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Capital social e capital cultural: do habitus ao espaço social da cidade de Ouro Preto
Capital social y capital cultural: del habitus al espacio social de la ciudad de Ouro Preto
Social capital and cultural capital: from habitus to the social space of Ouro Preto´s city
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol. 19, núm. 2, pp. 192-217, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 2527-2551
ISSN-e: 1806-5627
Periodicidade: Semestral
vol. 19, núm. 2, 2022

Recepção: 20 Maio 2022

Aprovação: 06 Julho 2022


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Esta pesquisa é uma investigação sobre a natureza da demanda por produtos e serviços culturais gratuitos por discentes do ensino técnico profissionalizante da cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. As questões abordadas tratam do conceito de capital cultural tendo como referência os estudos de Pierre Bourdieu. A pesquisa de campo foi realizada no final do segundo semestre de 2018 e início de 2019 e envolveu uma amostra de 248 alunos. O estudo utilizou como ferramenta exploratória um questionário com 38 questões fechadas e uma aberta onde se coletaram informações socioeconômicas, educacionais, preferências musicais, percepção a respeito dos bens e serviços culturais oferecidos pela cidade e sua satisfação para com eles, etc. Os resultados pouco expressivos para capital cultural são reforçados, por exemplo, pela falta de hábito de leitura dos entrevistados (quase 50% não havia lido livro algum nos últimos três meses que antecederam a entrevista).

Palavras-chave: Ouro Preto, Capital social, Capital cultural, Capital econômico, Serviços culturais.

Resumen: Esta investigación es una investigación sobre la naturaleza de la demanda de productos y servicios culturales gratuitos por parte de estudiantes de educación técnica profesional en la ciudad de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Los temas abordados versan sobre el concepto de capital cultural con referencia a los estudios de Pierre Bourdieu. La investigación de campo se realizó a finales del segundo semestre del 2018 e inicios del 2019 e involucró una muestra de 248 estudiantes. El estudio utilizó como herramienta exploratoria un cuestionario con 38 preguntas cerradas y una abierta donde se recogió información socioeconómica y educativa, preferencias musicales, percepción sobre los bienes y servicios culturales que ofrece la ciudad y su satisfacción con los mismos, etc. Los resultados inexpresivos para el capital cultural se ven reforzados, por ejemplo, por la falta de hábitos lectores de los entrevistados (casi el 50% no había leído ningún libro en los últimos tres meses previos a la entrevista).

Palabras clave: Ouro Preto, Capital social, Capital cultural, Capital económico, Servicios culturales.

Abstract: This research is an investigation into the nature of the demand for free cultural products and services by students of vocational technical education in Ouro Preto, Minas Gerais, Brazil. The issues addressed deal with the concept of cultural capital with reference to the studies of Pierre Bourdieu. The field research was carried out at the end of the second semester of 2018 and beginning of 2019 and involved a sample of 248 students. The study used as an exploratory tool a questionnaire with 38 closed questions and an open one where socioeconomic and educational information, musical preferences, perception about the cultural goods and services offered by the city and their satisfaction with them were collected, etc. The little expressive results for cultural capital are reinforced, for example, by the lack of reading habit of the interviewees (almost 50% had not read any book in the last three months prior to the interview).

Keywords: Ouro Preto, Share capital, Cultural capital, Economic capital, Cultural services.

Introdução

Em seus vários levantamentos e estudos quantitativos, Pierre Bourdieu identificou uma alta correlação estatística entre o desempenho do aluno na escola e sua origem social, quanto menos favorecido socialmente (seja na renda, na profissão dos pais, na escolaridade dos pais e avós), menor o desempenho escolar. Bourdieu, em sua obra “Os herdeiros”, datada de 1964, relatou que, dentre todos os fatores de diferenciação, a origem social dos alunos seria o que influenciava mais fortemente o meio estudantil, mais do que a idade e o sexo e, sobretudo, mais do que outros fatores visivelmente percebidos, como, por exemplo, a vinculação religiosa. Em condições objetivas, a posse de um volume expressivo de capital econômico, cultural e social tornaria o fracasso escolar improvável.

Em seu livro A distinção: crítica social do julgamento, Pierre Bourdieu (2008). busca estabelecer que as práticas culturais, em conjunto com as preferências por disciplinas escolares como música, arte, educação, teatro, esporte, culinária, arquitetura, entre outras práticas culturais e preferências, estão conectadas ao nível de instrução, submetido ao volume global de capital acumulado, isto é, uma forma de “competência cultural” aferida pelos anos de estudos ou certificados escolares e, secundariamente, pela herança familiar.

Nesse sentido, a cultura legítima, ratificada pelos exames e diplomas, vem a ser aquela pertencente às classes privilegiadas. Assim, o que se estabelece como dom natural constitui-se comumente em manifestação de afinidades ligadas aos valores sociais bem determinados e às exigências do sistema escolar. Por fim, o privilégio social e as habilidades adquiridas na família burguesa transformam-se em méritos individuais, “dons naturais” que o indivíduo detém. Logo, “para os filhos de camponeses, de operários, de empregados ou de pequenos comerciantes, a cultura escolar é aculturação” (BOURDIEU,1964, p. 37).

Essa herança de saberes arraiga vantagens que são investidas no sistema de ensino escolar, possibilitadas pelo fato de que o conteúdo escolar imposto sobre os alunos, assim como seus métodos de avaliações, baseiam-se em uma cultura tida como “legítima”. Este conhecimento é constituído pelos produtos simbólicos socialmente valorizados que emanam dos grupos dominantes, grupos em posição de destaques, seja pela renda, seja pela ascensão em classes sociais, os quais exercem, por isso mesmo, uma ação de violência simbólica sobre grupos dominados. O processo de seleção para ingresso em instituições de ensino, como também os processos de avaliação da aprendizagem se revestem da aparência do socialmente aceitável, dependendo única e exclusivamente da capacidade individual, instituindo uma meritocracia de modo a não evidenciar o privilégio social no meio escolar. O sistema de ensino seria, portanto, um fator de “reprodução”, e não de democratização da sociedade (BOURDIEU, 2008).

Assim, segundo as análises de Bourdieu e Passeron (1964), na obra Les Héritiers, os estudantes de origem social mais favorecida são aqueles que mais se beneficiam da cultura escolar, porquanto sabem jogar as regras do jogo. Todavia, o grau de adesão ao jogo intelectual e aos valores a que as pessoas se engajam não são independentes da origem social.

A noção de patrimônio familiar ou patrimônio cultural oferece ferramentas para analisar a transmissão intergeracional da cultura. De uma maneira singular, percebemos no livro de Bourdieu (2014), que essa noção de patrimônio cultural mostrou que a reprodução social nas sociedades contemporâneas não depende apenas da transmissão de bens materiais de uma geração para outra, mas também de transmissão do patrimônio cultural. Juntos, ao aceitar a escola como a entidade responsável por definir o maior ou menor valor dos diferentes bens transmitidos pelas famílias, fica evidente a contribuição do Estado para a reprodução social (CATANI et al., 2017).

Dentro deste contexto, o presente artigo teve por objetivo fazer uma análise do perfil socioeconômico e cultural dos alunos da rede de ensino técnico profissionalizante da cidade de Ouro Preto a partir da noção bourdieusiana de capital. Inicialmente, foi feito contato com todas as sete escolas que oferecem cursos técnicos e profissionalizantes para obter autorização para a pesquisa, esclarecendo-se a natureza e a forma de realização. As instituições participantes da pesquisa foram: a Escola Estadual Dom Pedro II (Curso Técnico em Administração); o Colégio Técnico Inconfidente Álvares Maciel (escola particular de ensino técnico); o Superar Centro Profissionalizante e a Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP – Escola Estadual de Ensino Técnico em Conservação e Restauro de Bens Culturais). O tamanho da amostra foi obtido com base na estimativa média populacional, resultando em 248 observações.

Este trabalho se compõe de mais três seções além desta introdução. A primeira delas traz uma discussão sobre os conceitos de capital social e cultural na perspectiva de Pierre Bourdieu. A segunda aborda os aspectos metodológicos da presente pesquisa. A terceira versa sobre os resultados da pesquisa e, por fim, têm-se as considerações finais.

Pierre Bourdieu e os conceitos de habitus e espaço social

Bourdieu denominou os fatores de origem social como herança familiar, seja na maneira de pensar e agir, nos hábitos familiares, no acesso aos bens culturais (museus, teatros, cinemas, livros, viagens, bens materiais, etc.), na exposição às outras culturas e regiões geográficas. A noção de herança familiar ou herança cultural oferece instrumentos para analisar a transmissão intergeracional da cultura. Apresentada no livro Os Herdeiros: Os Estudantes e a Cultura (2014), essa noção de herança cultural permitiu mostrar que a reprodução social nas sociedades contemporâneas não depende somente da transmissão de bens materiais de uma geração a outra, mas estava dependente, cada vez mais, da transmissão de um patrimônio cultural. Conjuntamente, ao aceitar a escola como entidade responsável pela definição de maior ou menor valor dos diferentes patrimônios transmitidos pelas famílias, evidencia-se a contribuição particular dada pelo Estado à reprodução social. Por fim, ao se pôr no lugar daqueles que se submetem a esse processo de transmissão, evidencia-se o quão este é complicado e contraditório nas diferentes sociedades, nas quais herdar significa, em boa parte, diferenciar-se dos pais e às vezes transcender (CATANI et al., 2017).

Esse conceito de herança cultural irá se expandir nos estudos de Bourdieu para outras áreas ou esferas sociais. Essa riqueza cultural remete aos efeitos poderosos sobre a classificação dos indivíduos nas diferentes hierarquias sociais. No livro A Distinção(2008), diferentes práticas culturais (arquitetura, decoração, vestuário, alimentação, esporte, lazer, etc.), que produzem o estilo de vida dos indivíduos e grupos sociais, serão vistos como meios classificatórios que compõem do “bom gosto” ao gosto “vulgar”, caracterizando estratégias de distinção nas lutas simbólicas e cotidianas pela classificação social (CATANI et al. 2017, p. 104).

Partindo da ideia de que o mundo social é multidimensional e que os bens econômicos e financeiros não constituem a única forma de riqueza que justifica a divisão de classes ou de estratificação social, Bourdieu (2008) forneceu, ao longo de seus trabalhos, evidencias empíricas de que há outras formas de posicionar o indivíduo ou um grupo de indivíduos no interior da hierarquia social. E esta posição pode ser determinada através do conceito proposto por ele, o de capital social.

O conceito de capital, neste caso, não é um sinônimo de capital financeiro e econômico, como comumente se faz referência imediata quando o assunto é “capital”. O conceito de capital explorado por Bourdieu pode ser convertido em ganho de capital financeiro, mas não é o próprio capital financeiro. Um exemplo disso seria o investimento em cultura, em educação, em relacionamentos sociais, em que cada investimento ou tempo depositado nessas atividades pode render um novo título, um novo diploma, ocupar uma nova atividade ou posição social, podendo ser convertido em ganho de capital econômico quando se traduz em melhor emprego, ocupação de cargos de destaque, participação mais ativa na vida política e social da comunidade. Tais formas de “capital” Bourdieu as define como capital cultural e capital social.

Capital cultural é uma expressão criada por Bourdieu para examinar situações de classe na sociedade. De certa maneira o capital cultural serve para distinguir subculturas de classes ou de setores de classe. Ao longo de sua carreira, Bourdieu buscou detalhar de forma cuidadosa o conceito de cultura em um sentido ampliado de estilos, gostos, valores simbólicos, estruturas psicológicas, ou seja, em um conjunto de representações de valores morais e ideais, que decorre das condições de vida específicas das diferentes classes, evidenciando suas características e colaborando para diferenciar a burguesia tradicional da nova pequena burguesia e esta da classe trabalhadora (SILVA, 1995).

Segundo Bourdieu (2008), esse conjunto de bens simbólicos denominados de “capital cultural”, pode ser encontrado em três estados. O primeiro deles é o estado incorporado, em que o acúmulo de capital cultural exige uma incorporação que se dá através de investimento pessoal, pressupondo um trabalho de inculcação, arraigada no corpo de uma pessoa, sendo algo individual, tornando-se suas propriedades físicas (por exemplo: esquemas mentais, posturas corporais, habilidades linguísticas, competências intelectuais, etc.). A forma de obtenção é um trabalho da pessoa consigo mesma, que não pode ser transmitido de forma instantânea como um título de nobreza ou título militar de decoro. Aquela pessoa que possui esse tipo de capital em seu estado incorporado “pagou” com seu próprio esforço, ou com aquilo que é de mais pessoal: seu tempo. É possível sua aquisição durante toda a vida do indivíduo, sendo o tempo seu maior limitador.

O segundo é o estado objetivado, que se configura como a posse de bens materiais e simbólicos que representam a classe social dominante, o que não é ensinado e pode ser transferido. Ele pode ser apropriado de forma material (obras de arte, livros, esculturas, acervos dos mais diversos personagens, objetos armazenados em galerias, museus, laboratórios, bibliotecas, etc.) ou de apropriação na sua forma simbólica (o capital cultural).

Por fim, tem-se o estado institucionalizado que se manifesta como um atestado de competência cultural, que confere ao seu portador um reconhecimento institucional, como por exemplo o diploma escolar ou todo certificado de instituições de ensino, instituindo valores homogêneos para o grupo que se define na crença deste e permitindo taxas de convertibilidade entre o capital cultural e o capital econômico por meio, por exemplo, de salários diferenciados de acordo com os diplomas obtidos.

Para que tais estados se constituam em “capital”, é preciso que esses bens tenham como única fonte aquela parcela da produção cultural humana assinalada com o produto e com os atributos intelectuais das classes dominantes, configurando-se como “cultura legítima”, que segundo Bourdieu tem curso e validade na escala da sociedade em geral. O que significa dizer que esse conjunto cultural, que é particular (procedente de um determinado grupo social), tem o poder de se estabelecer e de se fazer reconhecer por todos, adquirindo a aparência (enganosa) de universal (NOGUEIRA, 2010).

Ainda conforme Nogueira (2010), a expansão e valorização do capital cultural se dará em pleno processo de desenvolvimento nas sociedades contemporâneas onde o capitalismo se apresenta em estágio desenvolvido, isto devido a disseminação das instituições estudantis, ao surgimento e crescimento da indústria cultural e dos meios de comunicação em massa, acarretando o aparecimento de novas profissões ligadas à divisão do capital cultural, promovendo a acumulação dessa nova espécie de riqueza: o “capital cultural”.

Noção de habitus

A noção de habitus proposto por Pierre Bourdieu, segundo Loïc Wacquant apudCatani (2017), é uma noção mediadora que auxilia o rompimento com a dualidade de senso comum entre indivíduo e sociedade ao captar “a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade”, ou melhor, o modo como a sociedade se torna enraizada nas pessoas sob a forma das maneiras duráveis, ou das capacidades treinadas e das propensões estruturadas para pensar, sentir, comportar-se e agir de modos determinados, que então as guiam nas suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitações do seu meio social existente.

A noção de habitus auxilia o pensar nas características de uma identidade social, uma experiência biográfica, um sistema de orientação ora consciente ora inconsciente, no sentido de uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas. O habitus surge da necessidade empírica, resultado das experiências, de apreender as relações de vínculo entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais, resumido em uma matriz de percepções, de apreciações, de avaliações e de ações (SETTON, 2002).

A grande contribuição de Bourdieu no campo sociológico foi desvendar a maneira que a sociedade reproduz nos indivíduos suas estruturas, seus modos de pensar, os modelos econômicos, os modelos habitacionais, de comportamento, de comunicação, valores, modo de se vestir, de se alimentar, etc. E a pergunta principal que Bourdieu se propôs a responder foi: Por que a sociedade tende a reproduzir suas estruturas sociais? Por que repetir determinados comportamentos? Bourdieu discorre afirmando que repetimos determinados comportamentos sem saber que estamos repetindo, esse comportamento não é apreendido conscientemente, ao contrário de determinados valores, comportamentos e ideias ensinados que podemos não concordar (SETTON, 2002).

A forma de agir e de se comportar obedece aos padrões sociais, o habitus é a subjetividade socializada, a sua forma de entender a sociedade não é própria ao indivíduo, sendo dada pela sociedade a qual este indivíduo pertence, (política, economia, meios de comunicação, meios escolares, família, etc.). O habitus é, com efeito, os princípios geradores de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo tempo, o sistema de classificação (principium divisionis) de tais práticas. Na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, ou seja, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas e esses produtos (gosto), é que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos etilos de vida (BOURDIEU, 2008).

O conceito de habitus propõe identificar a mediação entre o indivíduo e a sociedade por meio de três formas de entender o mundo. A primeira delas é a forma fenomenológica em que se entendem os fenômenos do mundo como são dados (como eles são), importando apenas sua experiência; seria a relação de familiaridade com o seu meio, compreensão do mundo social como mundo natural e evidente, sobre o qual não se pensa. A segunda forma é a objetivista, que se apresenta quando o indivíduo começa a compreender as relações de causa e efeito, construindo relações objetivas. E a terceira forma é a praxiológica, que diz respeito à ligação entre as estruturas de pensamento da forma objetivista, ou seja, as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se modificam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade.

O habitus surge como sendo capaz de ajustar a oposição aparente entre as realidades exteriores e as realidades interiores dos indivíduos, conseguir enxergar essa mudança seria a interiorização dessa estrutura que é externa ao indivíduo. O habitus é um sistema de disposições socialmente construídas, e não somente o que o indivíduo pensa de forma isolada. Essas formas de agir, seja em casa, no trabalho, na escola, com os amigos, seu chefe, etc. são socialmente constituídas, o indivíduo tem a capacidade de fazer coisas dentro de um conjunto dado de situações (WACQUANT apudCATANI, 2017).

O volume global de capital – seja econômico, social ou cultural – ajuda na compreensão da evolução do indivíduo na conquista de um lugar ou uma posição social. Ao longo do tempo, através de estratégias de reconversão, o capital econômico ajuda na obtenção do capital cultural e vice e versa. O conceito de habitus em suas várias formas se traduz em condições de existência, que é comum a todos os indivíduos com a mesma situação socioeconômica e se torna, em geral, o habitus de classes, como consequência define a trajetória social de cada indivíduo. A união do habitus com o capital global e o campo definiria a prática, ou o senso prático de fazer as coisas (LOYOLA, 2002).

Espaço social

Para Pierre Bourdieu o espaço social é composto de uma pluralidade de campos sociais como o campo científico, o campo artístico, o campo cultural, o campo da alta costura, o campo do poder, o campo econômico ou ainda o campo esportivo. A teoria de campos de Bourdieu se propõe a colocar em evidência a similaridade de estrutura, e consequentemente, de funcionamento entre estes diferentes domínios da vida social (JOURDAIN, 2017).

Como destaca Jourdain (2017), Bourdieu define os campos como esferas da vida social que, graças às sociedades altamente diferenciadas, devido ao crescimento da divisão de trabalho, tornaram-se autônomas. Essa autonomização do campo social passa pelo sentido de uma aposta que lhe é própria, capital específico do campo. Citando Bernard Lahire (2002), o ambiente social autônomo é um espaço de relações objetivas (o lugar de uma lógica e de conveniência específicas e irredutíveis àquelas que regem os outros campos). Como, por exemplo, a lógica que determinados campos obedecem: a aposta do campo econômico é o capital, do campo político é o poder, do campo artístico é o reconhecimento e do campo literário é o capital específico formado pelo reconhecimento dos pares que se objetiva, por exemplo, através de prêmios literários.

Como delineia Lahire (2002) não é fácil resumir a definição das propriedades da Teoria de Campos proposta por Bourdieu, que mesmo facilitada pelo autor, torna-se difícil pelas várias inflexões que o conceito sofre por ocasião de cada utilização particular que Bourdieu faz dele. Contudo, Lahire (2002) cita os principais pontos que são fundamentais e invariantes na definição de campo.

Tais pontos são: um campo é um microcosmo que faz parte de um macrocosmo constituído pelo espaço social global; possui regras do jogo e circunstâncias específicas, irredutíveis às regras do jogo e aos desafios dos outros campos (os interesses sociais são sempre específicos a cada campo, não se reduzindo ao interesse de tipo econômico); um campo é um “sistema” ou um “espaço” caracterizado e estruturado pelos diferentes agentes do campo. As estratégias ou práticas dos agentes só podem ser compreendidas se relacionada à sua posição no campo. Existem forças ou posições dominantes no campo e aquelas que são dominadas, ou os recém chegados no campo. Essa oposição pode assumir a forma de conflito entre “ortodoxos” e “heterodoxos”, “velhos” e “novos”, etc. Ademais esse espaço é um espaço de lutas onde todos os agentes estão disputando posições específicas dentro do campo. O objetivo dessas lutas é buscar apropriação do capital especifico do campo (obtenção do monopólio do capital específico legítimo) ou mesmo a redefinição desse capital. Esse capital é desigualmente distribuído no campo, existindo dominantes e dominados e essa distribuição desigual do capital específico determina a estrutura do campo, causando uma relação de forças históricas entre as forças (agentes e instituições) em confronto no campo.

Mesmo com as disputas de forças dentro do campo, todos os agentes têm interesse em permanecer no campo, mantendo uma “cumplicidade objetiva” para além das lutas que os opõem. Lahire (2002) destaca que cada campo corresponde um habitus (sistema de disposições incorporadas) próprio do campo (habitus econômico, habitus filosófico, habitus da alta costura, habitus futebolístico, etc.). E apenas os que tiverem incorporado o habitus próprio do campo, estão aptos a disputar o jogo e a acreditar na importância. Por fim, todo campo possui uma autonomia relativa, as disputas que ocorrem internas ao campo têm uma lógica própria, mesmo que os resultados dessas disputas (econômicas, políticas, sociais, etc.) externas ao campo pesem violentamente no desfecho das relações de forças internas.

Essas propriedades citadas acima servem como um resumo da definição de teoria de campo de Pierre Bourdieu, que permeou vários trabalhos do autor e orienta, do ponto de vista teórico, a feitura da presente pesquisa.

Notas metodológicas

O presente estudo teve por intuito realizar um diagnóstico sobre a demanda por bens e serviços culturais gratuitos pelos alunos de ensino técnico profissionalizante da cidade de Ouro Preto, foi uma pesquisa de campo que abordou temas referentes às características do que é denominado capitais sociais, econômicos e culturais. Tal pesquisa foi realizada no final do segundo semestre de 2018 e início de 2019. Considerando a população/amostra em análise – os estudantes do ensino técnico e profissionalizante – foram totalizadas 248 observações.

Ressalta-se que os responsáveis pelas instituições nas quais foram aplicados os questionários assinaram um termo de autorização consentindo a realização da pesquisa por meio da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Explicou-se, oralmente, os objetivos do estudo e possíveis danos que poderiam vir a ocorrer.

Destaca-se ainda que este estudo se enquadra na modalidade de pesquisa de risco mínimo, de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, relativa à pesquisa em seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto, na data de 04/12/2018 sob o número de protocolo CAAE: 03213818.8.0000.5150.

Inicialmente, foi feito contato com todas as sete escolas de Ouro Preto que oferecem cursos técnicos e profissionalizantes para obter autorização para a pesquisa, esclarecendo a natureza e a forma de realização. As instituições participantes da pesquisa foram: Escola Estadual Dom Pedro II (Curso Técnico em Administração); Colégio Técnico Inconfidente Álvares Maciel (escola particular de ensino técnico); Superar Centro Profissionalizante e a Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP – Escola Estadual de Ensino Técnico em Conservação e Restauro de Bens Culturais).

Ter como sujeito de estudo os alunos do ensino técnico e profissionalizante de Ouro Preto se justifica pelo fato de se acreditar que estes estudantes, por suas idades, grau de instrução e entendimento sobre origem social, conseguem ter uma melhor compreensão em relação, por exemplo, aos estudantes de ensino primário sobre a percepção de capital social e cultural e de como a presença ou ausência destes capitais podem influenciar seus habitus na perspectiva da teoria de campos.

Quanto ao procedimento metodológico, o estudo caracterizou-se por ser uma pesquisa de campo tendo como ferramenta exploratória a aplicação de questionário com 38 questões fechadas e uma aberta, incluindo dados de identificação socioeconômica e educacional, utilização de bens e serviços culturais, acesso aos eventos culturais, percepção e satisfação quanto aos serviços e bens culturais ofertados, além de gostos e preferências musicais e disciplinas escolares (ver o questionário em anexo).

A pesquisa ora desenvolvida se caracterizou pelo tipo survey, principalmente via questionário ou guias de entrevista. A pesquisa survey é melhor descrita como a obtenção de dados ou informações sobre características, opiniões ou ação de determinado grupo de pessoas, indicado como representante de uma população alvo, por meio de um instrumento de pesquisa, geralmente um questionário (TANUR apud PINSONNEAULT; KRAEMER, 2015). Para Fink (2003), uma das principais características do método de pesquisa survey é o interesse em produzir descrições quantitativas de uma população, fazendo uso de um instrumento predefinido.

O questionário

O questionário foi construído no intuído de buscar informações qualitativas, em que os estudantes de ensino técnico profissionalizante foram indagados sobre as suas “interpretações” em relação aos vários aspectos que interferem na participação em atividades culturais, privilegiou-se um nível de apreciação individual, procurando aferir o grau de satisfação destes estudantes relativamente ao seu quadro de vida, enriquecendo a “percepção” baseada na experiência pessoal de cada um. Procurou-se, assim, obter dados para analisar a frequência e a ocasião dos consumos, assim como sobre a qualidade dos objetos culturais consumidos.

Tendo como inspiração a pesquisa que serviu de base para escrita do livro A Distinção de Pierre Bourdieu (2008), tentou-se coletar informações necessárias à construção do sistema de princípios explicativos dos consumos e das práticas culturais, volume de recursos financeiros familiares e individuais voltados à cultura (renda familiar e valores gastos em eventos culturais) e o capital social e cultural herdado (profissão e escolaridade dos pais). Para obter dados sobre o patrimônio cultural dos pesquisados, foi priorizado o capital incorporado (através do nível de instrução escolar, cursos artísticos culturais e hábito de leitura), absteve-se de questionar sobre o capital objetivado (bens artísticos, obras de arte, móveis antigos, piano, etc.). Quanto à leitura de livros, foi ignorada a qualidade dos autores lidos.

As pesquisas elaboradas pela Rede Nossa São Paulo que tem a missão de mobilizar a sociedade e governos a fim de se ter uma cidade justa e sustentável contribuiu também para elaboração do questionário final, que contempla perguntas que buscam entender os motivos que levam as pessoas a não frequentarem os eventos públicos gratuitos promovidos na cidade de São Paulo, como carnaval, réveillon na Avenida Paulista e viradas culturais e esportivas; e a frequência de leitura de livros entre os paulistanos. Assim como pretendido pelo projeto “Viver em São Paulo”, esta pesquisa mostrará dados locais, o que possivelmente revelará as desigualdades culturais da cidade de Ouro Preto.

O tratamento dos dados coletados

Os dados quantitativos foram codificados, digitados e processados utilizando-se o software estatístico RStudio Desktop 1.1.456. Posteriormente, foi realizada a distribuição das frequências. Partindo-se do mais simples para o mais complexo, primeiramente foi feita uma análise univariada, em que é possível examinar as respostas a cada uma das perguntas. Quanto à tabulação das variáveis escolaridade e profissão dos pais, foi utilizado a mesma ordenação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (INEP) ao ser preenchido o formulário para inscrição no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Já para as variáveis renda familiar . reais gastos nos eventos, utilizou-se o mesmo arranjo elaborado pela pesquisa do IBOPE, “Viver em São Paulo: Cultura”.

Resultados e Discussões

Os resultados foram divididos em cinco tipos de características da amostra, que buscam refletir os argumentos teóricos propostos por Bourdieu. Tais características são: as denominadas como gerais (que incluem sexo, idade, religião e etnia); aquelas que refletem o capital social (tal como profissão dos pais), o capital econômico (como, por exemplo, a renda familiar) e o capital cultural (tal como a escolaridade dos pais). A tabela 1 traz informações sobre os grupos de profissões (divididos em seis) e a escolaridade dos pais dos respondentes, assim como a quantidade de dinheiro gasto em eventos referente a cada grupo e a renda familiar, também por grupo de profissões.


Tabela 1
Grupos de profissões, classificação de escolaridade, dinheiro gasto em eventos e renda familiar
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

Das características gerais, denota-se a predominância do sexo feminino que correspondeu a 65% dos entrevistados. Fato interessante a ser destacado é que os estudantes de cursos técnicos profissionalizantes possuem idades variáveis, tendo em vista que 46,9% têm entre 15 e 24 anos e 31,4% estão com idades entre 25 e 34 anos, existindo, também, um percentual de 3,3% que estão acima dos 55 anos de idade (ver quadro 1).

Em termos de religião, 74,3% afirmaram ser católicos. E no que se refere à etnia, 49% se declararam pardos. Os resultados das características associadas ao capital social são bastante instigantes. Em relação à profissão dos pais (dividida em seis grupos, como se pode observar na tabela 1), 31,9% dos entrevistados disseram que o pai desenvolve atividades que estão no grupo três (padeiro, cozinheiro, sapateiro, pedreiro, pintor, eletricista, etc.) e 31,9% declararam não saber a profissão do pai. E para a profissão da mãe, 55% dos entrevistados apontaram que a mãe desenvolve atividades relacionadas ao grupo 2 de profissões (diarista, empregada doméstica, etc.).


Quadro 1
Características gerais da amostra em porcentagem
Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa, 2019.

Vale ressaltar que a maior parte dos entrevistados afirmou não evitar lugares da cidade onde existam turistas (79,2%). Por fim, destaca-se que 68,3% dos entrevistados disseram não se sentirem deslocados em virtude de existir na cidade um grande fluxo turístico.

No que concerne às características do capital econômico da amostra, 79,4% afirmaram que frequentariam um maior número de eventos caso houvesse um melhor acesso ao transporte público. Em relação à renda gasta nos eventos frequentados pelos entrevistados, 25,9% afirmaram que gastaram de R$36,00 a R$50,00, um percentual de 22,6% disse gastar entre R$21,00 e R$25,00. E um percentual de 20,9% afirmou gastar entre R$ 5,00 e R$ 20,00. Para 38,9% destes entrevistados, a renda familiar estava entre R$ 954,00 e R$1.908,01. Em relação à locomoção, 49,6% dos entrevistados disseram que se deslocam até os eventos culturais de ônibus.

Consoante às atividades culturais, 63% dos entrevistados diz haver eventos gratuitos para os moradores, mas que não há uma participação direta destes moradores na elaboração/produção destes eventos, pois 96,4% afirmaram que não ajudam ou dão sugestão sobre a elaboração dos eventos; 77,6% afirmaram que a prefeitura não divulga os eventos que acontecem na cidade, em seus bairros ou escolas; 79,2% responderam que a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) também não faz esta divulgação em seus bairros e escolas (destaca-se que a UFOP é promotora e/ou parceira na realização de eventos que atraem artistas e visitantes nacionais e internacionais, tal como o Festival de Inverno). E para 78,7% dos entrevistados, a cidade de Ouro Preto não oferece muitas opções de lazer.

Ao analisar os dados da amostra, observam-se, pela tabela 2, os hábitos culturais dos respondentes. A ida em shows foi a atividade cultural mais frequentada nos últimos 12 meses, com 76% de respostas afirmativas. Em segundo lugar, em patamares semelhantes, ficaram os centros culturais e museus, com 52%, em terceiro lugar, ficou o cinema (50%). E com números muito próximos as outras atividades analisadas na pesquisa, ficaram as bibliotecas (41%) e os teatros (38%).

Chama a atenção o fato de 38% dos respondentes afirmarem que não frequentaram bibliotecas, visto que a amostra observada é de estudantes ativos de cursos técnicos. A ida a teatros acompanha a mesma proporção de não frequentadores.


Tabela 2
Atividades culturais mais frequentadas pelos ouropretanos.
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

Sobre os elementos considerados muito importante (ou extremamente importantes) que levariam as pessoas a frequentarem essas atividades culturais gratuitas ofertadas no município, a resposta para 91% dos respondentes foi a segurança que esses eventos oferecem. Em segundo e terceiro lugares ficaram a qualidade dos eventos (89%), a estrutura e a organização apareceram com 88%. E num patamar inferior, mas bem próximo, o preço cobrado desses eventos foi a principal resposta para 78%. Enquanto a gratuidade e a localização foram os principais elementos que estimularia a frequência nas atividades culturais para 72% e 71% das pessoas, respectivamente. O fator de menor influência para frequentação das pessoas aos eventos culturais foi a proximidade de casa, com 31% (ver gráfico 1).


Gráfico 1
Motivos que levaria a frequentar atividades culturais
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

A pesquisa também perguntou sobre os principais meios de locomoção da população para as idas aos eventos públicos gratuitos promovidos na cidade, como o carnaval, Festival de Inverno, Fórum das Letras, CINEOP, Tudo é Jazz, etc. Tais eventos são de grande relevância para a cidade por contar com participações de artistas nacionais e internacionais e atrair um maior número de turistas no período em que ocorrem O resultado mostrou que o principal meio de transporte foi o ônibus (50%), logo em seguida aparece o carro, com 36% de adesão entre os participantes, e não muito atrás, a população se desloca a pé (33%), (ver gráfico 2).


Gráfico 2
Meios de deslocamentos para os eventos culturais
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

Nota-se que entre os principais motivos que levam as pessoas a frequentarem eventos culturais, a proximidade da casa (ou seja, a distância entre a casa das pessoas ao lugar onde ocorrerá determinado evento cultural) não é um fator importante, figurando-se no quesito menos importante. Logo, as pessoas estariam dispostas a frequentarem eventos culturais gratuitos mesmo sendo longe de casa. Ressalta-se que para se chegar ao centro histórico de Ouro Preto existe uma certa dificuldade em virtude de suas íngremes ladeiras, dos paralelepípedos ligando os bairros ou os longínquos distritos, como, por exemplo, São Bartolomeu, que dista 27,9km do centro histórico de Ouro Preto, Cachoeira do Campo, distante 21,3km, Lavras Novas (18,7km) e Antônio Pereira (23,1km).

Entretanto, 50% das pessoas utilizam o ônibus como o meio de transporte predominante a ida aos eventos, necessitando, portanto, de transporte público para participarem ativamente da vida cultural da cidade. Com uma busca na página de internet da empresa de ônibus[1] que faz as linhas distritais, percebe-se que a maioria dos horários se encerra a tarde, e muitas das vezes não há horários em finais de semana e feriados, com exceção do distrito de Cachoeira do Campo que de segunda a sexta o transporte público funciona até às 23:00hs e aos domingo e feriados, que funciona até às 19:00. Já os horários das linhas urbanas funcionam até às 22:30hs, em média, reduzindo seus horários nos finais de semana e feriados, e se limitando a alguns bairros.

Em resumo, os resultados da pesquisa mostraram que as pessoas estão dispostas a irem aos eventos culturais mesmo sendo distantes de suas casas. Porém, não há um serviço de transporte público que funcione regularmente em período noturno, nos finais de semana e nos feriados. Pode-se dizer que esta seria uma distinção econômica que gera efeito no acesso para participar desses eventos culturais. A segunda opção de transporte, praticamente empatada com a terceira (que é se locomover a pé) é o carro, e este é um bem que nem todas as pessoas têm acesso.

E quando perguntado aos respondentes que não frequentam eventos públicos, o principal motivo que os leva a não frequentação aos eventos culturais, a resposta é a distância de suas residências, representando 17,33%. Em seguida, não gostar de multidões, com 12%, e por esses eventos serem mal organizados, com 10%, (gráfico 3).


Gráfico 3
Motivo para não frequentar eventos públicos em Ouro Preto
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

Quanto ao hábito de leitura, dentre os respondentes, 27,5% disseram que leram pelo menos um livro inteiro nos últimos três meses e 25,5% afirmaram ter lido em partes, no mesmo período. Entretanto, 47% disseram não ter lido nenhum livro nos últimos três meses.

Quando perguntado aos respondentes sobre os principais canais de informação dos acontecimentos culturais em Ouro Preto, a internet se destaca, como pode ser visto no gráfico 4. O Facebook é utilizado por 63% dos moradores como forma de se manterem informados. A navegação em páginas de internet está em segundo lugar, com 58%, e o WhatsApp com 53%. Vale destacar que os canais tradicionais de comunicação, rádio, televisão e jornal impresso, perderam relevância nas divulgações dos acontecimentos, a proporção de pessoas que ficam sabendo dos eventos por esses meios é 25,80%, 4,43% e 14,51%, respectivamente. A nível comparativo, as pessoas que ficam sabendo desses eventos somente depois de ocorrido representam 23,79% dos entrevistados.


Gráfico 4
Como as pessoas ficam sabendo dos eventos
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

A pesquisa abordou também o estilo musical favorito dos entrevistados. A preferência musical é maior para estilo sertanejo (60%), seguido de samba/pagode (54%) e MPB (46%). Dentre os que frequentam shows musicais a preferência por sertanejo é de 47%, para os frequentadores de centros culturais, o gosto musical por sertanejo é de 27% da amostra.


Gráfico 5
Estilo musical favorito
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

Foi perguntado, também, sobre as disciplinas escolares de preferência. A disciplina de história se destacou, figurando-se em segundo lugar. A educação artística ficou entre as cinco primeiras dentre as dezesseis possíveis escolhas. Já a educação musical ficou em sétima colocada, e os cursos teatrais em décimo quarto lugar entre as disciplinas favoritas.


Gráfico 8
Disciplinas escolares de preferência
Elaboração própria a partir dos resultados, 2019.

Em países desenvolvidos, a principal alavanca de distinção em um espaço social se dá pela posse de grandezas de capital econômico e capital cultural. Em Ouro Preto, os principais, senão quase todos os produtos culturais (museus, cinema, teatros, centro de artes e convenções, centros de estudos, bibliotecas, igrejas, palcos para shows e apresentações artísticas, secretarias de cultura e de eventos, etc.) estão localizados na região central da cidade, próximo a sua principal praça, Tiradentes. O centro comercial e turístico da cidade abriga a maioria das casas com os mais altos valores financeiro, além de seus valores arquitetônico e artístico imensuráveis, joalherias, pousadas luxuosas, centros ou casas de artesanatos voltados principalmente ao público visitante; bares, restaurantes e cafés de notório grau de aperfeiçoamento, um excesso de refinamento que transborda requinte ao se alimentar. Tornando-se, assim, um lugar de grande presença de capital econômico.

A despeito dessa estrutura e infraestrutura encontrada pelo visitante, sabe-se que a cidade de Ouro Preto, sob o ponto de vista econômico, tem na mineração o setor central, ainda que possua um patrimônio cultural com potencial para contribuir com uma diversificação da sua estrutura produtiva. A especialização na produção em mineração pode ter – de certa forma – contribuído para a pouca densidade do capital cultual e social apresentado no grupo estudado neste trabalho.

Em um estudo sobre a importância econômica do turismo nas cidades históricas de Minas Gerais, Viana et al. (2020) usando dados relativos ao PIB para os setores da agropecuária, serviços e indústrias, evidenciaram a importância da indústria em detrimento dos serviços na cidade de Ouro Preto, tendo em vista que a indústria representou 78,97% do PIB em 2010, enquanto que os serviços ficaram com apenas 20,75% no mesmo ano. Os autores também chamam a atenção para o fato de que ainda que o setor de serviços tenha apresentado uma expressiva participação na geração de emprego e renda (cerca de 51% e 63%, respectivamente), a atividade de mineração foi a responsável por cerca de 80% do PIB municipal.

Esta concentração da produção na mineração potencializou os problemas que se instalaram nos municípios de Mariana e Ouro Preto, mais precisamente, desde o rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, em Mariana.

Considerações finais

Tomando o entorno da Praça Tiradentes como referência de centro da cidade de Ouro Preto, observa-se um espaço social de alta concentração de capital cultural, capital econômico e, ainda, de capital social. A partir desse ponto foi analisado o perfil dos frequentadores desses produtos culturais, buscando medir o volume de capital econômico (renda familiar, valores gastos nos eventos, condições de mobilidade), cultural (conhecimentos adquiridos, participações em excursões organizadas pelas escolas, frequentação em cursos artísticos livres, carga de leituras, etc.), social (escolaridade dos pais, religião, bem estar com turistas, participação na elaboração de eventos culturais, etc.), bem como as estruturas de capitais (tipos de eventos, condições, acesso, divulgação), identificando o capital global pertencente às pessoas que mais participam dos eventos culturais da cidade, as possibilitando se diferenciarem numa noção de poder, numa noção de luta e de benefícios em uma sociedade.

Os resultados da pesquisa sugerem que o conceito de capital, como proposto por Bourdieu, em suas três formas (econômico, social e cultural) se apresenta de uma forma ainda pouco expressiva para a amostra de indivíduos que foram sujeitos deste estudo. Isso fica um tanto quanto evidente quando se analisaram as questões relativas ao capital cultural, e observou-se um percentual relativamente alto de pais com ensino fundamental (cerca de 30%). Estes resultados, para capital cultural, são reforçados, por exemplo, pela falta de hábito de leitura dos entrevistados (quase 50% não havia lido livro algum nos últimos três meses que antecederam a entrevista).

Embora tenha sido possível identificar que não há um afastamento entre o grupo de indivíduos estudado e do grupo que desfruta plenamente os equipamentos culturais da cidade de Ouro Preto (os turistas), há certo afastamento do primeiro grupo (que em tese são os detentores do equipamento cultural existente na cidade) no que se refere a protagonizar o uso deste equipamento, e isto pode ser traduzido em uma fragilidade do desenvolvimento local baseado nos conceitos de capital propostos por Bourdieu.

Supõe-se que a infraestrutura turístico-cultural, assim como os equipamentos de formação de capital humano existentes em Ouro Preto, são instrumentos que podem ser utilizados na busca/fortalecimento do desenvolvimento local deste município. Contudo, para que isso ocorra, precisa-se construir um ambiente que favoreça uma maior compreensão do pertencimento a Ouro Preto por parte da população ouropretana. A prévia existência da estrutura turístico-cultural, com seus símbolos, que fez de Ouro Preto patrimônio cultural da humanidade na década de 1980 pela UNESCO, deve ser explorada em prol do desenvolvimento local à luz diversificação produtiva.

Acredita-se que a predominância econômica da mineração na estrutura produtiva de Ouro Preto contribuiu (e contribui) para a ausência de participação da população em estudo na formação e fortalecimento do capital cultural da cidade, tendo em vista que é a Escola de Minas (instituto que abriga os cursos de engenharia da UFOP) que se apresenta como um espaço de formação tradicional (em termos de profissões) na cidade. Os institutos que se relacionam às artes, turismo e cultura não apenas são relativamente mais novos como, também, não carregam consigo à tradição ligada a formação econômica e social das engenharias.

Ademais, os distritos/comunidades rurais (que estão à margem da infraestrutura construída por meio da mineração e do turismo histórico-cultural) necessitam fazer parte deste processo de desenvolvimento. No entanto, para que isso ocorra, é necessário o fortalecimento das relações que sustentam o desenvolvimento local: o capital social e o capital cultural, conceitos desenvolvidos por Pierre Bourdieu.

O reconhecido patrimônio histórico cultural da cidade de Ouro Preto poderia ser visto como um facilitador da consolidação destes capitais. Todavia, os resultados apresentados por este estudo, para um grupo específico de indivíduos (os estudantes de ensino técnico e profissionalizante), mostraram que há certo distanciamento deste grupo em relação à estrutura cultural que define a cidade. Tendo em vista o equipamento cultural existente na cidade, uma proposta que pretenda ampliar o capital cultural, econômico e social passa por uma maior interação entre os atores envolvidos neste processo: gestores públicos, setor privado e instituições de ensino.

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Notas

Autor notes

i Professora do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, Brasil. E-mail: fviana@ufop.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7733-1452.
ii Mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, Brasil. E-mail: marcoufv@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7273-1329.
iii Professor em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, Brasil. E-mail: ivair@edu.ufop.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2701-8924.

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