou Hampâté Bâ, em todas as tradições africanas, de maneira geral, “o universo é concebido e sentido como o sinal, a concretização ou o envoltório de um universo invisível e vivo, constituído de forças em perpétuo movimento” (2010:173). A palavra que, como o fogo, tem o poder tanto de destruição como de criação, seria, portanto, a materialização das forças interiores que atuariam tanto no mundo físico como espiritual. Nas músicas rituais e nas fórmulas encantatórias teria o poder de agir sobre o invisível e os seres que aí habitam, que por sua vez é carregado de uma potência de ação nos corpos e na materialidade. Há um elo entre um e outro, com interação e influência mútua[19].

Em seguida, entre chants que anunciam a vitória de Jah, a queda da Babilônia e o retorno à Sião, forças são emanadas para um espaço que não se limita ao local da apresentação, já que no mundo espiritual a noção de espaço não está constrita às limitações da matéria, mas atravessa-a ou mesmo se projeta para além dela, já que constitui uma ação no reino da própria imaterialidade. Estando a vida numa posição entre mundos, essa força carrega a potência de atuar no restabelecimento da saúde tanto dos presentes como daqueles que estão em outros lugares, o que compreende ambas as dimensões, sendo o ritual um momento de concentração dessas forças divinais como foco de emanação e de ligação com seres presentes na cosmologia do grupo que estariam atuando em diferentes planos, visíveis ou não. Jah Fayah Elijah continua:

Agradecendo pela presença dos anjos, de todos os guias espirituais, pela força de Jah Rastafari na nossa vida, e que essa luz, essa energia, possa se expandir para todos os hospitais, na carne e fora dela, pra todos aqueles necessitados, pra todas as crianças que nesse momento estão sofrendo pelo descaso de nossos governantes, que recebam essa luz, essa força, toda aquela pessoa doente, que nesse momento precise de um milagre, que ela receba essa luz essa força, de Jah Rastafari I!

A apresentação-ritual caminha para os momentos finais. Após cantar um chant sobre a narrativa bíblica de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (Daniel 3:1-29) há uma homenagem a “todos os grandes guerreiros e guerreiras que sangraram e lutaram nessa terra”, reverenciando os indígenas, Zumbi dos Palmares, Dandara, e todos os negros que combateram as arbitrariedades colonialistas. Assim, há o entendimento de que, se hoje é possível reunir, tocar tambores e professar a fé, isto acontece porque antes deles houve quem lutasse muito; seria então uma herança de força, coragem e vitalidade deixada por aqueles e aquelas que mantiveram acesa a chama da liberdade em meio aos séculos de opressão à qual estiveram e estão sujeitos desde a colonização.

Finaliza-se com o toque de guerra (kromanti), já que uma batalha espiritual foi travada. Meia hora a quarenta minutos é o tempo aproximado da apresentação-ritual, pois se trata de uma cerimônia inserida dentro de uma programação maior, ou seja, deve-se cumprir o horário previsto e combinado para que o cronograma do evento seja respeitado. De uma forma geral, a cidade (ou no caso, a Babilônia) tem seu próprio ritmo e regras, mesmo assim é possível romper com as suas limitações, já que o tempo espiritual obedece a outras ordens.

Essas apresentações na cidade se dão geralmente no período da tarde, sendo muito comum ter a presença de famílias e crianças ocupando a rua que naquele momento se transforma em um espaço de lazer em sua quebrada. Importante notar que essas crianças têm ali o seu papel. Por exemplo, na festividade de Dia das Crianças do Projeto Novo Rumo na Quebrada (Vila Gomes), onde estavam em grande número, um dos membros do grupo apontou para mim a importância que elas tiveram para a consecução do nyahbinghi. Pelo fato de ser feito na rua, um ambiente não tão “controlado”, deve-se contar com certos riscos. Para DaMatta (1997), a rua, em oposição à casa (embora esta oposição não seja estática nem absoluta, pois se produziriam mutuamente) seria o espaço do perigo e da impessoalidade - enquanto a casa o espaço do familiar, do afeto, da hospitalidade. As crianças, por serem lidas na chave da pureza, estariam atuando diretamente no ritual, ao mesmo tempo que, no plano espiritual, absorvendo as ações deste, ou seja, estariam em relação. Assim, logo após o início da apresentação, com a concentração muito próxima de parte do público ao redor dos músicos e a agitação da festividade, o bom andamento da performance ritual sofreria certo transtorno– estar na rua é estar sujeito às intempéries e casualidades. No entanto, quando as crianças começaram a formar uma fila na frente dos tamboreiros para receber brinquedos (conformando duas atividades ao mesmo tempo), o que gerou um pequeno tumultuo, essa movimentação foi percebida de outra maneira: a partir daí, com a reunião das crianças próximo aos músicos, toda e qualquer perturbação teria sido dissipada. A presença delas naquele espaço neutralizaria qualquer ameaça. Isso não significa que elas estariam diretamente combatendo o perigo, mas sim auxiliando na contenção de um possível avanço. Elas estariam trazendo o espírito santo, a mesma força que o nyahbinghi do ICBF traz, havendo aí uma conexão. Muda-se a lógica, não são somente as crianças que recebem as graças do dia (brinquedos, alimentos, refrigerantes, doces etc.)[20], mas uma apresentação-ritual como essa também recebe as suas bênçãos, suas dádivas.

Ademais, tendo em mente a ordem necessária para acessar a dimensão do sagrado e sua dinâmica na rua, neste caso, há diversos fatores religiosos que operam em direção ao êxito de sua realização. Estar atento aos sinais é importante para um diagnóstico, seja de auxílio ou de ataque. Neste mesmo dia da Festa das Crianças, na apresentação que precedeu o nyahbinghi, um rapper pegou o microfone e durante suas rimas chamou diversos orixás, inclusive Exu, o “dono da rua”. Isso foi percebido como uma preparação para o que viria a seguir, pois como dito acima, os orixás se fazem presentes no grupo através da Umbanda. Em outra ocasião, na festividade de aniversário da Vila Menck, uma interferência no som (um chiado) durante o início da apresentação poderia indicar uma espécie de investida de seres que querem atrapalhar o andamento do nyahbinghi e o desenvolvimento do grupo.

Portanto, se faz importante o fortalecimento individual e coletivo do ICBF através das diversas atividades e trabalhos espirituais que são realizadas no espaço da floresta, no sítio em Itapecerica da Serra. Os padês de Exu, feitos em todas as primeiras segundas-feiras do mês, após a santa missa do Santo Daime, também mensal; as oferendas a Ogum, no dia seguinte ao padê de Exu; as giras em ocasiões específicas, entre outros estudos, atuações e trabalhos dentro dessa linha, o que não caberia explorar neste artigo, se fazem fundamentais para que o nyahbinghi seja feito com todo o cuidado e excelência na cidade, principalmente quando se ocupa a rua, cabendo a Exu o seu papel de guardião. Obviamente são as forças do nyahbinghi que são vivenciadas durante a apresentação-ritual na cidade (louvação a Haile Selassie, queima da Babilônia e vitória de Jah através da “fé que move montanhas”) e as possíveis transformações que o ritual possibilita atuariam dentro deste campo. Porém, implícito nesse processo, sem que haja referências durante a performance, seres do mundo espiritual vinculados principalmente a religiões afro-brasileiras travam uma batalha em seus próprios domínios. Enfim, para estar na rua e gerar uma ação ritual mobilizadora de toda cosmologia religiosa do grupo - sempre sujeita a diversos tipos de interferências que, de uma forma ou de outra, depende da relação que se tem com uma legião de seres, na carne ou fora dela, em meio a um evento de lazer onde o público nem sempre está “preparado” para tal – se exige a mobilização de conhecimentos e práticas que se dão em diversos espaços, na cidade ou não.

Há uma afinidade de seres e pessoas que se somam para a derrocada da Babilônia durante a apresentação-ritual, mas existem também as forças contrárias que, como se utilizassem flechas, buscam atacar os guerreiros rastafaris que se mantém firmes tocando tambores e cantando em louvor a Jah Rastafari, conclamando um enorme batalhão para atuar em sua defesa. Metáforas de guerra, porque é justamente um combate que está se travando, numa relação metonímica entre o espírito e a vida material. Fazer uma cerimônia nyahbinghi na cidade não é uma tarefa fácil, deve-se estar disposto a vestir uma “armadura” e deixar o fogo arder em seus corações, queimando assim as opressões da colonialidade para que das “cinzas e pó” renasça uma nova humanidade.

Considerações Finais

O sociólogo Robert Stebbins propôs já na década de 1970 o conceito de “lazer sério”, desestruturando a clássica dicotomia entre lazer e trabalho. Aquilo que, para o senso comum, seria considerado lazer ou “tempo livre”, não é percebido da mesma forma para muitos de seus praticantes. Segundo o autor, para estes não há lazer, mas uma atividade caracterizada por um alto comprometimento ou mesmo um “trabalho devocional”, onde os participantes “sentem uma poderosa devoção ou uma ligação positiva e forte a uma forma de trabalho de auto-aprimoramento” (STEBBINS & ELKINGTON, 2014:17). Neste caso, as atividades centrais são tão intensas que seria muito difícil estabelecer uma linha que dividisse “trabalho” e “lazer”, embora a definição se desenvolva tendo como base as dinâmicas deste último, um “lazer sério”. Neste sentido, as apresentações-rituais do ICBF, inseridos em eventos periféricos que envolvem a dimensão do lazer, estão fazendo um trabalho de atualização político-religiosa do passado, trazendo para o presente os conhecimentos ancestrais através da mobilização de cosmologias; uma ação no mundo que, através da performance ritual, tem a capacidade de operar pela destruição de toda opressão colonialista de origem europeia e ao mesmo tempo aplicar uma terapêutica de (re)estabelecimento da saúde compreendida em seus domínios físicos e espirituais. Há uma consequência direta no ambiente, no público e para além destes, em uma prática que contêm riscos iminentes, sendo necessário o agenciamento de seres espirituais que atuem pela proteção, encaminhamento e o bom funcionamento coletivo, ou seja, abre-se um campo de batalhas. Enfim, se levar em conta a proposição de Stebbins, esse seria um “lazer mais que sério”.

A rua, ou mesmo a praça, é um local perigoso e impessoal que na apresentação-ritual é transformado em “outro mundo”, o da festa, do evento, do cerimonial, um momento extraordinário que relaciona “conjuntos separados e complementares de um mesmo sistema social” (DAMATTA, 1997:56), a rua e a casa. Domestica-se a rua e se neutraliza as suas ameaças: um conflito de regras que depende do ritual para aplacar a “poluição” (DOUGLAS, 2019) gerada neste atrito, trazendo, por fim, a noção de pertencimento, familiaridade e hospitalidade para um ambiente quiçá “hostil”. Auxílios esperados e inesperados, estariam atuando para o sucesso dessas passagens que, lidando com o risco, apresenta uma finalidade curativa contida nas forças de invocação a Haile Selassie como um ser divino, o cristo preto que veio para libertar os povos da escravização babilônica.

Desta forma, a ação transformativa também se situa na descolonização das mentes. A Etiópia é o símbolo desta posição, já que considerado o único país da África (além da Libéria) que não foi colonizado pelos europeus. A Batalha de Adwa em 1896 na primeira guerra ítalo-etíope durante o reinado de Menelik II e a luta de Haile Selassie contra a ocupação da Itália fascista de Mussolini poucos anos antes da Segunda Guerra Mundial são emblemáticas[21]. A afirmação da existência como uma continuidade de antigos movimentos históricos e tradições africanas ou afro-diaspóricas, insere estes rastafaris numa política contra a colonialidade que é percebida em diversas esferas da vida: poder, saber e ser[22]. As ideias sobre o sentido dos conceitos e a qualidade da experiência vivida, a constituição do conhecimento e as perspectivas válidas, e a representação da ordem econômica e política estariam interligadas na experiência moderna e colonial (MALDONADO-TORRES, 2020). Há, portanto, uma questão ontológica, epistêmica e ética quando se refere aos rastafaris e regueiros: os posicionamentos de crítica à colonialidade estão presentes na subjetividade, conhecimento, prática, linguagem, alimentação, estética, política, nos rituais religiosos, nas festas e em seus próprios corpos dissidentes, sempre marcando uma oposição ao mundo colonialista.

Com relação à apresentação-ritual tratada neste artigo, a própria música afrodiásporica seria utilizada “como um marco estético, político ou filosófico na produção do que poderia livremente chamar de suas teorias sociais críticas” (GILROY, 2019:169). Não é só o conteúdo, mas a própria forma como isso se dá também carrega estes aspectos críticos. O uso de antífonas, por exemplo, durante todo o período de opressão colonialista, constitui a “possibilidade de novas relações sociais de não-dominação, de fraternidade, uma estrutura de encontros e de momentos comunitários sacralizados, junto com a construção de autoimagens positivas e dignificantes” (MAKL, 2011:62). Outros aspectos da musicalidade afrodiaspórica como improvisação, tempo espiralar e uma organização circular do espaço de apresentação podem também contribuir para este fortalecimento coletivo.

O fato do ICBF realizar o nyahbighi na cidade, ou seja, justamente onde se materializam as relações de opressão do sistema babilônico, serviria para corroer suas lógicas e estruturas (capitalismo, racismo, machismo, religiões institucionais, marginalização social, exploração, alienação, vida industrializada, etc) desde dentro, conclamando um mundo que deve ser pensado e vivido tendo em mente outros valores, mais horizontais, sem discriminações e mais voltados à ordem da natureza. A floresta, um pequeno recorte da Mata Atlântica existente no sítio em Itapecerica da Serra, marca outra oposição. Além dos estudos e práticas espirituais que se dão com o Rastafari, o Santo Daime e a Umbanda, há uma vida comunitária que se desenvolve continuamente, o que implica em questões de auto-sustentabilidade alimentar e econômica. Considerado um quilombo, é um local que são experienciadas relações e possibilidades situadas para fora da Babilônia, demarcando limites externos e internos. As apresentações-rituais feitas na cidade são possíveis porque há uma base, exterior a ela, mas intimamente relacionada, que sustenta as movimentações por onde quer que seja, ocupações urbanas, parques, praças, e mesmo na rua, como aqui se verificou. Na cidade, deve-se obedecer a outras dinâmicas de tempo e espaço, o que é também um momento de experimentação ritual, de ajustes das formas, de recombinação de ações tradicionais. É, igualmente, uma ocasião para a sociabilidade entre os membros; estabelecimento de aproximações e alianças com afins potenciais da cultura urbana preta e periférica; promoção do lazer na periferia ao se inserir em uma grade de apresentações musicais; uma “incursão na cidade”, conhecendo novos bairros, novas localidades, sendo que para as crianças, filhos dos membros, é um dia de muita diversão e brincadeiras; e ocupação do espaço público, transmutando as forças opressoras da Babilônia e anunciando a sua própria queda.

Inseridas em eventos de lazer cultural periférico que abrem espaços para que artistas possam se posicionar criticamente sobre questões sociais, de gênero e de raça, as apresentações-rituais do ICBF atualizam uma dimensão política afrodiaspórica articulada com o seu próprio desenvolvimento local. Projetos e movimentos sociais nas periferias de São Paulo, religiosidades afro-brasileiras como a Umbanda ou que tem um homem preto como principal protagonista (Raimundo Irineu Serra, fundador do Santo Daime) e outras cenas musicais (STRAW, 1991) negras como o hip hop, direta ou indiretamente, se fazem importantes na atuação do grupo e suas apresentações-rituais na cidade. Contudo, trata-se de uma cerimônia exclusivamente rastafari, e assim que é ela pensada e feita. Através da música abre-se a possibilidade de transformação do mundo, levando o conhecimento de sua ancestralidade centrada em Haile Selassie, na África e na Etiópia, fazendo da história algo vivo e que continua dando frutos. De acordo com a célebre frase, já de domínio popular, do pan-africanista jamaicano Marcus Garvey, “um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”; os rastafaris do ICBF, seguindo as palavras de seu profeta, estão a cultivar uma frondosa floresta, dentro de si e na terra, plantando sementes para que mais árvores possam crescer com todo o seu vigor, das raízes aos céus.

Referências

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Notas

[1] Trecho da música Jump Nyahbinghi, presente no álbum Confrontation (1983) de Bob Marley & The Wailers. Tradução do autor.
[2] A primeira vez que o termo apareceu foi em uma gravação de Toots and the Maytals intitulada Do the Reggay (1968), cuja letra fala de uma nova dança (“is this the new dance?”).
[3] O ska surgiu no final da década de 1950 e logo no começo da próxima década houve a sua popularização. Antes do ska havia o mento, mas a sua origem é rural.
[4] É importante notar que muitos rastafaris não se consideram como pertencentes a uma religião, mas sim a um caminho espiritual, um movimento de repatriação, uma vivência afrocentrada ou um modo de vida. Religiões, neste caso, seriam as institucionais, portanto, babilônicas.
[5] No mesmo dia, Menen Asfaw, esposa de Haile Selassie, foi coroada rainha da Etiópia.
[6] Estilo ashanti-jamaicano de toque de tambor que existe na ilha há séculos. Durante o período da escravização ele foi tolerado nas plantações porque era usado para marcar o ritmo de trabalho dos escravizados. Baseado no modelo “chamada-e-resposta”, são utilizados três tambores principais. Com o declínio do sistema de plantation, os tocadores de burru foram para as favelas de Kingston onde sobreviviam fazendo trabalhos casuais. É possível que estes tambores estivessem anteriormente ligados a uma religião de origem africana, mas posteriormente foram destituídos do elemento religioso por conta da escravização.
[7] Cidades como Boa Vista, Manaus, Belém, São Luís, Fortaleza, Recife, Salvador e Brasília. Em São Paulo chegou em 2002.
[8] Há ainda oficinas gratuitas de toque e construção de tambor voltando à cultura rastafari realizadas pelo ICBF.
[9] São apresentações-rituais que nunca se cobra um valor em dinheiro para poder participar, seguindo um princípio rastafari de não comercialização do conhecimento.
[10] Em Addis Abeba, capital da Etiópia, há a Catedral da Santíssima Trindade. Pertencente à Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo, ela foi construída em 1942 para comemorar a vitória da Etiópia sobre a ocupação italiana antes da Segunda Guerra Mundial.
[11] Entrevista, 22 de fevereiro de 2022. São Paulo, minha residência.
[12] Acompanho as atividades e participo dos nyahbinghi do ICBF desde 2015, tanto na cidade como na floresta.
[13] Sobre o “povo da rua” conf. Cardoso (2017).
[14] Eliane Nascimento Silva é madrinha do CST, neta de Antônio Gomes, um grande amigo do fundador do Santo Daime em 1930 em Rio Branco (Acre), Raimundo Irineu Serra. Antônia Costa do Nascimento, tia materna de Eliane, quando criança, conhecia pessoalmente Raimundo Serra, pois sua família participava dos trabalhos espirituais em sua igreja em Rio Branco.
[15] A ganja possibilita a conexão mais profunda com Jah (transliteração que se deu na Jamaica da palavra da Yah, forma abreviada Yahweh, ou seja, o Deus abraâmico) e o rapé, de origem indígena, está presente entre os rastafaris através do Santo Daime, que estabeleceu parcerias com diversos povos que fazem o seu uso ritualístico.
[16] Em março de 2022, o ICBF lançou nas plataformas digitais o álbum Bola de Fogo. Os chants gravados para este álbum são cantados durante as apresentações-rituais. Pode-se acessá-lo em: https://open.spotify.com/album/7xonJNk81n4OrYvTueMeJL
[17] Tendo em mente o caso de Shashamane (Etiópia), conf. Bonacci (2015).
[18] Nesta exclamação, o “I” deve ser lido como no inglês. Na Jamaica se desenvolveu o dread talk ou Iyaric, uma linguagem rastafari derivada do patoá que “articula a resistência rastafari à opressão” (MANGET-JOHNSON, 2008). O Pronome pessoal “I” se torna um “prefixo” ou “sufixo” para diversas palavras no Iyaric, denotando uma identificação com Haile Selassie e um princípio divino existente em toda humanidade, uma relação pessoal com Jah.
[19] No Santo Daime, a noção de espiritualidade tem em conta esses dois mundos. A negação do aspecto espiritual e supervalorização do material levaria o praticante à ilusão, que seria “sustentada dentro da lógica do sistema, pela redução de todo o cosmo à sua dimensão material" (GROISMAN, 1999:47).
[20] Além disso, os adultos, pais e mães dos pequenos, têm a possibilidade de um dia de lazer para si e para os seus, juntos.
[21] Ambos, Melenik II e Haile Selassie, são considerados descentes da “dinastia salomônica”.
[22] Em referência aos trabalhos de Lander (2000), Quijano (2000) e Mignolo (2006).

Autor notes

i Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFSCar, doutorando em Antropologia Social pelo PPGAS/USP e membro do Núcleo de Antropologia Urbana (USP). E-mail: marceloyokoi@usp.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0220-7684

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