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Desigualdades de acesso a serviços de saneamento básico nas mesorregiões mineiras e objetivos de desenvolvimento sustentável
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 16, núm. 2, 2019
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 16, núm. 2, 2019

Recepção: 01 Novembro 2018

Aprovação: 01 Junho 2019

Resumo: O objetivo deste estudo foi analisar os déficits de acesso a abastecimento de água e coleta de esgoto nas mesorregiões mineiras, avaliando desigualdades, evoluções e convergências entre 1991 e 2010. Ademais, foram realizadas simulações para verificar a possibilidade do cumprimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de universalização do acesso até 2030. As evidências obtidas sinalizaram: i) disparidades entre as mesorregiões; ii) reduções mais acentuadas dos déficits nos anos 1990; iii) tendência de convergência dos acessos entre as mesorregiões e os domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?; e iv) dificuldade para o cumprimento das metas dos ODS.

Palavras-chave: Acesso, Saneamento Básico, Desigualdade, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Minas Gerais.

Resumen: El objetivo de este estudio fue analizar los déficits de acceso al abastecimiento de agua y recolección de aguas residuales en las mesorregiones mineras, evaluando a las desigualdades, evoluciones y convergencias entre el 1991 y el 2010. Además, fueron realizadas simulaciones para verificar la posibilidad del cumplimiento de las metas de los Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS) de universalización del acceso hasta el 2030. Las evidencias obtenidas señalan: i) disparidades entre las mesorregiones; ii) reducciones más acentuadas de los déficits en los años 1990; iii) tendencia de convergencia de los accesos entre las mesorregiones y los hogares ?más pobres? y ?más ricos?; y iv) dificultad para el cumplimiento de las metas de los ODS.

Palabras clave: Acceso, Saneamiento, Desigualdad, Objetivos de Desarrollo Sostenible, Minas Gerais.

Abstract: This article aims to investigate the deficits of access to water supply and sewage collection in the regions of Minas Gerais, assessing inequalities, evolutions and convergences between 1991 and 2010. In addition, simulations were carried out to verify the possibility of achieving the targets of the Sustainable Development Goals (SDGs) of universal access until 2030. The evidences obtained indicated: i) disparities between the regions of Minas Gerais; (ii) sharper reductions in deficits in the 1990s; iii) trend of convergence between the regions and the "poorer" and the "richer" households; and iv) difficulty in meeting the SDG targets.

Keywords: Access, Basic Sanitation, Inequality, Sustainable Development Goals, Minas Gerais.

Introdução

O saneamento básico é o conjunto de serviços e infraestruturas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas (BRASIL, 2007). Situações inadequadas nestes serviços impactam negativamente o meio ambiente, a saúde pública, o desempenho escolar, a produtividade do trabalho, a produção e a renda (CVJETANOVIC, 1986; HELLER, 1997; PNUD, 2006). Ou seja, influenciam dimensões dos três pilares do desenvolvimento sustentável: ambiental, social e econômico (ROMEIRO, 2003).

Apesar disso, a universalização do acesso a serviços de saneamento básico no Brasil ainda está longe de ser atingida. De acordo com o último Censo Demográfico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 17% dos domicílios não estavam conectados a redes de abastecimento de água e 45% a redes de coleta de esgoto. Os déficits de acesso distribuem-se de forma desigual, sendo mais concentrados nos mais pobres e em áreas periféricas, rurais e menos desenvolvidas, refletindo as desigualdades regionais presentes no país [4].

O estado de Minas Gerais reflete, em uma escala reduzida, as desigualdades entre as regiões brasileiras. Algumas regiões mineiras são mais dinâmicas e com melhores condições econômicas e sociais; outras são menos desenvolvidas, em especial as situadas mais ao norte, próximas ao Nordeste brasileiro. Desigualdades em diversas dimensões (renda, emprego, saúde e educação, entre outras) entre as mesorregiões mineiras são discutidas pela literatura [5]. Contudo, não foi encontrado um trabalho que comparou, de forma mais abrangente, disparidades territoriais do acesso a serviços de saneamento básico em Minas Gerais.

O presente estudo contribui para preencher tal lacuna da literatura empírica ao atingir três objetivos. O primeiro é caracterizar as situações, em 2010, dos déficits de acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto nas mesorregiões de Minas Gerais, investigando a existência de desigualdades de acesso. O segundo é analisar as evoluções dos déficits e de suas distribuições nos anos 1990 e 2000, averiguando, ainda, a ocorrência de convergências dos acessos (quedas das desigualdades) entre as mesorregiões e entre os domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos? em cada mesorregião e no estado.

A comparação das evoluções dos acessos nos anos 1990 e 2000 é interessante por refletir dois momentos das políticas federais para o saneamento brasileiro [6]. Após um período de mais de 20 anos de vigência do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), na década de 1990, as políticas foram ?pontuais e desarticuladas? e com volumes restritos de recursos federais alocados ao setor (TUROLLA, 2002). O início dos anos 2000 também se caracterizou pela ausência de uma política nacional, que só voltou a ser discutida em 2007, com a Lei nº 11.445, a Lei do Saneamento Básico (BRASIL, 2007) e a expansão de recursos federais pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A

Lei definiu parâmetros de provisão dos serviços que afetam as evoluções dos acessos.

Nos anos 2000, também se destaca o incentivo ao alcance dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), acordo internacional firmado, em 2000, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). Os 8 ODM eram considerados os principais desafios do novo milênio. No geral, foram estabelecidas metas a serem atingidas até 2015. Para o saneamento básico, foram definidas metas de reduções dos déficits de acesso considerando como referências as situações em 1990.

Encerrado o prazo dos ODM, um novo acordo internacional foi firmado, ainda em 2015, por diversos países no âmbito da ONU, sendo definidos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas associadas a estes. Nos ODS, a importância dos serviços de saneamento para o alcance do desenvolvimento sustentável é reconhecida diretamente no ?Objetivo 6? ? ?assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos? (ONU, 2015, p. 25) ?, para o qual são estabelecidas algumas metas para o setor, podendo ser destacadas as metas de universalização equitativa do acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto até 2030 (metas 6.1 e 6.2).

Diante de tal fato, o terceiro objetivo deste estudo é avaliar se tais metas de universalização podem ser atingidas em Minas Gerais de forma equitativa ? entre as mesorregiões e os domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos? ?, se forem mantidas as evoluções dos anos 1990 e 2000. Para isso, são simuladas as evoluções dos déficits de acesso aos serviços até 2030 considerando as variações anuais ocorridas: i) na década de 1990; ii) na década de 2000; e iii) nas duas décadas. Para justificar tais análises, vale apontar que o Programa Conjunto de Monitoramento do Abastecimento de Água, de Saneamento e Higiene da Organização Mundial da Saúde e da Unicef acompanha mundialmente as metas de saneamento dos ODS. Em 2017, a entidade destacou os avanços nacionais; contudo, ressaltou a persistência de déficits, principalmente os associados à renda e à localização, apontando como objetivo ?não deixar ninguém para trás? no avanço da cobertura dos serviços (JMP, 2017).

Antecipadamente, as evidências do presente estudo sinalizam que todas as mesorregiões eram deficitárias em 2010 nos dois serviços, mas com disparidades entre elas: os déficits de acesso eram maiores na coleta de esgoto e nas mesorregiões com menores populações, urbanizações e rendas. As evidências também sugerem: i) reduções dos déficits de acesso mais acentuadas nos anos 1990; ii) domicílios ?mais pobres? com menores acessos em todas as mesorregiões; iii) convergências ao longo do tempo entre os acessos das mesorregiões e dos ?mais pobres? e ?mais ricos?, de modo que não é possível afirmar que um local ou segmento mais pobre da população está sendo ?deixado para trás? na expansão do acesso; e, iv) assim como sinalizam outros trabalhos para o Brasil e o mundo, em Minas Gerais, será difícil cumprir as metas dos ODS referentes à universalização dos acessos a abastecimento de água e a coleta de esgoto somente mantendo os níveis históricos de investimento. Tais evidências referem-se a acessos por rede geral, tanto no abastecimento de água como na coleta de esgoto, forma apontada pela literatura como a mais adequada e também como a mais relacionada a políticas públicas (ESTACHE et al., 2001; BRASIL, 2007; REZENDE et al., 2007; SNSA, 2011).

Este estudo é dividido em duas seções, além dessa introdução e das considerações finais. Na segunda, os déficits de acesso ao abastecimento de água e a coleta de esgoto nas mesorregiões de Minas Gerais são caracterizados. Ademais, são analisadas as evoluções destes déficits e de suas distribuições nas décadas de 1990 e 2000, avaliando se ocorreram convergências dos acessos entre mesorregiões e domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?. Na terceira, é discutida a importância do saneamento para os ODS e são realizadas as simulações para avaliar se as metas de universalização podem ser atingidas, igualitariamente, se forem mantidas as evoluções das décadas de 1990 e 2000.

Déficits de acesso nas mesorregiões mineiras

Nesta seção, são utilizados dados dos Censos de 1991, 2000 e 2010 para: i) caracterizar a situação, em 2010, dos déficits de acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto nas mesorregiões mineiras; ii) avaliar as evoluções destes déficits nas mesorregiões mineiras nos anos de 1990 e 2000; e iii) avaliar se ocorreu, entre as mesorregiões, convergência do acesso no período.

Para fundamentar as análises, alguns apontamentos iniciais são importantes.

Primeiramente, vale destacar que os déficits de acesso são calculados considerando a proporção de domicílios sem acesso a rede geral de abastecimento de água e de coleta de esgoto, critério adotado pela literatura e pela Lei nº 11.445/2007. A rede geral é defendida devido à regularidade do serviço, ao menor risco de contaminação de recursos hídricos e solos, que resultam nos impactos negativos apontados na introdução e discutidos na terceira seção. Ademais, para avaliações de políticas públicas para o setor, a rede geral é mais associada a decisões de provedores, pois o acesso depende da adesão dos usuários, mas é necessária a oferta. Formas alternativas, como poços e fossas sépticas, dependem de ações individuais (ESTACHE et al., 2001; BRASIL, 2007; REZENDE et al., 2007; SNSA, 2011).

As análises propostas avaliam, mesmo que implicitamente, efeitos de políticas públicas em função do abastecimento de água e da coleta de esgoto ser ofertados no estado de Minas Gerais majoritariamente por prestadores públicos (municipais ou estadual). Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento, no período analisado, somente dois municípios mineiros (Bom Sucesso e Paraguaçu) concederam os serviços de saneamento considerados a empresas privadas. Em tais municípios residiam apenas aproximadamente 0,19% da população do estado (SNIS, 2010).

Outro aspecto a destacar é que os déficits de acesso a saneamento no Brasil apresentaram tendência de queda no tempo, mas em ritmo aquém do necessário para uma rápida universalização, em especial no caso da coleta de esgoto. Ademais, os déficits distribuem-se de forma desigual pelo país, observando-se: desequilíbrio entre os domicílios conectados à rede de abastecimento de água e à rede coletora de esgoto; menores coberturas em áreas rurais; concentração do acesso nos grandes centros, em detrimento de áreas periféricas e dos municípios do interior; população mais pobre com menor probabilidade de acesso; e coberturas distintas nas regiões brasileiras (BNDES,

1998; BARAT, 1998; MOTTA, 2004; REZENDE et al., 2007; SAIANI; TONETO JÚNIOR, 2010).

A Figura 1 ilustra alguns destes argumentos. Verifica-se que os déficits são bem diferentes entre os serviços ? superiores no esgoto ? e maiores, nos dois serviços, nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Tais diferenças podem ser explicadas por atributos demográficos e socioeconômicos (população, urbanização e renda) que influenciam, pelo lado da demanda, a disposição dos usuários a pagar pelos serviços (despesas com a conexão e tarifas) e a capacidade de exercer controle social sobre os prestadores, que, pelo lado da oferta, consideram custos e retornos da provisão (sociais e econômicos) e capacidades de arrecadar e investir (MOTTA, 2004; TONETO JÚNIOR; SAIANI, 2006; REZENDE et al., 2007; SAIANI et al., 2013, 2015; SNSA, 2011).


Figura 1
Brasil: déficit de acesso a serviços de saneamento básico, segundo as regiões geográficas (2010)
IBGE. Elaboração própria.

Vale apontar, ainda, que as condições demográficas e socioeconômicas das 12 mesorregiões de Minas Gerais são distintas (QUEIROZ, 2003; SALVATO et al., 2006; SIMÃO, 2006; SOARES, 2009; COSTA et al., 2012). A Tabela 1 mostra as diferenças em termos de população, urbanização, Produto Interno Bruto (PIB) per capita e renda domiciliar per capita. Observa-se que algumas mesorregiões apresentam taxas de urbanização acima de 90%; outras inferiores a 70%. Em relação à população, verifica-se que na Região Metropolitana de Belo Horizonte residem 32% da população do estado; outras mesorregiões têm populações inferiores a 2% do total. Diferenças também existem em relação ao nível de renda: por exemplo, a renda domiciliar per capita da Região Metropolitana de Belo Horizonte é superior a dois salários mínimos de 2010 (R$ 510), contudo, da Jequitinhonha é inferior a um salário mínimo. Tal discrepância regional também é verificada no PIB per capita.

Tabela 1
Minas Gerais: características socioeconômicas, segundo as mesorregiões (2010)

IBGE. Elaboração própria.

Portanto, a Tabela 1 mostra que as mesorregiões mineiras possuem discrepâncias em atributos que a literatura aponta como determinantes do acesso a serviços de saneamento básico (MOTTA, 2004; TONETO JÚNIOR; SAIANI, 2006; REZENDE et al., 2007; SAIANI et al., 2013, 2015; SNSA, 2011; NAHAS et al., 2019; RODRIGUES et al., 2019). Assim, tais discrepâncias explicam, ao menos em parte, as diferenças dos déficits de acesso a abastecimento de água e coleta de esgoto entre as mesorregiões do estado de Minas Gerais observadas nas análises seguintes.

Desigualdades dos déficits de acesso em 2010

A Figura 2 mostra mapas do estado de Minas Gerais com a divisão das mesorregiões e faixas dos déficits de acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto em 2010. Observa-se que, assim como nas regiões brasileiras, os déficits são significativamente distintos entre os serviços ? maiores no esgoto ? e mais elevados, nos dois serviços, nas mesorregiões situadas mais ao norte do estado.

A Tabela 2 aprofunda tal análise apresentando os valores dos déficits de acesso aos serviços nas 12 mesorregiões mineiras em 2010. Como já apontado, evidências de outros trabalhos sinalizam que segmentos mais pobres da população têm menor probabilidade de acesso a saneamento básico, ou seja, existem desigualdades de acesso associadas à renda dos usuários (REZENDE et al. 2007; SAIANI; TONETO JÚNIOR, 2010; SAIANI et al. 2013). Para avaliar tal aspecto em Minas Gerais, são calculados indicadores de déficits de acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto para os domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?. Em cada mesorregião ? e estado como um todo ?, os domicílios são ordenados pelos rendimentos domiciliares per capita, identificando os quintis da distribuição; depois, são calculadas as proporções de domicílios sem acesso a cada um dos serviços nos 1º e 5º quintis da distribuição ? ?mais pobres? e ?mais ricos?, respectivamente. Tais indicadores também são apresentados na Tabela 2. Avaliando as informações desta tabela, verifica-se que:

§ no estado de Minas Gerais, 13,9% dos domicílios não possuem acesso a rede geral de água e 24,7% a rede geral de esgoto ? déficits superiores ao da região Sudeste brasileira (Figura 1), na qual o estado está localizado;

§ existem desequilíbrios inter-regionais: por exemplo, no abastecimento de água, a diferença do acesso entre as mesorregiões do Jequitinhonha e Metropolitana de Belo Horizonte (maior e menor déficits, respectivamente) é de 26,5 pontos percentuais, sendo que a primeira, situada ao norte do estado, tem déficit inferior somente ao da região Norte brasileira e a segunda tem déficit inferior a todas as regiões brasileiras (Figura 1);

§ no esgoto, a diferença entre o Norte de Minas e o Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (maior e menor déficits) é de 54,1 pontos percentuais; a primeira com déficit inferior apenas ao da região Norte e a segunda com déficit inferior a todas as regiões brasileiras (Figura 1);


Figura 2
Minas Gerais: mapas dos déficits de acesso a serviços de saneamento, segundo as mesorregiões (2010)
IBGE. Elaboração própria.

§ os déficits, principalmente à coleta de esgoto, da maioria das mesorregiões são superiores aos déficits do estado de Minas Gerais e da região Sudeste brasileira (Figura 1);

§ as 5 mesorregiões com maiores déficits a abastecimento de água têm as menores urbanizações e os menores níveis de renda (Tabela 1) e estão localizados mais ou norte do estado;

§ as 4 mesorregiões com maiores déficits a coleta de esgoto estão entre as cinco com maiores déficits de acesso a abastecimento de água;

§ as duas mesorregiões com menores déficits de acesso aos dois serviços apresentam as maiores urbanizações, rendas domiciliares e PIBs per capita (Tabela 1);

Tabela 2
Minas Gerais: déficits de acesso a serviços de saneamento (%), segundo as mesorregiões e os quintis de rendimento domiciliar (2010)

IBGE. Elaboração própria.

§ no geral, os déficits dos ?mais pobres? são quase o dobro dos déficits dos ?mais ricos?, ou seja, sinalizando que há desequilíbrio do acesso em função da renda domiciliar;

§ nos ?mais pobres? e nos ?mais ricos?, os déficits a coleta de esgoto são superiores aos déficits a abastecimento de água; e

§ as mesorregiões com os menores déficits totais tendem a possuir os menores déficits por quintis de rendimento domiciliar, ou seja, nos mais pobres e nos mais ricos.

Evoluções dos déficits de acesso de 1991 a 2010

A Tabela 3 mostra que o déficit de acesso a abastecimento de água reduziu 17,3 pontos percentuais em Minas Gerais de 1991 a 2010. Nas mesorregiões, os déficits reduziram no período, com quedas mais acentuadas (em pontos percentuais) nos anos 1990 e nas mesorregiões com maiores déficits. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (menores déficits nos 3 anos), por exemplo, observa-se a menor redução do déficit no período total (acima da queda do estado); enquanto na mesorregião do Jequitinhonha (maiores déficits nos 3 anos), ocorreu uma das maiores reduções do déficit no período total.

De acordo com a Tabela 4, no período de 1991 a 2010 ocorreram reduções dos déficits de acesso a abastecimento de água dos domicílios ?mais pobres? em todas as mesorregiões, com diminuições maiores (em pontos percentuais) na década de 1990 e nas mesorregiões com maiores déficits. Por exemplo, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (menores déficits nos 3 anos) teve quedas dos déficits inferiores às do estado em todos os períodos. Já as mesorregiões do Jequitinhonha e Norte de Minas (déficits relativamente elevados nos 3 anos), apresentaram as maiores quedas dos déficits.

Tabela 3
Minas Gerais: evoluções dos déficits de acesso a abastecimento de água, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Tabela 4
Minas Gerais: evoluções dos déficits de acesso a abastecimento de água dos ?mais pobres?, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

A Tabela 5 mostra que as maiores reduções dos déficits a abastecimento de água dos ?mais ricos? (em pontos percentuais), em todas as mesorregiões mineiras e no estado, ocorreram nos anos 1990. Ademais, mesorregiões mais deficitárias tenderam a apresentar as maiores quedas dos déficits no período total. Observa-se, ainda, que nas mesorregiões do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri (déficits relativamente elevados), os déficits a abastecimento de água aumentaram nos anos 2000.

A Tabela 6 apresenta as evoluções, de 1991 a 2010, dos déficits de acesso a coleta de esgoto nas mesorregiões mineiras e suas variações (pontos percentuais) década a década. Notam-se quedas dos déficits em todas as mesorregiões, sendo que as maiores ocorreram nos anos 1990. As reduções tenderam a serem maiores nas mesorregiões mais deficitárias. Por exemplo, a maior redução no período total ocorreu na mesorregião do Jequitinhonha (um dos maiores déficits em 2010).

Tabela 5
Minas Gerais: evoluções dos déficits de acesso a abastecimento de água dos ?mais ricos?, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Tabela 6
Minas Gerais: evoluções dos déficits de acesso a coleta de esgoto, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Na Tabela 7, são apresentadas as evoluções, de 1991 a 2010, dos déficits de acesso a coleta de esgoto dos domicílios ?mais pobres? (em pontos percentuais). Observa-se que, assim como nos indicadores anteriores, as maiores reduções destes déficits de acesso ocorreram na década de 1990. Porém, ao contrário dos indicadores anteriores, as maiores quedas não apresentam uma relação clara com o nível de cobertura ? a dispersão das variações é menor neste caso. Por exemplo, as maiores reduções no período total ocorreram no Vale do Rio Doce, no Noroeste de Minas e no Oeste de Minas, sendo que esta última não era uma das mais deficitárias em nenhum dos 3 anos.

A Tabela 8 mostra que os déficits de acesso a coleta de esgoto dos domicílios ?mais ricos? reduziram (em pontos percentuais) de 1991 a 2010 em todas as mesorregiões mineiras, sendo que as reduções foram mais acentuadas na década de 1990. Ademais, ao contrário dos indicadores dos ?mais pobres?, as variações são mais discrepantes e houve uma tendência de maior queda do déficit quanto menor o nível de acesso. Por exemplo, as mesorregiões do Jequitinhonha e Vale do Mucuri estão entre as com maiores déficits nos 3 anos e apresentaram as maiores reduções no período.

Tabela 7
Minas Gerais: evoluções dos déficits de acesso a coleta de esgoto dos ?mais pobres? segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Tabela 8
Minas Gerais: evoluções dos déficits de acesso a coleta de esgoto dos ?mais ricos?, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Convergências dos acessos de 1991 a 2010

A seguir, é averiguado se, de 1991 a 2010, ocorreram convergências, mesmo que incompletas, do acesso a saneamento em Minas Gerais. As convergências são analisadas por dois critérios: i) redução da diferença entre os déficits de uma mesorregião e o da Região Metropolitana de Belo Horizonte ? base de comparação por ter o menor déficit de acesso a abastecimento de água e o 2º menor a déficit de acesso a coleta de esgoto em 2010 (Tabela 2); e ii) redução, em cada serviço de saneamento e em cada mesorregião, da diferença dos déficits dos ?mais pobres? e ?mais ricos?.

Pelo primeiro critério, a Tabela 9 mostra as diferenças (pontos percentuais) dos déficits de acesso a abastecimento de água nas mesorregiões e as reduções destas. Observam-se convergências incompletas em todas as mesorregiões mineiras, mais acentuadas nos anos 1990. Ou seja, reduziram as diferenças entre os déficits de todas as mesorregiões e o déficit da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Destacam-se as maiores reduções das diferenças nas mesorregiões do Norte de Minas e do Jequitinhonha, mais ao norte do estado e, relativamente, com elevados déficits (Tabela 3).

Tabela 9
Minas Gerais: convergências dos déficits de acesso a abastecimento de água, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Na coleta de esgoto, segundo a Tabela 10, a tendência de convergência incompleta do acesso não é tão proeminente como no abastecimento de água. As mesorregiões do Norte de Minas, Sul e Sudoeste de Minas e Zona da Mata apresentaram, de 1991 a 2010, aumento da diferença (pontos percentuais) de seus déficits em relação ao da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Observa-se, ainda, que as convergências foram, no geral, maiores nos anos 1990, assim como no abastecimento de água. Vale ressalvar que as diferenças dos déficits são positivas no Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba devido a tal mesorregião apresentar maior acesso a coleta de esgoto que a Metropolitana.

Tabela 10
Minas Gerais: convergências dos déficits de acesso a coleta de esgoto, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Pelo segundo critério de convergência adotado ? redução da diferença dos déficits de acesso dos domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos? (em pontos percentuais) ?, no abastecimento de água, a Tabela 11 sinaliza que houve, de 1991 a 2010, convergência incompleta em todas as mesorregiões mineiras e no estado de Minas Gerais como um todo. Ou seja, como ocorreram reduções dos déficits de acesso ao serviço nos dois quintis de rendimentos domiciliares em todas as mesorregiões (Tabelas 4 e 5), as reduções dos déficits de acesso dos ?mais pobres? foram superiores às dos ?mais ricos?. Na maioria das mesorregiões e no estado, as convergências foram maiores nos anos 1990.

Tabela 11
Minas Gerais: convergências dos déficits de acesso a abastecimento de água entre os ?mais pobres? e os ?mais ricos?, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Na Tabela 12 é possível averiguar a convergência do acesso a coleta de esgoto entre os ?mais pobres? e ?mais ricos?. Verifica-se que as diferenças dos déficits de acesso são menores em 2010 que em 1991 em todas as mesorregiões e no total do estado. Como os déficits de acesso a esgoto em todas as mesorregiões mineiras e nos 2 quintis de rendimentos domiciliares reduziram de 1991 a 2010 (Tabelas 7 e 8), pode-se afirmar que a quedas das diferenças decorreram de maiores reduções dos déficits dos ?mais pobres?. Em 8 das 12 mesorregiões e no total do estado, as maiores quedas das diferenças do acesso (em pontos percentuais) ocorreram nos anos 1990. Deve-se destacar que no Jequitinhonha e no Norte de Minas, mesorregiões com déficits relativamente elevados (Tabelas 7 e 8), ocorreram divergências dos acessos entre ?mais pobre? e ?mais ricos? em alguma das décadas, o que contribuiu para as pequenas reduções das desigualdades de acesso nestas no período total.

Portanto, as análises desta subseção sinalizam que as desigualdades de acesso a abastecimento de água e coleta de esgoto em Minas Gerais reduziram ao longo dos anos 1990 e 2000, tanto em termos de diferenças entre as mesorregiões como entre os domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?. Ademais, considerando conjuntamente as evidências desta e da subseção anterior, é possível afirmar que as reduções dos déficits de acesso e de suas desigualdades foram superiores nos anos 1990. Tais evidências corroboram às de outros trabalhos para o Brasil e suas regiões geográficas, que sinalizam maiores reduções e convergências dos déficits de acesso a serviços de saneamento na década de 1990 em comparação à de 2000, mesmo nesta última ocorrendo uma tentativa de maior articulação e expansão das políticas, inclusive com a promulgação de uma legislação específica (Lei nº 11.445/2007) e aumento dos investimentos federais por meio do PAC, além de incentivos internacionais advindos dos ODM da ONU (TUROLLA, 2002; SAIANI; TONETO JÚNIOR, 2010; SAIANI et al., 2015).

Tabela 12
Minas Gerais: convergências dos déficits de acesso a coleta de esgoto entre os ?mais pobres? e os ?mais ricos?, segundo as mesorregiões (1991, 2000 e 2010)

IBGE. Elaboração própria.

Saneamento básico e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Importância do saneamento para os ODS

Em 2015, vários países, inclusive o Brasil, definiram no âmbito da ONU a ?Agenda

2030?, um plano de intenções para o cumprimento de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas, no geral, até 2030 (ONU, 2015). Considerando a literatura, pode-se afirmar que pelo menos 12 ODS e 32 metas são relacionados, direta ou indiretamente, a reduções dos déficits de acesso a serviços de saneamento básico. O Quadro 1 apresenta resumidamente estes ODS e metas.

Quadro 1
ODS e metas relacionados a reduções dos déficits de acesso a serviços de saneamento

ONU (2015). Elaboração própria.

Primeiramente, destaca-se o ?Objetivo 6? e as metas relacionadas, que tratam diretamente dos serviços de saneamento em diferentes dimensões, desde o acesso (metas 6.1 e 6.2) ? objeto deste estudo ? até questões de qualidade, eficiência e gestão (metas 6.3, 6.4, 6.5, 6.a e 6.b), que também são problemáticas no Brasil (SAMPAIO; SAMPAIO, 2007). Já a meta 6.6 refere-se a um provável efeito negativo das inadequações dos serviços de saneamento sobre o meio ambiente. A dimensão ambiental também é preocupação dos ODS 12, 14 e 15 e das respectivas metas 12.1, 14.1 e 15.1.

Condições inadequadas do saneamento contribuem para contaminações de mananciais, cursos de água e solos, assim como para enchentes e assoreamento de rios (CAIRNCROSS, 1984). Tais problemas se refletem em aspectos que afetam o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, para ?cidades e comunidades sustentáveis? (ODS 11) é fundamental o acesso a serviços de saneamento que garantam habitações seguras, urbanização sustentável (metas 11.1 e 11.3) e reduções de óbitos e pessoas impactadas por catástrofes, como enchentes (meta 11.5). Deve-se considerar, ainda, que a poluição de recursos hídricos prejudica a produção de bens agrícolas, afetando o alcance do ODS 2 (meta 2.3), existindo, inclusive, uma meta (2.a) específica de investimentos em infraestrutura rural. O ODS 9 (meta 9.1) reconhece a importância da infraestrutura para a indústria e o desenvolvimento, em consonância com trabalhos que discutem como o acesso a saneamento afeta a produtividade total dos fatores e, via saúde, a produtividade dos trabalhadores (HELLER, 1997; MOYO, 2011).

Solos e recursos hídricos contaminados, assim como áreas alagadas, são ambientes propícios à proliferação de várias doenças. Crianças, principalmente até os 5 anos, são mais suscetíveis as tais doenças devido ao sistema imunológico em formação, à maior ingestão de água e alimentos em relação ao peso, ao hábito de levarem mãos e objetos à boca e à maior permanência próximas ao chão (CVJETANOVIC, 1986; VICTORA et al., 1994; HELLER, 1997). Portanto, o saneamento é fundamental para o alcance do ODS 3 e das metas (3.1, 3.2, 3.3 e 3.9) relativas à saúde e bem-estar.

Via saúde, o saneamento também pode contribuir para o cumprimento dos ODS 4 e 8 e suas metas (4.1, 4.2, 8.1, 8.2 e 8.9) relacionados à educação, ao trabalho e ao crescimento econômico. A contração de doenças na infância pode prejudicar o desenvolvimento físico e mental e, assim, o desempenho escolar; enquanto nos adultos, pode afetar a produtividade no trabalho, refletindo em menores produções e rendas (CVJETANOVIC, 1986; GLEWWE; JACOBY, 1995; PNUD, 2006).

O desenvolvimento humano pode ser entendido como um processo de extinção de privações à liberdade (SEN, 1996; NUSSBAUM, 2011). Nesta concepção, inadequações do saneamento podem ser consideradas como dimensões importantes para o desenvolvimento, pois, ao afetarem a saúde e as condições objetivas do ?viver bem? (privações à saúde), determinam a capacidade de realização de escolhas (capacitações individuais). Assim, o acesso a saneamento é fundamental para a redução de desigualdades (ODS 10), garantindo maior igualdade de oportunidades e resultados (meta 10.3). Considerando os aspectos comentados, também é plausível supor que a adequação do saneamento é importante para o ODS 1 e suas metas (1.1, 1.2 e 1.4) relativas à erradicação da pobreza.

Portanto, ações no saneamento afetam várias dimensões do desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, algumas destas dimensões, principalmente relativas à renda e educação, determinam o acesso a saneamento e suas desigualdades regionais e associadas às rendas dos usuários. Quanto maiores as rendas e os níveis educacionais, maiores as capacidades de pagamento dos consumidores pelos serviços (tarifas e gastos com as instalações), a consciência em relação ao meio ambiente e saúde e, consequentemente, a demanda por serviços adequados e o controle social nesse sentido. Em termos agregados, prestadores têm maiores capacidades de arrecadar e investir. Como apontado na segunda seção, renda e educação são dois determinantes do acesso a serviços de saneamento no Brasil (GRADSTEIN; JUSTMAN, 1999; MOTTA, 2004; REZENDE et al., 2007; SNSA, 2011).

Possibilidades de cumprimento das metas de saneamento dos ODS

A manutenção das reduções dos déficits de acesso ocorridas de 1991 a 2010 seria suficiente para a universalização do acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto até 2030 no estado de Minas Gerais? Ou seja, acabariam as disparidades territoriais (mesorregiões) e entre ?mais pobres? e ?mais ricos?? Para responder a estas questões, são realizadas 3 simulações com dados dos Censos de 1991, 2000 e 2010, que avaliam a chance do cumprimento das metas de saneamento dos ODS. As simulações se diferenciam em relação às variações utilizadas para projetar os déficits em 2030:

§ simulação I: variações anuais dos déficits de 1991 a 2000; § simulação II: variações anuais dos déficits de 2000 a 2010;

§ simulação III: variações anuais dos déficits de 1991 a 2010.

Para as simulações, são calculadas as variações anuais dos déficits de acesso por quintis de rendimento domiciliar para cada serviço e mesorregião mineira [7]. Estas variações são usadas para projetar os déficits em 2030. As metas 6.1 e 6.2 dos ODS definem o acesso universalizado. Assim, a mesorregião atingirá a meta se a manutenção da variação zerar o déficit em 2030 [8].

É importante ressalvar que as simulações propostas apenas sinalizam o que poderia ocorrer se fossem mantidas as evoluções em períodos anteriores, não podendo ser atribuídas a elas uma forte capacidade preditiva. A ?evolução futura efetiva? depende de uma série de fatores não observados ? e, por isso, não controlados nas simulações ?, como a dinâmica da capacidade de investimento dos prestadores, da demanda e pressões políticas dos usuários e alternativas de financiamento público e privado. Assim, não é possível prever o ano no qual as mesorregiões realmente alcançariam a universalização, mas é investigado se e quando este objetivo seria alcançado pelas tendências de expansão do acesso nas duas décadas anteriores, o que pode ser uma importante sinalização de que os esforços adotados anteriormente são adequados ou que devem ser aprofundados para que seja alcançada a universalização do acesso a serviços com relevantes retornos sociais.

É importante ressalvar ainda que as metas dos ODS foram definidas para pessoas. Porém, neste estudo, a unidade de análise é o domicílio, em acordo com os parâmetros de universalização da Lei nº 11.445/2007 (BRASIL, 2007). Esta escolha não enviesa tanto as análises, pois o número médio de pessoas por domicílio não se altera muito no tempo e entre as regiões. Ademais, nos ODS não foram definidas as formas de acesso, optando-se por considerar a mais adequada segundo a literatura ? rede geral, como já mencionado.

A Tabela 13 mostra as simulações do cumprimento da meta 6.1 dos ODS para os domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?, ou seja, a universalização do acesso a abastecimento de água. Pela simulação I, em 10 mesorregiões ocorreria a universalização do acesso a água dos domicílios ?mais pobres?. Permaneceriam déficits nas mesorregiões do Jequitinhonha e Vale do Mucuri, 2 das mais deficitárias (Tabela 2). A universalização do acesso dos domicílios ?mais ricos? seria atingida em 6 mesorregiões. Pela simulação II, a universalização do acesso dos ?mais pobres? seria alcançada apenas na Região Metropolitana de Belo Horizonte ? a menos deficitária em 2010 (Tabela 2). Em nenhuma mesorregião a universalização do acesso dos ?mais ricos? seria atingida. Pela simulação III, em 6 mesorregiões o acesso dos ?mais pobres? seria universalizado e em 1 o dos ?mais ricos?.

Na Tabela 14, são apresentadas as simulações do cumprimento da meta 6.2 dos ODS para o caso da coleta de esgoto ? universalização do acesso até 2030. Pela simulação I, a universalização do acesso dos domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos? seria atingida em 8 das 12 mesorregiões de Minas Gerais ? algumas diferentes entre os quintis de rendimentos domiciliares. Pela simulação II, o acesso dos mais pobres seria universalizado em 2 mesorregiões mineiras e o acesso dos ?mais ricos? em nenhuma delas. Já pela simulação III, o acesso dos ?mais pobres? seria universalizado em 6 messorregiões, enquanto o acesso dos ?mais ricos? em apenas 1. Destaca-se o fato dos déficits de acesso a coleta de esgoto, principalmente nos ?mais pobres?, persistirem elevados nas mesorregiões do Jequitinhonha e do Norte de Minas, 2 das mais deficitárias (Tabela 2). Além disso, comparando as Tabelas 13 e 14, observa-se que, no geral, os déficits previstos para 2030 são maiores no esgoto.

Tabela 13
Tabela 13 ? Minas Gerais: simulações de cumprimento da meta dos ODS de universalização do acesso a abastecimento de água, segundo as mesorregiões e quintis de rendimento domiciliar

Fonte: IBGE. Elaboração própria

Tabela 14
Tabela 14 ? Minas Gerais: simulações de cumprimento da meta dos ODS de universalização do acesso a coleta de esgoto, segundo as mesorregiões e quintis de rendimento domiciliar

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

É importante ressalvar que, em alguns casos, os domicílios ?mais pobres? atingiriam as metas, assim como os ?mais ricos?. Isto se observa em função dos déficits nos primeiros terem diminuído mais nos períodos considerados (Tabelas 11 e 12), ocorrendo as convergências sinalizadas anteriormente. Porém, os ?mais ricos? têm mais condições de arcarem com custos de fontes alternativas de acesso (ações individuais), como água canalizada de poços e fossas sépticas, sendo, assim, menos dependentes das ações coletivas (redes gerais) de prestadores públicos.

Vale ressalvar, ainda, que, como observado anteriormente, as reduções e convergências dos déficits de acesso a abastecimento de água e coleta de esgoto foram superiores na década de 1990. Consequentemente, a simulação I, baseada nas variações dos anos 1990, é mais favorável que a simulação II, que considera as variações na década de 2000. Já a simulação III é baseada em variações médias nas 2 décadas. Portanto, considerando que as reduções dos déficits ocorridas nos anos 2000 já representam uma ruptura da tendência da década de 1990, a simulação II corresponde a um cenário mais provável e conservador para tomar como benchmarking. Assim, pode-se afirmar que, em quase todas as mesorregiões, seriam necessários investimentos superiores aos realizados na década de 2000 para que as metas de universalização do acesso dos ODS sejam cumpridas até 2030, o que vale tanto para o acesso a abastecimento de água como, principalmente, para o acesso a coleta de esgoto, assim como para os acessos aos serviços dos domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?.

Ou seja, são necessários esforços públicos superiores aos da década de 2000 para, em Minas Gerais, atender à recomendação da OMS e da Unicef de que, no avanço da cobertura dos serviços de saneamento básico para o cumprimento das metas dos ODS, ninguém seja ?deixado para trás?, tanto em termos de localização como de renda (JMP, 2017). Em anos mais recentes, os avanços dos investimentos e, assim, dos acessos não foram tão diferentes aos da década de 2000. No mesmo relatório da OMS e Unicef, por exemplo, é apontado que se o ritmo mundial de investimentos em saneamento for igual ao de 2014 a 2016, a meta de universalização do acesso a água e esgoto não será cumprida até 2030. Analisando especificamente os investimentos em saneamento no Brasil, a CNI (2014) estima que o acesso universal pode ser atingido somente em 2054, 24 anos após o prazo estabelecido pelos ODS. Em Minas Gerais, pelas premissas adotadas na simulação II do presente estudo, todas as mesorregiões alcançariam a universalização do acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto, ambos por rede geral, somente em 2100, como pode ser observado na Tabela 15.

Tabela 15


Fonte: IBGE. Elaboração própria.

Considerações finais

Para alcançar o desenvolvimento sustentável, é fundamental a provisão adequada de serviços de saneamento básico, pois, caso contrário, resulta em impactos negativos sobre o meio ambiente, a saúde, a educação e outras dimensões dos pilares da sustentabilidade. O debate sobre a importância do saneamento para direcionar o mundo a um caminho mais sustentável ganhou maior destaque no contexto atual após ser considerado como ação estratégica para o cumprimento dos ODS e de suas metas. O grande problema é que o Brasil apresenta sérios déficits de acesso a formas adequadas de abastecimento de água e, principalmente, de coleta de esgoto, que se distribuem desigualmente em seu território. Tal problema também é observado dentro de estados, como no caso de Minas Gerais.

Este estudo caracterizou as disparidades entre as mesorregiões mineiras quanto ao acesso a abastecimento de água e a coleta de esgoto por rede geral, forma considerada como a mais adequada nos dois serviços e mais associada a políticas públicas. Constatou-se que todas as mesorregiões são, em algum grau, deficitárias nos dois serviços. As análises também sinalizaram: i) piores coberturas da coleta de esgoto em relação às do abastecimento de água em todas as mesorregiões; ii) mesorregiões com maiores déficits de acesso tendem a possuir menores urbanizações, populações e níveis de renda ? em acordo com a literatura sobre determinantes do acesso a saneamento no Brasil ? e se localizam mais ao norte do estado, área tradicionalmente menos desenvolvida; e iii) domicílios ?mais pobres? com menores acessos relativamente aos ?mais ricos? nos dois serviços e em todas as mesorregiões.

Ademais, análises das evoluções dos déficits de acesso de 1991 a 2010 sinalizaram reduções dos déficits a abastecimento de água e a coleta de esgoto em todas as mesorregiões, mais acentuadas na década de 1990, o que sugere que o melhor quadro institucional, a maior alocação de recursos e os incentivos internacionais dos ODM da ONU durante os anos 2000 não foram suficientes para gerarem retornos imediatos mais significativos em termos de expansão do acesso. Observaram-se, ainda, convergências incompletas do acesso entre as mesorregiões mineiras e os domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?. Ou seja, mesmo que em ritmo não adequado para a rápida universalização, nenhum segmento de renda ou mesorregião está ?ficando para trás? com a expansão das coberturas.

Os ODS da ONU determinam, dentre outros aspectos, a universalização do acesso a serviços de saneamento básico até 2030. Assim, foram realizadas simulações para avaliar se a manutenção de variações históricas dos déficits seria suficiente para alcançar a universalização do abastecimento de água e da coleta de esgoto em Minas Gerais até 2030, acabando com disparidades territoriais (mesorregiões) e associadas à renda (domicílios ?mais pobres? e ?mais ricos?). Para as simulações, foram calculadas as variações anuais dos déficits de acesso, em cada serviço e mesorregião mineira, considerando três períodos: 1991 a 2000, 2000 a 2010 e 1991 a 2010. Estas variações foram usadas para projetar os déficits em 2030.

Considerando a simulação com as variações de 2000 a 2010 como benchmarking, por serem mais recentes, constatou-se que, em todas as mesorregiões mineiras, seriam necessários investimentos superiores aos ocorridos na década de 2000 para que as metas de universalização do acesso dos ODS fossem cumpridas até 2030, tanto no abastecimento de água como na coleta de esgoto, assim como nos acessos dos ?mais pobres? e ?mais ricos?. Estas evidências estão em consonância com a de outros trabalhos para o Brasil e o mundo que sinalizam a dificuldade de universalizar o acesso a saneamento mantendo os níveis históricos de investimentos.

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Notas

[1] Professora da Fundação Carmelitana Mário Palmério (FUCAMP), Brasil. Mestre em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil. E-mail: rlregianelopes@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8769-1291.
[2] Mestrando e Graduado em Economia pelo Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Brasil. E-mail: welber@ufu.br. ORCID: https://orcid.org/00000001-8030-1759.
[3] Professor Adjunto do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Brasil. Doutor em Economia pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Brasil. E-mail: ssaiani@ufu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4205-1514.
[4] Ver, entre outros: BNDES (1998), Barat (1998), Motta (2004), Rezende et al. (2007) e Saiani e Toneto Júnior (2010).
[5] Conferir, por exemplo: Queiroz (2003), Salvato et al. (2006), Simão (2006), Soares (2009) e Costa et al. (2012).
[6] Apesar da provisão dos serviços de saneamento ser, no geral, responsabilidade de prestadores públicos municipais e regionais, as políticas federais influenciam o setor por ser a principal fonte de recursos (onerosos ou não onerosos) para investimentos. Em 2010, por exemplo, representaram aproximadamente 60% dos investimentos (SNIS, 2010).
[7] As variações totais (pontos percentuais) de cada indicador em cada período constam nas Tabelas 4, 5, 7 e 8.
[8] Nas projeções dos déficits de acesso em 2030 pela variação em pontos percentuais em períodos anteriores, é possível que seja atingido um déficit negativo. Para estes casos, também é considerado que o déficit foi zerado.


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