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Entrevista com Pablo Alabarces
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 18, núm. 2, 2021
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 2527-2551
ISSN-e: 1806-5627
Periodicidade: Semestral
vol. 18, núm. 2, 2021

Recepção: 21 Maio 2021

Aprovação: 29 Julho 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

O futebol, enquanto um fenômeno social com larga representação no cotidiano latino-americano, permite uma pluralidade de diálogos e olhares. No bojo do intento desse Dossiê, pensamos esta prática no interior das mudanças que vem ocorrendo ao longo especialmente das duas últimas décadas, demarcadas pela forte intervenção mercadológica e pelo processo de espetacularização (onde prevalece a lógica restritiva do consumo), impactando consideravelmente a sensibilidade de apropriação desta experiência esportiva, notadamente no ethos de torcer.

Este cenário, comumente denominado de “modernização do futebol”, ou “futebol moderno”, precisa ser refletido e criticado pelos estudiosos do futebol, na espraiada seara das ciências sociais.

Para isto, convidamos para uma entrevista/conversa o pesquisador e sociólogo Pablo Alabarces. Nascido na Argentina, PhD em Sociologia pela Universidade de Brighton, Alabarces é professor da Universidade de Buenos Aires e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas. Autor de Fútbol y pátria: el fútbol y las narrativas de la nación en la Argentina (Prometeo Libros, 2002) e de Crónicas del aguante: fútbol, violencia y política (Capital Intelectual, 2004).

Em setembro de 2013, por ocasião da realização do I Simpósio Internacional de Futebol, Linguagem, Artes, Cultura e Lazer, tivemos o prazer de conhecer o professor Pablo Alabarces, sempre se mostrando muito solícito e aberto à conversa, especialmente sobre este objeto tão caro aos nossos interesses: o futebol e sua dinâmica social. A partir daí estabelecemos um contato permanente, apesar da distância geográfica.

Importante ressaltar que o professor Pablo Alabarces de pronto acolheu o convite para esta entrevista, pelo qual agradecemos a gentileza do aceite. A conversa foi gravada no contexto da pandemia, em uma chamada de vídeo, transcrita posteriormente e revisada pelo entrevistado, com autorização para sua publicação no Dossiê.

A seguir, apresentamos a íntegra da entrevista, realizada no dia 12 de setembro de 2020.

Georgino Jorge de Souza Neto / Sarah Teixeira Soutto Mayor

Georgino Neto: Como você tem percebido esse assim denominado “processo de modernização do futebol”, tão evidenciado nos últimos anos?

Pablo Alabarces: É um problema teórico. Por quê? A mesma invenção do futebol na América Latina é um processo de modernização. Então, essa é uma das hipóteses da história do futebol na América Latina que eu escrevi, porque a incorporação do futebol, a incorporação de práticas esportivas que vinham dos grupos de elite vinculados às grandes potências mundiais e modernas, isso era em si um processo de modernização. Em segundo lugar, se pode falar de um outro processo de modernização do futebol no pós-guerra (Segunda Guerra Mundial, 1939-1945), que é contemporâneo dos processos de modernização de todas as sociedades latino-americanas. E claro, também se pode falar de um novo processo de modernização, a partir das mudanças ocorridas nos últimos 30 anos. E agora poderíamos falar de mais um processo de modernização, a partir das novas tecnologias, isto é, a mudança radical do eixo dos meios de comunicação, que são hoje a grande questão do esporte em geral, ou seja, não se pode falar em esporte sem falarmos também da mídia. Então, é como se o futebol estivesse sempre em um processo de modernização, sempre está falando de colocar-se ao tempo de um outro lugar. Modernizar é acompanhar processos que acontecem em um outro lugar. Isto com muito mais força nos últimos anos; nos últimos 30 anos especialmente, nos últimos 10 de modo radical, porque a América Latina já não é mais um eixo futebolístico central. Embora seja um eixo futebolístico importante, especialmente na produção de jogadores, mas nada mais que isso. Isto é, a América Latina já não faz mais os grandes campeões internacionais, não produz treinadores importantes (são muito poucos, creio que nenhum brasileiro está dirigindo alguma equipe das grandes Ligas Europeias; os argentinos apenas três ou quatro, Simeone, Bielsa, Pochettino e Sampaoli), os meios de comunicação, agora com a compra da Fox e ESPN pela Disney, viraram o eixo da Europa para os Estados Unidos. Mas insisto, nenhuma mudança pode se esperar que venha da América Latina: só alguns jogadores - e cada vez menos – como grandíssimas estrelas nas Ligas Europeias (apenas Messi e Neymar, ou seja, os mesmos que nos últimos 10 anos). Então, o que parece claro é que, em poucos anos mais, vamos ter que falar do futebol latino-americano apenas como provedor de bons jogadores (e volto a dizer, cada vez menos); a África, por exemplo, já está fornecendo mais jogadores às grandes Ligas que a América Latina. Por fim, ressalto: não vamos falar da América Latina como um lugar que promova alguma mudança importante no futebol: nem institucional, nem política, nem de sistemas táticos e de treinamento, e nem na mídia. Então, como falar de modernização do futebol na América Latina, que cada vez mais fala do passado? Daquele passado glorioso, no qual a América Latina era o berço de vários campeões, de grandes times/clubes, de grandes jogadores. Isso é um problema!! Uma consequência do que falávamos especialmente das mudanças que aconteceram nos últimos dez anos, e que ocorreram em outro lugar, não na América Latina. Estive olhando jogos das Copas (Sul-Americana e Libertadores da América), mas ao mesmo tempo estive também olhando jogos da Champions, da Premiere League, e parece que estamos falando de um outro esporte. Isto chama muito a minha atenção, pois já estamos falando de um outro esporte: “eles” jogam futebol, e a gente joga algo que, em algum tempo, era chamado de futebol (o assim chamado “jogo bonito” ou passional, com garra). Agora tudo isso acontece lá, nas grandes ligas europeias. Vejo isso como de fato um grande problema: estamos falando de mudanças muito problemáticas, desta perspectiva latino-americana.

Sarah Soutto Mayor: Essa ambiguidade então, entre modernidade/modernização e tradição, você entende que é uma característica da própria América Latina?

Pablo Alabarces: Esse debate, entre tradição e modernidade, é um dos debates centrais nas ciências sociais latino-americanas. Não estamos falando de um debate alheio, mas de um debate de fato central. No entanto, um debate que há muitos anos (acho que há uns vinte anos, pelo menos) já está bastante deslocado, mais ainda no futebol, que como eu disse, cada vez mais vive do passado, precisa do passado, precisa falar do passado. Pensando em voz alta, pois não é algo que tenho refletido, pensado e/ou escrito, acredito que há uns dez anos – não mais do que isso – ainda se falava, na Argentina, Brasil e Uruguai, os países centrais do futebol latino-americano, se falava do peso do passado e da tradição para se estruturar um melhor presente. Isto é, estes países deveriam recuperar a tradição no futebol para construir um novo presente. Este é um debate antigo, mas nos últimos dez anos, penso que a aparição do Barcelona – como o grande time destas últimas duas décadas – este fato maravilhoso deste time ter o seu ataque formado por jogadores do Mercosul (Messi, Neymar e Suárez), contribuiu para que nossos jornalistas, nossos torcedores, falassem dessa permanência de uma tradição e da necessidade de recuperar esta tradição. Me lembro de que, antes da Copa de 2014, na Argentina se falava que a Seleção deveria recuperar a sua tradição futebolística, e que essa tradição consistia em imitar o Barcelona. Essa ideia de que o Barcelona joga como se jogava no passado na América Latina. Essa é uma discussão equivocada, um olhar errado sobre o que está acontecendo no futebol internacional. Em primeiro lugar, a condição econômica. A condição econômica mudou definitivamente e a América Latina não pode ter mais acesso aos grandes capitais midiáticos, e depois dos midiáticos você tem os grandes capitais do marketing esportivo. Por quê? Porque não há mercado!! Embora seja um mercado grande em termos de população, não é um mercado importante em termos econômicos. Os grandes mercados são a mesma Europa, Estados Unidos e claramente a China. A América Latina não é um mercado, está definitivamente deslocada, não pela oposição do que falávamos entre tradição e modernidade, mas simplesmente porque a estrutura econômica mudou radical e definitivamente. A América Latina não tem possibilidades de construir multimídias que possam favorecer um fluxo de capitais para o campo do esporte. Em segundo lugar, o futebol mudou, e mudou no centro. Mudar no centro significa dizer que não se joga mais do mesmo jeito. Com a morte de Maradona - falava disto com alguns colegas, dessa coisa de que o Maradona é inimitável, é irreproduzível – (embora Messi seja o mais parecido ao Maradona com o que tinha inventado o futebol argentino, mas já não era a mesma coisa, porque não era um elemento argentino, mas um elemento catalão), e ao mesmo tempo Messi e Neymar são os últimos exemplares desse tipo de jogadores, porque o futebol mudou. Hoje se joga de um outro jeito, então você precisa de um outro tipo de jogador, que não são jogadores que nascem e se inventam nas ruas, nas praias e nas peladas da América Latina. Tudo isto mudou, e isto é o grande significado desta nova modernização, uma modernização da qual a América Latina ficou de fora. Não sei se definitivamente, ninguém pode dizer definitivamente. Mas conhecendo os nossos cartolas e as nossas instituições esportivas sim, poderíamos dizer que definitivamente (risos). Então, cada vez mais a questão da tradição fixa-se no passado: apenas uma memória dos tempos gloriosos nos quais éramos felizes e desfrutávamos dos jogos dos grandes jogadores e do grande futebol latino-americano. Isso ficou no passado, cada vez de um modo mais forte e mais radical. A única linha de força importante do passado que ainda se projeta no presente é a questão dos torcedores, penso eu. Os torcedores ainda se pensam como fora desse processo de modernização, às vezes resistindo a este processo de modernização, pois eles querem que tudo permaneça igual, porque eles devem também permanecer iguais.

Georgino Neto: Especialmente na Argentina, como este processo de modernização vem se dando, em particular no impacto causado ao modo de torcer argentino, que é tão peculiar?

Pablo Alabarces: Percebo uma clara resistência. Nestes termos, na ideia de que a modernização quer transformar/mudar o futebol em um espetáculo televisivo para setores da classe média e alta, com facilidade de acesso em função da condição financeira. Sem conhecer com minúcia como foi o processo de transformação do futebol europeu – por exemplo, penso que quase nenhum torcedor latino-americano sabe como é a estrutura do torcedorismo alemão. O torcedorismo alemão é muito interessante: porquê? Porque ainda mantém, orgulhosamente, certos modos de torcer anacrônicos, isto é, do passado, como ficar de pé no estádio. Se você for à Alemanha vai ver que nas arquibancadas que ficam atrás das balizas as pessoas ficam de pé, porque foi feito um acordo com a federação alemã de futebol que estes lugares, ainda que tenham as cadeiras, as mesmas possam ser rebatidas e os torcedores ficarem de pé. Então, penso que os torcedores latino-americanos se percebem como aqueles que garantem a continuidade do passado. Que tudo muda, mas eles permanecem. Assim, percebem a mudança do futebol europeu como uma modernização antipopular, em função dessa tradição, desse jeito de enxergar o torcedor como protagonista do espetáculo. Então veem essa mudança como algo muito radical, que deixa de fora do espetáculo o torcedor, e este tem que ser parte do espetáculo. Frente a este processo, se sentem orgulhosos em manter esta tradição do torcer. Não sei como isto está se dando no Brasil agora, mas sei que este movimento de defesa dessa percepção do torcedor, de manter os hábitos e tradições do torcer é muito forte na Argentina, no Uruguai, no Chile, na Colômbia, e acho que no México também. Mas não sei o que tem acontecido no Brasil, porque o Brasil ainda é, acho, a vanguarda dessa mudança pelas modificações dos estádios em arenas, isso que vocês sabem muito mais do que eu. Me lembro sempre de ter participado como convidado do Simpósio Internacional de Futebol, em 2013, promovido pelo GEFuT/UFMG, na cidade de Belo Horizonte, e na oportunidade conhecer esse cara maravilhoso, o geógrafo brasileiro que infelizmente morreu no ano passado, o Gilmar Mascarenhas, que naquele momento dizia que assim como no Brasil existe o Movimento dos Sem-Terra e o Movimento dos Sem-Teto, muito em breve terá o Movimento dos Sem-Estádio. Ele foi o primeiro que falou sobre o conceito de branqueamento dos estádios, inclusive um conceito que tenho utilizado bastante. Isto quer dizer que o Brasil é a vanguarda avançada de mudança neste sentido, ou seja, a expulsão dos grupos subalternos dos estádios, e a transformação dos estádios em estádios brancos, coisa que se viu com muita clareza na Copa de 2014. Agora não sei, porque estou falando seis anos depois, se por exemplo as torcidas organizadas tem feito algo a respeito desse fenômeno. Nos casos que falei, especialmente Argentina, Chile, Colômbia e Uruguai, os movimentos dos torcedores são ainda organizados, isto é, têm constituído agendas públicas e coletivas de resistência a esta mudança. Não estou dizendo que isto seja algo bom, penso que o que foi muito bom foi a possibilidade de que as torcidas se reconheçam entre elas, e falem de mais outra coisa além de que “você é o meu inimigo”, ou “eu vou te matar”. Penso que no Brasil aconteceu algo similar, quando da aparição de torcidas vinculadas a políticas de esquerda, ou os chamados antifascistas. No caso argentino, por exemplo, a primeira reunião de torcidas foi motivada pela resistência aos processos de privatização dos clubes, e logo depois disso vieram também os grupos antifascistas e os grupos feministas. Mas isto é uma grande novidade na Argentina, acho que algo parecido está acontecendo especialmente no Chile e parcialmente na Colômbia, o surgimento desses grupos que, em nome de uma resistência a este processo de modernização, defendem o futebol como algo identitariamente próprio.

Sarah Soutto Mayor: Para você, a morte do Maradona evidencia que essa ideia romântica do futebol ainda não morreu de todo, face a este processo de mercantilização do torcer atual? Ou ainda, a incrível reação popular pela morte do Maradona pode ser percebida como um foco de resistência a este processo?

Pablo Alabarces: Vocês sabem que um conceito-chave muito usado pelas torcidas, mas também pelo jornalismo, pela mídia, pelo marketing, é a paixão! Este conceito é um conceito difícil porque geralmente oculta mais do que mostra. Neste sentido, é mais um fetiche do que um conceito: “ah, é minha paixão!!”. A paixão não pode explicar todas as condutas e práticas. Porque este conceito virou então fetiche? Justamente porque o conceito de paixão fala de um contrato puramente afetivo-emotivo, não mercantil. Paradoxalmente, a mídia, a marketing, os esportes falam de paixão como argumento de vendas. E aqui está o paradoxo: aquilo que não pode ser trocado, comprado e vendido é exatamente o argumento de vendas. Para os torcedores este argumento é decisivo: “meu contrato com o time é amoroso”. Mas o futebol está estruturado em termos mercantis. Aqui aparece isso que pode ser entendido como simples oposição, mas pode estruturar-se também como um mecanismo de resistência. A resistência do polo emotivo versus o polo mercantil. O polo mercantil, por definição, é ruim. O polo emotivo, por definição, é bom. Assim, os torcedores se posicionam ao lado do polo emotivo, que é entendido como bom. Mas é romântico. Sim, é romântico. Porque você precisa dar um passo que não é emotivo, mas que é ideológico, e que se chama capitalismo. No interior do capitalismo, o futebol - assim como todas as experiências do espetáculo moderno – tem que se estruturar em termos materiais e mercantis. Não tem jeito! Estruturado dessa forma, essa resposta puramente emotiva é romântica, e possivelmente não seja eficaz. Mas claro, não podemos reclamar dos torcedores aquilo que não reclamamos a todo o conjunto da sociedade. As nossas sociedades tem relações difíceis com o campo da política, das ideologias, com a compreensão das relações estruturais (que estão ocultas), tudo aquilo que o marxismo já tem bem descrito. Os torcedores estão numa situação muito elementar: se encontram numa oposição entre o polo emotivo e o polo mercantil. E isto estrutura uma resistência que a princípio é apenas romântica. Pode virar mais outra coisa? Não sei. Sinceramente, não sei.

Sarah Soutto Mayor: Então essa resistência latino-americana à modernização na verdade é uma resistência a uma modernização que não nos inclui?

Pablo Alabarces: Isto é bastante complexo. Não vou dizer que a modernidade é em si boa ou ruim. A modernidade pode ser ao mesmo tempo um termo positivo e um termo negativo. As nossas sociedades pensaram a modernização numa perspectiva desenvolvimentista, isto é, como uma saída da pobreza, dos anacronismos, saída de uma má organização social, e ainda mais, o desenvolvimento advindo da modernidade poderia ser visto como algo democrático, porque mudava as relações de poder e ao ser modernas estas relações poderiam assim ser vistas como democráticas. Ao mesmo tempo, cotidianamente, a gente pode perceber a modernização como algo positivo, em termos de que hoje se vive melhor do que ontem, claramente. Ninguém pode indagar alguém na rua e dizer: - “Você quer viver como em 1940?” – “Não, de jeito nenhum!”. Então, isso é percebido como uma modernização positiva. No caso dos esportes, e do futebol em especial, eu faria a seguinte pergunta: “se você tiver que escolher entre ir ao antigo estádio do Palmeiras, no Parque Antártica, que é velho, antigo, incômodo, difícil de chegar, sem transporte público adequado; ou à nova arena, que é segura, cômoda, confortável e bem localizada?” Isso é uma forma de dizer que a gente ordinária percebe a modernização como algo positivo na vida cotidiana. Mas agora outra pergunta: “se os torcedores pudessem ver nos estádios latino-americanos os seus times jogando um futebol moderno, físico, rápido, bonito? Se você pudesse ver nos estádios mineiros jogos do mesmo nível de um Liverpool x Leeds, e dissesse: isso é futebol moderno! Os torcedores resistiriam a isto?” A questão é: quando a modernização é percebida como uma mudança positiva na vida cotidiana; e quando a modernização é percebida como pura perda, uma perda daquilo que era cálido, que era afetivo e querido. Se a modernização se percebe como perda, então não há ganho (diferentemente de quando se percebe a modernização como algo positivo, que neste caso se constata uma percepção de que está tudo bem). Falando da última grande modernização, aquilo que foi chamado de globalização, a partir dos anos 80 e 90 – especialmente 90 – acontece a mesma coisa. Isto é: a globalização é boa ou ruim? Depende de como ela afeta a sua vida cotidiana. Em muitos sentidos, afeta positivamente. Em outros sentidos, mais distanciados - por exemplo, a condição do fluxo econômico e do capital – já não é tão perceptível. No caso dos torcedores, se você reduz tudo isto à questão da relação com o futebol, a modernização poderia ser positiva, mas até agora só tenho visto os efeitos negativos. Efeitos de perda, isto é, não efeitos de mudança positiva na vida cotidiana e especialmente na experiência dos torcedores. Não sei o que está acontecendo no Brasil com as novas arenas, e é difícil de falar sobre isso no meio de uma pandemia, pois ninguém vai aos estádios. Mas o que se passava até março de 2020? No caso argentino não temos problemas pois os estádios são ainda ruins: incômodos, inseguros, a polícia te pega na entrada e na saída, então você não experimenta nada dessa dita modernização. Tampouco se experimenta essa modernização no plano das políticas institucionais. Ou seja, a Associação Argentina de Futebol e o gerenciamento dos clubes é cada dia pior. Você não tem nenhuma percepção de mudança positiva na sua vida cotidiana. Por isto é que se pode gerar a resistência. No caso europeu você só encontra pequenas resistências nos grupos mais politizados e mobilizados, nas associações de torcedores que ainda são muito ativos, mas são grupos pequenos. Por quê? Porque o futebol europeu mudou e mudou muito – nos anos 90 notadamente – e estas mudanças estão bastante consolidadas. No caso latino-americano a resistência pode ser maior porque ninguém tem experimentado efeitos positivos dessas mudanças, não na sua vida cotidiana como torcedores - nem institucionalmente, nem materialmente, nem como consumidores. Tem que pagar para assistir aos jogos na TV? Qual é o sentido de uma relação na qual tenha que se pagar e muito, para assistir aos jogos na TV, por exemplo? Nem no plano institucional e nem no plano futebolístico, isto é, o futebol se modernizou de tal forma que nem Uruguai, nem Brasil e nem Argentina pode ganhar hoje uma Copa de Clubes ou de Seleções. Qual então a vantagem dessa modernização? Nenhuma!!

Autor notes

1 Doutor em Estudos do Lazer. Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Brasil. E-mail: netogeorgino@gmail.com.
2 Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares, (UFJF), Brasil. Professora do Departamento de Educação Física. E- mail: sarahsoutto@gmail.com.

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