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A festa como modo de existir e resistir ao lazer colonizado
La fiesta como forma de existir y resistir al ocio colonizado
The party as a way to exist and resist colonized leisure
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol. 20, núm. 1, pp. 57-81, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 2527-2551
ISSN-e: 1806-5627
Periodicidade: Semestral
vol. 20, núm. 1, 2023

Recepção: 09 Fevereiro 2023

Aprovação: 18 Março 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Nessa escrita, nos desafiamos a pensar lazeres contra coloniais, ou a festa, como os entendemos. A primeira ideia que temos é que a festa existe e resiste desde antes da colonização até os dias atuais, e, mesmo com várias tentativas de apagamento, ela está presente. Circulamos pelo pensamento de Nêgo Bispo, que nos provocou a refletir sobre a festa nas tradições afrodiaspóricas e indígenas e sua resistência em algumas comunidades e, em especial, no grupo cultural Meninas de Sinhá. Tais ideias nos conduziram à superação do lazer, por sua linearidade, e nos aproximaram da circularidade da festa. Nos levou a entender que precisamos (re) criar, (re) apropriar o tempo festivo. Assim, a contra colonização consiste num paradigma urgente a repercutir no campo dos Estudos do Lazer com potencial para acessar fronteiras exaltadas pela diversidade e como caminho para o envolvimento em vivências orgânicas e sensíveis em que circulam saberes e memórias.

Palavras-chave: Contra colonização, Colonização, Festa, Lazer, Coletividade.

Resumen: En este escrito, nos desafiamos a pensar en el ocio o las fiestas contracoloniales, tal como las entendemos. La primera idea que tenemos es que la fiesta existe y resiste desde antes de la colonización hasta el día de hoy y, aun con varios intentos de borrarlo, está presente. Circulamos por el pensamiento de Nêgo Bispo, que nos incitó a reflexionar sobre la fiesta en las tradiciones afrodiaspóricas e indígenas y su resistencia en algunas comunidades y, en particular, en el Grupo Cultural Meninas de Sinhá. Tales ideas nos llevaron a superar el ocio, por su linealidad, y nos acercaron a la circularidad de la fiesta. Nos llevó a entender que necesitamos (re)crear, (re)apropiarnos del tiempo festivo. Así, la contracolonización constituye un paradigma urgente por repercutir en el campo de los Estudios del Ocio con potencial para acceder a fronteras exaltadas por la diversidad y como forma de entablar experiencias orgánicas y sensibles en las que circulan saberes y memorias.

Palabras clave: Contra la colonización, Colonización, Fiesta, Ocio, Colectividad.

Abstract: In this writing, we challenge ourselves to think about contracolonizing leisure, or parties, as we understand them. The first idea we have is that the party exists and resists since before colonization until the present day, and, even with several attempts to erase it, it is present. We circulate through Nêgo Bispo’s thoughts, which provoked us to reflect on the party in Afro-diasporic and indigenous traditions and its resistance in some communities and, in particular, in the Cultural Group Meninas de Sinhá. Such ideas led us to overcome leisure, due to its linearity, and brought us closer to the circularity of the party. It led us to understand that we need to (re)create, (re)appropriate festive time. Thus, contracolonizing consists of an urgent paradigm to reverberate in the field of Leisure Studies with the potential to access frontiers exalted by diversity and as a way to engage in organic and sensitive experiences in which knowledge and memories circulate.

Keywords: Contracolonizing, Colonization, Party, Leisure, Collectivity.

Introdução

Quando nós falamos tagarelando e escrevemos mal ortografado, quando nós cantamos desafinando e dançamos descompassados, quando nós pintamos borrando e desenhamos enviesado, não é porque estamos errando é porque não fomos colonizados. (BISPO, 2020)[1].

Não ser colonizado é um privilégio em um mundo eurocentrado imposto ao território pindorâmico desde sua invasão. Poder falar tagarelando, cantar desafinando, dançar descompassado, pintar borrando e desenhar enviesado é resistir à colonização dos modos de falar, cantar, dançar e desenhar eurocentrados impostos há mais de 500 anos. É ser contra a colonização trazida pelos europeus e contra a colonialidade impositiva do mundo ocidental até a atualidade.

Nós, autoras deste artigo, colonizadas e em processos pessoais de contra colonizarmos, estamos aqui nos desafiando a pensar lazeres contra coloniais, ou a festa, como os entendemos. A primeira ideia que temos é que a festa existe e resiste desde antes da colonização até os dias atuais, e, mesmo com várias tentativas de apagamento, ela está presente. Propusemos a escrita circular conforme o pensamento de Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo. Conhecido escritor, poeta, militante e quilombola piauiense, que nos provocou a refletir sobre a festa nas tradições afrodiaspóricas e indígenas e sua resistência em algumas comunidades e, em especial, no Grupo Cultural Meninas de Sinhá. Convidamos o leitor a circular conosco por tais ideias que nos conduziram à superação do conceito de lazer, por sua linearidade, e nos aproximaram da circularidade da festa, ao observar determinadas manifestações culturais e modos de vida contra coloniais. A contra colonização parece-nos um paradigma urgente a repercutir no campo dos Estudos do Lazer com potencial para acessar fronteiras exaltadas pela diversidade e como caminho para o envolvimento em vivências orgânicas e sensíveis.

Colonização, contra colonização e a festa

Quando o povo europeu invadiu o território pindorâmico, trouxe sua cosmologia eurocristã monoteísta, desterritorializou os indígenas e os impediu de comerem os frutos da terra, infligindo aos povos originários a fadiga do suor para que pudessem comer. Criaram neste território o trabalho como uma ação de sintetização da natureza e estabeleceram a cosmofobia, tentando eliminar toda e qualquer cosmovisão politeísta dos povos indígenas. Os povos que aqui habitavam foram atacados em suas próprias terras e os povos africanos trazidos à força foram atacados em terra alheia (SANTOS, 2020). Os indígenas foram os primeiros a serem escravizados, pois antes da escravidão dos africanos, trabalhavam na montagem de engenhos de açúcar (MILANEZ, 2019). Com a organização racional do trabalho, foi estabelecida a disciplina, o fazer especializado e o controle do tempo seja no engenho de açúcar, na pesca, na agricultura ou mineração. E, ainda que houvesse relações porosas entre o tempo do trabalho e do não trabalho no período colonial, os critérios de uso do tempo e seu preço na exploração dos recursos naturais, prenunciava valores, conceitos e modos de vida colonizadores, em que germinaram ao longo de séculos, a modernidade e o capitalismo (DIAS, 2009). Esse tempo em que os escravos se dedicavam “à produção de mercadorias e serviços a serem usufruídos exclusivamente pela classe dominante, era conhecido como “tempo do senhor”, e, o “tempo do escravo” correspondia ao descanso, aos batuques e às festas (REIS, 1993 apudDIAS, 2018, p.16).

Mesmo com toda essa força brutal do Estado que estava sendo implementado em terras pindorâmicas, os povos africanos e os povos indígenas se confluíram cosmologicamente por seus modos de vida e pensamentos parecidos, estabeleceram uma aliança cosmológica contra colonizadora (SANTOS, 2020). Desde esse período até os dias atuais, a contra colonização sempre foi uma realidade que resiste aos colonizadores.

Para apagar os modos de existir e reexistir dos povos indígenas e africanos, os colonizadores criminalizaram seus fazeres cotidianos, suas existências sempre em festa. Inserido no cotidiano, em períodos noturnos e aos domingos, o “tempo do escravo” também passou por regulação e controle por parâmetros colonizadores, necessitando modificar-se para que pudessem resistir à condenação dos seus modos (DIAS, 2018). Incriminaram os “modos e fazeres de todos os povos afros, tais como: os batuques, sambas, capoeira, casas de terreiros de matrizes Africanas e todos e quaisquer gestos” (BISPO, 2019a)[2] e criminalizaram os indígenas os considerando indolentes, desvalorizando suas culturas e seus modos de vida tidos como bárbaros, forçando esses povos a adotarem os costumes civilizados do cristianismo (MILANEZ, 2019) monoteísta. Dias (2018) explica que motivações religiosas justificavam a repressão do “tempo do escravo”, pois o trabalho era enfatizado como um bem espiritual, combate ao ócio e à pobreza. Porém, ao longo do século 18, “há registros de inúmeras importantes transformações na escala de valores relacionadas ao trabalho e ao não trabalho no Brasil” (DIAS, 2018, p.16), e nestes é notado que, tais motivações religiosas foram paulatinamente substituídas predominando as de natureza econômica. Por exemplo, os feriados e dias santos foram considerados prejudiciais à moral e costumes do povo pela tendência em adotarem vícios e viverem o ócio.

Nesse contexto colonial, em que a religião cristã monoteísta e os valores econômicos se impõem, a festa é um dos modos de reexistirem dos povos confluentes. O povo do quilombo não é um povo da paz, é um povo de festa como narrado por Nêgo Bispo. Ele diz que não é um cara feliz, é festivo, faz festa (BISPO, 2021). Davi Kopenawa e Albert (2015) nos conta que Omama[3] disse aos seus antepassados que eles deviam viver na floresta criada por ele, comerem os frutos das florestas, caçarem, abrirem roças, plantar e darem grandes festas reahu[4]. Convidarem uns aos outros de diferentes casas, cantarem e oferecerem alimento aos convidados. Os macuxis se juntavam para cantar e dançar parichara (canto e dança do porco do mato) e tukui (canto e dança do beija flor), era a forma de agradecer paapa (Deus na língua Macuxi) pela fartura dos nossos alimentos. Dançavam e bebiam durante três a quatro dias, antes iam caçar, pescar e as mulheres faziam caxiri, beiju, damurida (comidas tradicionais) para fazer festas. Entre os guaranis há cantos para fazer anzol, para caçar, para fazer o parto, para afastar o mau tempo. A festa nos povos indígenas não é somente para socialização ou para rituais, é também trocas econômicas, quando trocam flechas, novelos, redes de dormir entre outros (PERES, 2013). O Toré é uma dança ritual que consagra os povos indígenas, principalmente do Nordeste e junto a esses rituais tem a jurema, uma planta bebida, uma entidade espiritual das forças das florestas brasileiras em rituais afro-ameríndios (GRUNEWALD, 2008).

A força do Estado é bruta e violenta contra esses povos. Atualmente são atacados pelo garimpo ilegal ou legalizado, agronegócio, extração de minérios, avanço imobiliário, enfim todo tipo de exploração nas terras indígenas e quilombolas, além da guerra contra as drogas nas favelas, entre outras situações que matam homens, mulheres, crianças e jovens indígenas e pretos desse país. Nesta luta, reexistem com a festa que partilha e organiza a vida cotidiana desses povos. Diferentemente dos colonizadores que, em quaisquer atividades de lazer ou esportivas, dividem os participantes. As festas indígenas e quilombolas fazem parte da organização circular da cultura, em que, para todos faz sentido, todos vencem, a natureza humana e não humana. Segundo Nêgo Bispo, a festa afropindorâmica é contracolonial, difere da escolha mono, a qual cultua um Deus, e por isso nas suas atividades há sempre um vencedor, como no esporte em que um indivíduo ou uma equipe apenas ganham. Na cultura monoteísta o trabalho deve ser exaustivo para ter sucesso, diferentemente da cultura politeísta em que prevalece a roda, a circularidade e a partilha. Exemplifica com a roda de capoeira, regida pelos ensinamentos da vida, onde se pode ter

[...] cinquenta pessoas jogando, uma pessoa ensinando e pouquíssimas assistindo. Entre as poucas pessoas que assistem pode haver alguma que nunca viu a capoeira. No entanto, se esta quiser, ela pode entrar na roda e jogar. Essa lógica excludente do futebol e inclusiva da capoeira estão presentes no dia a dia e fazem parte do processo organizativo da coletividade. Eis a importância das cosmovisões na organização das sociedades. (SANTOS, 2015, p. 42).

A festa é parte da cosmovisão indígena e quilombola, é a coletividade que organiza a sociedade. O trabalho não é o oposto à festa, não é exaustivo e não pretende o sucesso. O trabalho é comunitário, a terra é de uso comum, visa ao Bem Viver:

Bem Viver, para quem acredita que cantando é possível suspender o céu, para quem acredita que o modo como vivemos e o mundo onde vivemos é recriado a toda hora. [...] Nossos ancestrais cantavam para suspender o céu. Com esse canto, a cura também chega. Esse é um dos poderes que nossos ancestrais nos passaram: uma prática de comunhão da terra com o céu, por isso a terra é a nossa mãe (KRENAK, 2020, p. 20).

Portanto a produção é partilhada para todas as pessoas de acordo com que precisam e não visa a acumulação.

a melhor maneira de guardar o peixe é nas águas. E a melhor maneira de guardar os produtos de todas as nossas expressões produtivas é distribuindo entre a vizinhança, ou seja, como tudo que fazemos é produto de energia orgânica, esse produto deve ser reintegrado a essa mesma energia. (SANTOS, 2015, p. 85).

Assim, a festa e o trabalho são vidas orgânicas que fazem parte da cosmovisão politeísta e, por isso, circulares. Manter a organicidade da festa e do trabalho é fundamental para contrapor os colonialistas e a paz colonialista que nos querem subservientes, querem os pretos, indígenas e favelados “no cemitério”. A festa não é para ser vivida em momentos de descanso ou no tempo livre, são modos de viver que reexistiem no compartilhamento da vida humana e não humana.

A circularidade da festa e a linearidade do lazer

Nas tradições afrodiaspóricas percebemos a formação da roda como elemento fundamental que estrutura o encontro e a festa, favorece a dança, convida para a brincadeira e o jogo, desperta a espiritualidade e a conexão entre os seres vivos humanos e não humanos, assim as percepções humanas do mundo são ampliadas a partir de uma cosmovisão circular. A roda reúne o mundo disperso, e nessa circularidade se dão as vivências cotidianas contra coloniais. Elas estão presentes nos quilombos, nas aldeias, nas periferias, subvertendo à lógica de uma sociedade alicerçada no trabalho e na competição.

Por outro lado, a noção de lazer, tal como formatada a partir da modernidade[5], remete-se às vivências lúdicas possíveis num tempo e espaço do não-trabalho. E mesmo que, em algumas situações, tais vivências encontram-se em tempo e espaço de trabalho, numa relação porosa, ainda assim, estão submetidas a uma ordem hierárquica em que o trabalho se sobrepõe ao lazer, e que ambos são inerentes à sociedade capitalista. A aproximação do lazer ao trabalho no mundo contemporâneo é similar a uma tomada de fôlego, em meio ao sufocado cotidiano que privilegia o dever sobre o desfrutar a vida.

A modernidade do lazer, estabelecida em oposição ao trabalho, mesmo quando não se passa apenas por uma experiência compensatória, e ainda que intencione educar colonizadores e colonizados para melhoria da qualidade de vida em sociedade, alinha-se ao pensamento linear eurocristão monoteísta. Tal maneira de perceber e sentir o mundo confronta-se com o paradigma contra colonizador. Em qualquer sociedade, a força de uma ação educativa é balizada por sua repercussão nas vivências sociais e cotidianas. O cumprimento do dever acima do desfrute da vida é um paradigma que ancora a educação pelo e para o lazer numa educação colonizadora, mesmo quando tende a ser cooperativa, pois educa para o lazer apesar do trabalho, para a competência em cooperar apesar da necessidade em ser competente em competir, reafirmando que o lazer é educativo à medida que a educação para o (mercado de) trabalho esteja consolidada.

As experiências de colonialidade estão associadas à meritocracia, e insere o lazer na lógica capitalista e predatória, coadunando com o que Aílton Krenak (2019) considera como “o fim do mundo”: “o tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto o prazer, tanta fruição de vida. Então pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir de nossos próprios sonhos” (p.26-27). Nessa perspectiva, a ideia de que a Terra é uma coisa e que a humanidade é outra, de que cada um deve fazer sua parte no mundo (coisa), corresponde à individualização das responsabilidades, torna menor o feito de cada um e enfraquece a ação humana, pois está dispersa no mundo.

Observando o conteúdo organizativo e os regramentos que governam essas diferentes modalidades, logo podemos perceber que as manifestações de matriz eurocristã monoteísta trabalham o coletivo de forma segmentada e as manifestações afro-pindorâmicas politeístas trabalham o indivíduo de forma integrada. Um exemplo ilustrativo é a diferença entre o futebol (criados pelos ingleses, um povo de cosmovisão monoteísta) e a capoeira (criada pelos povos afro-pindorâmicos, de cosmovisão politeísta). (SANTOS, 2015, p.42).

Bispo (2019a), em uma de suas palestras questionou: “Pelé é o Rei do Futebol, mas não consegue ser técnico do Santos. Sabe jogar e não pode ser Mestre do jogo. Quantos técnicos negros já foram técnicos da seleção brasileira? Cresce economicamente, mas não cresce dignamente”. Contra colonizar o lazer é conferir circularidade às esferas da vida, é reconhecer o poder gerativo da festa, que entrelaça a estesia, o sensível e a ação humana e comunitária. No caminho investigativo, essa ideia nos leva a conectar com as culturas invisibilizadas, pois

[...] particularidades mais concretas, cotidianas, molduradas em um quadro regional específico, pode nos conduzir a análises capazes de revelar – talvez de maneira um tanto surpreendente para alguns – imagens extremamente distantes das caricaturas estereotipadas que se cristalizaram em torno do universo do trabalho e do lazer. (DIAS, 2009, p. 27).

Não é possível ter lazer contra colonial, a resistência está nos que lutam por um modo de vida em que a festa é essencial, a festa é parte da vida. A ideia do lazer nasce eurocentrada e como não diz de corpos encarnados, de nossos corpos gingados, vivem em tensões no campo dos Estudos do Lazer, por exemplo, quando Dumazedier (1979) traz a ideia do lazer como a superação da rotina verificada nas tarefas obrigatórias e com isso a mudança de atitude e satisfação na atividade vivida (MARCELINO, 1987), tensiona com a ideia do lazer como conteúdo estético criativo e imaginativo e o resgate cultural, além da participação social e construção da cidadania (DEBORTOLI, 2012), uma experiência “enquanto necessidade social específica e não como subsidiário de outras necessidades” (MENICUCCI, 2006, p.155). Essa luta para conceitualizar, que todos nós acadêmicos eurocentrados vivemos, e, às vezes temos dificuldade de romper, os povos de matriz africana e indígenas tem a encruzilhada como resistência, encantamento que abre caminhos. “Exu, o dono das encruzilhadas, gargalha. Gargalha muito. Exu é Mojubá!”[6](MAYER, 2020, p. 21). Não escolhe caminhos certos, elimina os equivocados, pois eles não dão a lugar nenhum, eles nos levam a armadilhas colonialistas que aprisionam, matam fisicamente e subjetivamente (MAYER, 2020). Assim, neste artigo, privilegiamos o pensamento quilombola e dos povos originários e encontramos na encruzilhada a festa. A encruzilhada parte de

Exu que é o que quiser. Assim, ele é aquele que nega toda e qualquer condição de verdade para se manifestar como possibilidade. É Elegbara, o dono do poder, o andarilho que caminha na direção do rei, decepa-lhe a cabeça, mete-a no bornal e desaparece na curva a gargalhar![7] Exu é assim, perambula pelo mundo, reinventando-o, a partir de travessuras. (RODRIGUES JUNIOR, 2018, p.76).

Encruzilhada é um cruzo de caminhos em movimento, é de um povo circular, não tem quina e não para. Assim, a festa está numa encruzilhada, é uma encruzilhada circular e sem quina, na qual todas e todos podem estar dentro, tanto pessoas, não pessoas, como quaisquer atividades, incluindo o trabalho. Portanto, diferentemente da dicotomia conceitual do lazer não se trata apenas de momentos em que trabalho e lazer apresentam porosidade, pois esse entendimento ainda dimensiona um modo de viver linear. Na circularidade, a festa integrada à vida estabelece um território em que se figura outra relação com os tempos e espaços sociais. Costa (2017, p.29), em sua pesquisa sobre as festas da Comunidade Quilombola Carrapatos da Tabatinga, em Minas Gerais, relata que “dia de festa é dia de trabalho também”, e esclarece que:

Festa e trabalho para as comunidades tradicionais apresentam uma relação distinta da apresentada pelos Estudos do Lazer. Não há um corte nessa relação. Não são necessariamente antagônicos. A obrigação a cumprir na Festa diz do compromisso com os ancestrais, da necessidade de se cumprir uma “missão de fé”. (COSTA, 2017, p.29).

Para contra colonizarmos a ideia de lazer colonialista, mercantilista na nossa vida cotidiana, primeiro temos que não usar esse nome. Nêgo Bispo, nos diz que foi adestrador de animais por 10 anos e percebeu que a primeira coisa que se faz para adestrar uma animal é lhe colocar um nome. Quem coloca o nome é quem manda, então nomear é uma forma de colonizar (DORNELES, 2021). O nome lazer neste sentido é adestrador, teve força no auge da revolução industrial dando nome ao tempo livre do trabalhador, mas o que importa é que o trabalho, a exploração e o descanso eram dados em um tempo mínimo para o descanso dos corpos para o trabalho. A festa não foi nomeada por ninguém, ela é vivida em um agenciamento cosmológico em que a natureza e outros seres participam, não é para descansar o corpo para o trabalho, pois os dois neste modo de vida são orgânicos, são vivos. Então, transpor a ideia da festa como uma referência contra colonial, é contrapor a ideia de lazer linear e hierarquizado. Não é criar um conceito, pois as palavras cosmológicas não são conceitos, são palavras germinantes, são sementes. As letras são sementes e germinam em forma de palavras e podem alimentar mentes quando movidas em bocas pela oralidade. A festa é vida, é oralidade, é cosmologia politeísta (DORNELES, 2021). O lazer colonizador corresponde ao modo de vida hierárquico, enquanto a festa é contra colonizadora, corresponde ao modo de vida circular. A festa é um nome que germina, que é semente e brota!

Souza (2015, p.113), nos auxilia a compreender esse pensamento afirmando que, “o lugar do lúdico e das lutas tradicionalmente são dois lugares e que Bispo nos leva a pensar como sendo apenas um lugar ao configurar a luta como resistência e proteção da vida por isso se expressa muito mais como apego à vida, defesa dos sentidos dados à vida”. Nessa perspectiva, o trabalho é sempre transformado em festa e poesia, pois “tudo que fazemos é produto da energia orgânica e esse produto deve ser reintegrado a essa mesma energia”.

Bispo (2019), em sua palestra no evento ColaborAmérica, esclareceu seu ponto de vista sobre a religião euro-cristã monoteísta e sua implicação no modelo de civilização colonizadora:

a primeira coisa colonizada foi Jesus, para através dele colonizaram o povo. O Cristo só fica no céu, numa única direção e linha reta, que formata o pensamento linear (pensa como olha/pensa como sente). E quem enfrenta isso são as religiões politeístas, africanos na ancestralidade, os indígenas. Nós pensamos na circularidade, por isso não temos limite e temos fronteira, pois todo lugar da roda é começo e todo lugar é meio. O samba não é rodando? Como a gente pensa na circularidade a gente vive rodando. Maneiras diferentes de pensar e sentir no mundo.

O termo “lazer” utilizado genericamente para referir às vivências lúdicas, não expressa as fronteiras em que se colocam uma diversidade de práticas culturais e cotidianas. Para os contra colonizadores, o uso de termos generalizadores são uma maneira de colonizar e invisibilizar as diferenças. É urgente que os termos correspondam aos elementos simbólicos e significativos de cada povo, comunidade, cultura.

Debortoli (2012, p.23), aponta o lazer “como uma forma de engajamento e também como forma de produção e participação social: no fazer artístico, como presença sensível, atenta e encarnada, produzimos o mundo e produzimos a nós mesmos; compartilhamos a produção da vida e constituímo-nos sociais”. Esse diálogo proposto por Debortoli cria tensões com o termo lazer, pois a descrição proposta nos leva a festa e ao encontro, propondo engajamento, presença sensível e encarnada produzindo mundos, vida, coletividade, produz festa. Em sua pesquisa sobre as festas de povos quilombolas, Costa (2017, p.42) enfatiza que tais contextos desafiam os pesquisadores a “interpelar o Lazer, entrelaçando-o a práticas sociais complexas, trazendo consigo outras formas de percepção do tempo, do território e dos processos de produção cotidiana da vida”. Como explica Gomes et al. (2016, p.114), seria “ir além de uma noção de conhecimento sobre o mundo, em direção à ênfase nos processos de habitar o mundo; de cultura como dominação instrumental para uma noção de experiências de envolvimento, percepção e cuidado”. Assim, neste texto propomos a festa como encruzilhada, como nos diz Nêgo Bispo (DORNELES, 2021), encruzilhada é uma palavra germinante, na verdade espaços germinantes, não é um conceito acadêmico da escrita sintética. As palavras do povo afroconfluente e indígenas não são conceitos, são sementes que germinam, transformam, estão em constante movimento de começo, meio, começo, em circularidade. A festa conflui. Como descreve Nêgo Bispo (DORNELES, 2021), a palavra confluência também é uma palavra semente, é o encontro entre os seres, entre vidas que se movimentam dentro do mesmo cosmo. Movimentam com energias que se misturam. As palavras colonialistas não se misturam, não tem encontros. A confluência rompe com o etnocídio e a subjugação de uma cultura pela outra, respeitando os modos de vida praticados nos diferentes territórios (SANTOS, 2015). Para chegar ao nível da sabedoria e Bem Viver, “transformamos as nossas divergências em diversidades, e na diversidade atingirmos a confluência de todas as nossas experiências” (BISPO, 2019b)[8]. A palavra festa germina vida em movimento, conflui na diversidade.

Meninas de Sinhá[9]: a luta entre circularidade cosmológica e linearidade colonialista

Meninas de Sinhá é um grupo de mulheres em sua maioria negra, do morro, da favela, existe há mais de 20 anos. Foi formado a partir da mestra Dona Valdete[10], uma líder comunitária, ativista social que se inseriu no movimento negro feminista e vivenciou desde seu nascimento uma trajetória de carências econômicas. Dona Valdete propôs a mulheres deprimidas e que viviam à base de medicamentos antidepressivos, encontros com atividades diversas até chegarem nas brincadeiras e danças de roda (BORGES, 2019). Trouxe para essas mulheres a potência ancestral da roda e da festa. Associamos o termo mestra àquela que ensina um saber essencial para a vida, organizado em estruturas circulares em que todas e todos podem participar e é alicerçado em fundamentos e princípios filosóficos comunitários (SANTOS, 2015). As pessoas não assistem a roda, elas fazem parte da roda, como fazem parte de todas as atividades conduzidas por mestres e mestras do povo orgânico (indígenas e quilombolas), sempre direcionada ao Bem Viver.

Dona Valdete era preta, trazia em seu corpo a ancestralidade do povo africano, mesmo que ao longo dos anos tentassem dizimar a cultura ancestral, mas ela foi mantida no corpo das mulheres pretas e do povo preto. Quando a mestra propôs a roda, a inclusão e o compartilhamento, chamou para festa e não para o lazer, na festa há a circularidade de histórias de vida compartilhadas, há o encontro com a fé, com a recriação da vida, com a aldeia e o terreiro. A festa circular é um lugar que é possível questionar a ordem, enfrentar sombras, desconstruir hierarquias. É momento também de utopias, pode nascer da alegria e da tristeza. A celebração é uma maneira de afastar da morte, da dor, do cansaço compartilhando a dor e a luta de ser e estar no mundo, diminuindo as desigualdades de todos os presentes (SENA; MACIEL, 2021).

Dona Valdete questionou a realidade existente, de mulheres periféricas e pretas saírem do posto de saúde com várias medicações continuamente, dia após dia. Questionou a ordem e quis ir além, propôs o encontro, a celebração e a roda. Assim, o grupo vivenciou a circularidade cosmológica da festa, trazendo o sentimento de pertencimento e a cura pela vivência ancestral. A inteireza da experiência corporal relacionando o corpo à roda, às memórias positivas da infância, ao mundo, à natureza. Os estados corporais repercutidos nas brincadeiras de roda e na prática artística do “Meninas de Sinhá”, como vivência que marcou a ruptura com um estado de adoecimento (depressão) revelam “tensionamentos presentes na vida, marcados pela condição social, cultural e corporal, bem como, para o reconhecimento das potências destes condicionantes”. (BORGES, 2019, 44).

As potências das mulheres vêm com a roda, com a festa, com as brincadeiras que expressam a partilha, entrecruza histórias, tempos e espaços. Brinca-se, com memórias (DEBORTOLI, 2004apudBORGES, 2019). Em um depoimento coletivo as mulheres de Meninas de Sinhá contaram sobre a memória.

Eu canto demais em casa, lavando roupa, fazendo comida, varrendo a casa. Canto e encanto! Como dizem: quem canta seus males espanta! Eu saio daqui e já chego em casa cantando. Chego inspirada e começo a cantar. Canto as músicas que gosto e se eu tiver chateada, o violão é meu amigo. Eu vou cantando e vou ficando alegre. Eu aprendi tocar violão aqui no grupo, e com três acordes já toco muitas músicas. Eu puxo da minha memória músicas de crianças, assim já toco muita coisa com esses acordes. Eu já cantava em casa, gostava muito de verso, mas tinha muita coisa que eu tinha esquecido, eu vim relembrar aqui no grupo. Foi abrindo minha mente, por exemplo, duas músicas que eu não lembrava de jeito nenhum lembrei aqui. Essa música “na mão direita tem uma roseira”, eu cantava na noite de São João, nas festas das fazendas, onde morei na infância. Aí fazia a roda em volta da fogueira, ou na hora que levanta o mastro de São João, Santo Antônio, São Pedro. Tinha festa de tudo, e eu cantava. Fazia a roda, com a lua clara e ficava lá cantando. Mas depois eu vim pra Belo Horizonte, fui trabalhar em casa de família e outros lugares, e não tinha jeito de cantar. Trabalhar cantando nestes lugares não pode. Nossa, me deu lembrança agora: Toda noite eu subia numa árvore para cantar. Porque eu gostava mesmo e me apeguei à árvore. Essa árvore é significativa pra mim porque era meu refúgio à noite, quando estava o céu estrelado e a lua bonita, eu aprendi muito a cantar em cima desta árvore. Hoje não preciso refugiar para cantar, está melhor do que na infância da gente, bem melhor! (BORGES, 2019, p.138).

O educador social Roquinho, colaborador de Dona Valdete e reconhecido por ela como um dos fundadores do Meninas de Sinhá, estimulou e auxiliou as mulheres, no início do grupo, a gravarem repertórios de músicas da infância. Para ele, a música é capaz de constituir um “território interior”, algo que mantém o vínculo com o essencial e com o comunitário, guardando “referências poderosas de uma experiência vivida num território, num chão, no seu lugar no mundo e onde você for” (FISCHER, 2022, p.200). Assim, a música que consagra a festa em Meninas de Sinhá, constituiu seu território de reexistência, e para Fischer (2022, p.219), “se pensarmos que o grupo não apenas se beneficia de sua prática, mas também compartilha e divide seus benefícios à comunidade, relacionamos logo com a lógica do Ubuntu onde a troca e o cuidado são pensados de forma coletiva e partilhada”. Na missão de levar a alegria, o grupo passou a fazer participações (nos termos de Valdete, em oposição a “apresentações”, e ressaltando o lugar de partilha) em escolas, creches, hospitais e outras instituições sociais.

Caldeira e Moreira (2014) desvelou que os sentidos deste grupo para essas mulheres, conhecedoras do sofrimento da depressão, do racismo e de diversas formas de violência e que tinham se tornado “donas do próprio destino”, teria a missão de levar a alegria para outras pessoas. A missão também comporta circularidades, pois não se trata de opor o dever, pois compartilha a festa construindo a partilha, o Bem Viver, como elucidou uma das mulheres em entrevista a Gil (2008, p.69): “O que era bom era ter o compromisso, ir ao local, conviver com outras pessoas, levar a alegria, contar as histórias e ver que todo mundo gostava.

A redescoberta de um modo de viver presente nas tradições afrodiaspóricas faz parte da trajetória da mestra Dona Valdete. Seu ativismo e liderança, antes mesmo da constituição do Meninas de Sinhá, considerou as brincadeiras, a arte (teatro, música, dança), o cuidado com o outro e a luta coletiva como caminho de sensibilização das pessoas de seu bairro. O intuito era criar o sentimento de comunidade. Ela também foi uma das criadoras da Missa Afro em sua comunidade, na periferia de Belo Horizonte – MG, o bairro Alto Vera Cruz: “Nunca tinha tido missa afro. Tem muita igreja que não aceita mesmo. E principalmente aqui, o tabu, né, que tinha aqui no Alto. Então nós pedimos o padre para fazer uma Missa Afro. Ele aceitou: primeiro porque ele é nordestino, segundo que ele é negro” (ARAÚJO, 2006 apud FISCHER, 2022, p. 39)

Dona Valdete é símbolo de luta, fraternidade, amor e esperança, revelando consciência da desigualdade social ao ter que contar com a presença de uma produtora cultural no grupo e dizer a ela: “Engraçado né... sempre que tem um grupo de mulheres negras é sempre um branco que toma conta”. (FISCHER, 2022, p. 69). Na sede do grupo, imagens dela estão expostas em painéis nas paredes, bem como a frase que se tornou um grito do “Meninas de Sinhá”: ‘Quando o povo se une as coisas dão certo!’. Esta frase traduz a luta e o trabalho de Dona Valdete, consistindo numa mensagem de exaltação da importância da vida em coletividade, de se unir para fazer fluir a vida, construir algo, assumir e lutar por uma causa em comum. A vida integrada em comunidade transborda no pertencimento e na responsabilidade por quem é e o que representa no coletivo, como revela as mulheres do grupo:

Na favela, eu sou respeitada. A favela do Alto Vera Cruz é minha favela querida! Eu moro aqui há muitos anos, tenho que dar valor, porque o pessoal me respeita! Todo mundo sabe que eu sou menina de sinhá, todo mundo tem aquela consideração comigo. Então, eu me sinto feliz aqui! (BORGES, 2019, p.133)

Trazem narrativas coletivas que reforçam laços sociais, tendo o encontro entre elas como uma arma potente de emancipação, de resistência a padrões sociais do que seja família, a partir da imposição da família eurocristã em que o prazer é negado a mulheres e mulheres velhas. No modelo de família colonial a mulher é para servir o marido e aos filhos e, a mulher velha tende a se isolar da vida social mergulhada no sentimento de invalidez. Porém, em Meninas de Sinhá isso foi sendo rompido. Na roda há espaços para o compartilhamento de dores e prazeres e construção coletiva de projetos de vida, desde a criação do grupo.

Eu estava realmente precisando de alguma coisa pra fazer, pra combater a solidão, porque sozinha eu pensava em bobagem. Eu comecei a fazer parte do grupo, fui acolhida aqui, e esse vínculo é fundamental. Eu digo pra você que não tem dinheiro que pague esse vínculo que nós temos aqui, esse aconchego que as meninas de sinhá tem umas com as outras. Acima do respeito, a gente tem um carinho muito grande. É uma amizade muito grande. Temos uma comunicação que só a gente entende (risos)... Eu saio com as meninas e uma ajuda a outra a entrar no ônibus, descer do ônibus. Estou vivendo um momento bacana na vida. São momentos gratificantes. Percebo a importância de tratarmos umas às outras como queremos ser tratadas. Eu não tenho com meus filhos a liberdade que tenho com as meninas. Cada um aqui tem uma confidente, isso é normal! Eu me sinto à vontade aqui, porque elas vão me dar um conselho, vão me apoiar, não vão me criticar. Na minha casa tudo é “não”, a primeira coisa que ouço na minha frente é o “não”. O “não” porque estou velha! Se eu estou lá em casa, pra baixo, eu chego aqui e acabou! Quando tenho uma dor, aqui me sinto melhor, sabe... converso com uma, converso com a outra e passa tudo. Tem aquele ditado “se amar é viver, vivo porque amo você”, então agora eu estou vivendo por amar as pessoas que estão ao meu lado. Porque nós somos uma família e não tenho rancor de ninguém. Tenho um carinho especial a todas minhas amigas. Meninas de Sinhá é a minha família, porque eu não sei quem é minha família de verdade. Eu não tenho nada de bom pra falar da infância, e quando cheguei ao grupo eu não tinha nem roupa. Mas, essa minha amiga me deu um saco de roupa. Eu não me esqueço disso nunca, pois aqui eu encontrei uma família. A gente briga de vez em quando, dá umas briguinhas passageiras, na mesma hora a gente está rindo, brincando uma com a outra. A amizade do grupo é muito importante para mim, mesmo as meninas que já passaram para o plano espiritual são lembradas e fazem falta, sinto muitas saudades (BORGES, 2019, p. 136, 137).

Eu era muito presa, meu marido não deixava eu sair pra nada! Custei a entrar para o grupo, mas quando começou a aula de bordado, eu pensei: “isto eu farei!” Passei a não dar atenção às chaturas do meu marido e entrei para o grupo. Agora viajo, canto, participo de tudo, desobedeço ao marido, arrumo e saio! Eu deixo de fazer algumas coisas em casa pra estar aqui. Tento fazer tudo em casa, mas se não der tempo venho para a sede assim mesmo. [...] Antes a gente cuidava dos filhos e esquecia da gente. Hoje não, eu os deixo lá e falo: “Estou indo!”. Aí saio e pronto, né! Os filhos precisam entender que tenho meus compromissos! Por isso não assumo a responsabilidade dos meus netos, somente em caso de urgência! Eu acho que isso faz parte e que a gente está envelhecendo muito bem! (BORGES, 2019, p 137).

A inclusão é um elemento fundamental da festa e não é possível deixar de fora alguma pessoa que queira estar dentro e se misturar, se tornam uma família com seus modos de ser, sentir, existir, a coletividade na diversidade. A ideia inclusiva proposta por Dona Valdete, após a sua morte começa a ser transformada e a inclusão passa a ser condicionada a um estágio. Este estágio é uma avaliação do nível de responsabilidade e familiaridade de cada mulher diante do grupo. De certa forma a ideia inicial de Dona Valdete associada a roda, a brincadeira e a festa são quebradas pela inclusão da responsabilidade, encarada agora como um trabalho. Esta etapa de “estágio” foi estabelecida entre a presidente do grupo, a produtora cultural, e uma das integrantes mais antigas. Essa vivência do estágio é narrada por algumas novatas como um sacrifício ou castigo que enfrentam para serem aceitas (BORGES, 2019). Com Dona Valdete, o Meninas de Sinhá era uma festa de compartilhamento, em que nenhuma delas se sentiam sacrificadas, com certeza existiam as que iam todos os dias, as que entravam e saiam do grupo, em um movimento vivo e orgânico. Com essa organicidade o grupo foi se tornando conhecido, inclusive ganhou notoriedade, com viagem por exemplo, a Polônia para se apresentarem. A lógica do estágio, dialoga com uma lógica colonialista visando a mercantilização e as necessidades de projeção e permanência de um grupo musical no mercado cultural. Transpondo a dicotomia entre lazer e trabalho, parece que o trabalho ganha força e o lazer são momentos de folga. Perde-se o poder da festa que entra quem quer, sai a hora que quiser e não é baseada em binarismo como o lazer versus trabalho.

Antigamente, no tempo da Valdete, qualquer mulher chegava ao grupo, entrava e participava. Não tinha registro de ninguém, mas hoje é mais organizado. As primeiras meninas eram convidadas pela Valdete, e outras que ficavam sabendo iam chegando. A Valdete recebia todo mundo. Hoje não é assim, pois, quando a produtora cultural vai fazer um projeto, precisa ter as informações de cada uma das meninas. Então, cada mulher que entra, a produtora cultural faz uma ata e coloca os nomes delas ali para registrar, e coloca também os nomes das antigas que não vem mais. Porque não é pegar e fazer de qualquer jeito. Antigamente as mulheres vinham para o grupo, mas não tinham aquela responsabilidade que a gente tem hoje. Agora todo mundo tem que ter aquela responsabilidade, porque o grupo é muito bom, muito conhecido. Pra estar aqui, precisa ter responsabilidade, porque temos as reuniões, temos que saber dançar, cantar, colocar a voz para fora. Teve gente que recebeu a roupa e na primeira oportunidade de estar conosco não apareceu. Então assim não dá, a pessoa tem que correr atrás do “poder entrar”. Hoje a pessoa que quer entrar tem que fazer o estágio. Esta regra, de ficar um ano acompanhando, é uma necessidade de que as pessoas que estão entrando passem a conhecer melhor as meninas de sinhá. Para fazer parte tendo conhecimentos, com uma aprendizagem sobre as meninas de sinhá. Precisa aprender nas oficinas, e, depois que a pessoa está familiarizada, passa a fazer parte do grupo. Então parte destes princípios, do aprendizado e do amadurecimento. É importante frisar também que aqui estão aquelas pessoas que amam serem meninas de sinhá. Se você observar, aqui está presente o amor! O amor que cada uma sente por ser considerada uma menina de sinhá (BORGES, 2019, p. 116).

Eu fiquei um ano e tanto pra poder entrar. Sendo que quando a Dona Valdete estava viva ela já tinha me convidado pra entrar. Mas eu trabalhava naquela época e não podia, só consegui vir quando aposentei. Valdete dizia que fez o grupo não para ganhar dinheiro, mas para melhorar a vida das mulheres. Agora tem umas meninas que quando alguém quer entrar no grupo põe barreira. Eu cheguei aqui há três anos, pedindo socorro! Eu estava com depressão e me lembrei do grupo. Valdete já tinha falecido, então falei com a produtora cultural que eu estava precisando muito fazer alguma coisa e ela disse para eu vir pra cá. Fiquei um ano nesse estágio, até que as meninas viram que eu estava pronta e me aceitaram como parte do grupo, o que foi minha salvação, pois eu estava muito deprimida! Valdete não estava mais aqui, e eu recebi o castigo de ficar na frequência, assistindo reunião, aprendendo canto. Já dancei de bengala no palco, mesmo com muita dificuldade, porque fiquei com medo delas me tirarem do grupo. Não era falta de responsabilidade, era dificuldade mesmo (BORGES, 2019, p.117)

Essa ideia de que é necessário um estágio para ser aprovada no grupo, é uma virada para o discurso hierarquizado colonialista, mesmo que essa virada não seja totalmente consciente tanto para Meninas de Sinhá quanto pela produtora. Mas essas ações ‘sem consciência’ faz parte da estratégia dos colonialistas. Grosfoguel (2008) nos fala sobre a ‘egopolítica”, as estruturas de poder geram a ideia de ego não situado, que dizer, ego sem o corpo político, sem o lugar étnico-racial/sexual/de género que os sujeitos pertencem. Essa é a maior vitória dos colonialistas, fazer com que os oprimidos desconheçam seus modos de existir e proclamem os modos de existir dos colonialistas como universal. As “Meninas de Sinhá’, ao impor as regras de entrada para pertencimento do grupo, deixa de lado o processo da circularidade em que todas possam participar e constituem um modo binário de pensamento, neste caso, a “responsabilidade” versus “irresponsabilidade”, palavras colocadas entre aspas, porque abandonam o saber orgânico e vivo e estão carregadas de saberes sintéticos. Como supracitado, são regras e palavras que geram sentimentos de estarem sendo castigadas, de medo e a diminuição da escuta. Essas mulheres no período do estágio, narram coletivamente que elas não são irresponsáveis, mas têm dificuldades que não são acolhidas como era na época de Dona Valdete. Essa ideia do estágio, conecta por exemplo, com o lazer linear, em que podem todas frequentarem o espaço das Meninas de Sinhá, participarem de atividades, mas não pertencerem ao grupo principal, quer dizer, constituem um lugar de privilégio, de prazer que para algumas e de sacrifício para outras. Esse novo formato distancia da ideia de Dona Valdete com seu modo de existir e pensar em roda inclusiva. De certa forma com a sua morte física, também houve a sua morte pelo esquecimento de seus ensinos como mestra. Como nos diz Nêgo Bispo (2020)[11] falando do ensino que seu tio Norberto Máximo lhe narrou no momento do seu rito de passagem desse plano para ancestralidade.

Enquanto você passar para as outras gerações aquilo que passei para você, mesmo que eu esteja enterrado estarei vivo. Mas no dia que você deixar de passar para as outras gerações isso que eu recebi de outras gerações e estou lhe passando, mesmo que eu esteja presente, eu estarei morto. Então a minha vida a partir de hoje está nas suas mãos, minha vida está na sua vida.

Nas culturas que cultivam a ancestralidade, a morte só existe com o esquecimento e com a não continuidade da transmissão de seus saberes. A vida permanece quando os fazeres e os saberes ancestrais se fazem presentes. No trabalho artístico do grupo, em suas apresentações mantém a dança, o giro, a ritualização, mas em seu modo organizativo, na forma de quem pode ou não pertencer ao grupo essa circularidade é perdida e com ela o sentido da festa. As Meninas de Sinhá, ao estabelecer o processo de estágio, rompem com o saber de Dona Valdete ao não passar o mesmo para a nova geração de mulheres que vem buscar o pertencimento ao grupo, rompem com a festa em que todas podem fazer parte.

Nas culturas primitivas, os mortos ainda circulam no território da vida (RODRIGUES, 2011). O grupo “Meninas de Sinhá”, ao assumir a valorização da vida diante da morte, da finitude e das perdas, promove a consciência sobre o papel social e afetivo daqueles que se foram. Ao lidarem com as perdas, as meninas lembram-se dos ensinamentos de Dona Valdete, de continuarem sempre juntas e cantando, em posse da vida, momentos em que mesmo Dona Valdete enterrada, está viva. É possível compreender a grandeza da dança de roda das Meninas de Sinhá, pois foi uma experiência que transpassou para vida. Produziu sentido, memória e saber ancestral até a finitude.

Brinca-se com uma memória coletiva que muitas vezes transcende quem brinca e o próprio momento da brincadeira: objetos, tempos, substâncias, regiões, épocas, cidades, países, estações do ano, rituais, os mais amplos e ricos contextos humanos (DEBORTOLI, 2004 p.20).

Tanto é verdade, que elas seguem dançantes, ainda que lidando com a morte de algumas de suas próprias companheiras de roda. A morte não tem força de aniquilamento da vida, pois seus saberes, expressos nas danças, cantigas, nas saias rodantes, nas palmas e na alegria, convida outros corpos para continuar a dança. Onde há saber compartilhado, segundo Nêgo Bispo, nem a vida, nem o envelhecimento ou a morte se tornam ameaças, tal qual como são concebidas na sociedade eurocristã monoteísta.

O desejo de viver em ‘menina de sinhá’ até morrer, projeta a permanência desta condição mesmo depois do falecimento, como uma superação do vazio da morte. Como diz Rodrigues (2011), a realidade natural da morte nem sempre é o que a determina. Da mesma maneira que alguns permanecem “vivos” depois de morrer, alguns moribundos podem ser considerados “mortos” ainda vivos. As Meninas de Sinhá nos dão pistas consistentes de que na experiência circular e orgânica, tal qual a capoeira, todas as pessoas importam, pois na roda circulam memórias e saberes que as imortalizam.

A festa é coletiva

O lazer é algo que pode ser vivenciado individualmente, aliás é até preconizado pela sociedade, principalmente a neoliberal, que haja inclusive uma disputa de quem tem o melhor trabalho, a maior renda e pratica o lazer mais mercantil, hierárquico, individualista. Mesmo o que os colonialistas determinam de festa como um tipo de lazer, é a festa que deve ser maior e melhor que a de todos: a formatura, a festa de quinze anos, de casamento, entre outras, tem que ser a mais glamourosa, a mais cara e com convites limitados. Isso é totalmente contrário a festa advindas de povos originários e africanos que confluíram em Pindorama. A festa nestas matrizes ocorre no compartilhamento, é inclusiva e circular. Não há disputa, há organicidade em que todos os seres vivos importam e fazem parte.

Adotamos a palavra festa, não no lugar do lazer, porque não tem confluência com a ideia do lazer colonialista, mas a festa como palavra germinante que diz de um movimento orgânico, resistente para preservação da vida e coletiva. Demolir o colonialismo que habita nossos fazeres cotidianos, incluindo o lazer, seria uma das proposições de Nêgo Bispo para nossa forma de vida enquanto sociedade eurocristã monoteísta, e, portanto, colonialista. Suas provocações vão para além de decolonizar, já que ele compreende decolonizar como uma “pedagogia de aprender”: “aprender a desmanchar, ficando dobras, fios para serem refeitos. Precisamos destruir o colonialismo”! (BISPO, 2019). Sua sabedoria nos leva a entender que precisamos (re) criar, (re) apropriar o tempo festivo. Dos encontros em circularidade, tal qual as Meninas de Sinhá, onde em seus encontros, experenciam uma linguagem orgânica entre seus corpos e com o mundo que as circundam. A confluência orgânica e cosmológica dos encontros festivos, nos redimensionaria para outro estado de consciência, ao sentirmos que nesses agenciamentos, todos são convocados a participar: os humanos e os não humanos. Nos chama a responsabilidade com todas as formas de vida, com todos os Seres, para celebração da vida em uma temporalidade fluida, diversa, plural.

A academia como lugar de produção e difusão do conhecimento, precisa repensar seu papel urgente, como lugar de produção de ideologia, que aos olhos de Nêgo Bispo e de muitos das comunidades externas ao universo acadêmico, produz um conhecimento sintético que cada vez mais se acumula nas prateleiras. Nos cabe questionar, o quanto a sabedoria (com)partilhada, advinda generosamente das comunidades tradicionais indígenas, quilombolas e periféricos, posteriormente são colonizadas, nominadas, categorizadas e classificadas em uma linguagem sintética, academicista, mercantilista e sem resolutividade. Enquanto isso, segue-se o lazer colonialista, destruindo mundos, em uma velocidade tal, que ideologia nenhuma há de alcançar. Paralela a educação adestradora, que ordena e hierarquiza, também seguimos produzindo um lazer mercantil de acumulação, destruição e de competição: a festa mais glamourosa, a roupa mais bonita, a play list mais pop, a culinária mais requintada, o local mais refinado, a droga mais alucinógena, os drinks mais exóticos, o show mais pirotécnico. Um lazer compensatório, da sociedade exausta, imediatista e solitária. Concomitante a diversão fugaz, coadunamos com vários crimes ambientais e humanos. A indústria da moda, por exemplo, uma das mais poluentes do mundo requerem 70 milhões de barris de petróleo todos os anos segundo a BBC News Brasil (2017). No Atacama, 40 mil toneladas de roupas se acumulam no deserto ao céu aberto. De acordo com a ONU, a indústria da moda é responsável por 8 a 10% das emissões mundiais de carbono. Agenciamentos individualistas, lineares, monoculturais, sintéticos. Como bem disse Nêgo Bispo (2019c), os colonialistas dizem que o mundo está em crise, “e eu não estou na crise, essa crise não é minha. [...] Essa crise é da sociedade eurocristã colonialista. [...] Essa crise não é dos quilombos. Essa crise não é das aldeias. Essa crise não é das favelas. [...] Quem tá na crise é quem precisa ir pra Europa todos os anos. Quem tá na crise é quem precisa trocar de carro. Eu não preciso. Essa crise é de quem precisa comprar roupa todo dia. [...] essa crise é de quem precisa sintetizar a natureza e acumular materiais”. Essa narrativa faz parte de seu saber quilombola, que expressa modos de vida distinto da sociedade eurocristã monoteísta. O modo de vida quilombola e dos povos originários é a festa, o compartilhamento, o Bem Viver que não tem crise, não é baseado na lógica do consumo e nem da acumulação, é partilha.

Referências

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SANTOS, Antonio Bispo dos. Somos da Terra. Piseagrama. 2020. Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5120556/mod_resource/content/1/BISPO-DOS-SANTOS_Somos%20da%20terra%20-%20Piseagrama.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2022.

SENA, Djane; MACIEL, Neila. Herdeiros de um legado ancestral: alma e festa de uma cidade chamada Parintins. XVII Enecult - Encontro de estudos multidisciplinares em cultura. Salvador, julho 2021, p. 27-30. Disponível em http://www.enecult.ufba.br/modulos/submissao/Upload-568/132427.pdf, acessado, 25 de dezembro de 2022.

Notas

[1] Poesia declamada por Nêgo Bispo durante sua palestra na quinta edição do evento Mekukradjá e disponibilizada no Canal Itaú Cultural no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=gLo9ZNdgJxw Acesso em 09 de dezembro de 2022.
[2] Depoimento de Nêgo Bispo em sua palestra no evento ColaborAmérica, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CQoJOiHyaTY&t=25s Acesso em 20 de novembro de 2022.
[3] Considerado pelos povos indígenas Yanomami o criador da floresta, dos seres humanos e dos animais. (KOPENAWA; ALBERT, 2015).
[4] A imagem de Omama disse a nossos antepassados: “Vocês viverão nesta floresta que criei. Comam os frutos de suas árvores e cacem seus animais. Abram roças para plantar bananeiras, mandioca e cana-de-açúcar. Deem grandes festas reahu! Convidem uns aos outros, de diferentes casas, cantem e ofereçam muito alimento aos seus convidados!” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p,77). É uma festa que reforça alianças, tendo como pano de fundo principal a homenagem ao morto. Omama amorosamente distoa da forma impositiva e culpabilizadora do Deus Cristão, que propõe ao homem uma relação de dominação sobre os outros Seres e amaldiçoa o trabalho: “maldita é a terra por sua causa; por toda a vida, terá muito trabalho para tirar da terra seu sustento” (GÊNESIS 3.17-19). Dá-se na chamada “Queda”, a condenação dos homens e mulheres em um trabalho fatigoso condenando o tempo para os festejos e ritos.
[5] Sobre a modernidade, entendemos que esta foi germinada ao longo de séculos, iniciando no século XVI e se estendendo aos dias atuais, podendo ser compreendida mais como um processo social do que um período histórico. “Trata-se, portanto, de um processo que atravessa um extenso período de tempo e que por isso reúne ideias, episódios e personagens múltiplos e por vezes divergentes” (DIAS, 2009, p.15).
[6] Uma “saudação de encontro”, proveniente do Candomblé convida à compreensão, ao diálogo e a permanência dos encontros
[7] Menção a uma das narrativas presente em um dos 256 odus Ifá, sistema poético que compreende os princípios explicativos de mundo, as noções acerca dos seres e dos saberes na tradição iorubá.
[8] Palestra de Nêgo Bispo no Fórum Negro de Arte e Cultura na Universidade Federal da Bahia, 2019.
[9] Neste artigo apresentamos alguns depoimentos coletados pela pesquisa de Doutorado em Estudos do Lazer “EnvelheSer em Meninas de Sinhá” (BORGES, 2019).
[10] Dona Valdete faleceu em 2014, momento em que o grupo Meninas de Sinhá gravava o documentário musical “Daqui do Alto”. O grupo possui o site meninasdesinha.org.br e canal do Youtube “Meninas de Sinhá”, onde são disponibilizados vídeos diversos de apresentações do grupo, depoimentos, documentários, entre outros.
[11] Palestra na quinta edição do evento Mekukradjá - Itaú Cultural.

Autor notes

i Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Docente da Universidade Federal de Minas Gerais – Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer. E-mail: cristianemdb@ufmg.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2802-2119
ii Doutora em Estudos do Lazer (UFMG). Docente da Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus de Governador Valadares. E-mail: raquel.borges@ufjf.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7222-9782
iii Doutora em Estudos do Lazer (UFMG). Docente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. E-mail: claudia.monteiro@uftm.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6806-608X

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