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Identidades transnacionais como via para o universalismo genuíno: uma aproximação entre Léopold Senghor e Darcy Ribeiro (mediada por Gilberto Freyre e Leopoldo Zea)
Identidades transnacionales como vía para el universalismo genuino: un acercamiento entre Léopold Senghor y Darcy Ribeiro (mediada por Gilberto Freyre y Leopoldo Zea)
Transnational identities as a pathway to genuine universalism: an approach between Léopold Senghor and Darcy Ribeiro (mediated by Gilberto Freyre and Leopoldo Zea)
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol. 19, núm. 2, pp. 240-265, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 2527-2551
ISSN-e: 1806-5627
Periodicidade: Semestral
vol. 19, núm. 2, 2022

Recepção: 13 Fevereiro 2023

Aprovação: 02 Maio 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo propõe comparar a negritude em Léopold Senghor e o latino-americanismo em Darcy Ribeiro. Estamos principalmente interessados em apontar como a noção de “civilização” aproxima os dois autores: o entendimento da civilização negro-africana como parte constitutiva de uma futura “civilização do universal” em Senghor, e a ideia de “civilização emergente” em Ribeiro. A chave para a comparação (e aproximação) entre ambos está em seus usos de civilização. E isto fica mais evidente ao colocá-los em diálogo com Gilberto Freyre e Leopoldo Zea. A fim de facilitar este encontro, é do nosso interesse lançar mão particularmente do Freyre lusotropical, que em sua reflexão remete a um encontro global de civilizações, e do Zea de América en la historia, que, ele próprio um leitor de Freyre, procura definir a posição da América com base em uma releitura crítica – via Toynbee – da filosofia da história de Hegel. O artigo pretende ser uma contribuição à história das ideias (ou história intelectual), bem como um convite ao diálogo com abordagens mais filosóficas destinadas a discutir formas de pensar a unidade e a diversidade das culturas e, em particular, o lugar dos povos não europeus na história.

Palavras-chave: Identidades Transnacionais, Universalismo, Civilização, Léopold Senghor, Darcy Ribeiro.

Resumen: Este artículo propone comparar la negritud en Léopold Senghor y el latinoamericanismo en Darcy Ribeiro. Nos interesa sobre todo señalar cómo la noción de “civilización” acerca a los dos autores: la comprensión de la civilización negro-africana como parte constitutiva de una futura “civilización de lo universal” en Senghor, y la idea de “civilización emergente” en Ribeiro. La clave de la comparación (y aproximación) entre ambos está en sus usos de civilización. Y esto se hace más evidente al ponerlos en diálogo con Gilberto Freyre y Leopoldo Zea. Para facilitar este encuentro, nos interesa recurrir en particular al Freyre “lusotropical”, que en su reflexión se refiere a un encuentro global de civilizaciones, y al Zea de América en la historia, que, lector él mismo de Freyre, trata de definir la posición de América a partir de una relectura crítica – vía Toynbee – de la filosofía de la historia de Hegel. El artículo pretende ser una contribución a la historia de las ideas (o historia intelectual), así como una invitación al diálogo con enfoques más filosóficos destinados a debatir formas de pensar la unidad y la diversidad de las culturas y, en particular, el lugar de los pueblos no europeos en la historia.

Palabras clave: Identidades Transnacionales, Universalismo, Civilización, Léopold Senghor, Darcy Ribeiro.

Abstract: This article proposes to compare négritude [blackness] in Léopold Senghor and Latin Americanism in Darcy Ribeiro. We are mainly interested in pointing out how the notion of “civilization” brings the two authors closer: the understanding of black African civilization as a constitutive part of a future “civilization of the universal” in Senghor, and the idea of “emerging civilization” in Ribeiro. The key to the comparison (and approximation) between the two lies in their uses of civilization. And this becomes more evident when Gilberto Freyre and Leopoldo Zea are engaged in this dialogue. We are particularly interested in facilitating this meeting using the “Lusotropical” Freyre, who in his reflection also refers to a global meeting of civilizations, and the Zea of América en la historia, who, himself a reader of Freyre, seeks to define America’s place based on a critical re-reading – via Toynbee – of Hegel’s philosophy of history. The article is intended as a contribution to the history of ideas (or intellectual history), as well as an invitation to dialogue with more philosophical approaches aimed at discussing ways of thinking about the unity and diversity of cultures and, in particular, the place of non-European peoples in history.

Keywords: Transnational Identities, Universalism, Civilization, Léopold Senghor, Darcy Ribeiro.

Introdução

Nosso artigo propõe uma comparação entre a negritude em Léopold Sédar Senghor (1906-2001) e o latino-americanismo em Darcy Ribeiro (1922-1997). Trata-se de uma comparação que a priori poderia parecer despropositada, dada a associação do primeiro à afirmação de uma identidade particular, e do segundo à ideia de mestiçagem. Mas se verá que há pontos de contato. Estamos principalmente interessados em apontar como a noção de “civilização”[1] aproxima os dois autores: o entendimento da civilização negro-africana como parte constitutiva de uma futura “civilização do universal” em Senghor, e a ideia de “civilização emergente” em Ribeiro.

É especialmente estimulante aproximar as produções mais tardias de ambos. Principalmente, o Senghor que a partir dos anos 1950 buscava contribuições da negritude e mais tarde da francidade ao que chamava, seguindo Pierre Teilhard de Chardin, de “encontro do dar e do receber”; e o Ribeiro que ao longo dos anos 1970 foi se tornando menos tecnologizante, mais crítico a uma civilização global moderna e ao eurocentrismo, mais afeito à noção de civilizações distintas que poderiam contribuir umas às outras.

O que emerge de ambos os autores é uma crítica romântica pela esquerda à modernidade, que é associada ao colonialismo, à desumanização, ao artificialismo. E a formulação de uma proposta de “rehumanização” da humanidade, através de contribuições dos povos “atrasados”, “colonizados”, “subdesenvolvidos”, “dependentes” – que ambos procuravam representar, se apresentar como seus “porta-vozes”. Defendemos que uma ponte para colocar os dois em diálogo (igualmente um tanto inesperada) está em Gilberto Freyre, autor lido em chave progressista por ambos, e em Leopoldo Zea, que era ele mesmo um lúcido leitor de Freyre. Em particular, nossa ponte dupla se concentra no Freyre “lusotropical” e no Zea “toynbeeano” dos anos 1950: é um caminho interessante para iluminar a comparação entre Senghor e Ribeiro.

Por razões de espaço, este artigo não se dedicará a uma análise pormenorizada das obras de Senghor e de Ribeiro. Uma característica comum a ambos foi a polêmica. Difícil saber o que mais a alimentou: se foram suas notáveis trajetórias públicas[2] e suas personalidades fortes e apaixonadas, ou os deslizamentos de sentido em suas produções – nunca abrindo mão explicitamente de argumentos e conceitos apresentados anteriormente. São obras e autores multifacetados, o que nos leva aqui a optar por uma aproximação dos dois a partir dos conceitos de “civilização do universal” e de “civilização emergente” – explicitando, evidentemente, como o motivo “civilização” é comum aos dois autores, e como é tratado por eles de forma peculiar[3].

O artigo se estrutura da seguinte forma. Na primeira parte, discutimos a apropriação da noção de “civilização do universal” por Senghor a partir dos desdobramentos de suas reflexões sobre a negritude, entendendo aquela como o encontro final de civilizações parciais, e esta precisamente como uma destas civilizações parciais. Na segunda parte, apresentamos a progressiva caracterização do Brasil e da América Latina como “civilização emergente” em Ribeiro. Na sequência, fazemos uma breve passagem pelo lusotropicalismo freyriano e pelo momento toynbeeano do itinerário de Zea, destacando algumas conexões. Finalmente, com o recurso à ponte dupla mencionada acima, delimitamos pontos de contato entre Senghor e Ribeiro, enfatizando o elemento “romântico”, crítico à modernidade em suas formulações.

A negritude na gênese da futura civilização do universal

É notório que desde o princípio Senghor procurou aportar conteúdo filosófico à noção de “negritude” – expressão criada por Aimé Césaire ao longo dos anos 1930, que se tornou o nome do movimento liderado pelos dois. Tão cedo quanto no artigo “O contributo do homem negro”, de 1939, Senghor afirmava que a negritude era a soma total dos valores da civilização do Mundo Negro. Haveria então uma única cultura negra, sobrevivente na África Sul-Saariana e na diáspora atlântica ao ocaso da civilização negra, derrotada no processo de colonização da África. Esta única cultura negra se baseava em uma epistemologia própria, em algumas de suas obras até mesmo uma ontologia.

“Cultura” aqui era definida como o “espírito de uma civilização”, e derivava “da raça, da tradição e do meio”. A fonte é evidente: o Conde Arthur de Gobineau em seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, de 1855. Senghor emitiu em seu ensaio de 1939 sua sentença mais conhecida, que o perseguiu até o fim: “a emoção é negra, como a razão helênica” (Senghor, 2011, p. 75). Com isto, queria afirmar que o negro é sensual, sensível, emotivo, rítmico, natural, comunitário; em oposição ao utilitarismo, à praticidade, ao artificialismo, ao individualismo da civilização branca europeia. Mais “precisamente”, Senghor fazia uma distinção entre a “razão-toque” do negro africano e a “razão-olho” do branco ocidental. Sua fonte também pode ser mapeada: a distinção entre uma lógica “primitiva” e outra “ocidental”, apresentada por Lucien Lévy-Bruhl em A mentalidade primitiva, de 1921.

O curioso é que, a partir de bases tão eurocêntricas, Senghor procurava fazer um elogio do negro. A emoção, o primitivo e todos os elementos então associados ao negro assumem positividade em sua obra. Senghor inverte alguns dos principais primados do racialismo, do evolucionismo social, da antropologia colonial, do orientalismo (o que V. Y. Mudimbe chamaria mais tarde a “biblioteca colonial”), sem abandoná-los. Evidentemente, Senghor está à procura naquela literatura de argumentos de autoridade, em particular entre os primeiros autores que ofereceram qualquer argumento que pudesse ser utilizado para defender a capacidade do negro de produzir alguma cultura e reivindicar uma história – como Leo Frobenius e Placide Tempels.

Em trabalhos posteriores, Senghor procurou precisar que questionava efetivamente uma forma particular de razão, associada à colonização: aquilo que chamava de “razão europeia”. Como observa Shiera el-Malik, “Senghor localizou uma razão particular, a razão do Iluminismo, a forma de razão que distingue o observador do observado, a razão que busca significado num objeto ao invés de procurá-lo na dinâmica pela qual os objetos são constituídos como significantes” (2015, p. 53). Para Senghor, a racionalidade europeia separaria intelecto e emoção, algo não realizado de forma sistemática pela particular racionalidade negro-africana. De todo modo, el-Malik capta bem que aquela razão criticada por Senghor não era propriamente “europeia”, porque ele a criticava com base em reflexões igualmente europeias, porém alternativas – como as de Henri Bergson, Pierre Teilhard de Chardin, Emmanuel Mounier e Leo Frobenius. Ou seja, autores igualmente europeus que poderiam ser tomados como críticos de uma razão “cartesiana”, prevalecente na modernidade.

Na I Conferência Internacional de Escritores e Artistas Negros, realizada em Paris em 1956 (e convocada pelo Movimento da Negritude através de sua editora e revista Présence Africaine), Senghor apresentou o ensaio “O espírito da civilização ou as leis da cultura negro-africana” [L'esprit de la civilisation ou les lois de la culture négro-africaine]. Ali, retomou o tema da pretensa racionalidade alternativa do negro, que seria “sintética” (não “discursiva”), “simpatética” (não “antagonística”). Seria a base de formas particulares de expressividade, produção de conhecimento, estar no mundo, relação com o sagrado – uma particularidade estética, epistemológica, ontológica, metafísica. Ligado à terra e ao cosmos, o negro seria toque antes de olhar; se abandonaria ao outro, passando de sujeito a objeto; não seria assimilado, se assimilaria no outro.

Há três novidades nesta fase da produção senghoriana que nos interessam particularmente. A primeira é que a obra do padre belga Placide Tempels sobre a filosofia bantu e sua “força vital” (A filosofia bantu, de 1945) era então a base para sua compreensão da alma negra. A publicação de Tempels foi a primeira a associar explicitamente o negro à produção de filosofia, e base constitutiva da chamada “etnofilosofia” (Boele Van Hensbroek, 1998), causando forte impressão em Senghor e muitos outros. A segunda novidade é que Senghor estava incorporando Marx desde o final dos anos 1940, o que seria central para o Senghor “socialista africano” que começou a emergir. No entanto, há que precisar: Senghor incorporou basicamente dois Marx particulares: o jovem Marx humanista e hegeliano de esquerda dos Manuscritos Econômico-Filosóficos (de 1844, publicados apenas em 1932 em alemão); e o velho Marx comunal da Carta a Vera Zasulich, em particular de seus esboços (de 1881, publicada somente em 1924 em alemão e russo). Ou seja, Senghor não incorporou as obras clássicas marxianas, muito menos o Marx de qualquer vertente marxista, mas manuscritos e fragmentos que foram sendo editados ao longo do século XX (Ripert, 2016; Kisukidi, 2014). Pode-se dizer que assimilou e reinterpretou os Marx mais “heterodoxos” e românticos, os Marx mais afastados das leituras hegemônicas do marxismo.

Mas a principal novidade aqui é a aparição em suas reflexões das ideias recentemente divulgadas do padre jesuíta e paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin. Para ele, todas as raças apresentariam as mais diversas características, mas com ênfases e resultados distintos – o que garantiria a originalidade de cada uma delas. Portanto, elas não seriam exatamente iguais, mas complementares, e todas teriam sua contribuição a dar na futura “civilização do universal” – o rendez-vous du donner et du recevoir [encontro do dar e do receber][4]. Esta projeção de uma “civilização do universal” se tornaria central para Senghor, mais explicitamente no final de sua vida. Em No que eu creio: negritude, francidade e civilização do universal, de 1988, a mestiçagem é crucial na argumentação de Senghor, na medida em que ela já constituiria um traço comum a todos os povos no final do século XX, além de ser apresentada como um objetivo a ser perseguido. A mestiçagem racial e cultural seria a base do que ele chamava a partir de Teilhard de Chardin de “civilização do universal”, e que parecia ser então seu objetivo maior. Neste contexto, a negritude seria mais uma das civilizações que contribuiriam à constituição da civilização do universal, na qual os elementos que a formam não se dissolvem, mais bem se hibridizam, realizam uma simbiose, onde as peculiaridades podem ser preservadas.

Ali, Senghor retoma sua definição de negritude de 1939, para afirmar em 1988 que ela havia evoluído do “conjunto de valores da civilização negra” (precisemos, da “cultura negra”) para o “combate por uma libertação das cadeias da colonização cultural, mas sobretudo para um novo humanismo” (1988, p. 137). Sua contribuição essencial à civilização do universal seria precisamente este “novo humanismo”, “uma certa maneira de ser homem, sobretudo de viver como homem. É a sensibilidade e, portanto, a alma mais que o pensamento” (ibid., p. 139). As especificidades de cada grupo racial (cada cultura, cada civilização) não desapareceriam na civilização do universal. Esta só existiria em função do reconhecimento e comunhão entre os diferentes grupos humanos, precisamente por serem diferentes, e preservando suas particularidades.

Este universal pluralista (poderíamos dizer hoje “pluriverso”[5]) originado do encontro de várias singularidades é a ideia principal a ser apreendida nesta seção. É ela que permite a Immanuel Wallerstein (2007) retomar Senghor para pensar um universalismo efetivamente universal. Reconhecendo o fim da era do universalismo europeu, Wallerstein propôs a partir de Senghor uma “multiplicidade de universalismos”, uma “rede de universalismos universais”, na qual as mais diversas identidades e particularidades terão algo a contribuir para um universalismo plural e igualitário. É esta projeção de futuro que será a base para um “encontro do dar e do receber” entre Senghor e Ribeiro (e também Freyre).

Para encerrar esta seção, vale recordar que Senghor foi um dos principais idealizadores e líderes do Movimento da Francofonia, desde que ele começou a se constituir ao longo dos processos de descolonização das colônias francesas. Senghor explicava sua articulação entre negritude e francofonia defendendo que a intenção da negritude sempre teria sido buscar as raízes da alma negra “para melhor se abrir, na sequência, aos aportes fecundantes das outras civilizações, essencialmente da civilização francesa” (1988, p. 161). Esta, a “francidade” (francité), deveria integrar o projeto mais amplo da “latinofonia”, como um modo de constituir o “humanismo do universal”. Senghor também defendeu – em particular no Colóquio sobre Negritude e América Latina, convocado por ele e realizado em Dakar em 1974 – a proximidade da civilização negro-africana com a civilização “latina”, que Senghor ensaiava nomear “mediterrânea” por agregar aportes de gregos e de árabes. Consequentemente, ela também se aproximava da civilização “latino-americana”, que era por sua vez uma novidade porque não repetia simplesmente a espanhola ou a portuguesa, e porque havia sido “fecundada” pela civilização negro-africana. O curioso é que Senghor estendia então para todas elas categorias que havia utilizado em suas primeiras aproximaçõs da negritude. Elas seriam “rítmicas”, “intuitivas” e “emotivas” (ou “etnotipos flutuantes”) (Senghor, 1974).

A “civilização emergente” em Ribeiro

A longa obra de Darcy Ribeiro é atravessada pelo conceito de civilização, do qual também lança mão ao formular sua visão da América Latina – e antevisão de seu futuro. Para nossas intenções, é importante captar um deslizamento de sentido em sua obra – com idas e vindas, e alguns silêncios pelo caminho. Pode-se dizer que seus livros do final dos anos 1960 e princípio dos 1970 (sua pentalogia de “estudos de antropologia da civilização”[6]) estão marcados por uma teleologia da história de corte eurocêntrico, ocidental, evolucionista. Nesta, prefigura-se um “novo processo civilizatório”, inaugurado pela “revolução termonuclear”. Neste contexto, o autor utiliza o conceito de “civilização emergente” para nomear aquela nova civilização que se prefigura – a noção remete, portanto, a toda a humanidade, a uma nova etapa superior do processo civilizatório. Trata-se, portanto, de um conceito universalista. O horizonte utópico de Ribeiro naqueles livros é o que ele chamava de “revolução necessária”, um horizonte próximo da concepção clássica de revolução socialista[7]. Sua sociedade futura é uma sociedade socialista “de novo tipo”, onde as possibilidades de conhecer e atuar são ilimitadas e o homem não é mais adjetivável étnica, racial ou regionalmente: é a civilização da humanidade. A revolução socialista ali é universal e universalizante[8]. Naquela época, Ribeiro faz uso do significado “civilizador” e “civilizatório” do conceito, e não tanto do significado “civilizacional”.

Estes sentidos nunca vão desaparecer da obra de Ribeiro. Vão conviver com outros novos sentidos. Andrés Kozel (2018) chega a falar da existência de “duas almas” em Ribeiro. A predominante na pentalogia era aquela “que visualiza a cultura e o ethos latino-americanos como espúrios, alienados e alienantes, incongruentes. Movendo-se exclusivamente nesta chave, falar de civilização latino-americana seria praticamente um oxímoron” (p. 167). Porém, havia a outra alma, restrita a algumas passagens daquela série, e mais recorrente posteriormente: “a que faz da mestiçagem, e da maior ‘riqueza de humanidades’ dela derivada, um eixo com base no qual pode apreciar-se com signo positivo nossa história sociocultural” (id.).

Estes novos sentidos começam a se apresentar mais claramente em “O abominável homem novo” (1972), vão se expressar fortemente em “Venutopias 2003” (1973), alguns anos mais tarde em seus textos sobre a América Latina reunidos em América Latina: a pátria grande (1986), e finalmente em sua obra magna O povo brasileiro (1995). Resumidamente, nestes textos a tecnologia quase não aparece mais como base de uma “civilização emergente”, mas como fonte de temor (e fascínio) pelo surgimento de um “abominável homem novo” transumano. A “revolução necessária” socialista é substituída pela figura da “pequena utopia”. Em suma, um futuro mais duvidoso, sombrio, por vezes distópico. Aqui se expressam críticas mais explícitas ao eurocentrismo e à noção de progresso, já é mais difícil encontrar uma teleologia da história explícita: Ribeiro passa a duvidar mais abertamente da “civilização ocidental”. Sua visão está se tornando assim mais “civilizacional” do que “civilizadora” ou “civilizatória”.

Em relação evidente com isto, os indígenas, que antes eram entendidos como “povos testemunho”[9], passam a ser tratados como “povos emergentes”. Isto implica que eles passam a ter presente e futuro em suas reflexões (são retirados de seu lócus no passado), e que Estados plurais que comportem várias nacionalidades passam a ser uma possibilidade. A mestiçagem (a “transfiguração étnica”) emerge como elemento central da originalidade latino-americana, ao mesmo tempo que os indígenas são vistos crescentemente como potenciais “povos emergentes” – o que parece ser uma contradição na argumentação. Os indígenas passam a ser apresentados eventualmente até mesmo como fonte do que Ribeiro chama em “Venutopias 2003” de uma “existência pastoril pela qual sempre suspiramos” (Kozel, Pereira da Silva, 2022, p. 199). Em seu romance Utopia Selvagem (1982), defende explicitamente a convivência comunal indígena, transportada para um “reino mecanizado e computacional: civilizado” (2014, p. 141). Talvez aqui tenhamos a mais perfeita síntese das várias almas Ribeiro, projetando um futuro utópico e nostálgico, pastoril e tecnologizante na mesma sentença.

É nesse novo contexto que o conceito de “civilização emergente” assume o sentido que interessa neste artigo: o Brasil e a América Latina passam a ser projetados como “civilização emergente”, a habitar “a mais bela e luminosa província da Terra”, ao mesmo tempo em que no interior dela florescem distintas nacionalidades e povos. Seus desaparecimentos não constituiriam uma condição sine qua non para a consolidação da mais ampla “Pátria Grande” (expressão que Ribeiro busca em Simón Bolívar). O que equivale a dizer que a identidade latino-americana não exclui a convivência e mesmo o fortalecimento de múltiplas identidades parciais em seu interior.

A formulação da identidade brasileira e sua constituição definitiva como nação estiveram constantemente entre as preocupações do autor. Já a identidade latino-americana (e a América Latina como problema de pesquisa) se apresentou para Ribeiro ao longo de seu exílio por diversos países da região, que se estendeu (com curtos intervalos) de 1964 a 1976. Na pentalogia de 1968-1972, ele havia destacado e buscado explicar a condição subdesenvolvida e dependente das sociedades latino-americanas, bem como o caráter alienado de sua cultura. Nestes estudos, nem a América Latina, nem o Brasil, nem as etnias indígenas eram apresentadas como culturas particularmente valiosas, menos ainda como civilizações particulares. Porém, nos trabalhos seguintes, ainda que sem abandonar de todo aqueles sentidos anteriores, algo foi mudando. Por um lado, o autor pôs crescentemente em questão a experiência dos países centrais e as transformações associadas à pretensa emergência da nova civilização em gestação; por outro, se abriu para uma apreciação em chave positiva de uma série de características da América Latina, do Brasil e das etnias indígenas.

Ribeiro reuniu escritos sobre a América Latina e a defesa de sua integração em América Latina: a Pátria Grande (1986). Ali, a chave para o futuro da região está na mestiçagem que marcou sua constituição. Entre os elementos que nos unificam se destaca o legado da colonização ibérica. Dessa experiência herdamos um papel subordinado e dependente no mundo. Capitalista e ocidental desde o começo, a América Latina – periferia do Ocidente – se manteve nessa condição após as independências. Esse passado deixou aspectos positivos: a unidade de tantos povos em vastos territórios devido à ação do “processo civilizatório”, e principalmente devido à mestiçagem. Apesar de originada de situações de exploração, genocídio e racismo, essa mestiçagem nos posicionaria bem em relação ao futuro. Mais que isso: dada a combinação das heranças branca, negra e indígena, a América Latina poderia salvar o Ocidente, contribuindo para a gestação de uma nova civilização mais solidária, aberta e amorosa. O Brasil e toda a região são caracterizados como a “nova Roma”. São reconhecidamente pobres, mas estão no começo de sua trajetória. Nesse sentido, uma “pobreza inaugural” valeria mais do que uma “opulência terminal” (evidente referência à “civilização europeia”). A missão da América Latina não era de pouca monta: caberia a ela “refazer” o mundo.

Futuro tão fantástico não havia sido projetado pelos colonizadores, que buscavam antes de tudo explorar empresas e gentes. A mestiçagem não derivou de nenhuma brandura ou doçura dos ibéricos. Ribeiro apresenta as elites da região como herdeiras dos colonizadores, e a estes e consequentemente aquelas como “canalhas”, “etnocidas”, “genocidas”. Entretanto, os descreve também como portadores de um tipo de racismo distinto do anglo-saxão: o nosso estaria baseado na cor da pele; o anglo-saxão, na herança genética. O autor relaciona esta nossa pretensa ênfase na cor da pele com as estratégias de “embranquecimento” por meio da mestiçagem que estariam na base da criação de “povos novos”. Estas reflexões introduzem certa tensão com a reivindicação dos processos de afirmação étnica que Ribeiro defendia já naquele momento, mais ligada a posições que hoje designaríamos como “pluriculturais”, talvez “plurinacionais”. Ao que parece, aos olhos do Ribeiro desta etapa, nossas sociedades seriam constitutivamente mestiças, mas conteriam nelas presentemente “povos emergentes” cuja afirmação deveria ser reconhecida e promovida.

A partir da consecução da Pátria Grande, Ribeiro preconizava a gestação de um “novo Ocidente”, cuja missão seria humanizar o mundo e resgatar o gosto e a alegria de viver. Ao abordar estes temas, o autor se torna mais messiânico, próximo da sensibilidade de obras como A raça cósmica (1925) do pensador mexicano José Vasconcelos e, claro, da abordagem de Leopoldo Zea, já muito citado, na mesma linha, em As Américas e a civilização. Se o horizonte não é mais o da revolução socialista “universal”, é de um futuro grandioso para o Brasil e a América Latina, e através deles de uma renovação do Ocidente face à decadente civilização ocidental europeia. Aqui ainda não fica claro se Ribeiro considera a América Latina uma nova ou potencial civilização em si mesma, ou se ela é em certo sentido filha da decadente civilização ocidental europeia. Como exemplo, apresento o trecho a seguir, extraído da seção significativamente intitulada “Civilização: civilizações” (talvez simbolizando os deslizamentos no pensamento ribeiriano), parte do fundamental texto “A civilização emergente”. Ele parece apontar o bloco “neolatino” como um renovador da civilização ocidental, não como uma civilização em si mesma. Mas este trecho em particular é ainda mais importante para nós por uma segunda razão: ele aproxima fortemente Ribeiro de Senghor, ao abordar um “diálogo da civilização”:

a importância europeia advém mais do renovo nórdico de sua expansão americana do que do núcleo original. No futuro isso se acentuará cada vez mais, principalmente quando nosso bloco neolatino tiver voz capaz de se fazer ouvir. Então, uma configuração “ocidental” transatlântica interagirá com a eslava, a chinesa, a islâmica e a indiana no diálogo da civilização. Cada uma delas guardando sua própria face, mas deixando florescer dentro de si e ao seu redor múltiplas expressões étnicas singulares (Ribeiro, 2017a, p. 96).

Finalmente, vale a pena destacar aqui a conclusão de O povo brasileiro (1995), seu livro-testamento, intitulada sugestivamente “O destino nacional”. É aqui que o Brasil (e a América Latina) aparecem explicitamente como uma nova civilização em gestação, fazendo referência inclusive ao “pequeno gênero humano” como formulado por Bolívar na Carta da Jamaica (1815). Mais precisamente, neste livro persiste e se intensifica o uso instável do conceito de civilização, com ao menos três sentidos justapostos. Temos a “civilização emergente” universal, derivada da revolução tecnológica em curso (a ideia formulada em suas primeiras obras); também cada um dos blocos supranacionais do mundo, entre eles o neolatino, que constituem “civilizações”; e, finalmente, nos é apresentada uma nova civilização particular (latino-americana) que irá emergir. A passagem seguinte é longa, porém condensa de maneira lapidar estes sentidos:

Nosso destino é nos unificarmos com todos os latino‐americanos por nossa oposição comum ao mesmo antagonista, que é a América anglo‐saxônica, para fundarmos, tal como ocorre na comunidade europeia, a Nação Latino‐Americana sonhada por Bolívar. Hoje, somos 500 milhões, amanhã seremos 1 bilhão. Vale dizer, um contingente humano com magnitude suficiente para encarnar a latinidade em face dos blocos chineses, eslavos, árabes e neobritânicos na humanidade futura. Somos povos novos ainda na luta para nos fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nunca existiu antes. Tarefa muito mais difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante. Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê‐lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê‐lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso autossustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra (Ribeiro, 2015, p. 332).

Para além da multiplicidade de sentidos, se tomarmos em conta os usos de civilização predominantes nas últimas obras de Ribeiro, a nova civilização em gestação não será uma única síntese mestiça de todas as pré-existentes. Esta será um encontro no qual elas não abandonarão suas características e pluralidade: sejam os emergentes povos indígenas, o Brasil, a América Latina, os diferentes “blocos”. Se a mestiçagem permitiu a constituição dos “povos novos” latino-americanos, a tendência mais recente seria de reativação das identidades étnicas (de maior afirmação da diferença, não da diluição). Nesse contexto, as sociedades latino-americanas cumpririam o papel fundamental de permitir os encontros entre diferentes povos, culturas e contribuições. Esta mediação se assemelha consideravelmente ao papel que a negritude cumpriria para Senghor na civilização do universal. Vamos chegando então a um encontro entre Senghor e Ribeiro. Isto ficará mais evidente se observarmos a apropriação de Gilberto Freyre realizada por ambos, ao mesmo tempo em que prestamos atenção às operações intelectuais de Zea nos anos 1950.

Freyre (e Zea leitor de Freyre): quando Senghor e Ribeiro se encontram

Vamos introduzir neste debate um Gilberto Freyre particular, em diálogo com o que se viu até aqui de Senghor e Ribeiro. Este será o Freyre do lusotropicalismo, especificamente a concepção de “civilização” (ou melhor, de “civilizações”) que está na base do conceito. Será necessário então revisitar rapidamente a noção de lusotropicalismo antes de prosseguir.

A noção de lusotropicalismo foi elaborada por Freyre para nomear e compreender a nova civilização marcada pela miscigenação e pela “democracia social e racial”, que estaria se formando nas áreas tropicais colonizadas pelos portugueses. O que lhe fornecia novidade seria a especificidade do “modo português de estar no mundo” (derivando num “modo brasileiro de ser”). O entorno tropical seria outro fator a garantir a especificidade daquela civilização em gestação. Porém, pelo menos em princípio, este fator ambiental seria de ordem secundária: seria a miscibilidade do português o que lhe permitiria adaptar-se aos trópicos. A “civilização lusotropical” em formação devia sua especificidade positiva, portanto, à tolerância e miscibilidade de seu elemento central, o português, que permitiria a constituição de uma entidade transnacional, multicultural e multirracial a partir da hibridação de diferentes povos e culturas.

O núcleo argumentativo do lusotropicalismo já estava presente em Casa-grande & senzala (1933). Ali, Freyre começou a desenvolver a tese de que o português se diferenciava dos outros europeus por seu hibridismo de origem, mescla de “branco”, “semita” e “mouro”. A rigor, o português não seria exatamente um europeu, mas um híbrido na fronteira entre Europa e África, entre Ocidente e Oriente. Marcado por sua origem mestiça e bicontinental, por sua plasticidade cultural e por sua adaptabilidade a climas mais quentes, ele demonstraria na colonização brasileira características como mobilidade, miscibilidade e tolerância com indígenas e negros, “misturando-se gostosamente” a eles e desenvolvendo com eles relações amorosas e filiais. Incapaz de afirmar-se então por alguma pretensa superioridade racial (portanto avessa ao racismo), a colonização lusitana teria por características centrais a expansão do catolicismo e da língua portuguesa. Em lugar de polarizações antitéticas, ela produziria equilíbrios, harmonias, conciliações – como na díade “casa-grande & senzala”. Ainda que não desprovida de alguma tensão, a escravidão lusitana (posteriormente a brasileira) constituiria assim uma relação superior se comparada com a anglo-saxã (posteriormente a norte-americana).

Nos anos seguintes, Freyre procurou expandir seu argumento do Brasil para todas as áreas de colonização lusitana. Com isso, passou a compreender a formação do Brasil como parte de um fenômeno maior, precisamente o lusotropicalismo. Em O mundo que o português criou (1940), conjunto de conferências apresentadas na Inglaterra e em Portugal em 1937, o autor sustentava haver uma

unidade íntima, de sentimento, e externa, de cultura nas suas formas mais evidentes e concretas, (...) consequência dos processos e das condições de colonização portuguesa que na Ásia como no Brasil, nas ilhas do Atlântico e até certo ponto na África, desenvolveram nos homens as mesmas qualidades essenciais de cordialidade e de simpatia, características do povo português (Freyre, 2010, p. 25).

Entre 1951 e 1952, Freyre foi convidado pelo Estado Novo português[10] para uma longa viagem a Portugal e suas colônias, estando na então Guiné Portuguesa (Guiné-Bissau), Cabo Verde, Goa, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique (“possíveis novos Brasis”). Foi nesta viagem que o conceito de lusotropicalismo foi mencionado pela primeira vez, e dela resultou a publicação do diário etnográfico Aventura e rotina: sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de caráter e ação, e também da reunião de conferências e discursos intitulada Um brasileiro em terras portuguesas (ambos de 1953). Freyre considerou ter observado naquelas “áreas eurotropicais” uma “saudável deseuropeização nos modos de vida, nos gostos do paladar, nas flexões de língua ou de linguagem, em ritmos de andar” (Freyre, 2001, p. 26), características que deveriam ser consideradas “lusotropicais”.

Em trabalhos posteriores, Freyre procurou explicitar que estaria em desenvolvimento, através da “simbiose” do português com outros povos, uma nova civilização, um “terceiro homem” ou “terceira cultura”. Através do português, raças, ambientes e culturas tropicais seriam “transeuropeizados” – como proposto em O luso e o trópico (1961). Efetivada a descolonização do “Império Português” nos anos 1970, Freyre insistiu na preservação dos laços entre as nações ou “quase-nações” de herança lusitana. Avançou também em novas tentativas de expansão de seus argumentos, procurando aproximar a herança lusitana da hispânica, defendendo a constituição de uma “hispanotropicologia” e de uma “iberotropicologia” associadas à “lusotropicologia” que propunha como subciência.

Em 1957, Zea publicou América en la historia, uma obra muito importante em seu itinerário. Nestas páginas, onde a presença das abordagens de Arnold J. Toynbee é muito marcante, Zea emprega um argumento que segue duas linhas principais. O primeiro trata do que poderíamos chamar de “o trauma do Ocidente”, que consiste em ter dado à luz valores e realidades admiráveis cuja universalização, no entanto, se recusa a aceitar, colocando assim em risco sua própria sobrevivência como civilização. Sem um profundo “exame de consciência”, o Ocidente terá que enfrentar a violência do resto dos povos do mundo. A segunda linha trata do contraste entre as duas Américas, integrando motivos esboçados em seus trabalhos anteriores, atribuindo um sinal positivo à experiência da América Ibérica, onde prevaleceu o “espírito de comunidade” e a miscigenação com os nativos (incorporação).

As leituras que levaram Zea a esta formulação são numerosas, e não há espaço suficiente para se referir a elas aqui, embora seja digno de nota que, ao lado da assimilação de Toynbee (e Tönnies), aparece Gilberto Freyre, e não é demais dizer que Zea se aproximou de Tönnies graças a seu contato com Freyre (a este respeito, ver Kozel, 2012, cap. III e Apostilla octava). Não é necessário insistir na relação de Freyre com Toynbee: tinham amizade e estiveram juntos em atividades voltadas ao debate sobre as civilizações do mundo. A filosofia da história de Zea prefigura o advento de um verdadeiro universalismo. Neste processo, a experiência dos povos não-ocidentais, centrada na comunidade, incorporação e miscigenação, será decisiva, e as particularidades “civilizacionais” não necessariamente desaparecerão – note-se, a propósito, que nestes desenvolvimentos Zea dificilmente usa o termo civilização em seu sentido “civilizacional”.

Passemos agora à relação de Senghor e de Ribeiro com a obra de Freyre. Em viagens a Portugal em 1958 e ao Brasil em 1964 e em 1977, Senghor deu grande ênfase ao lusotropicalismo em seus discursos e intervenções, insistindo na maior “bondade” da colonização portuguesa em comparação com as outras, no valor da miscigenação (em particular da “simbiose cultural”) e na potência de uma “civilização lusotropical” em gestação. Na visita ao Brasil, afirmou explicitamente ter reconhecido uma nova civilização em formação, na qual o negro (que já não era africano, mas brasileiro) teria um papel criativo a cumprir, podendo comprovar com isto o valor da negritude, especialmente de sua “razão intuitiva” (Senghor, 1965). Senghor propunha por essa época uma comunidade entre Brasil e Portugal, na qual as colônias portuguesas africanas receberiam autonomia num primeiro momento, e posteriormente independência. Passou a insistir também em sua própria ascendência portuguesa, que remetia à secular colonização portuguesa por feitorização na costa da África Ocidental (afirmando inclusive que Senghor seria uma corruptela de “Senhor”) (Scholl, 2021).

Por sua vez, a admiração de Ribeiro por Freyre era declarada. Sua introdução à edição em espanhol de Casa Grande & Senzala (1977), integrando a Biblioteca Ayacucho, é notável neste sentido, a começar pela passagem na qual ele faz um paralelo de sua personalidade com a de Freyre: “Gilberto Freyre tem uma característica com que simpatizo muito. Como eu, ele gosta que se enrosca de si mesmo. Saboreia elogios comoa bombons” (Ribeiro, 2017b, p. 11). Ali, admite “muito a contragosto” que “Casa Grande & Senzalaé o maior dos livros brasileiros e o mais brasileiro dos ensaios que escrevemos” (ibid., p. 12). Muito a contragosto porque sempre o intrigou “que Gilberto Freyre sendo tão tacanhamente reacionário no plano político (...) tenha podido escrever esselivro generoso, tolerante, forte e belo” (id.).

De certo modo, em muitas de suas reflexões, parece que Ribeiro toma pontos de vista de Freyre e os inverte. De alguma maneira, Freyre é para Ribeiro o que Hegel foi para Marx; onde Freyre via um imenso Portugal ou uma imensa Ibéria, Ribeiro via o sonho de Bolívar a ponto de se tornar realidade. Isto porque Freyre enfatizava a agência do colonizador português, e a entendia como positiva: era a mestiçagem original do português o que garantia um futuro grandioso ao Brasil como cume da civilização lusotropical. Ao contrário, para Ribeiro a mestiçagem era obra da violência, consequência não intencional da colonização, e o Brasil e a América Latina tinham futuro como povos novos, mais que extensões renovadas de civilizações europeias. Se no primeiro a agência estava com o português, no segundo estava com os indígenas e negros, mais ainda com aquelas “ninguendades” mestiças que constituiriam as novas identidades daqueles povos novos. De todo modo, para além de sinais trocados, onde Ribeiro está mais próximo dos argumentos de Zea, há semelhanças nas estruturas argumentativas de ambos, em especial na valorização da mestiçagem e consequentemente na projeção de um futuro luminoso para uma civilização transnacional integrada pelo Brasil (com parceiros distintos, porém).

Por sua vez, a relação entre Zea e Senghor está bem documentada. Houve um momento, a partir dos anos 1950, em que as referências a autores africanos começaram a se tornar frequentes nos textos de Zea. Ele se referiu ao Movimento da Negritude, a Jomo Kenyatta e a ideias de Senghor, Aimé Césaire e Frantz Fanon de modo recorrente em seus trabalhos. Senghor conhecia Zea e o convidou para o já mencionado Colóquio sobre Negritude e América Latina em Dakar. Não temos evidência de que Senghor tenha citado Toynbee, mas Toynbee era conhecido pelos autores da negritude (foi citado em textos fundamentais de Césaire e de Fanon).

Antes de passar à última seção, caberia mencionar que não há diálogo direto entre Ribeiro e Senghor. Há um silêncio de Senghor em relação a Ribeiro, e críticas indiretas de Ribeiro a Senghor e ao Movimento da Negritude. Sua participação no fundamental I Congresso do Negro Brasileiro em 1950 se deu no sentido de se posicionar contrariamente à tese da negritude. Ali, assinou junto a Edison Carneiro, Luiz Costa Pinto e outros intelectuais a “Declaração dos Cientistas” (dissidente em relação às teses aprovadas no Congresso), que afirmava a integração do negro à cultura brasileira e a negritude como um “racismo às avessas” que deveria ser evitado a todo custo[11]. No final de sua trajetória, Ribeiro parece não ter abdicado totalmente daquelas posições, dada a menção dúbia à noção de negritude em O Povo Brasileiro. Ali fala da “veemente afirmação de negros e mulatos, afinal orgulhosos de si mesmos e às vezes até compensatoriamente racistas em sua negritude” (2015, p. 180). Porém, não menciona explicitamente o Movimento da Negritude como seu causador, mas o “revivalismo do negro norte-americano”.

As identidades transnacionais como expressões de novas civilizações

Começa a ficar evidente que aproximar Senghor de Ribeiro não é despropositado afinal. Antes de mais nada, eles compartilham uma concepção geopolítica baseada numa lógica Norte/Sul (que neles se apresenta prioritariamente ainda na dualidade colonizador/colonizado). Porém, o fazem numa perpectiva pluralizada: há “culturas”, “civilizações”, p olos distintos no interior daquela dualidade. São intelectuais que, a partir do reconhecimento da existência de uma periferia e de sua própria condição periférica, assumem uma perspectiva “identitarista”, “originária” (Devés, 2017). Porém, esta periferia é entendida como diversa, integrada por distintas civilizações – algumas sobreviventes, outras em formação ou em potência. É justamente nesta combinação de um critério associado à visão centro/periferia ou Norte/Sul com outro ligado à tradição civilizacional que reside a produtividade teórica da leitura que estamos propondo.

Consideramos que a mestiçagem aparece como um fator insuficiente nesta comparação, principalmente porque não assume primazia no primeiro Senghor: naquele jovem Senghor, há inclusive uma problematização do “não lugar” que ele próprio ocupava de assimilé da colonização francesa[12] (nunca assimilado de fato). A mestiçagem assume grande destaque em diversos trabalhos de Ribeiro (as “ninguendades” constituindo “povos novos”), mas no final de sua trajetória convive com a afirmação de etnias/nacionalidades indígenas em ascensão, e com o reconhecimento de uma pluralidade maior de povos, blocos e civilizações. Igualmente, a valorização da mestiçagem que emerge no Senghor da maturidade nunca aponta para a diluição dos elementos que a constituem. Trata-se então de um “hibridismo”, uma “simbiose” que não homogeneíza. Portanto, assume sentidos mais próximos da literatura pós-colonial do que da literatura anticolonial – com a qual os dois autores se identificam e da qual inicialmente emergem. Aqui convém recorrer a Freyre e a Zea. Freyre antecipou em muitas décadas as referências a hibridizações e simbioses, e pensou o Brasil em contato com outras nações e “proto-nações” no interior de uma civilização: uma comunidade lusotropical, ou iberotropical. Nele, porém, a miscibilidade é argumento central, mais ainda do que em Ribeiro, certamente muito mais que em Senghor. Como vimos, a filosofia da história de Zea, que corrige a de Hegel através da assimilação de Toynbee, Tönnies, Freyre e outros, delineia um verdadeiro universalismo, um tipo de civilização centrada na comunidade e uma mestiçagem que não dilui as especificidades culturais (civilizacionais).

Argumentamos que o principal ponto de contato entre Senghor e Ribeiro – que fica mais evidente ao cotejá-los com Freyre e Zea – é a defesa de culturas e identidades transnacionais, apresentadas como universalismos ou humanismos parciais, com base nos quais é possível pensar na conformação de um humanismo ou universalismo finalmente genuíno. Estas parcialidades podem e devem contribuir para a constituição de um universalismo plural, pluriverso ou transmodernidade, poderíamos chamá-lo hoje (Kothari et al, 2021, Dussel, 2016). Nestas construções teóricas, o conceito de civilização assume centralidade. Porém, não se trata de uma concepção universal e unívoca de civilização (sempre no singular), mas de uma sucessão diacrônica de civilizações e também de convivências sincrônicas entre elas (sempre no plural), que não necessitam perecer ou dissolver-se em outras. Portanto, de acordo com a distinção feita no início, o enfoque de Senghor e Ribeiro (e de Freyre e Zea) é “civilizacional” e possivelmente “civilizacional/civilizatório”, ao invés de “civilizador”.

Nesse sentido, ao longo de toda a produção de Senghor, prevalece quase univocamente o uso de civilização no sentido de uma cultura ampliada, sobrevivente no tempo. Senghor trata explicitamente de uma cultura negro-africana que sobreviveu ao ocaso de sua civilização. Ele partiu da afirmação de uma particularidade, a negritude, procurou valorizar suas características e realizações, e a partir dela foi expandindo sua argumentação em círculos concêntricos. Sem abandoná-la, articulou-a e esperou “fecundá-la” com a francidade, a latinidade, a arabidade, a latino-americanidade. Desenvolver-se-iam “simbioses culturais”, não sínteses. Trata-se de um dado relevante: lembremos disto logo adiante.

Por sua vez, Ribeiro apresentou mais usos de “civilização” em seus trabalhos, e não chegou a abandonar explicitamente nenhum deles ao longo de sua produção. O sentido de civilizações parciais, de culturas ampliadas (que nos interessa diretamente aqui porque o aproxima de Senghor) sempre esteve presente. Mesmo em O processo civilizatório, Ribeiro propunha explicitamente uma história da humanidade plural, “não-eurocêntrica”, e organizou sua narrativa a partir de desenvolvimentos múltiplos. Porém, assumia muita proeminância ali também a noção de uma civilização universal, ora em formação, ora já formada – à qual os povos atrasados tinham que se adequar, principalmente a partir da revolução tecnológica que ele tanto enfatizava. Ali Ribeiro se aproximava do sentido hegemônico do conceito de civilização, aquele universalizante e evolucionista – “eurocêntrico”, como o autor conscientemente procurava não ser.

Mas também, nas áreas “zeanas” de As Américas e a civilização e principalmente depois da pentalogia, Ribeiro passou a projetar uma brasilidade (lançando mão da tradição das grandes “interpretações do Brasil”) , e foi se dedicando progressivamente à constituição da “Pátria Grande” latino-americana, na qual a “pátria chica” brasileira não se dissolveria, mas seria um de seus principais motores. A América Latina (finalmente assumiria Ribeiro) representaria a mais nova e superior versão da “latinidade”, da “romanidade” – daí a insistência em nomeá-la “Nova Roma” ou “Roma tropical”. Aqui havia o explícito apelo a um “diálogo civilizacional”. Uma menção aproximada a isto, reconheça-se, já estava presente na pentalogia em As Américas e a civilização (1969)[13], que em alguns aspectos destoa daquele contexto de sua obra. Mas deve-se reconhecer que este sentido adquiriu maior primazia em seus escritos posteriores.

Estas projeções de identidades transnacionais (de parcialidades do mundo, da humanidade, da geografia global, da geopolítica) que ambos vão elaborando não constituem sempre aspectos tão evidentes de suas reflexões, nem sempre atingem o grau de elaboração teórica que um olhar mais crítico poderia desejar atualmente. Para evidenciá-las, considerar a emergência da noção de lusotropicalismo na obra de Freyre nos ajudou, em especial entendendo como a noção de civilização aqui também se associa a culturas de um povo, a humanidades parciais ou a expressões particulares de humanidade. Na medida em que Freyre se desloca de suas reflexões iniciais sobre a brasilidade (sendo ele talvez seu mais determinante formulador) para a investigação de uma nova civilização lusotropical e finalmente iberotropical, fica mais fácil visualizar a mesma expansão argumentativa em Senghor e em Ribeiro. Em todos os casos, a reivindicação de uma determinada civilização (de um humanismo ou universalismo parcial) é vista como uma forma de acesso a um humanismo ou universalismo integral, finalmente genuíno e, portanto, não homogeneizante nem galvanizante.

Fica mais evidente também que essas expansões argumentativas transnacionais convivem com a permanência de identidades nacionais, que inclusive devem ser fomentadas. Em Senghor (e em Freyre), aquelas grandes construções podem ser pensadas como comunidades amplas estruturadas em círculos concêntricos, com as quais fomentar um Estado nacional senegalês aparentemente não é uma contradição. Já em Ribeiro (como em Zea), a identidade latino-americana parece assumir elementos mais explícitos de uma comunidade nacional expandida (um “nacionalismo latino-americano”), ou de um sentimento nacionalista ampliado para toda uma região. E nada disso significou, como vimos, que Ribeiro tenha parado de pensar no Brasil ou Zea no México. É muito interessante notar esta capacidade de não incorrer em oposições excludentes. No caso de Ribeiro, devemos também ter em mente sua rara e original disposição de pensar “ao mesmo tempo” sobre mestiçagem e afirmação étnica dos povos indígenas; neste ponto, Ribeiro vai ainda mais longe que Zea.

Um segundo elemento a ser destacado na comparação entre os dois autores é a crítica romântica à modernidade, que está presente em todas as fases da obra de Senghor e começa a se explicitar em Ribeiro na primeira metade dos anos 1970. Há nítida desconfiança em relação a desenvolvimentos da modernidade, à teleologia moderna evolucionista da história, ao eurocentrismo, ao racionalismo cartesiano. Ambos não chegam a abandonar uma perspectiva de evolução, de progresso. A preenchem, porém, com novas tintas, novas perspectivas, inversões de papéis e de sentidos. O colonizado, o inferior, aqueles que pertencem ao passado nas narrativas de progresso estabelecidas pela modernidade europeia, assumem a primazia nas reflexões dos dois autores e são projetados ao presente e ao futuro. Os negro-africanos, os indígenas – e seus comunalismos, suas solidariedades constitutivas, sua simbiose com a natureza, com o sagrado e com as gerações passadas e futuras, suas temporalidades particulares – adquirem neles inclusive um potencial revolucionário[14].

Isto também é mais fácil de ser observado recorrendo a Freyre e a Zea. Freyre foi um notável autor romântico, porém em chave conservadora. Ele se volta para o passado num quase lamento de um paraíso perdido (ainda que com suas tensões e eventuais violências), reconhece a inevitabilidade da modernidade, mas sugere a contribuição brasileira/lusotropical como a possibilidade de humanizá-la. Seria mais difícil associar o Zea dos anos 1950 com uma sensibilidade conservadora, mas, como vimos, em seus textos daqueles anos se detecta uma dívida significativa com Freyre nos argumentos que Zea esgrime para reivindicar um modo de ser latino-americano, centrado na valorização da comunidade e no cultivo do contraste entre as duas Américas.

Senghor e Ribeiro, por sua vez, recorrem ao passado para encontrar explicações e razões, e para buscar potenciais revolucionários para a constituição de socialismos “africanos” e “morenos”. Em outros momentos, buscam potenciais não tão revolucionários, mas que poderiam garantir aquele encontro de civilizações parciais a constituir a primeira civilização efetivamente universal, na qual todos os povos se encontram em igualdade de condições – aquele rendez-vous do dar e do receber.

Estes encontros podem ser entendidos como a elaboração e reconhecimento de modernidades alternativas por Senghor e por Ribeiro, a partir da recorrência à noção de “civilização”. Reconhecem que os objetos de suas reflexões (e suas reflexões mesmas) se inserem na modernidade, e que deveriam se “modernizar” mais a partir da recepção de contribuições ocidentais como a “razão-olho”, ou os avanços tecnológicos, ou a criação de universidades. Porém, falam desde lugares que gestam modernidades outras, que vão superar as negatividades daquela fundante modernidade europeia ocidental (negatividades que os autores identificam explicitamente), cumprindo algumas de suas famosas promessas não cumpridas. Mais do que isto: elas vão superar aquela modernidade europeia ocidental provincializada, que também participará daquele projetado encontro, porém como parte, não mais como todo. Em outros lugares, temos questionado se a emergência de uma “civilização ecumênica” não diluiria as peculiaridades civilizacionais tão caras ao autor. Pensamos que a comparação de Ribeiro com Senghor também pode lançar luz sobre esta questão. No “encontro do dar e do receber”, não se dá algo como um desaparecimento das singularidades. Tratar-se-ia de uma civilização constituída de várias civilizações. Ou, em outras palavras, do verdadeiro universalismo do qual Zea falou: “pluriverso”, “transmodernidade” são talvez os nomes que estamos dando atualmente a esse anseio/projeto de um verdadeiro universalismo, nem exclusivista nem excludente, e respeitoso das peculiaridades civilizacionais. Um dos desafios envolvidos é, naturalmente, o de continuar a elaborar teoricamente propostas como as que foram estudadas aqui.

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Notas

[1] A bibliografia sobre a questão da civilização é profusa. Revisões desta literatura eventualmente infinita nos falam de sua gênese no século XVIII e da passagem de um sentido mais absoluto e unitário (civilização) para um sentido pluralista e relativista (civilizações); também, da escassa presença da América Latina nas taxonomias. Com base em tais contribuições e revisões, Andrés Kozel (2022) distinguiu três significados do termo: “civilizador” (que repousa sobre uma concepção hierárquica, exclusiva, quase sempre proselitista), “civilizatório” (que estica a noção para conjuntos mais abrangentes, globais ou epocais) e “civilizacional” sinônimo aproximado de cultura em larga escala). Será interessante ver como, nos casos que nos preocupam aqui, esses significados coexistem, às vezes se complementando, às vezes entrando em tensão, às vezes de forma tácita. Para uma abordagem excelente e concisa da história do conceito, ver Jean Starobinski (1999). Os autores clássicos que utilizaram esta noção incluem, além de Arnold J. Toynbee, Norbert Elias (1994 [1939]) e Fernand Braudel (1966). Ver também o volume compilado recentemente por Hernán G. H. Taboada e Andrés Kozel (2022).
[2] Senghor foi o principal referente da transição negociada do Senegal à independência política em 1960, e seu primeiro presidente até 1980. Antes disso, já era figura central na política senegalesa e africana (e deputado na Assembleia Nacional Francesa). Foi um dos principais formuladores do Movimento da Negritude, mais tarde dos “socialismos africanos”, e finalmente do que chamava de “francidade” (e do Movimento da Francofonia). Ribeiro foi ministro da Educação e da Casa Civil no governo de João Goulart (1961-1964), foi vice-governador do estado do Rio de Janeiro (1983-1986), senador pelo mesmo estado (1991-1997), candidato derrotado a governador (1986) e a vice-presidente (1994). Fundou e reformou universidades, e criou diversas instituições culturais.
[3] Para abordagens mais pormenorizadas das obras de ambos, ver Pereira da Silva (2023) e Kozel e Pereira da Silva (2022).
[4] Para uma introdução à obra de Teilhard de Chardin, cf. Frei Betto (2003).
[5] Para abordagens associadas a este tipo de perspectiva, cf. Descola (2005), Kothari et al (2021), entre outras.
[6] Trata-se dos “Estudos de Antropologia da Civilização”. São eles: O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1968); As Américas e a civilização: processo de formação e causas do desenvolvimento cultural desigual dos povos americanos (1969); Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno (1970); O dilema da América Latina: estruturas do poder e forças insurgentes (1971); e Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil (1972).
[7] Porém, cabe mencionar que o Marx de Ribeiro naqueles anos não é propriamente clássico: em O processo civilizatório, ele lança mão dos Grundrisse (Elementos fundamentais para a crítica da economia política) (1857-1858), em voga naquele momento entre uma intelectualidade de esquerda mais heterodoxa. Neste sentido, o Marx de Ribeiro é alternativo como o de Senghor, ainda que não exatamente o mesmo. Ribeiro estava interessado particularmente na possibilidade de evoluções ou desenvolvimentos paralelos dando origem a mais de uma civilização para além da europeia ocidental, a partir da tese marxiana do “modo de produção asiático”.
[8] Em As Américas e acivilização (1969), o autor apresentou sua famosa tipologia dos povos não europeus e sua caracterização do Brasil como “povo novo”, cujas façanhas estão no futuro, não no passado. Naquela obra aparece o conceito de “povo emergente”, mas naquele momento apontava para questões distintas daquelas de “civilização emergente” – esta indicava um fenômeno universal, referente a toda a humanidade. Vale mencionar também que “povo emergente” não tinha maior aplicação na América Latina, integrada que era por povos “testemunho”, “transplantados” e “novos”.
[9] Ainda que tenha visto os indígenas sempre com respeito e empatia, o autor considerava então que estavam condenados à insignificância ou a diluir-se na “transfiguração étnica”. Este conceito é chave para a formação dos “povos novos”. Tipos mestiços como os filhos de brancos e índias não são aceitos como brancos e não se consideram índios. Ocorre o mesmo com as novas gerações de negros escravizados, já desafricanizadas pela escravidão: se são frutos de relações de brancos com negras, não podem definir-se como brancos e não querem definir-se como africanos. “Ninguendades” como estas seriam a base para a constituição de “povos novos”.
[10] Num contexto de crise das perspectivas racistas e de fortalecimento dos movimentos de autodeterminação na periferia global, o lusotropicalismo atuou como ideologia oficial do Império português. Se as ideologias anteriores tentavam “justificar a dominação imperial com referência à superioridade da raça e à civilização portuguesa, a nova ideologia redefine a presença portuguesa como o resultado natural das dinâmicas de mestiçagem e hibridação, as quais eram possíveis graças à disposição primordial e louvável do povo português” (Bartelson, 2016, p. 21).
[11] Muryatan Santana Barbosa (2013) observa a dubiedade da declaração, que enfatiza um suposto racismo negro e não menciona o concreto racismo da sociedade brasileira.
[12] Na colonização francesa havia a figura do “assimilé”: o “nativo” que, ao passar pelo restrito sistema educacional disponibilizado nas colônias e assumir modos de vida franceses, poderia obter a cidadania da metrópole (e consequentemente ocupar postos na administração colonial, concluir os estudos na França etc.). Tratava-se de um modo de garantir apoios entre as elites das sociedades colonizadas e formar agentes mediadores (um “colchão de contenção”) entre colonos e massas colonizadas.
[13] Ali o autor apelava a um “diálogo mundial” que poderia levar a uma “nova civilização ecumênica”. Mas ao que parece não se tratava de um diálogo de civilizações particulares, nem a América Latina seria potencialmente uma civilização em si mesma.
[14] Podemos aproximar a ambos do romantismo “revolucionário” ou “reformador”, categorias desenvolvidas por Michael Löwy e por Robert Sayre (2015).

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