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Uma agremiação a serviço do bairro: O Vila Isabel Futebol Clube (1910-1941)
Un club al servicio del barrio: el Vila Isabel Futebol Clube (1910-1941)
A club in the service of the neighborhood: the Vila Isabel Futebol Clube (1910-1941)
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol. 20, núm. 1, pp. 10-37, 2023
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 2527-2551
ISSN-e: 1806-5627
Periodicidade: Semestral
vol. 20, núm. 1, 2023

Recepção: 09 Fevereiro 2023

Aprovação: 18 Março 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Em 1910, foi fundado o Vila Isabel Futebol Clube. Nosso intuito é, ao discutir a trajetória dessa agremiação, dedicar atenção a sua participação no delineamento de um perfil para o bairro no qual se encontrava, perceber como suas ações se imbricavam com o entorno de sua sede. A opção por investigar essa associação esportiva deveu-se a sua conformação societária. Seus membros eram oriundos de estratos médio e alto que viviam em Vila Isabel ou nas redondezas, não pertencendo, todavia, aos mais elevados escalões socioeconômicos que moravam nos bairros mais valorizados do Rio de Janeiro. O clube era uma expressão de uma “elite intermediária” da cidade. Além disso, teve que lidar com a heterogeneidade social da região onde se localizava. “Pequeno, mas de grandes iniciativas”: assim se referiu ao Vila Isabel um cronista por ocasião de seu décimo aniversário. Consideramos que essas características nos permitem perceber algo dos movimentos societários da cidade, bem como sua inserção nos registros espaciais.

Palavras-chave: História da diversão, História do Rio de Janeiro, Clube esportivo.

Resumen: En 1910 se fundó el Vila Isabel Futebol Clube. Nuestra intención es, al discutir la trayectoria de esta asociación, dedicar atención a su participación en la elaboración de un perfil del barrio en el que se ubicó, percibir cómo sus acciones se entrelazaron con el entorno de su sede. La opción de investigar esta asociación deportiva se debió a su estructura societaria. Sus integrantes procedían de los estratos medios y altos que vivían en Vila Isabel o alrededores, no perteneciendo, sin embargo, a los estratos socioeconómicos más altos que vivían en los barrios más valorados de Río de Janeiro. El club era expresión de una “élite intermedia” en la ciudad. Además, tuvo que lidiar con la heterogeneidad social de la región donde se ubicaba. “Pequeño, pero con grandes iniciativas”: así se refirió un cronista al Vila Isabel en su décimo aniversario. Creemos que estas características nos permiten percibir algo de los movimientos sociales de la ciudad, así como su inserción en los registros espaciales.

Palabras clave: Historia de la diversión, História de Rio de Janeiro, Club deportivo.

Abstract: In 1910, Vila Isabel Futebol Clube was founded. Our intention is, when discussing the trajectory of this association, to dedicate attention to its participation in the outlining of a profile for the neighborhood in which it was located, to perceive how its actions intertwined with the surroundings of its headquarters. The option to investigate this sports association was due to its corporate structure. Its members came from the middle and upper strata who lived in Vila Isabel or nearby, not belonging, however, to the highest socioeconomic strata who lived in the most valued neighborhoods of Rio de Janeiro. The club was an expression of an “intermediate elite” in the city. In addition, it had to deal with the social heterogeneity of the region where it was located. “Small, but with big initiatives”: this is how a chronicler referred to Vila Isabel on the occasion of its tenth anniversary. We believe that these characteristics allow us to perceive something of the city’s societal movements, as well as their insertion in spatial records.

Keywords: History of fun, History of Rio de Janeiro, Sporting club.

Na verdade, o espaço social “incorpora” atos sociais, os de sujeitos ao mesmo tempo coletivos e individuais, que nascem e morrem, padecem e agem. Para eles, seu espaço se comporta, ao mesmo tempo, vital e mortalmente; eles aí se desenvolvem, se dizem e encontram os interditos; depois caem e seu espaço contém sua queda (LEFEBVRE, 2006, p. 59).

Entre as serras do Engenho Novo e do Andaraí, em um vale de temperatura amena, se encontrava a Fazenda do Macaco, uma antiga propriedade dos jesuítas, em 1759 confiscada pela Coroa Portuguesa em função da expulsão dos religiosos do território brasileiro.

Em 1829, aquelas terras passaram a ser denominadas Imperial Quinta do Macaco, nome adotado quando se tornaram propriedade da Duquesa de Bragança, a Imperatriz Dona Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Beauharnais, segunda esposa de D. Pedro I.

Em 1872, parte dessas terras foram adquiridas por João Baptista Vianna Drummond, no mesmo ano em que fundou a Companhia de Carris de Ferro Vila Isabel (mais conhecida como Companhia Ferro-Carril de Vila Isabel). Em 1873, outra empresa na qual era diretor, a Companhia Arquitetônica, comprou tais terrenos, bem como os fronteiriços pertencentes a Manuel Severino, já vislumbrando a criação de um bairro.

João Baptista era empresário influente na corte de D. Pedro II. Sintonizado com as ideias de modernidade que circulavam no continente europeu, tinha negócios em diversos setores, para além de transportes e construção civil. Entre outros, foi parceiro do Visconde de Mauá em seu empreendimento bancário e acionista do Jornal do Brasil. Também esteve à frente de alguns divertimentos. Em 1888, em razão de seus feitos, foi condecorado pelo governo imperial com o título de Barão de Drummond (CHAZKEL, 2002).

Já em 1873, a Companhia Arquitetônica “deliberou mandar executar o levantamento da planta de Vila Isabel”[1] , nome adotado para o bairro a fim de homenagear a Princesa Isabel, filha de D. Pedro II. Após a realização de algumas intervenções urbanas, em fevereiro de 1874, um leilão foi promovido para a oferta pública de “27 lotes com 269 braças, produzindo o resultado de 24:549$700, sendo as escrituras assinadas pelo diretor Themistomes Petrocochino”[2] .

Trata-se dos primeiros momentos de um dos bairros mais conhecidos e simbólicos do Rio de Janeiro. Projetado por Francisco Bittencourt da Silva, já reconhecido como um dos melhores engenheiros nacionais, responsável por algumas célebres edificações, como a sede da Associação Comercial (hoje o Centro Cultural Banco do Brasil), o intuito era que Vila Isabel exibisse em todos aspectos possíveis um ar de modernidade, a exaltação das ideias de civilização e progresso, um sentido explícito de renovação vinculada a alguns modelos europeus que começavam a influenciar a remodelação do tecido urbano da, na ocasião, capital e maior cidade do país.



Planta da cidade do Rio de Janeiro e subúrbios.

Ulrik Greiner.

[190-?].

80 x 100 cm.

Acervo da Biblioteca Nacional.

Em vermelho, Vila Isabel; em azul, São Cristóvão; em rosa, o Centro.

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart451453/cart451453.jpg



Planta das ruas de Vila Isabel, 1872.

Acervo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.

https://www.bn.gov.br/noticia/2015/05/rio-450-anos-bairros-rio-vila-isabel

Os bondes da Companhia Ferro Carril de Vila Isabel foram fundamentais para a ocupação do bairro e sucesso da iniciativa. Naquele momento, não era incomum a associação entre empresas de transporte urbano e imobiliárias à busca do desenvolvimento do espaço urbano, uma articulação que potencializava o ganho dos empreendimentos (WEID, 1994).

Os trilhos da Companhia, a princípio, cortaram a cidade do Centro em direção à Vila Isabel, chegando à entrada da antiga Fazenda/Imperial Quinta do Macaco. Logo, a atravessaram por uma extensa avenida que seria pavimentada onde antes existia a Estrada do Macaco, cuja origem se encontra nos tempos em que a propriedade ainda pertencia aos Jesuítas. Tornou-se o principal logradouro do novo bairro.

Deu-se à avenida o nome de Boulevard 28 de Setembro[3], uma expressão do caráter progressista do empreendimento, fazendo referência tanto às experiências francesas de urbanização quanto à data de promulgação da Lei do Ventre Livre (1871). Drummond e alguns diretores das empresas responsáveis pela construção de Vila Isabel tinham algum grau de envolvimento com os movimentos que pleiteavam a abolição da escravatura, algo que foi registrado nas denominações de algumas ruas dedicadas a homenagear personagens engajados com a causa[4].




Praça Sete de Março, vendo-se ao centro a Boulevard 28 de Setembro já com avançado processo de urbanização.

Álbum da Inspetoria de Matas, Jardins, Caça e Pesca da Prefeitura do Distrito Federal – Exposição Nacional do Centenário da Independência do Brasil – 1922.

https://blogdabn.files.wordpress.com/2015/05/sam_5254.jpg

Pedro Severiano (2018, p. 42) compreende que, no caso de Vila Isabel, o perfil progressista não tinha em conta necessariamente atrair as famílias mais ricas da cidade, mas sim “outros setores da sociedade: aqueles que detinham pequenos capitais”, gente que se situava socioeconomicamente no intermédio entre “os grandes capitalistas e os trabalhadores que viviam somente de sua força de trabalho”.

A despeito desse intuito, o autor percebe que Vila Isabel acabou também habitado por pessoas mais modestas, muitas vivendo em cortiços que se espalhavam pelos arredores. Leonardo Pereira (2017), da mesma forma, identifica essa população heterogênea, parte dela ocupando as vilas operárias localizadas nas franjas do bairro[5].

De fato, com o processo de crescimento populacional e gentrificação das zonas Centro e Sul, decorrência das reformas urbanas que começaram a ser realizadas no século XIX e se tornaram mais explícitas no início do XX, na gestão municipal de Pereira Passos e federal de Rodrigues Alves, uma parte da população se espraiou em direção ao “interior” da cidade, observando-se o aumento do número de moradores na Zona Norte e nos subúrbios cariocas (Zona Oeste). Facilitou tal deslocamento, o desenvolvimento dos transportes públicos por meio de trens e bondes (ABREU, 1987; FERNANDES, 1995).

De acordo com os dados coligidos por Maurício Abreu (1987), entre 1872 e 1890, a população do Rio de Janeiro aumentou 90%, passando de 274.972 para 522.651 moradores. A Freguesia do Engenho Velho, da qual Vila Isabel fazia parte, foi a que proporcionalmente mais cresceu – 135%, passando de 15.756 para 36.988 habitantes. O novo bairro certamente deu um contributo para esse incremento.

Entre 1890 e 1906, a população do Rio de Janeiro cresceu 54%. Já a Freguesia do Engenho Velho alcançou os 91.494 moradores, um aumento de 147%, só menor do que Inhaúma (293%) e Gávea (171%). No que tange ao período seguinte (1906-1920), os dados não nos permitem maior comparação pelo fato de parte da antiga freguesia ter sido desmembrada para dar origem aos Distritos da Tijuca e do Andaraí.

De toda forma, se, em 1910, Vila Isabel ainda tinha muitos espaços vazios – a despeito de já possuir cerca de 20.000 habitantes, mais de 2.000 edificações e 32 logradouros públicos[6] –, em 1920, o Distrito do Engenho Velho vira crescer sua densidade demográfica em 30%.

Esses dados referem-se à chegada não somente de gente de estratos médio e alto, mas também de pessoas das camadas populares que vieram trabalhar e morar nas redondezas das fábricas instaladas na região, notadamente (mas não somente) têxteis, aproveitando-se a abundância de água das serras do Andaraí. Além disso, nos anos 1920, por famílias de ainda menos posses, começaram a ser ocupadas as encostas de Vila Isabel, entre as quais o hoje conhecido Morro dos Macacos.

Perceba-se: no decorrer do tempo, desencadeou-se uma disputa acerca do perfil a ser adotado para o bairro. A propósito, é bom citar que, durante anos, a região de Vila Isabel e arredores era nos jornais denominada de “subúrbio” ou “arrabalde”. Talvez, uma parte dos moradores não gostasse de se ver relacionada com uma zona da cidade que crescia cercada de estigmas (FERNANDES, 1995).




Fábrica Cruzeiro com suas vilas operarias e terrenos adjacentes. Andaraí, 1911.

Publicada no estudo de Weid e Bastos (1986).

https://historiadoesporte.wordpress.com/2012/12/24/andarahy-athletico-club-um-clube-de-fabrica-ou-um-clube-da-fabrica/vista-geral-da-fabrica-cruzeiro/

Considerando a heterogeneidade dos moradores de Vila Isabel, não surpreende que, em 1909, tenha sido fundada a Associação Beneficiadora por “(...) pessoas de qualificação social e zelo pelo bairro (...)”[7], tais como os intendentes (vereadores) Mendes Tavares e Coronel Quintanilla.

O intuito da Associação Beneficiadora era reivindicar incrementos urbanos e estimular o desenvolvimento local com a instalação de estabelecimentos comerciais, industriais, escolares, médicos, associativos[8]. Por exemplo, a conquista da iluminação das ruas foi noticiada “(...) como mais um melhoramento inaugurado no populoso bairro de Vila Isabel, que vai num crescendo de prosperidade muito louvável”[9].



Festa promovida pela Associação Beneficiadora na Boulevard 28 de Setembro.
Fon-Fon, 1 out. 1913, p. 24.

A Beneficiadora também assumiu um caráter assistencial, promovendo iniciativas que tinham em conta a população mais pobre que crescia nos arredores de Vila Isabel. Em 1913, por exemplo, organizou uma festa natalina na qual foram distribuídos brinquedos e roupas para as crianças. Contribuíram com o evento os cinemas do bairro e o Jardim Zoológico, que as presentearam com entradas gratuitas[10].

Efetivamente, uma das decorrências desse crescimento populacional e da melhor estruturação do bairro foi o incremento de algo que o marcou desde o início, a conformação de um mercado de entretenimentos. As diversões públicas sempre foram mobilizadas como expressão do imaginário de modernidade que os empreendedores e depois as lideranças locais desejavam para Vila Isabel. Logo em seus primeiros anos, no bairro foram criadas sociedades musicais, recreativas e dramáticas, bem como um teatro. Em 1884, foi inaugurado um celebrado hipódromo que se manteve ativo até 1890 (MELO, 2022a).




Anúncio de evento do Derby Fluminense, um dos clubes que promoveu corridas no Prado Vila Isabel.

Brazil, 1 nov. 1884, p. 4.

Já na segunda década do século XX, deixaria marcas na memória local o Cine Boulevard (PEREIRA, 2017). Aberto ao público em 1916, não foi o primeiro cinema do bairro – era anterior, por exemplo, o Smart –, mas sim um dos mais marcantes de sua história.

Merece destaque um estabelecimento que foi fundado em 1888 e manteve-se ativo nas décadas iniciais do século XX, sendo de grande importância também para tratarmos do tema central deste artigo: o Jardim Zoológico. O parque era parte do empreendimento imobiliário de Drummond, que havia sido presidente do Jockey Club, durante décadas a mais importante agremiação de turfe da cidade, cujo hipódromo se encontrava nas redondezas de Vila Isabel, no bairro de São Francisco Xavier (MELO, 2001; MAGALHÃES, 2005; MELO, 2022b).

Aproveitando seu conhecimento e facilidade de importar animais – já fazia isso com os cavalos de corridas, bem como cioso do intuito de implantar divertimentos modernos em Vila Isabel, inspirado em exemplos europeus, Drummond instalou, em frente ao antigo Prado do bairro, um jardim destinado à visitação de animais, empreendimento que contava também com um restaurante, um hotel e um salão para concertos. O governo do Império viu com bons olhos a iniciativa, tendo mesmo a apoiado por meio de subvenção pública (MAGALHÃES, 2005).

O apoio recebido nos momentos finais do Império não teve sequência nos anos iniciais da República. À busca de soluções para manutenção do caro empreendimento, foi oferecida mais uma atração para o público. Os visitantes do Jardim Zoológico, ao pagarem o ingresso, recebiam um bilhete com um animal impresso. Os agraciados num sorteio realizado ao fim do dia de imediato retiravam um prêmio. Estava criado o jogo do bicho (MAGALHÃES, 2005).

A ideia teve sucesso instantâneo e rapidamente deixou as fronteiras do Zoológico, se espalhando pela cidade num momento em que se apreciavam muito os jogos de azar. Até mesmo por isso, o poder público tentou exercer sobre eles maior controle. O próprio Jardim oferecia opções diversas nas quais se podia apostar, tais como o bilhar, o carteado e o jogo da pelota (pelota basca), uma prática que fora trazida para o Brasil por espanhóis e teve algum sucesso na transição dos séculos.

Ao ampliar-se o perfil do jogo do bicho, maculou-se também a fama do Zoológico. Para alguns, tornara-se não o estabelecimento que propunha uma diversão moderna, mas sim um antro de apostas. Em 1895, isso se tornou mais notável quando o Jardim foi arrendado por alguns empresários.


Cabeçalho de O Bicho, jornal dedicado ao jogo.

O Bicho, 6 jul. 1910, p. 1.

Em 1898, todavia, retomou a direção do empreendimento um sobrinho do Barão[11], Carlos Drummond Franklin, também diretor da Companhia Arquitetônica, futuramente um dos fundadores da Associação Beneficiadora. Ao assumir o Jardim Zoológico, anunciou o intuito de retomar seu objetivo inicial – ser um espaço de aclimatação e exposição de animais que representasse alto grau civilizacional (MAGALHÃES, 2005).



Público diante da jaula do chipanzé Lulu, Jardim Zoológico.
Revista da Semana, 27 jun. 1914, p. 23.

Carlos, entretanto, não deixou de vislumbrar o Jardim Zoológico como um complexo de entretenimentos, buscando se relacionar mais intensamente com uma prática que surgira em meados do século XIX, fora também sinônimo de jogo de azar, mas naquele fim de centúria passara por uma mudança de sentidos e significados, tornando-se representada como importante ferramenta para a formação do caráter e desenvolvimento de hábitos saudáveis, um divertimento que se diversificava, multiplicava e consolidava como um dos mais procurados por boa parte da população: o esporte (MELO, 2001; SANTOS, 2010; MELO, 2022b).

Nessa nova fase, o Jardim Zoológico se tornou um dos principais espaços esportivos da cidade. Por lá, foram promovidas corridas a pé – primórdios do atletismo, e de bicicletas, muitas delas organizadas pelo Velo-Clube, antes que essa importante agremiação inaugurasse seu velódromo na Tijuca. O Clube Esportivo Carioca e o Clube Juvenil Esportivo também sediavam no estabelecimento algumas de suas atividades

Um estande amiúde recebia competições de tiro. O seu frontão seguia acolhendo frequentes “quinielas”, disputas de jogos da pelota, uma prática que tentava se livrar da representação de que nada mais era do que uma modalidade de apostas dialogando com as novas dimensões valorizadas do esporte (MELO, 2001). O Clube Internacional da Pelota utilizou constantemente as instalações do Jardim Zoológico.



Frontão do Jardim Zoológico.
Revista da Semana, 28 mar. 1905, p. 6.

Mesmo com essas mudanças, não foi fácil se livrar da antiga fama, até mesmo porque o Jardim Zoológico continuou promovendo algumas práticas com apostas. Assim se posicionou de forma crítica um cronista:

A semana registrou a entrada solene da primeira leva de animais para o nosso Jardim Zoológico, ou antes para o nosso futuro Jardim Zoológico, que até agora o que há, é um vasto parque com meia dúzia de jaulas e viveiros, mal distribuídos e prejudicados pela jogatina que destruiu uma bela tentativa[12].

Não faltaram tentativas de cumprir o objetivo inicial do estabelecimento. Em 1910, se anunciou num periódico:

Foi concedida a isenção de direitos para o despacho de uma leoa, oito macacos, dois ursos, 12 zebras, quatro cisnes brancos e 12 periquitos consignados a Carlos Drummond Franklin. Estes animais são destinados ao Jardim Zoológico desta capital[13].

O parque, todavia, parecia mesmo vocacionado para fins mais amplos, para atender outras diversões, não surpreendendo, assim, que tenha estabelecido relações com um esporte que desde os anos iniciais do século XX estava se espraiando pela cidade, se tornando o mais apreciado pela população e crescentemente se estruturando: o futebol (SANTOS, 2010). No Jardim Zoológico, em 1911, foi disputada uma pioneira partida entre equipes do São Cristóvão[14].



Jogadores do São Cristóvão no campo do Jardim Zoológico.
Revista da Semana, 12 fev. 1911, p. 17.

Deve-se ter em conta que, naquele cenário, muitos clubes esportivos foram criados em Vila Isabel e nos arredores. Já citamos o pioneiro Prado Vila Isabel que, no século XIX, abrigou algumas agremiações de turfe. Em 1904, foram fundados o Engenho Velho Futebol Team e o Andaraí Futebol Clube.

No ano seguinte, estudantes das faculdades de medicina e de direito criaram o Boêmios Futebol Clube, com campo localizado na Rua Barão de São Francisco (antiga Rua Prefeito Serzedello). O intuito anunciado era estimular a prática do “salutar e higiênico ramo do esporte”[15] na mesma medida em que se oferecia mais um “divertimento em Vila Isabel”.

Em 1908, foi fundada a Associação Atlética Vila Isabel, com campo estabelecido na Rua Teodoro da Silva[16]. Entre os membros da diretoria, dois merecem destaque. Jayme de Araujo, o vice-presidente, era médico e sportsman que, no ano anterior, participara da criação do Atlético Mangueira Clube[17], localizado no bairro vizinho. Já Gastão Guimarães, outro facultativo, chegou a competir em regatas importantes no Rio de Janeiro e em outras cidades.

Ambos participaram, respectivamente como presidente e segundo tesoureiro, da fundação, em 1909, do Sul Atlético Futebol Clube, também com sede em Vila Isabel[18], bairro onde, no mesmo ano, houve outra importante iniciativa esportiva, a criação do Bleriot Cricket Clube, de caráter multiesportivo e social, ainda que centralmente dedicado ao esporte dos britânicos[19].

Ainda em 1909, foi fundado o Andaraí Atlético Clube, ligado à Fábrica Têxtil Cruzeiro. Seu campo e sede social ficavam na Rua Prefeito Serzedello (atual Barão de São Francisco), esquina com Rua Teodoro da Silva[20]. A agremiação se integrou às muitas que estavam sendo fundadas no meio fabril, majoritariamente formadas por operários e gente de estratos médios.



Rua Barão de São Francisco esquina com a Praça Sete de Março. À esquerda o morro da igreja de Santo Antônio. No sopé, o campo do Andaraí.

Augusto Malta, c.1915.

Disponível em: https://m.facebook.com/atijucadeantigamente/photos/a.569750059750445/1240219636036814/

Esse campo teve vinda longa, acolhendo jogos de muitas equipes do Rio de Janeiro. Mais recentemente, foi sede do América até ser vendido para dar lugar a um shopping que por lá se encontra até os dias atuais.

Em 1910, foi fundado o Vila Isabel Futebol Clube[21]. Nosso intuito é, ao discutir a trajetória dessa agremiação, dedicar atenção a sua participação no delineamento de um perfil para o bairro no qual se encontrava, tentar perceber como suas ações se imbricavam com o entorno de sua sede.

A opção por discutir a trajetória dessa agremiação deveu-se a sua conformação societária. Seus membros eram oriundos de estratos médio e alto que viviam em Vila Isabel ou nas redondezas, não pertencendo, todavia, aos mais elevados escalões socioeconômicos que moravam nos bairros mais valorizados do Rio de Janeiro. O clube era uma expressão de uma “elite intermediária” da cidade. Além disso, teve que lidar com a já destacada heterogeneidade social da região onde se localizava.

“Pequeno, mas de grandes iniciativas”: assim se referiu ao Vila Isabel o cronista da Gazeta de Notícias por ocasião de seu décimo aniversário[22]. Consideramos que essas características nos permitem perceber algo dos movimentos societários da cidade, bem como sua inserção nos registros espaciais.

Vejamos o perfil de sua primeira diretoria[23]. Seu presidente foi Othelo de Oliveira, oficial do Exército Brasileiro, um praticante do futebol (jogou no São Cristóvão). Humberto Soares, o secretário, era funcionário do Banco Comercial do Estado do Rio de Janeiro. O cargo de tesoureiro foi ocupado pelo já citado médico Gastão Guimarães. José Bandeira de Mello, agente municipal e major do Exército, era o procurador. A função de capitão foi desempenhada por Vicente Círio, ao que tudo indica, outro funcionário público do Distrito Federal.

Os dirigentes do clube pertenciam, portanto, não à grande burguesia da cidade, mas eram sim gente de estrato socioeconômico médio/superior, lideranças do bairro que possuíam profissões que lhes concediam algum prestígio.

A primeira atividade realizada pelo Vila Isabel foi uma partida de futebol disputada em junho de 1910, num ground localizado na “Boulevard 28 de Setembro, n. 57 antigo”[24]. Seus últimos movimentos foram anunciados nos jornais, em 1941, como uma “agonia”[25]. Essa, portanto, foi a delimitação temporal adotada na realização da pesquisa: toda trajetória da agremiação.

Devemos, contudo, fazer uma ressalva. Grande parte das referências que encontramos sobre o Vila Isabel Futebol Clube sugerem que a agremiação foi fundada em 1912. Por exemplo, duas importantes bases da internet – o Wikipédia e o excelente sítio História de Futebol (https://historiadofutebol.com/blog/?p=66948), reforçam essa informação, bem como inferem que se tratava de um clube de operários.

Temos uma evidência de que a agremiação foi fundada em 1910. Como veremos, na verdade, reuniu gente que provinha da elite do bairro. E suas cores eram o preto e branco, por alguns confundidas com o azul e branco, provavelmente, como bem percebeu João Azevedo (2020), em função da relação que a Associação Atlética Vila Isabel, criada em 1950, estabeleceu com o antigo clube de futebol.

Pode ser que a iniciativa de 1910 não avançara, sendo retomada por outro grupo em 1912. Mas pode também ter ocorrido com o Vila Isabel algo que identificamos em outros clubes da cidade, como por exemplo o Mackenzie (MELO; SILVA, 2021a) e o Olaria (MELO, 2021). Num período inicial de estruturação, receberam pouca atenção dos periódicos, até que conseguiram um estágio de organização e volume de realizações que despertaram a atenção dos cronistas. Somente a partir desse momento, há mais indícios de suas trajetórias, o que não significa que tenham sido menos importantes seus primeiros passos.

De toda forma, independentemente da precisão da data, parece ser largamente reconhecido que o Vila Isabel passou a atuar quando assumiu a presidência Alberto Silvares, um personagem de destaque no meio social e esportivo do Rio de Janeiro. Pela imprensa da época e por todas as diretorias da agremiação se considerou que sua fundação ocorreu no dia 2 de maio de 1912, numa casa da Boulevard 28 de Setembro.

É importante considerar também que, em recortes temporais aproximados, já foram investigados clubes esportivos dos bairros do Méier (MELO; SILVA, 2021a, 2021b), Tijuca (SILVA; MELO, 2021) e Andaraí (SANTOS JUNIOR, 2012; AZEVEDO, 2021). A intenção é contribuir, portanto, para a melhor compreensão do papel desempenhado por essas agremiações na produção do espaço urbano em uma região da cidade do Rio de Janeiro atualmente chamada de Zona Norte.

Como o Vila Isabel estabeleceu relações, por meio de seus dirigentes e iniciativas, com o bairro de sua sede, perspectivando seu desenvolvimento? Teria tido a capacidade de manutenção dos vínculos frente às transformações que ocorriam no cenário esportivo e na cidade do Rio de Janeiro? Como tais mudanças foram sentidas na trajetória do clube?

O Vila Isabel, mesmo que no decorrer do tempo estabelecesse alguma relação com outros personagens do bairro, tinha como intuito principal ser um clube representativo da elite local, disposto a fortalecer e enfatizar o padrão civilizado que fora pensado para o bairro, intentando contribuir para a sua projeção na cidade, vislumbrando uma repercussão que o encarasse como “área nobre” do Rio de Janeiro.

Para tal, a agremiação alvinegra trilhou de imediato dois caminhos: procurou se inserir fortemente na dinâmica do bairro, seja no que tange a questões estruturais seja no tocante à vida festiva; b) buscou desempenhar papel protagonista nas entidades futebolísticas. Em ambos os casos, isso significou um intenso envolvimento político, iniciativas de aproximação com as lideranças, agremiações e experiências das zonas mais valorizadas da cidade.

Liderava a busca desses intuitos o primeiro presidente do Vila, Alberto Silvares. Ele era o que na época se chamava de “capitalista”, empresário com várias empresas, bem como de sportsman, praticante de várias modalidades e dirigente de diversas iniciativas esportivas, um típico exemplo dos novos homens que desfilavam na sociedade carioca desde o final do século XIX, gente que apreciava o desafio nos negócios e cultivava os renovados hábitos de vida dos quais o esporte era parte importante.



Matéria elogiosa a Silvares.
O Imparcial, 14 jan. 1913, p. 6.

Durante anos, Silvares seguiria à frente da diretoria do Vila Isabel, Quando assumiu a presidência, suas ações imediatas se deram no sentido de estruturar o clube e garantir sua participação nas iniciativas ligadas ao futebol. Para que pudesse ser acolhido na liga mais prestigiosa, investiu na preparação de um campo adequado, uma das exigências centrais naquele momento.

Aproveitando a proximidade com Carlos Drummond Franklin, já no ano de fundação, a diretoria estabeleceu que as partidas de futebol seriam realizadas no Jardim Zoológico[26], anunciando o intuito de ter “(...) o mais belo dos nossos grounds[27]. Indo ao encontro desse desejo, assim comentou um cronista acerca das primeiras iniciativas do Vila: “(...) apesar de 8 meses de vida, vai em breve ter um dos mais belos campos de futebol da cidade”[28]. No parque, foi também adaptado um pavilhão para servir à guarda de material, serviços administrativos e realização de reuniões.



Campo do Jardim Zoológico.
Fon-Fon, 11 out. 1913, p. 50.

As preocupações com a infraestrutura também se apresentaram no que tange à sede social. Investiu-se muito na preparação de uma “(...) bem montada e luxuosa”[29], um belo palacete com jardim localizado em uma das partes mais valorizadas do bairro, na esquina da Boulevard 28 de Setembro com a Rua Visconde de Abaeté. De início, era mais modesta, dotada de “um salão destinado à reunião de seus associados, (...) um salão de leitura, sala dos jogos de dama, xadrez etc.”.

Já a sede reformada, inaugurada em maio de 1915, com grande festa que teve como uma das atrações um concerto, possuía instalações mais adequadas ao entretenimento dos aproximadamente 300 sócios, bem como às intenções da diretoria de conseguir boa projeção na cidade.



Nova sede do Vila.
Gazeta de Notícias, 11 mai. 1915, p. 5.

Foram construídas também as primeiras quadras para a prática de outras modalidades. Em 1914, já fora anunciado que a diretoria pretendia o “quanto antes inaugurar um court de lawn-tennis”[30]. Adotar um perfil multiesportivo significava atender maior número de interessados, bem como ampliar a inserção do clube na vida esportiva do Rio de Janeiro.

A sede serviu também a outro fim. De fato, desde seus momentos iniciais, o Vila Isabel foi representado como expressão de um bairro que necessitava de “um ponto de reunião social, que, graças ao progressista clube de futebol, é agora um fato”[31].

Para além de um local que acolhia as atividades sociais e esportivas, a sede da agremiação se tornou uma referência para a localidade. Um exemplo, em 1915, por lá foi realizada uma reunião de moradores insatisfeitos com a reorganização da vigia noturna[32]. A vida citadina logo passou a permear o cotidiano da sociedade alvinegra.

No que se refere à dinâmica do bairro, uma das mais notáveis iniciativas do clube, para além de seu engajamento nas reivindicações por melhorias para a região, foi contribuir com a conformação da ideia de que Vila Isabel possuía uma intensa vida festiva, especialmente um carnaval exuberante. De fato, suas atividades sociais se constituíram em um destaque em sua trajetória, ajudando a conformar um perfil para a localidade.

As iniciativas do Vila integraram o rol de atividades que no decorrer do tempo consagrariam o bairro como afeito às festas e à vida noturna, o que se registrou mesmo, desde 1965, nas partituras impressas nas suas “calçadas musicais”: “Abre-alas”, de Chiquinha Gonzaga, “Feitiço da Vila”, de Noel Rosa, “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, e mais 15 outras. Digno de nota é que um clube esportivo tenha participado intensamente da criação dessa tradição.

Já no âmbito esportivo, o Vila Isabel ainda conseguiu durante certo tempo, a duras penas, algum destaque. Não era encarado como parte das agremiações mais nobres do Rio de Janeiro, mas foi muito respeitado.



Capa do projeto do Vila Isabel para a construção de seu estádio.
O Imparcial, 15 mai. 1916, p. 5.

Na cena futebolística, a diretoria promoveu boas leituras de sua possibilidade de inserção. A construção de um estádio teria o potencial de alavancar seu desenvolvimento. De fato, se conseguisse lograr esse intuito que perseguiu durante anos, tornar-se-ia uma das primeiras agremiações do Brasil a ter tal instalação. Todavia, ainda que desfrutasse de algumas boas relações políticas, não as tinha no mesmo grau que outros clubes da Zona Sul. Estes conseguiram benesses do poder público, enquanto o Vila, não. O velho sonho nunca se realizou.

Assim sendo, no decorrer do tempo, o clube dos raios negros foi perdendo a possibilidade de manter-se nas altas esferas do meio futebolístico, passando a se dedicar mais intensamente a outras modalidades que poderiam lhe conceder destaque, entre as quais e principalmente o basquetebol, no qual efetivamente gozou de grande consideração especialmente por suas ações relativas à formação de jovens talentos, algo que também marcara sua trajetória no ludopédio.

Além dos bons resultados, inclusive tendo jogadores convocados para selecionados estadual e nacional, a sociedade esportiva do bairro de Drummond passou a ser considerada como uma “academia (...), porque nas suas hostes tem sido ‘fabricados’ numerosos basketballers de primeira categoria”[33]. Muitos foram os cronistas que ressaltaram que do Vila saíram “grandes valores do basquetebol metropolitano e nacional”[34].

Mesmo com essa mudança de modalidade, o clube seguiu registrando dificuldades de participação em função dos custos. Para além desse fator “exógeno”, houve contundentes divergências “endógenas”. O próprio crescimento do bairro, com o surgimento de novos grupos de poder, contribuiu para desencadear conflitos na agremiação, sem que ela deixasse em momento algum de estar articulada com as causas de Vila Isabel.

Nos seus anos finais, as questões políticas da cidade e do país, que sempre fizeram parte do cotidiano do clube, entraram de vez pela porta da agremiação transformando-se em mais uma fonte de tensão que ao fim abalou a agremiação que já não ia bem das pernas.

Em outubro de 1935, no bairro, alguns manifestantes, chamados de “comunistas”, foram presos, acusados de atentar com bombas e revolveres contra uma parada do Núcleo Integralista local. Alegavam que ali estavam para defender Pedro Ernesto, prefeito da cidade, que visitaria o bairro no mesmo dia. Acreditavam na existência de um plano para assassiná-lo[35].

Há que se lembrar que Pedro Ernesto investira mais nas Zonas Oeste e Norte da cidade, não só do ponto de vista da melhoria da infraestrutura urbana, como também do relacionamento estabelecido com lideranças populares. Manteve forte relação com grupos políticos de Vila Isabel, tendo inclusive no bairro instalado um posto de saúde, o Hospital Jesus (especializado em crianças) e escolas, uma delas no terreno que desejava o Vila usar para construir seu estádio (atual Escola Municipal República Argentina). Foi um líder populista que acabou preso por Vargas, em 1936, acusado de participar da Intentona Comunista.



Pedro Ernesto inaugurando a construção da atual Escola Municipal República Argentina.
Vida Doméstica, fev. 1934, p. 78.

Nesse mesmo ano, o presidente do Vila, J. Baptista de Souza, militar de carreira, membro do Partido Autonomista, o mesmo de Pedro Ernesto, junto com parte de sua diretoria renunciaram aos cargos acusando de querer implantar o integralismo no clube uma velha liderança que retornava à cena, Alberto Silvares, àquela altura vinculado à Ação Integralista Brasileira[36], membro da Câmara dos Quatrocentos, autor do livro “O Comunismo e seu Contra-Veneno”.

Não surpreende que o conservador Silvares – que passou a gerenciar o Vila por meio de uma junta composta também por Jeronymo Thomé da Silva e Antônio Macedo Falcão, afirmasse que a “demagogia” estava sendo a causa da ruína do clube[37]. Esse novo espírito menos democrático inspirou as muitas mudanças propostas para o estatuto, tais como: centralização administrativa na figura do presidente, que passaria a ser eleito não diretamente pelos sócios, mas sim pelo conselho deliberativo; alteração do nome do clube, trocando-se o “Futebol” por “Atlético”; redução do tempo de fala dos associados nas assembleias como forma de controlar o colegiado[38].

A ideia era, no olhar da administração, retornar ao que denominou de “império da ordem, da disciplina, do respeito mútuo, da hierarquia, em contraposição à anarquia que levou o clube a situação deplorável em que se encontra”[39]. Sua administração e as seguintes, todavia, não conseguiram recuperar o prestígio da agremiação, que ainda se mantinha parcialmente por lembrança do passado.

Uma assembleia convocada em julho de 1940, com Wolney Braune como presidente, teve como um ponto de pauta a “mudança da sede social”[40]. Expressão das dificuldades financeiras pelas quais passava a agremiação? De fato, podemos saber que o Vila perdeu seu espaço de origem, o que obviamente impactou ainda mais seu funcionamento. Transferiu-se precariamente o antigo Ginásio 28 de Setembro, localizado na mesma Boulevard de sempre[41].

A essa altura, ainda mantinha alguma vida social, com sessões de cinema, reuniões dançantes e festividades, inclusive alguns bailes de carnaval, mas nesse âmbito estava também longe do que fora antes, quando suas atividades movimentavam o bairro.



Sessão de cinema nos últimos momentos do Vila.
A Noite, 13 abr. 1940, p. 7.

Enquanto a velha agremiação agonizava, os jornais anunciavam, cheio de elogios, a criação de um novo clube que perspectivava-se poder preencher “as necessidades do bairro, no que se refere à vida social e aos esportes”[42]. A essa altura, também já funcionava o Esporte Clube Vila Isabel, fundado em 1935, com sede na Rua Petrocochino[43]. Até mesmo sua antiga ligação com o bairro se encontrava enfraquecida.

No início de 1941, os poucos associados que sobraram se consumiam em conflitos. Os veteranos, entre os quais Jeronymo Thomé da Silva e Altamiro Mourão, enfrentavam os “novos vilaisabelenses”. O clube chegou a sofrer uma intervenção “amistosa” da Confederação Bra-sileira de Desportos, por meio de João Lyra Filho. Uma assembleia foi realizada para decidir o futuro da gloriosa agremiação.

Pela escassez de indícios nos jornais, suspeitamos que esses tenham sido os últimos movimentos daquela agremiação que foi tão significativa para o bairro que aspirava ser de elite. Vila Isabel já não era mais a mesma. E o clube chegava ao fim de sua trajetória.

Sua última atividade parece ter sido uma batalha de confetes, realizada em 1941[44]. Se assim o foi, talvez tenha sido uma maneira honrosa de celebrar sua trajetória de tantas contribuições ao bairro de Vila Isabel.



Anúncio de batalha de confetes no Vila, aparentemente uma das últimas atividades promovidas pelo clube.
O Imparcial, 17 jan. 1941, p. 12.

Seria tentador demais e equivocado dizer que, tal o grau de relação que havia entre clube e bairro, a decadência de um corresponde ao mesmo do outro. Não se trata disso. Podemos talvez afirmar com maior precisão que as mudanças do perfil de um colocaram em xeque e dificuldade os planos de outro.

De toda forma, o Vila Isabel deixou registros no bairro. Durante décadas, ecoou seu nome, até mesmo porque algo de sua tradição foi recuperada por outra agremiação que teve vida mais longeva, mas talvez tenha passado por desafios, ambiguidades e contradições semelhantes: a Associação Atlética de Vila Isabel.

De toda forma, vale registrar a trajetória da agremiação alvinegra como esforço de homenagem a todos que se envolveram com aquele projeto, mas também como tema que interessa ao historiador por ser expressão de uma cidade que não é unívoca, é heterogênea e fruto de várias iniciativas distintas de produção do espaço.

Reconhecer isso, é fazer jus à própria história do Rio de Janeiro, dando crédito e lançando luzes sobre uma de suas experiências mais fascinantes: o associativismo, com destaque para aquele de cariz esportivo.

Referências

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Notas

[1] A festa de Villa Isabel. O Paiz, 25 set. 1910, p. 3.
[2] A festa de Villa Isabel. O Paiz, 25 set. 1910, p. 3.
[3] A partir de certo momento, o nome foi modificado para Avenida 28 de Setembro, depois voltando ao original. Utilizamos apenas a denominação de origem.
[4] Para mais informações, ver Pereira (2017).
[5] Sobre a vilas operárias, ver estudo de Leite e Fabião (2003).
[6] A festa de Villa Isabel. O Paiz, 25 set. 1910, p. 3.
[7] A festa de Villa Isabel. O Paiz, 25 set. 1910, p. 3.
[8] A festa de Villa Isabel. O Paiz, 25 set. 1910, p. 3.
[9] Mais uma inauguração. O Paiz, 9 mai. 1910, p. 7.
[10] Associação Beneficiadora de Vila Isabel e as crianças do bairro. O Imparcial, 27 dez. 1912, p. 3.
[11] Secção forense. Jornal do Brasil, 22 jun. 1898, p. 2.
[12] Chroniqueta. Revista da Semana, 3 nov. 1907, p. 5.
[13] Alfandega. A Notícia, 9 dez. 1910, p. 2.
[14] Jardim Zoológico. Revista da Semana, 12 fev. 1911, p. 17.
[15] Football. Jornal do Brasil, 31 ago. 1905, p. 4.
[16] Associação Athletica de Villa Isabel. Revista da Semana, 9 fev. 1908, p. 24.
[17] Football. O Paiz, 12 abr. 1907, p. 5.
[18] Sport. Correio da Manhã, 22 jun. 1909, p. 5.
[19] Cricket. Revista da Semana, 7 nov. 1909, p. 22.
[20] Para mais informações sobre esse importante clube, ver trabalhos de Santos Junior (2012) e Azevedo (2021).
[21] Football. O Paiz, 24 mai. 1910, p. 7.
[22] O aniversário do Villa Isabel (...). Gazeta de Notícias, 2 mai. 1922, p. 6.
[23] Football. O Paiz, 24 mai. 1910, p. 7.
[24] Football. O Paiz, 24 mai. 1910, p. 7.
[25] Para o soerguimento do Villa (...). Diário da Noite, 19 mar. 1941, p. 7.
[26] Villa Isabel Foot-Ball Club. Gazeta de Notícias, 24 mai. 1912, p. 6.
[27] Villa Isabel Football Club. Gazeta de Notícias, 15 ago. 1912, p. 6.
[28] Villa Isabel Football Club. O Imparcial, 23 jan. 1913, p. 7.
[29] Villa Isabel Foot-Ball Club. O Imparcial, 4 set. 1913, p. 6.
[30] Sport. A Noite. 8 jan. 1914, p. 4.
[31] Foot-Ball. A Epoca, 2 mai. 1915, p. 4.
[32] Guarda nocturna do 16o Districto. Gazeta de Notícias, 23 ago. 1915, p. 5.
[33] Basketball. Jornal dos Sports. 13 jun. 1934, p. 02.
[34] Maluco é ele! Esporte Ilustrado, 10 mar. 1949, p. 15.
[35] Atentado contra o (...). Diário da Noite, 1 out. 1935, p. 1.
[36] Foi calma a assembleia (...). Diário da Noite, 6 nov. 1935, p. 7.
[37] Uma tradição ameaçada (...). Diário da Noite, 4 nov. 1935, p. 15.
[38] Uma tradição ameaçada (...). Diário da Noite, 4 nov. 1935, p. 15.
[39] Uma tradição ameaçada (...). Diário da Noite, 4 nov. 1935, p. 15.
[40] Villa Isabel F. Club. Diário Carioca, 24 jul. 1940, p. 9.
[41] A alma encantadora de Villa Isabel. A Noite, 3 out. 1940, p. 5.
[42] Será fundado hoje em Villa Isabel. Jornal dos Sports, 16 mai. 1940, p. 3.
[43] O S. C. Villa Isabel (...). Diário Carioca, 29 set. 1935, p. 15.
[44] Carnaval. Jornal do Commercio, 16 jan. 1941, p. 4.

Autor notes

i Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Email: b.adriano_rs@yahoo.com.br . Orcid: http://orcid.org/0000-0002-0772-2503 .
ii Professor do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: victor.a.melo@uol.com.br . Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1983-1475 .

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