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A HETEROGENEIDADE DO CAPITALISMO BRASILEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XXI: UMA ANÁLISE COMPARADA EM ESCALA SUBNACIONAL
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 15, núm. 2, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 15, núm. 2, 2018

Recepção: 16 Março 2018

Aprovação: 11 Setembro 2018

Resumo: O artigo, a partir do enfoque das Variedades de Capitalismo (VoC), testa empiricamente a hipótese de não homogeneidade do sistema de produção brasileiro. Para este fim, a escala de análise eleita foram as unidades federativas. As tipologias desenvolvidas para a América-Latina e, em especial, para o Brasil foram desafiadas por uma análise comparativa que combinou dois pressupostos: a economia brasileira é heterogênea e hierárquica e tem no Estado um propulsor do desenvolvimento e um ator capaz de operar mudanças importantes na economia política nacional. Por meio do auxílio da análise fatorial e de cluster, conclui-se que o Brasil condensa diferentes ordens de práticas econômicas, que não permitem tratá-lo como um tipo único e homogêneo de variedade de capitalismo.

Palavras-chave: Variedade de Capitalismo, Tipologia dos estados brasileiros, Sistema de produção capitalista, Economia Comparada.

Resumen: El artículo, a partir del enfoque de las Variedades de Capitalismo (VoC), prueba empíricamente la hipótesis de no homogeneidad del sistema de producción brasileño. Para este fin, la escala de análisis elegida fueron las unidades federativas. Las tipologías desarrolladas para América Latina y, en especial, para Brasil fueron desafiadas por un análisis comparativo que combinó dos presupuestos: la economía brasileña es heterogénea y jerárquica y tiene en el Estado un propulsor del desarrollo y un actor capaz de operar cambios importantes en la economía política nacional. Por medio de la ayuda del análisis factorial y de cluster, se concluye que Brasil condensa diferentes órdenes de prácticas económicas, que no permiten tratarlo como un tipo único y homogéneo de variedad de capitalismo.

Palabras clave: Variedad de capitalismo, Tipología de los estados brasileños, Sistema de producción capitalista, Economía Comparada.

Abstract: The paper, based on the variety of capitalism (VoC) approach, empirically tests a hypothesis of non-homogeneity of the Brazilian production system. For this purpose, the chosen scale of analysis was the Federative Units. The typologies developed for Latin America and especially for Brazil were challenged by a comparative unit that matched two assumptions: the Brazilian economy is homogeneous and hierarchical, and it has in its state a propelling element of development and a factor capable of operating important changes in the national political economies. Through the assistance of the factor and cluster analysis, it implies that Brazil condenses different orders of economic practices, which do not allow it to be considered as a single and homogeneous type of variety of capitalism.

Keywords: Variety of capitalism, Typology of the Brazilian states, Capitalist production system, Comparative Analysis of Economic Systems.

Introdução

O presente artigo reconhece a existência de diferentes tipos de capitalismo e se contrapõe à ideia de um modelo ideal, identificado como um modelo de intervenção mínima, de mercado dominante e autorregulado. A vertente da Economia Política Comparada ou Capitalismo Comparado (CC) adotada para a análise foi a abordagem denominada Variedade de Capitalismo (VoC).

Originalmente, a metodologia da VoC foi desenvolvida para entender o capitalismo dos países desenvolvidos, por isso a principal questão respondida no decorrer deste trabalho partiu da seguinte indagação: O Brasil pode ser considerado como um tipo homogêneo de capitalismo?

Esta pergunta é relevante na medida em que o objetivo principal é caracterizar as variedades de capitalismo nos estados brasileiros e testar a hipótese de não homogeneidade do seu sistema de produção econômica.

É forçoso lembrar aqui que as interpretações mais robustas sobre as desigualdades regionais no Brasil são tributárias das contribuições de Celso Furtado, na década de 50. No relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), elaborado em 1958, o autor mostra as diferenças entre as rendas per capita da Região Nordeste e da Região Centro-sul do Brasil.

Nessa tradição, as desigualdades têm suas raízes, inicialmente, na evolução das regiões ou complexos exportadores localizados em espaços distintos e dotados de dinâmica econômica e de capacidade de diversificação da sua base produtiva muito diferentes. Em função dessas experiências, formaram-se verdadeiras economias regionais no Brasil, voltadas para fora e com fraca integração nacional, a exemplo do açúcar no Nordeste, do ouro em Minas Gerais, do algodão no Maranhão, da madeira e mate no Paraná, da borracha na Amazônia, do café no Sudeste.

A partir dessas distinções, as desigualdades foram se ampliando com o processo de articulação comercial, base para a constituição do mercado interno brasileiro, que se deu sob a hegemonia econômica da região Sudeste, e, em particular, São Paulo. Nesta unidade federativa, a base produtiva industrial era muito mais eficiente e de maior capacidade de competição, o que, por sua vez, induziu as outras regiões a um processo de ajustamento, restringindo a evolução econômica futura das mesmas.

Com esse pano de fundo, ao buscar uma resposta para uma possível adaptação da abordagem da VoC ao Brasil, neste inicio de século, levou-se em consideração a forte heterogeneidade cultural, étnica, familiar e institucional (nas estruturas de governança públicas e privadas) das Unidades Federativas brasileiras. Portanto, os modelos teóricos (ao menos grande parte deles) que tipificaram o Brasil (isoladamente ou no conjunto dos países latino-americanos) foram revisados, permitindo, assim, uma proposição tipológica que se diferencia por grupos de estados. Ao trazer as unidades federativas para o centro da análise, assume-se o pressuposto de que os resultados na dinâmica da política estadual e as escolhas dos governantes geram respostas econômicas divergentes, não sendo possível aceitar uma tipologia única capaz de dar conta dessa diversidade.

Nessa perspectiva, o artigo foi estruturado em quatro seções, além desta breve introdução. No marco teórico, analisa-se a literatura da VoC partindo de sua formulação original e chegando às formulações que contemplam a América Latina e o Brasil. Na terceira parte, desenvolve-se a metodologia capaz de agrupar e qualificar os diferentes sistemas de produção econômica nas unidades federativas brasileiras. No ponto quatro, os resultados são apresentados detalhando-se as características de cada esfera construída, permitindo uma visão comparativa do comportamento das variáveis na escala subnacional. Por fim, tecem-se as considerações finais.

Marco teórico

Em estudo seminal, Hall e Soskice (2001) identificaram duas variedades básicas ou dois tipos de economias capitalistas que são produto das diferentes combinações das seguintes áreas: governança corporativa, sistemas de educação e treinamento, relações interfirmas e relações industriais. Os arranjos resultam em Economia de Mercado Liberal (EML) ou em Economia de Mercado Coordenado (EMC). Por dedução, existiria, segundo essa classificação, um tipo misto, com presença marcante do Estado na economia.

Nessa perspectiva, o ator central é a firma, cujo comportamento pode ser agregado quando se analisa a performance econômica. A complementariedade institucional aparece como geradora de distintos modos de coordenação. Por fim, complementariedade e coordenação se associam pelos vínculos entre as diferentes áreas (relações de trabalho e governança corporativa; relações de trabalho e treinamento etc.). Como as estratégias das firmas varia entre as nações, as respostas na busca da coordenação são necessariamente diversas. Os casos paradigmáticos para a construção dos tipos foram, respectivamente, os EUA para a EML e a Alemanha para o EMC. Ainda, como sugerido por Hall e Soskice (2001) e Hall e Gingerich (2004), há o reconhecimento de um terceiro tipo de variedade de capitalismo, denominado Economia de Mercado Mediterrâneo ou Mista (EMM). A forma dominante de coordenação nesse tipo é a mista; a regulação e a mediação estatal geram alto impacto nos processos de mudança; e a complementariedade nasce da regulação estatal dirigida à correção das falhas de mercado.

A firma, nesse cenário, desenvolve e explora certas competências no intuito de se coordenar com outros atores (trabalhadores, sindicatos, governo, clientes e competidores). A coordenação pode ser realizada via mecanismos de mercado, apoiados na garantia jurídica dos contratos (EML), ou mecanismos externos ao mercado, fundados em negociações cooperativas e redes de organizações que articulam os atores envolvidos nos processos econômicos (EMC). Os mecanismos de coordenação via mercado têm sido foco intenso de análise da economia ortodoxa; porém, os estudos dos mecanismos de coordenação por fora do mercado ainda são incipientes.

No que diz respeito à VoC, a literatura latino-americana se divide entre aqueles que entendem existir características comuns nos países da região, possibilitando a elaboração de um tipo próprio (SCHNEIDER, 2009; SCHNEIDER; SOSKICE, 2009); aqueles que salientam que a heterogeneidade não permite falar de um único tipo (BOSCHI, 2011; BIZBERG; THÉRET, 2012); e os que utilizam a classificação original de Hall e Soskice (EML, EMC e EMM), tentando empiricamente aproximar as economias locais a um ou mais desses tipos (HUBER, 2002; BOGLIACCINI; FILGUEIRA, 2011). Na tentativa de localizar criticamente o Brasil nas tipologias que consideram sua singularidade produtiva, parece não existir caminho mais adequado do que confrontar as diferentes elaborações tipológicas que o contemplam.

Ao entender que os países latino-americanos guardam algumas características comuns, Schneider (2009) estende o marco teórico e conceitual da VoC para essa região e desenvolve uma nova tipologia, denominada Economias de Mercado Hierárquica (EMH). Nesse tipo de economia, a relação entre as distintas esferas do marco institucional de referência é exercida por padrões hierárquicos [3], substituindo a coordenação e as relações de mercado. Em especial, as características desse tipo de economia estão na conformação das firmas líderes e no campo das relações laborais.

A persistente falta de inovação, a grande heterogeneidade estrutural e a forte desigualdade social na região são explicadas pelas ?complementariedades negativas? (SCHNEIDER; SOSKICE, 2009). Essa espécie de complementariedade é produto da presença de grupos domésticos de origem familiar (grupos que mantêm muitas empresas subsidiárias com baixa relação entre si e controlam hierarquicamente essas diversas firmas) e da ampliação da participação das multinacionais (que administram de forma hierárquica as transferências de tecnologia, os investimentos, a relação com fornecedores e clientes estrangeiros, além de deterem importante parcela do comércio internacional), que cumprem um papel específico nos elos das cadeias globais. Na América Latina, essas empresas são, em sua maioria, intensivas em mão de obra, estão associadas a mercados de trabalho flexíveis, fragmentados e de baixa capacitação.

De qualquer forma e independentemente dos fatores considerados para caracterizar as EMH, esse tipo é generalizado para toda a América Latina, como se todos esses países apresentassem a mesma resposta nas diferentes esferas analisadas. Assumir toda a América Latina como um tipo homogêneo de capitalismo, à primeira vista, parece um exagero. Da mesma forma, parece exagerado entender que o Brasil é regionalmente homogêneo no seu regime de produção econômica. Tanto o Brasil, internamente, como a América Latina apresenta diferenças regionais que ensejam, no mínimo, uma séria desconfiança na possibilidade de os regimes capitalistas serem tratados como se homogêneos fossem.

Pensando especificamente o Brasil, Boschi (2011) discute a convergência institucional e a especificidade do modelo de capitalismo nacional, apontando para a necessidade de incluir as instituições estatais ? incluso o regime político ? ao lado das empresas, como ator estratégico nas mudanças institucionais. Em especial, estudar as complementariedades geradas por ele, como políticas de inovação, capacitação e financiamento.

A capacidade do Estado e suas instituições na promoção da regulação econômica é fator decisivo na estratégia de crescimento. Como esse fator é determinado pelas trajetórias institucionais prévias do País, é possível observar que o maior grau de resistência ao processo de ajustes estruturais é fruto da maior capacidade de coordenação do Estado. Dessa forma, a variedade de capitalismo no qual o desenvolvimento é liderado pelo Estado gera novas vantagens institucionais, não necessariamente convergindo para uma EML ou EMC. A ação estatal mitigaria ou resolveria as complementariedades negativas e, por consequência, os retornos decrescentes ? que existiriam por falta de regulação pública ? seriam revertidos.

A proposta de Boschi se diferencia da de Schneider na medida em que, para o último, o desenho institucional dos regimes produtivos da América Latina geraria entraves para um adequado desempenho. O primeiro afirma que os países da região, em especial o Brasil, estariam experimentando um novo padrão de intervenção estatal capaz de mitigar os problemas oriundos de um marco institucional desregulado. Portanto, a não convergência do modelo econômico regional e brasileiro a uma EML ou EMC é defendido por Schneider pela existência de hierarquias que impedem as mudanças e em Boschi pelas vantagens institucionais comparativas. Boschi não nomina seu ?tipo? de capitalismo para o Brasil. Há uma aproximação com o tipo State-Influenced Market Economies (SMEs) desenvolvido por Schmidt (2007). A exemplo de França, Itália, Espanha, Portugal e Grécia, no Brasil, o Estado tem exercido um papel de maior relevo e diferenciado do que nas EML e EMC. Por fim, além dos retornos crescentes, da mudança de foco da firma (micro) para o Estado (macro) com papel de coordenação e regulação, o modelo de Boschi ainda aponta para rupturas na dependência de trajetória ao invés do processo incremental defendido por Schneider.

Ao debater o capitalismo no Cone Sul, Bogliaccini e Filgueira (2011) classificam o capitalismo brasileiro como coordenado de subtipo mediterrâneo,pelas seguintes constatações: o país conta com alta formalização e sindicalização, baixa proteção do emprego, que forja uma estrutura salarial privada compacta por setor e que cresce pela produtividade. O mercado de trabalho é de baixa qualificação, dificultando investimentos que demandam mão de obra especializada. O emprego informal é persistente, apesar dos esforços de formalização. A capacitação vocacional nas empresas ocorre só em situações pontuais e naqueles setores em que trabalhadores e empresários se coordenaram para formar mão de obra. Há um baixo investimento em capital humano e uma baixa penetração do sistema financeiro no modelo de investimento das empresas; e, mesmo o Brasil tendo uma das menores taxas marginais corporativas do continente, o procedimento para abrir uma empresa é burocraticamente mais longo que os modelos de democracia avançada.

Por fim, para Delgado (2007), o Brasil seria uma economia de mercado de coordenação liberal-corporativa.A partir da década de 30, as relações industriais foram condicionadas pela imposição formal do corporativismo e pelo modelo legislado nas relações de trabalho. As negociações coletivas sempre foram mitigadas pelo poder patronal às demissões. O processo de industrialização por substituição de importações, associado à ausência patronal unificada nas barganhas salariais e na formação da força de trabalho, tornaram pouco expressiva a exigência de formação da força de trabalho.

Em uma primeira aproximação, o conjunto de modelos propostos para o caso brasileiro pode conduzir a um raciocínio valorativo do tipo certo e errado. Essa percepção deve ser afastada de plano. O essencial é que as tipologias apresentadas ? algumas mais, outras menos ? auxiliam na identificação de atributos relevantes da conformação institucional do sistema de produção nacional. As tipologias de VoC são construídas a partir da combinação de diversas variáveis relacionadas com as esferas tidas como importantes para o processo de coordenação econômica. Os tipos são resultado da relação entre o conjunto dessas variáveis.

Nesse contexto, é preciso retomar dois aspectos que raramente são considerados na composição dos modelos ou tipos construídos para o caso brasileiro: a desconsideração da heterogeneidade interna do país e a ausência do tratamento da dimensão étnica [4] nas análises desenvolvidas. A diversidade regional é uma associação sustentada pela geografia que o país apresenta, sua enorme extensão territorial, sua riqueza natural, sua forte miscigenação racial, entre outros elementos.

A heterogeneidade dos sistemas de produção é uma condição que gera diferentes formas de renda, atividades, ocupações, estrutura fundiária, entre outras. Isso resulta num repertório de iniciativas individuais ou familiares que funcionam e operam como alternativas em contexto de privação e dificuldades, muitas vezes decorrentes da falta de opções, mas, não raro, também decorrem dos eixos de desigualdades impostas socialmente, como a hierarquia étnica.

Metodologia

As técnicas utilizadas foram a Análise Fatorial (AF) e a de Cluster. A primeira com o objetivo configurar tipologicamente os sistemas de produção capitalistas das unidades federativas brasileiras; a segunda para classificar os estados segundo o comportamento de uma série de variáveis que, neste caso, foram os fatores ou dimensões identificadas na AF.

Para esse fim, foram eleitos 20 indicadores (Apêndice 1), coletados em dois períodos distintos ? em torno de 2001 e em torno de 2014 ?, representando os aspectoschaves desses regimes. Dessa forma, ao analisar 27 unidades federativas (26 estados e o Distrito Federal [5]), a partir de um conjunto de 20 indicadores de produção econômica, as matrizes assumem a seguinte forma:

VoC:

X1a matriz 27 x 20 para os anos em torno de 2001; X2 a matriz 27 x 20 para os anos em torno de 2014; Agregando-se as observações referentes aos dois períodos, definem-se por uma matriz 54 x 20:

Segundo Shikida (1997), essa forma de agrupar duas (ou mais) observações permite captar diferenças e proceder comparações intertemporais, uma vez que os fatores não seriam exatamente os mesmos. Como o número total de grupos representa um número pequeno de observações (total de 27), optou-se pelo procedimento hierárquico de agrupamento, utilizando-se o método aglomerativo.

Mais especificamente, o método aglomerativo escolhido é o Método de Ward, já que ele minimiza a soma interna de quadrados no conjunto completo de agrupamentos separados. Esse procedimento tende a combinar agrupamentos com um pequeno número de observações, pois a soma de quadrados é diretamente relacionada com o número de observações envolvidas (HAIR et al., 2009). Para esse método, a medida de distância adequada é a Distância Euclidiana Quadrada (ou absoluta), já que ela representa a soma dos quadrados das diferenças sem calcular a raiz quadrada.

Resultados

As 20 variáveis de caracterização do regime de produção capitalista foram submetidas à análise fatorial, tendo como critério de extração do número de fatores seus autovalores maiores do que um. O resultado gerou 6 fatores ou dimensões que explicam 73,5% da variância total entre os regimes das 27 Unidades Federativas.

Cada fator extraído contém um conjunto de variáveis que são importantes na definição das dimensões e suas representações. As dimensões subjacentes foram assim denominadas: 1) Sistema Educacional e de Formação Profissional; 2) Sistema Produtivo; 3) Incentivo Público; 4) Capacidade Fiscal; 5) Relações de trabalho; 6) Mercado Externo e Financeiro.

A Tabela 1 mostra quais as variáveis originais por componente e a direção de dependência entre elas (positiva ou negativa).

Tabela 1
Matriz de componentes rotacionados ? VoC

Extraction Method: Principal Component Analysis.

Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.

Rotation converged in 7 iterations.

Sistema Educacional e Formação Profissional

No conjunto, as variáveis dessa dimensão explicam 23,1% da variância total entre os estados, constituindo-se na dimensão-chave da análise.

Ela relaciona aspectos do sistema educacional e da formação profissional com o volume de investimento estrangeiro direto e a taxa de emprego informal nos estados. A Tabela 1 mostra que grande parte das variáveis se relaciona entre si positivamente, exceto a taxa de emprego informal, que possui sinal negativo. Sendo assim, quanto maior a taxa de informalidade, menor será a média de anos de estudo, menor o número de estudantes no ensino profissionalizante (universitário e pós-médio), maior a brecha educacional entre brancos e negros e, ainda, menores os investimentos estrangeiros.

A relação entre a taxa de informalidade e os baixos níveis de qualificação já havia sido desenhada por Schneider e Karcher (2010), quando apresentaram os cinco elementos-chave que caracterizam o mercado de trabalho na Economias de Mercado Hierárquicas. Dentre esses elementos, estão os baixos níveis de qualificação e as altas taxas de informalidade. A alta taxa de informalidade e a baixa duração do emprego tornam pouco atrativa a capacitação dos trabalhadores (SCHNEIDER; KARCHER, 2010).

Para Schneider e Soskice (2009), existe uma similaridade entre as EML e as EMH no que diz respeito a seus mercados de trabalho e o sistema de educação e capacitação laboral. Dessa forma, a flexibilidade (e segmentação) do mercado de trabalho e a baixa densidade sindical derivados da informalidade nas EMH se combinam com um sistema educativo generalista e não especializado. O ensino médio gera uma bifurcação entre os que adquirem uma certa formação e aqueles que não avançam. Os esquemas de formação e capacitação da força de trabalho pobre são escassos e derivam predominantemente de programas assistenciais com foco em atividades de baixa produtividade.

A relação negativa da taxa de informalidade com as outras variáveis ? dessa que é a dimensão que explica a maior variância do modelo ? é um indicativo de que a informalidade está fortemente associada à baixa capacidade integradora do sistema educativo (o que gera distribuição desigual do capital social) e à ausência de um robusto sistema de capacitação e treinamento laboral.

O investimento estrangeiro direto e a brecha nos anos de estudo entre negros e brancos se relacionam positivamente com as variáveis de educação e formação profissional, porém, negativamente com a taxa de informalidade. Em sua maioria, os investimentos estrangeiros são realizados por multinacionais com atuação em mercados de alta rentabilidade, intensivas em capital, e vinculados ao mercado de commodities internacionais. Essas empresas, de forma hierárquica, administram, além dos investimentos e da maior parte do comércio internacional, também as transferências de tecnologia. Uma vez que as atividades por elas desenvolvidas demandam um maior nível de formação e habilidades específicas, faz sentido que, quanto maior for o investimento estrangeiro direto, maior serão os anos médios de estudo e a formação profissional. Por outro lado, quanto maior a taxa de informalidade, menor será o investimento estrangeiro.

Já a relação entre a brecha na média de anos de estudo e a brecha na frequência de cursos profissionalizantes com a taxa de informalidade revela que na medida que cresce a informalidade, dado que o maior número de trabalhadores nessa modalidade é afrodescendente, as brechas entre negro e brancos se aprofundam, diminuindo as chances dos trabalhadores negros aumentarem sua média de anos de estudo ou sua capacitação profissional. De outra forma, a informalidade penaliza mais a educação e capacitação dos negros do que a dos brancos.

Sistema produtivo

Explicando 15,5% da variância total dos estados, esse conjunto de variáveis põe em relevo duas relações importantes: o número de empregadores e a taxa de rotatividade no trabalho estão negativamente relacionados com a taxa de assalariamento e a concentração da propriedade da terra.

A alta rotatividade no trabalho é uma das características, junto com a baixa densidade sindical e alto grau de emprego informal, das relações laborais atomísticas das EMH. A regulação trabalhista, ainda que possa ser densa, é de pouco alcance, uma vez que incide apenas nos empregos formais. A elevada rotatividade resulta em debilidade na organização do trabalho, favorecendo acordos hierárquicos que beneficiam os empregadores. Sendo assim, uma diminuição da rotatividade eleva a taxa de assalariamento, dado que essa última está associada ao aumento de postos de trabalho formais.

As relações formais de trabalho são, no caso brasileiro, mediadas pelo Estado, o que gera baixa interação entre os atores privados e intensa interação destes com os agentes de Estado. Portanto, são muito sensíveis às mudanças de orientação política dos Governos (AGUIRRE; LO VUOLO, 2013). Para Schneider e Karcher (2010), a alta informalidade e a baixa duração do emprego parecem estar associadas com a alta regulação do emprego formal. Isso ocorre porque, nesse cenário, as firmas reclamam a constante intervenção do Estado, que responde incrementando a regulação formal.

Um pouco mais óbvia é a relação do número de empregadores com a taxa de assalariamento, ou seja, o movimento incremental positivo no número de empregadores gera um decréscimo na taxa de assalariamento. Em momentos de crise, em uma economia com grande número de negócios de pequeno porte como a brasileira, os empregadores são afetados, sendo obrigados a trocar sua empresa pelo trabalho autônomo para escapar dos encargos tributários e trabalhistas. O trabalho como autônomo ou por conta-própria é intensificado pelo crescimento do desemprego. Esses deslocamentos têm como consequência a piora da arrecadação pública, a precarização do trabalho e a pressão reducionista dos salários.

Por sua vez, o índice de concentração fundiária (Giniterra) está relacionado negativamente com a taxa de rotatividade e com o número de empregadores. É de se esperar que, quanto maior a concentração da propriedade da terra, menor o número de empregadores, uma vez que a concentração terra significa também redução do número de contratantes no meio rural. Agora, em função de sua natureza sazonal, a agropecuária impacta expressivamente a rotatividade de trabalhadores. O caráter cíclico das atividades rurais favorece o estabelecimento de vínculos de curta duração, geralmente nos períodos de plantio e colheita.

A questão que emerge entre o tamanho das propriedades e a rotatividade do trabalho é a relação negativa aqui encontrada. Dessa maneira, quanto maior a concentração da terra, menor a taxa de rotatividade. A explicação pode estar ligada à consolidação do modelo do agronegócio brasileiro. A adoção de alta tecnologia (pouco intensiva em mão de obra), mirando a exportação de commodities (com demanda inelástica), produziu maior estabilidade nos empregos (agora exigindo maior qualificação) desse setor, reduzindo, portanto, sua rotatividade.

Incentivo público

Esta dimensão, que explica aproximadamente 12% da variância total, liga algumas características marcantes da relação entre gasto público em políticas de trabalho, gasto público em educação, gasto em P&D e a brecha rendimento mensal (negros/brancos). Todas essas variáveis têm um aporte positivo, indicando relações de variação no mesmo sentido. O papel que o estado brasileiro joga na tentativa de orientar as ações econômicas é revelado na interdependência dos gastos em políticas de trabalho, formação e inovação. Bizberg (2014) classifica esse tipo de capitalismo como Capitalismo de Estado Orientado Internamente ( State led inward oriented capitalism).

Na medida em que aumenta o gasto em políticas de trabalho, crescem os gastos em educação e em P&D. O movimento conjunto dessas últimas duas variáveis tem uma explicação relativamente simples, por basicamente duas vertentes: 1) a ausência de ação coordenada entre os atores-chave das relações industriais, combinada com o forte vínculo de multinacionais a grandes grupos econômicos locais, permite um condicionamento do investimento em P&D e da transferência de tecnologia; 2) grande parte dos investimentos em P&D é realizada pelo Estado, por meio das universidades públicas, que, por sua vez, são financiadas por recursos que compõem o gasto total em educação.

Nessa lógica, os grupos econômicos não assumem os riscos na área do desenvolvimento científico e tecnológico, gerando efeitos como debilidade no sistema de inovação tecnológica, restrições de competitividade no mercado e a dependência tecnológica externa.

Outro aspecto importante diz respeito ao fato de que o maior montante de gastos em políticas de trabalho está associado ao Seguro-desemprego [6], Abono salarial [7] e a Qualificação profissional [8]. Nos três programas, o foco está voltado para o setor formal dos trabalhadores, mostrando um aspecto da forte regulação do trabalho formal em detrimento do setor informal. É clara a forte dependência de investimentos públicos na capacitação laboral e na P&D de tecnologias. Essa dimensão revela que, quanto menor a presença das empresas no desenvolvimento tecnológico, maior é o papel do Estado. Quanto menor a coordenação privada na qualificação e formação dos trabalhadores, maiores são os gastos com educação e com políticas de emprego. A regulação é vertical e claramente imposta pelo governo, no papel de mediador dos interesses de grupos econômicos locais e multinacionais.

Os gastos em políticas de trabalho, educação e P&D se relacionam positivamente com a brecha de rendimento mensal entre negros e brancos. Dois argumentos podem ajudar a entender essa causalidade: os negros são maioria na força de trabalho informal e abandonam a educação mais cedo do que os brancos. Dessa forma, o aumento dos gastos públicos nessas áreas pode aprofundar as diferenças salariais entre negros e brancos. Se a regulação das relações de trabalho está fortemente vinculada ao mercado formal de trabalho, então é possível esperar que as políticas de trabalho (em maior grau as passivas) e as de qualificação beneficiem mais os trabalhadores brancos, maioria na formalidade.

Capacidade Fiscal

Em que pese essa dimensão conter apenas uma variável ? carga tributária bruta por estado ? ela é responsável por explicar uma variância de aproximadamente 8% do total. Para uma única variável, esse parece ser um poder explicativo significativo, daí a justificativa de manter essa dimensão figurando isoladamente das outras.

Pode-se dizer que essa dimensão atua como indutora do comportamento da atividade empreendedora e das decisões dos gastos públicos. Dessa forma, a carga tributária é elemento central nas estratégias de sobrevivência das firmas e de estruturação do dispêndio governamental.

Os dados até aqui analisados parecem confirmar parcialmente o caráter hierárquico do capitalismo brasileiro, pois o Estado exerce um papel de intermediação central, suprindo a ausência de ação coletiva dos diferentes atores-chave das relações econômicas (firmas e seus trabalhadores). Sendo assim, a carga de tributos vai atuar como indutor para a formalização das atividades privadas ou para a manutenção do setor informal, e vai determinar a robustez ou debilidade dos gastos como políticas de trabalho e educação (incluindo a P&D), entre outros.

Cada unidade da federação pode instituir e majorar tributos que estejam na órbita de sua competência legal. Vale dizer que a carga tributária não é homogênea, o que atribui a cada ente federado poderes diferentes de regulação das atividades empresariais. Nesse aspecto, subsidiar atividades, proteger mercados selecionados ou criar privilégios no contexto de um modelo de tributação regressiva gera conflitos jurídicos (uma verdadeira ?guerra fiscal?) entre as diferentes unidades da federação. Essa guerra é derivada dos sistemas informais de relação entre o poder político e as empresas, que, via de regra, visam reduzir os mecanismos de concorrência econômica e estabelecer ?vantagens institucionais artificiais? em troca de investimentos e criação de empregos.

Relações de trabalho

Essa dimensão agrega 3 das 20 variáveis utilizadas e responde por aproximadamente 8% da variância total. A densidade de sindicalização e a taxa de empregos temporários se relacionam positivamente entre si e negativamente com a brecha no emprego informal (negros/brancos).

Diferentemente da percepção de que um aumento na densidade de sindicalização poderia limitar os contratos temporários, a relação encontrada sugere que o aumento de trabalhadores sindicalizados não é um fator indutor da rigidez nas relações de trabalho e muito menos na ampliação da duração do contrato de trabalho. Talvez, a explicação esteja no poder de representação dos sindicatos, que geralmente são pequenos, politizados e carecem de representação em nível de planta (SCHNEIDER; KARTCHER, 2010).

A regulação vertical, imposta pelo governo nas relações de trabalho, é um substituto aos acordos coletivos promovidos por sindicatos fortes e da alta densidade sindical (EMC), bem como à negociação individual entre trabalhadores e empresários (EML). Portanto, o aumento da densidade de sindicalização não logra ser uma força imobilista e contrária à flexibilização das relações de trabalho.

Já a brecha de emprego informal está negativamente relacionada com a densidade de sindicalização e o emprego temporário. Equivale dizer que, quanto maior a densidade sindical e os contratos temporários, menor a brecha de informalidade entre negros e brancos. A informalidade e a baixa duração no emprego se reforçam mutuamente, porém, os dados mostram que, na medida em que os contratos temporários aumentam, a densidade sindical se eleva, e isso afeta positivamente a situação dos negros no mercado de trabalho.

Faz sentido essa conclusão, uma vez que o aumento dos contratos temporários é um sintoma da flexibilização das relações de trabalho, permitindo a inclusão formal ? ainda que de curta duração ? de parte da força de trabalho informal. Se a maior parte dos trabalhadores informais são negros, é de se esperar, dada a interconexão entre o setor formal e informal, que a expansão de postos de trabalho na modalidade de contratos temporários (via de regra precários) faz com que sejam majoritariamente ocupados por eles. Corroboram essa linha raciocínio os dados de que dos 13 milhões de desempregados no país, 63,7% eram pretos ou pardos. A taxa de desemprego entre eles foi de 14,6%, enquanto a dos brancos chegou a 9,9%. O percentual de trabalhadores com carteira assinada é maior entre brancos. No serviço doméstico, caracterizado pela informalidade e pela menor remuneração, 66% dos trabalhadores são pretos ou pardos. Eles também compõem a maioria (67%) dos ambulantes no país. Também estão mais presentes na agropecuária e na construção civil e são maioria entre os trabalhadores por conta própria (55,1%) (IBGE, 2017).

Mercado Externo e Financeiro

Duas variáveis compõem essa dimensão e juntas explicam aproximadamente 7,5% da variância total. As exportações complexas (produtos manufaturados) estão negativamente relacionadas com o crédito público (financiamento via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES). O financiamento público é menor quanto mais especializado o sistema produtivo. Nesse sentido, quanto mais complexas (maior valor agregado) são as exportações, menor a demanda por financiamento público. A especialização gera vantagens comparativas que permitem às empresas se financiarem diretamente pelo mercado privado de crédito (capitalização em bolsa de valores, holdings de investimento, etc.).

Nos últimos anos, o BNDES foi alçado ao núcleo de uma rede institucional voltada à coordenação das atividades de desenvolvimento, fomentando o setor privado em magnitude e amplitude, sem paralelo em termos de significado, porte e diversidade de linhas de atuação (DINIZ; BOSCHI, 2007).

Schneider (2009) afirma que as empresas multinacionais administram hierarquicamente os investimentos de capital, a transferência de tecnologia e as relações com fornecedores e clientes estrangeiros, manejando, assim, uma parte importante do comércio internacional. De certa forma, essa pode ser uma explicação da baixa necessidade de financiamento público às empresas exportadoras de produtos de alto valor agregado, já que grande parte do comércio é realizado entre filial e matriz ou entre o mesmo grupo econômico.

Variedades de Capitalismo nos estados brasileiros

Construídas as relações entre as variáveis componentes de cada dimensão, foi possível aprofundar a compreensão das diferenças entre as unidades federativas, procedendo-se a uma análise de Cluster. Com o mesmo intuito de testar a heterogeneidades dos regimes produtivos, limitaram-se a quatro os agrupamentos oriundos das 27 unidades da federação.

A partir desses resultados e considerando uma certa continuidade estrutural na composição dos grupos, foi possível propor uma tipologia com os pressupostos de que a economia brasileira é heterogênea e hierárquica (SCHNEIDER; SOSKICE, 2009) e que os regimes produtivos regionais têm no Estado um propulsor do desenvolvimento e um ator capaz de operar mudanças importantes na economia política das unidades federativas (BIZBERG, 2014; BOSCHI, 2011; DINIZ, 2011; DELGADO, 2008).

Portanto, nesse modelo particular de capitalismo, as vantagens institucionais comparativas na coordenação econômica são reforçadas por um complexo de instituições estatais. Dessa forma, considerando a composição final (2014) dos agrupamentos, o Quadro 2, a seguir, classifica os grupos por esses dois critérios.

Quadro 2 ? Características dos regimes capitalistas dos estados brasileiros

Quadro 2
Características dos regimes capitalistas dos estados brasileiros

O autor (2016)

Os tipos de sistemas de produção capitalistas sintetizados aqui corroboram parcialmente o caráter hierárquico das economias estaduais, mas lançam luz, além da conformação das firmas líderes e do mercado de trabalho (SCHNEIDER, 2009), no papel do estado como ator relevante na configuração do sistema de produção (BOSCHI, 2011; DELGADO, 2008).

Economias Hierárquicas de Intensa [9] Dependência Estatal (EHIDE)

Esse modelo se caracteriza por seus baixos níveis educacionais e de formação profissional. Concentra as menores médias de anos de estudo e formação pós-média, indicando ser esse o sistema menos focado na especialização dos trabalhadores para o mercado de trabalho. É, de fato, o modelo educativo mais generalista e não especializado do território nacional. Por outro lado, é um dos sistemas que menor brecha educacional apresenta, ou seja, a diferença da especialização entre trabalhadores brancos e negros é uma das menos acentuadas (0,92).

O investimento estrangeiro e o crédito público têm importância intermediária, porém as exportações complexas jogam papel relevante (impulsionado principalmente pela indústria petrolífera). A estrutura fundiária é concentrada (a segunda maior dos grupos) e a taxa de empreendedorismo é pouco intensa. A estrutura de inovação tecnológica é débil, os gastos em P&D são insignificantes (traço comum a todos os tipos) e majoritariamente bancados pelo Estado. Os riscos dos investimentos no desenvolvimento de novas tecnologias não são assumidos pelos grupos econômicos privados.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, esse tipo possui a maior taxa de emprego informal (61,4%), o que pode explicar o mais elevado gasto público em políticas de trabalho. Nele também aparece a maior brecha de rendimentos de gênero (0,62) e uma das menores brechas de trabalho informal. O trabalho temporário e a densidade de sindicalização são as mais elevadas e a rotatividade é a segunda mais elevada dentre os grupos. O mercado de trabalho é moderadamente flexível, diferenciando-se do tipo liberal por sua alta informalidade. Diferentemente do que se poderia esperar, a maior densidade sindical não parece criar as condições para reduzir a capacidade patronal de regular as relações laborais de forma hierárquica.

Economias Hierárquicas de Forte Dependência Estatal (EHFDE)

As características desse modelo são semelhantes ao de intensa dependência estatal, porém níveis educacionais e de formação profissional são um pouco melhores. Há uma pequena melhora nas médias de anos de estudo e formação pós-média, entretanto, o traço generalista da formação segue igual. A brecha educacional nesse grupo é a que representa a menor diferença da especialização entre trabalhadores brancos e negros entre todos os modelos (0,93). É o grupo com maior dependência do financiamento público para a educação.

O investimento estrangeiro atinge o maior nível nesse tipo e o crédito público o menor, indicando que existe uma forte captação externa de capital (matrizes, fornecedores, etc.) com baixa necessidade de financiamento local. Isso é refletido nas exportações complexas, que atingem seu maior nível (inegável importância da zona franca de Manaus no Amazonas). A estrutura fundiária é a mais concentrada e a taxa de empreendedorismo é a mais baixa entre os grupos. A estrutura de inovação tecnológica é a segunda mais fraca, os gastos em P&D são insignificantes (traço comum a todos os tipos) e majoritariamente bancados pelo Estado.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, esse modelo possui a segunda maior taxa de emprego informal (59,3%), porém é o que possui o menor nível de gastos públicos em políticas de trabalho. A brecha de rendimentos de gênero (0,65) é a segunda melhor, ao passo que as brechas de trabalho informal são a segunda mais elevada. É nesse grupo que se encontram as menores densidades de sindicalização e as menores taxas de rotatividade no emprego. O mercado de trabalho é o menos flexível no comparativo com os outros tipos.

Economias Hierárquicas de Moderada Dependência Estatal (EHMDE)

Na medida em que se reduz a dependência do gasto público em educação, melhores são os indicadores de formação profissionalizante e da média de anos de estudo. Esse modelo possui moderada dependência estatal, revelando uma estrutura na qual a especialização dos trabalhadores joga um papel mais importante do que nos dois modelos já descritos. A brecha educacional nesse grupo é a segunda pior, indicando que a etnia passa a assumir maior importância na especialização dos trabalhadores.

O crédito público é o mais elevado e o investimento estrangeiro atinge o menor nível. Dessa forma, nesse grupo, é maior a necessidade de financiamento público para a produção do que a captação externa de capital (matrizes, fornecedores, etc.). As exportações complexas refletem essa relação, pois atingem seu menor nível. A estrutura fundiária é a segunda com menor concentração e a taxa de empreendedorismo é a segunda mais alta entre os grupos. Seguindo a tendência de menor gasto público em educação, a estrutura de inovação tecnológica é a pior, pois é o modelo com os menores índices de investimento em P&D.

No que toca ao mercado de trabalho, esse modelo possui, ainda que seja alta, a segunda menor taxa de emprego informal (54,7%). Os níveis de gastos públicos em políticas de trabalho são moderados e a brecha de rendimentos de gênero (0,66) é a melhor entre todos os grupos. As brechas de trabalho informal é a mais elevada, extremando as diferenças étnicas nesse mercado. Já a densidade de sindicalização é a segunda mais elevada e as taxas de rotatividade no emprego são intermediárias (42,8%). Neste modelo, o mercado de trabalho tem uma flexibilidade semelhante ao modelo de forte dependência estatal.

Economias Hierárquicas de Fraca Dependência Estatal (EHFRDE)

Esse modelo está no extremo oposto da intensa dependência estatal. Seus níveis educacionais e de formação profissional são indicativos de maior especialização dos trabalhadores. Concentra a maior média de anos de estudo e a segunda melhor formação pós-média. É o modelo educativo menos generalista e um dos mais especializados do território nacional. Por outro lado, é um dos sistemas que apresenta a maior brecha educacional, ou seja, a diferença da especialização entre trabalhadores brancos e negros é mais acentuada dos grupos. É de longe o modelo de menor dependência estatal em relação ao gasto público em educação.

Quanto ao investimento estrangeiro, é elevado e o crédito público é de grande importância, porém as exportações complexas são de alcance limitado (o forte fluxo de exportação de commodities pode estar relativizando a importância das exportações complexas). A estrutura fundiária é a menos concentrada e a taxa de empreendedorismo é muito intensa. A estrutura de inovação tecnológica é forte, embora os gastos em P&D seguem sendo baixos.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, esse tipo possui a menor taxa de emprego informal (39,87%), o que pode explicar um baixo gasto público em políticas de trabalho. As brechas de trabalho informal são as menores. O trabalho temporário atinge o menor índice nesse modelo e a densidade de sindicalização é a segunda mais baixa. Já a taxa de rotatividade é disparada a mais elevada (61,9%) dentre os grupos. O mercado de trabalho é altamente flexível, aproximando-se do tipo liberal.

Por fim, considerando os quatro tipos aqui construídos, tanto na dependência de capital externo e na transferência de tecnologia, como na relação com fornecedores e clientes externos, é clara a forma de administração hierárquica utilizada pelas empresas nacionais e multinacionais (ou suas combinações). O mesmo passa com as relações de trabalho de forte caráter atomístico, que é explicado pela baixa densidade sindical, alta informalidade e alta rotatividade, resultando em uma débil organização do trabalho que favorece acordos hierárquicos em prol dos empregadores. Ao lado disso, o Estado, como ator relevante na conformação dos sistemas produtivos, é marcadamente importante, principalmente no financiamento da produção, gastos na educação/formação profissional e investimentos em P&D. Dessa forma, os quatro tipos propostos combinam essas duas características, atribuindo maior ou menor grau de dependência estatal nas economias dos estados, confirmando, assim, a impossibilidade de se tomar o Brasil como um país homogêneo na sua variedade de capitalismo.

Conclusões

As dimensões do Sistema Educacional e de Formação Profissional e do Sistema Produtivo representam juntas 38,6 % da variância total entre os estados e concentram dez dos vinte indicadores utilizados no modelo. Esse fato indica uma forte complementariedade entre a estrutura do mercado de trabalho e o sistema educacional no País e, revela ainda, que a alta regulação do emprego formal não afeta o alto índice de informalidade e de rotatividade laboral. Não há dúvidas que esses fenômenos aparecem como uma instigante agenda de pesquisas nesse campo de estudos.

Os tipos de sistemas de produção encontrados variam de Economias Hierárquicas de Intensa Dependência Estatal (EHIDE) a Economias Hierárquicas de Fraca Dependência Estatal (EHFRDE). O tipo EHIDE (AC, BA, CE, MA e PE) é caracterizado por seus baixos níveis educacionais e de formação profissional. Concentra as menores médias de anos de estudo e formação pós-média, indicando ser esse o sistema menos focado na especialização dos trabalhadores. Por outro lado, é um dos sistemas que menor brecha educacional apresenta, ou seja, a diferença da especialização entre trabalhadores brancos e negros é uma das menos acentuadas. A estrutura fundiária é concentrada (a segunda maior dos grupos) e a taxa de empreendedorismo é pouco intensa. Possui a maior taxa de emprego informal, maior brecha de rendimentos de gênero e uma das menores brechas de trabalho informal. O trabalho temporário é alto e a rotatividade é a segunda mais elevada dentre os grupos.

No outro extremo, o tipo EHFRDE (ES, GO, MT, MS, MG, PR, RJ, RS, SC e SP) possui o maior nível educacional e de formação profissional, indicando uma maior especialização dos trabalhadores. Concentra a maior média de anos de estudo e a segunda melhor formação pós-média. O modelo educativo é o mais especializado do território nacional. Por outro lado, é um dos sistemas que apresenta a maior brecha educacional, ou seja, maior diferença da especialização entre trabalhadores brancos e negros. É de longe o modelo de menor dependência estatal em relação ao gasto público em educação. O investimento estrangeiro é elevado e o crédito público é de grande importância, porém, as exportações complexas são de alcance limitado. A estrutura fundiária é a menos concentrada e a taxa de empreendedorismo é muito intensa. A estrutura de inovação tecnológica é a mais forte entre os tipos analisados. Ainda, este tipo possui a menor taxa de emprego informal, o que pode explicar um baixo gasto público em políticas de trabalho. As brechas de trabalho informal são as menores e o trabalho temporário atinge o menor índice. Já a taxa de rotatividade é, disparadamente, a mais elevada dentre os grupos.

As comparações entre regimes foram um avanço proporcionado pela abordagem tipológica, não obstante, a literatura acadêmica, ainda que caracterize o País como se fosse um tipo homogêneo, o faz com distintas variáveis, atributos ou traços marcantes. Entretanto, o capitalismo brasileiro, por ser periférico, não é um modelo ?misto? de variedade de capitalismo ou de transição a algum dos modelos propostos para os países industrializados. Não restam dúvidas de que o Brasil condensa diferentes ordens de práticas econômicas, que não permitem tratá-lo como um tipo único e homogêneo de variedade de capitalismo. Cabe salientar que ao optar pela análise comparada na escala estadual, não significa que as desigualdades intra-estadual não existam. As desigualdades, nessa perspectiva, poderiam ser exploradas também na escala municipal, o que se sugere para futuras investigações.

Além das críticas de que as tipologias não representam a realidade e que as mudanças sociais não são fruto exclusivo da racionalidade institucional de uma determinada sociedade, a verificação da hipótese central do artigo, tal como concebida, permite afirmar que os tipos de VoC desenvolvidos para a América Latina, ao incluir o Brasil, são excessivamente genéricos. As classificações exclusivas para o território nacional padecem da mesma generalização ao não assumirem a heterogeneidade estrutural e as complementariedades dela decorrentes nos diferentes sub-níveis de governo. A construção dessas macro-tipologias ? ao não levar em consideração as características específicas de formação da sociedade brasileira ? revelou-se cega em relação à brecha étnica, eixo de desigualdade relevante no contexto histórico nacional.

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Indicadores dos modelos de produção capitalista




O autor (2016)

Notas

[1] Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Ponta Grossa ? PR. Email: michel-samaha@hotmail.com
[2] Professor do Departamento de Sociologia da Universitat Autònoma de Barcelona ? Espanha.
[3] Entende-se por padrões hierárquicos a relação entre as firmas e os outros atores, baseados primordialmente em ordens e diretivas daqueles com maior poder econômico.
[4] Ainda que multiplicidade étnica brasileira transcenda o binômio brancos e afrodescendentes , optou-se comparar esses dois grupos, por conformarem a maior parcela da população. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica as pessoas por autodeclaração da cor. Considera-se afrodescendentes os negros, que é a soma dos pardos e pretos.
[5] Ainda que multiplicidade étnica brasileira transcenda o binômio brancos e afrodescendentes , optou-se comparar esses dois grupos, por conformarem a maior parcela da população. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica as pessoas por autodeclaração da cor. Considera-se afrodescendentes os negros, que é a soma dos pardos e pretos.
[6] Assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude da dispensa sem justa causa.
[7] Benefício no valor de 1 salário mínimo anual assegurado aos empregados que percebem ate? 2 salários de remuneração mensal, desde que cadastrados ha? cinco anos ou mais no PIS/Pasep e que tenham trabalhado pelo menos 30 dias em um emprego formal no ano anterior.
[8] Oferta de cursos de qualificação profissional para trabalhadores desempregados ou em risco de desemprego e para microempreendedores.
[9] Ao traduzir o nível dependência estatal encontrado nos diferentes grupos, adotou-se uma gradação decrescente com os seguintes termos: intensa, forte, moderada e fraca dependência. O termo intensa foi empregado aqui com o significado de muito forte, sendo apenas uma opção estilista de diferenciação.


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