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Leandro Tocantins e o lugar da Amazônia na modernidade
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 16, núm. 2, 2019
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 16, núm. 2, 2019

Recepção: 15 Maio 2019

Aprovação: 26 Agosto 2019

Resumo: O presente artigo procura analisar o pensamento político de Leandro Tocantins, um dos mais destacados historiadores amazônidas. O autor procurou soluções para o desenvolvimento regional e para retirar a Amazônia da crise que a assolava desde o início do século XX. O seu projeto de futuro consistia na implantação de um pacto conservador na Amazônia que valorizasse a cultura regional ao mesmo tempo em que justificasse a ação forte do Estado para integração regional. Nesse âmbito, Leandro Tocantins apoiou a Ruptura de 1964, exercendo papel importante na administração estadual liderada por Arthur Cézar Ferreira Reis. Por fim, a metodologia adotada foi de caráter documental. Procuramos sistematizar a interpretação do autor na leitura das suas obras, ao ressaltarmos a forma particular de análise do autor em relação à função do Estado, o lugar da tradição na sociedade e a forma como interpretou a relação entre região e nação.

Palavras-chave: Leandro Tocantins, conservadorismo, pensamento político, Amazônia.

Resumen: El presente artículo busca analizar el pensamiento político de Leandro Tocantins, uno de los más destacados historiadores amazónicos. El autor buscó soluciones para el desarrollo regional y para retirar la Amazonia de la crisis que la asolaba desde el inicio del siglo XX. Su proyecto de futuro consistia a en la implantación de un pacto conservador en la Amazonia que valorara la cultura regional al mismo tiempo que justificaba la acción fuerte del Estado para la integración regional. En ese marco, Leandro Tocantins apoyó la Ruptura de 1964, ejerciendo un papel importante en la administración estadual liderada por Arthur Cézar Ferreira Reis. Por último, la metodología adoptada fue de carácter documental. Intentamos buscar sistemáticamente la interpretación del autor em la lectura de sus obras al resaltar la forma particular de análisis del autor em relación a la función del Estado, el lugar de la tradición em la sociedad y la forma como interpreto la relación entre región y nación.

Palabras clave: Leandro Tocantins, conservadorismo, pensamiento político, Amazonia.

Abstract: This article tries to analyze the political thinking of Leandro Tocantins, one of the most outstanding Amazonian historians. The author sought solutions for regional development and to remove the Amazon from the crisis that had plagued it since the beginning of the 20th century. His future project consisted in the implementation of a conservative pact in the Amazon that valued the regional culture while justifying the State's strong action for regional integration. In this scope, Leandro Tocantins supported the Rupture of 1964, playing an important role in the state administration led by Arthur Cézar Ferreira Reis. Finally, the methodology adopted was documentary. We try to systematize the author 's interpretation in reading his works by highlighting the author' s particular form of analysis regarding the role of the State, the place of tradition in society and the way in which he interpreted the relationship between region and nation.

Keywords: Leandro Tocantins, conservatism, political thinking, Amazonia.

Introdução

Leandro Góes Tocantins nasceu em Belém no ano de 1919, falecendo na cidade do Rio de Janeiro em 2004. Foi historiador, poeta, ensaísta e tecnocrata. Refletiu sobre a história, a cultura e o lugar da Amazônia na formação brasileira. As suas obras tiveram grande impacto nas formulações teóricas referentes àquela região, além de atuar politicamente durante o regime militar na criação de políticas de desenvolvimento regional.

Leandro Tocantins pertencia a uma tradicional família paraense, dona da Casa Aviadora Barbosa e Tocantins, que faliu durante a crise da economia do látex. Essa insolvência forçou a família a se mudar para o Acre, no Rio Tarauacá, quando o autor ainda era criança. As lembranças da família a respeito do auge do extrativismo, bem como da vida no sítio no interior do Acre, causaram grande influência nos seus estudos sobre a formação histórica do modo de vida amazônico.

Graduou-se em jornalismo e direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também exerceu cargos no Ministério da Justiça, foi representante do Governo do

Amazonas no Rio de Janeiro durante a gestão de Arthur Reis, integrou o Conselho Federal de Cultura, fez parte da Agência Nacional de Censura na década de 1970 e foi adido cultural da embaixada brasileira em Portugal.

A sua obra foi influenciada pelo método genético e ecológico de Gilberto Freyre e pelo pensamento conservador de Arthur Cézar Ferreira Reis, com quem dividia várias concepções históricas a respeito da Amazônia. Recebeu igualmente a influência intelectual de Euclides da Cunha, para quem a obra O Paraíso Perdido contribuiu para formular suas interpretações sobre a região. Deste modo, dialogou com várias vertentes teóricas e criou uma interpretação própria sobre a Amazônia. Foi um intelectual ativista, que não se limitou a lançar livros e proferir palestras, mas teve atuação destacada no poder, onde se esforçou, com bastante êxito, para fazer com que as suas teses sobre a Amazônia se materializassem em políticas públicas.

Todo o pensamento de Leandro Tocantins representa uma tentativa de conciliar a modernidade do mundo atual e a tradição da cultura amazônica, defendida pelo autor como a única forma de estabelecer um progresso criterioso, sem caos moral e social, e que respeitasse as peculiaridades regionais. A grande preocupação do autor era a defesa de uma modernidade controlada, que conciliasse a cultura regional com o desenvolvimento capitalista.

Leandro Tocantins estava inserido, assim como Arthur Cézar Ferreira Reis, em um contexto intelectual de busca por soluções aos impasses e contradições referentes ao atraso da Amazônia em relação às outras regiões brasileiras. Assim como outros de sua época, sentia-se imbuído de uma missão que valorizava as peculiaridades do modo de vida da região que se sustentavam na miscigenação entre o português e o índio. Nesse projeto de futuro, Leandro Tocantins propunha formas de modernização do espaço amazônico que estivessem de acordo com a sua cultura e tradição.

Odenei Ribeiro (2015) aponta que as influências intelectuais do autor giram em torno da geração de pensadores brasileiros cuja predominância de suas ideias ocorreu entre as décadas de 1920 e 1940: Gilberto Freyre, Oliveira Vianna, José Lins do Rêgo, Euclides da Cunha e Alberto Torres. Assim, suas ideias estão fortemente ligadas ao pensamento nacionalista da primeira metade do século XX, quando abandona gradativamente as ideias do civismo ornamental de autores como Gonçalves Dias e Olavo Bilac em prol de uma interpretação do Brasil amparada na história, na literatura, na sociologia e na antropologia.

Leandro Tocantins foi um dos mais representativos pensadores amazônicos do seu tempo. Procurou defender o legado da cultura regional e se colocou contra a universalização sem referências propiciada pela modernidade. Alinhado à direita do espectro político, foi simpático à ruptura autoritária de 1964 e escolheu a via da modernização conservadora para desenvolver e integrar a região amazônica, que vivenciava grave crise desde o início do século XX.

O conservadorismo é uma forma de pensamento que valoriza o legado da história para a vivência humana (MANNHEIM, 1982; KIRK, 2014). Em outras palavras, o conservadorismo aponta que os costumes, as tradições e os preceitos morais devem ser respeitados, pois são eles que direcionam a vida social. Portanto, aposta na mudança lenta e prudente das relações sociais ao valorizar as instituições situadas entre o indivíduo e o Estado, como a Igreja, a família e a escola. Simultaneamente, Leandro Tocantins criticava o individualismo gerado pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, as quais engendraram o democratismo fundamentando no modelo de democracia sem controles da tradição.

O surgimento pensamento conservador foi uma reação ao modelo político proposto pela Revolução Francesa. O conservadorismo detraía as mudanças bruscas e revolucionárias ao buscar na Idade Média uma época ideal de harmonia e coesão social. Leandro Tocantins argumentava que o indivíduo não podia ser considerado autossuficiente, mas deveria estar amparado pelos vínculos da moral e da tradição. Em oposição ao modelo socialista, o autor apontava que a igualdade total entre os homens é impossível e antinatural, pois as desigualdades entre as pessoas são benéficas e contribuem para a manutenção da ordem social.

No Brasil, o conservadorismo teve papel importante na formação nacional ao equacionar os ideais do liberalismo e de preservação da tradição como os principais valores políticos para a jovem nação que se emancipava em 1822 (MERCADANTE, 1982). Sem uma Idade Média para tomar com referência, o conservantismo brasileiro concentrou-se na formação nacional e buscou defender a conciliação de um modelo de progresso gradual, direcionado por elites intelectuais e administrativas, marcadas pelo radicalismo (RICUPERO, 2010; LYNCH, 2017).

Portanto, o artigo em questão procura analisar a forma como o autor relaciona o papel da política no desenvolvimento regional e a relação entre Estado e sociedade na Amazônia. Em um primeiro momento, analisamos a importância dos valores tradicionais para direcionar a vida social. Em seguida, estudamos a forma como Leandro Tocantins interpretou a ruptura autoritária de 1964 e a sua visão sobre o governo de Arthur Cézar Ferreira Reis, do qual fez parte. Por fim, apresentamos as propostas para o desenvolvimento da Amazônia a partir da Amazonotropicologia, ciência cuja função era dar respostas práticas às questões regionais.

Região, tradição e conciliação

Segundo o historiador carioca Américo Jacobina Lacombe (1909-1993), no prefácio de Vida, Cultura e Ação (1969), Leandro Tocantins possui visão de progresso que deve estar associada ao legado da história em respeito aos indivíduos e grupos que contribuíram para com o passado e dele fizeram uma base para a formulação do futuro. Só podemos pensar no futuro se voltarmos ao passado e tirarmos dele os valores e aprendizados que nos faça enxergar mais longe. A modernidade seria a assimilação de valores novos aos valores já existentes, o que enriqueceria o patrimônio cultural de uma nação.

Ainda na mesma obra, Leandro Tocantins assinala a positividade da colonização brasileira que tornou possível forjar uma unidade territorial, linguística, cultural e de convivência entre as diversas etnias. A colonização miscigenou negros, índios e brancos que se tornaram o germe de uma nacionalidade e de uma tradição que deve ser sempre revisitada e reverenciada. Nesse horizonte teórico, Leandro Tocantins se aproxima de aspectos das interpretações do Brasil de Arthur Cézar Ferreira Reis e Gilberto Freyre.

O fenômeno cultural é uma das preocupações centrais de Leandro Tocantins. A cultura é fundamental para a realização de empreendimentos científicos, técnicos, literários artísticos e folclóricos. O autor amazônida projetava despertar na juventude a importância dos valores brasileiros que, mesmo tidos como arcaicos pelo espírito moderno, possuem relevante influência na vida nacional. Leandro Tocantins interpreta a tradição como valores que personificam material e espiritualmente o país, constituindo valores que os indivíduos podem cultivar na modernidade. Sem embargo, as tradições são os costumes vivos que se reatualizam no tempo e não constituem partes estáticas das estruturas consideradas erroneamente como ultrapassadas (TOCANTINS, 1969).

Em sua busca pela conciliação entre a tradição e a modernidade, Leandro Tocantins considera a cultura como o elo necessário entre a modernidade e a tradição: a cultura une determinados valores tradicionais aos valores que formam a dinâmica moderna. Em diálogo com o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), Leandro Tocantins reiterava que a vida social e política equilibram o passado e o futuro. Ambos são orientados por cenário incerto e plural, e o passado se torna a bússola indispensável para se guiar em direção ao devir da história (TOCANTINS, 1969). A dimensão da herança da história - e dos valores criados por ela - é essencial para oferecer sentido à vida social. A tradição e o costume são elementos vivos que personificam a alma de um povo e concedem vigor para interpretar e enfrentar os tempos modernos. O olhar de Tocantins possui maior ênfase sobre o conservadorismo cultural como dimensão privilegiada de sustentáculo da comunidade humana.

Numa época de agitação e negação dos valores estabelecidos, haveria certo niilismo entre os jovens que se rebelariam contra os valores sociais tradicionais. Conforme Leandro Tocantins, para um país novo em história e cheio de energia para direcionar a algo superior, não é recomendado importar ideologias alienígenas e extremistas para resolver a crise da sociedade brasileira. Essa crise é decorrência do descompasso entre uma elite política desatualizada e portadora de ideias arcaicas e os desejos do povo por paz e prosperidade. É preciso criar uma nova elite política e uma nova fórmula de governar (TOCANTINS, 1969).

A política tradicional deve ser substituída por uma forma mais preocupada com os destinos do ser humano e com o aproveitamento das suas energias. O foco na dimensão humana seria o substituto do jogo de interesses que corresponde à nova época histórica repleta de grandes descobertas científicas e de avanços tecnológicos. Entretanto, Leandro Tocantins alerta que os novos valores criados por essa Nova Era devem estar amalgamados aos valores tradicionais.

É preciso ir nas raízes culturais no nosso povo, auscultar-lhes as tendências, sentir o processo de seu desenvolvimento histórico-social: para que a criação (...) atinja perfeito equilíbrio entre essas tendência psico-sociais, reveladas no largo magistério da História, e o sentido modernizante que o tempo presente sugere. Uma inteligente fusão de experiência universal com experiência brasileira, sempre levando em conta o rico acervo de nossa Cultura (...) com amplo sentido histórico, sociológico antropológico (TOCANTINS, 1969, p. 17)

Para Leandro Tocantins, a cultura, personificada nos valores tradicionais, deve ser preservada porque possui significado profundo na alma de um povo e de uma nação. A cultura oferece sentido ao criar sentimentos de identidade comuns, podendo se tornar um porto seguro para as reformas sociais e para os direcionamentos que as nações resolverem tomar diante de períodos históricos turbulentos. Portanto, o autor se opõe à despersonalização da cultura brasileira e ao processo de universalização gerado pela modernidade descontrolada e sem critérios. A cultura seria o ponto de partida da nação para enfrentar desafios desconhecidos.

A Cultura, em sua significação moderna, está integrada no desenvolvimento global do país, porque é intrínseca às formas de vida do grupo nacional: ela revela a ação dinâmica do Homem na História. E nada mais generoso do que seu fim: servir exclusivamente ao Homem (TOCANTINS, 1969, p. 19).

Ao citar Arthur Cézar Ferreira Reis, Leandro Tocantins converge com o historiador amazonense ao afirmar que a Revolução Brasileira[4] levará o Brasil a um grande destino (TOCANTINS, 1969). O autor propõe que é necessária a formação de uma nova elite intelectual que possa assegurar a construção de um futuro onde se mesclem modernidade e tradição: adotar o espírito moderno sem, contudo, abandonar a cultura nacional e regional. Para atingir essa finalidade, o autor defende que entre os tecnocratas haja um equilíbrio entre a tendência econômica e a tendência cultural e social. Não se pode privilegiar apenas o desenvolvimento econômico, pois quando este não tem o respaldo cultural não se estrutura em longo prazo.

Nesse contexto intelectual, Leandro Tocantins dialogou igualmente com o poeta paulista Cassiano Ricardo Leite (1894-1974) e com o sociólogo Gilberto Freyre, concluindo que o intelectual deve lutar por um novo humanismo e contra o tecnicismo que ameaça despersonalizar todas as culturas e povos do mundo. O intelectual deve lutar contra a maré universalizadora do mundo dominado pela tecnologia ao valorizar o ethos nacional e regional. Assim, o intelectual estaria lutando pela preservação do caráter único de seu povo (TOCANTINS, 1969).

Essa é a razão pela qual Leandro Tocantins defende a preservação da cultura amazônica e o seu papel na manutenção de uma vida adaptada à ecologia regional. Os projetos de modernidade devem estar ligados à cultura regional: adaptados ao meio, aqueles projetos devem se adaptar às peculiaridades regionais ao utilizar as chamadas vantagens locais:

A cultura amazônica (...) sobressai na congregação de vários brasis com expressão singular, ecologicamente singular, que precisa ser entendida sobretudo pelos poderes públicos, pois a ação normativa e desenvolvimentista do Governo cabe, em primeiro plano, a responsabilidade de dinamização demográfica, social e econômica da Amazônia, desde que a Amazônia, o imenso deserto do Brasil, deve ser uma nova fronteira social e nunca individual. É o que se tornou filosofia de Estado, com objetivos definidos e práticos a partir do Governo do Presidente Castelo Branco, que lançou a chamada Operação Amazônia, de modernização e inovação de métodos e da infraestrutura administrativa dos órgãos operativos na região. E prosseguia pelo governo atual, graças à sensibilidade cívica e compreensão sócio política do ex-ministro do Interior, General Albuquerque Lima e do atual Ministro Costa Cavalcanti. (TOCANTINS, 1969, p. 49-50).

A revolução cultural a ser concretizada na região oferecerá aos habitantes instrumentos que possam elevar os seus padrões de vida, deixando de ser um mero exportador de matérias primas para se tornar uma região efetivamente integrada ao complexo cultural nacional. Contudo, Leandro Tocantins alerta que esse espírito de progresso e de integração não deve resultar na destruição da cultura regional, de matriz luso-indígena, porque é ela que dá sentido à vida do amazônida. A formação dessa cultura foi o resultado de um processo de adaptação e experimentação histórica de muitos séculos. Essa integração não deve resultar na despersonalização da Amazônia e exagerar a unidade nacional em detrimento das partes regionais que, convergindo com Gilberto Freyre, é resultado do industrialismo americano, gerador da monotonia cultural que anula a diversidade em favor da homogeneização cultural produzida pela modernidade.

Portanto, o projeto intelectual e político de Leandro Tocantins - ao valorizar aquilo que classificou como a tradição amazônica - é uma tentativa de equilibrar um contexto de decadência social e conflitos de classe. Conciliar os valores tradicionais com os modernos era a chave para fugir do caos social e restaurar um suposto equilíbrio e tolerância caros à cultura amazônica e brasileira. Por isso, o autor defende a modernização sem que haja prejuízos ao nosso ethos tropical (RIBEIRO, 2010).

A introdução sem critérios de valores estrangeiros - europeus e norte-americanos - cria desequilíbrio social, pois não está associada ao nosso desenvolvimento histórico particular (RIBEIRO, 2010). Os valores do progresso e da modernidade não podem conviver de forma harmônica com a pluralidade de formas de vida brasileiras quando são tomados de forma rígida e inflexível, perdendo-se o caráter conciliador da nossa cultura. Os valores da modernidade e do industrialismo devem ser tomados como uma contribuição a mais na vida brasileira e não como um dado absoluto que procura homogeneizar a diversidade da cultura nacional.

O pensamento do autor paraense está envolto pelas preocupações desenvolvimentistas do pós-guerra e pela questão da integração da região norte ao complexo cultural, social e político brasileiro (RIBEIRO, 2010). A defesa do projeto industrial e desenvolvimentista ocorre sem ruptura com os antigos setores extrativistas, equilibrando as elites tradicionais surgidas com a sociedade da borracha do extrativismo. Deste modo, Leandro Tocantins postula uma continuidade linear entre os períodos históricos. Manter os valores tradicionais no presente é uma forma de nos modernizarmos sem rupturas e sem prejuízo da nossa raiz tropical. Nos trópicos, seja brasileiros ou amazônicos, não há opressão de uma cultura sobre as outras, mas coexistência pacífica entre as culturas: o desenvolvimento deve estar integrado ao legado luso-indígena e não simplesmente anulá-lo.

Pertencente à antiga aristocracia extrativista, Leandro Tocantins procurou encontrar o lugar deste grupo social no novo contexto marcado pela industrialização de substituição de importações. Tentou resolver a questão da decadência das elites e do mundo gerado com o extrativismo ao propor um modelo de desenvolvimento protagonizado pelo Estado que propicia espaço para as elites decadentes. A esfera nacional deve resolver as contradições regionais, orientando e planejando os programas de desenvolvimento, pois o equilíbrio político brasileiro só poderia ser alcançado com a paridade econômica entre as regiões (RIBEIRO, 2010).

Leandro Tocantins preconiza a integração regional dentro do arcabouço de ação do Estado nacional via substituição de importações e planejamento econômico. A criação do SPVEA na década de 1950 foi consequência do espírito conciliatório que teria atendido tanto aos interesses do Estado nacional quanto aos anseios das elites regionais que desejavam ter acesso ao financiamento público para as suas atividades econômicas. O autor participou de forma ativa nas políticas da Instituição como assessor de um dos seus diretores, Arthur Cézar Ferreira Reis. Entre 1964 e 1966 teve papel importante no governo do Amazonas ao lado de Arthur Cézar Ferreira Reis e na formulação do projeto da Zona Franca de Manaus, que viria a substituir o projeto do Porto Franco (RIBEIRO, 2010).

Tendo diante de si o horizonte de problemas criado pela disparidade regional e pela intensa mudança política e social criada pelo ?Espírito do Tempo?, Leandro Tocantins considera primordial na sua atuação política a preservação das nossas raízes indígenas, lusitanas e africanas. Para Leandro Tocantins, a diversidade regional do Brasil não impede a unidade nacional. Antes, o reconhecimento das realidades regionais poderia fortalecer a unidade brasileira. Por isso o autor aderiu ao movimento regionalista do Recife, encabeçado por Gilberto Freyre, ao criticar o mimetismo cultural e defender a cultura das regiões brasileiras como expressões máximas de brasilidade (RIBEIRO, 2015).

Leandro Tocantins defendia que a industrialização só poderia ser efetivada se fosse respeitada a cultura regional. Sob outra perspectiva, era crítico da supremacia do sudeste sobre o Brasil, pois impunha as suas políticas sobre as outras regiões. A sua intenção era colocar em debate a importância do Amazonas para a afirmação da nacionalidade ao desfazer os estigmas atribuídos a esse Estado da Federação, e a Região Norte poderia se desenvolver se houvesse uma política federal que privilegiasse as particularidades das necessidades regionais. A situação da aristocracia extrativista - a qual pertencia o autor - possuía várias semelhanças com os grupos de elite do nordeste enfraquecidos com a decadência do patriarcalismo e da monocultura do açúcar. Esse foi o elemento decisivo para a conversão de Leandro Tocantins à modernização autoritária e à ruptura de 1964, vista como opção viável para resolução dos conflitos nacionais e como resposta aos dilemas amazônidas (RIBEIRO, 2015).

Leandro Tocantins procurava colocar o trópico úmido no cenário nacional e estabelecer um novo pacto político onde a região emerge como lugar privilegiado dos projetos governamentais. Assim, se aproxima de Arthur Cézar Ferreira Reis e do escritor amazonense Djalma da Cunha Batista (1916-1979), para quem a consolidação do Brasil como nação soberana passa pela integração da região com o aproveitamento das suas matérias primas no processo de industrialização nacional. A defesa da ação do Estado como protagonista na dinamização social torna explicito um discurso antiliberal em oposição ao modelo da Primeira República, onde predominava a falta de políticas para a região que sofria com a crise da economia da borracha (RIBEIRO, 2015).

Para o movimento regionalista do Norte e Nordeste, a domínio cientifico era primordial para o alcance das suas aspirações políticas (RIBEIRO, 2015). A ciência era instrumento colocado supostamente acima das classes sociais e da política para favorecer a construção nacional ao definir os destinos das sociedades e das regiões. O saber científico é tomado como legítimo e libertado de interesses facciosos, apresentando-se como caminho seguro para a implementação de uma determinada modalidade de economia política, com a qual os intelectuais do período estavam comprometidos.

A criação de uma nova consciência nacional passa pelo equacionamento da problemática região-nação, onde os investimentos públicos ocupam posição central na dinamização econômica e no amadurecimento de uma política de elevação da mentalidade da população (TOCANTINS, 1972). Ademais, Leandro Tocantins segue a perspectiva Jacques Lambert ao apontar a existência dos ?dois brasis?, um evoluído e outro subdesenvolvido. Ainda em diálogo com o sociólogo francês, Leandro Tocantins crítica o modelo institucional do federalismo da Primeira República, que teria originado uma série de distorções nas regiões brasileiras. O federalismo organizou a ?metrópole? e as suas ?colônias? que, situadas dentro do mesmo território, estavam desprovidas das condições institucionais que imperam no centro. O Amazonas era um exemplo desse arranjo institucional, pois apesar de ter necessidade de liberdade não podia governarse sozinho.

Leandro Tocantins complementa seu argumento contra o federalismo republicano a partir das reflexões de Oliveira Vianna. O sociólogo fluminense afirmava que após a queda do Império, poucos Estados da federação estavam aptos para enfrentar a administração autônoma gerada pelo novo pacto político de 1889: seria mais eficiente limitar o federalismo em favor da União. Nessa linha de raciocínio, Leandro Tocantins indica que o federalismo é anacrônico na história política brasileira do seu tempo ao ressaltar a presença cada vez mais ostensiva da União nos problemas nacionais (TOCANTINS, 1972).

Era preciso colocar a região norte em paridade com as outras regiões mais desenvolvidas do país, fazer valer a soberania brasileira sobre ela e afastar a pressão dos interesses externos que se tentam se assenhorear dessa parte do Brasil. Como exemplo dessa pressão, Leandro Tocantins aludia à tentativa de criação do Instituto do Hileia Amazônico, visto por Arthur Cézar ferreira Reis e Leandro Tocantins como iniciativa externa que ameaçava o espaço brasileiro. A participação da França, Inglaterra e Holanda se processaria em pé de igualdade com a participação brasileira: o que, se primeiramente seria em virtude de interesses puramente científicos, poderia evoluir para processo de esvaziamento brasileiro sobre o espaço amazônico (TOCANTINS, 1972).

Leandro Tocantins propunha o cumprimento de uma política regional identificada à política de Estado e que não fosse refém das disputas partidárias. Mais uma vez, o autor se aproximou da análise de Arthur Cézar Ferreira Reis referente às políticas públicas de 1946 para a Amazônia, em particular a atuação do SPVEA. Leandro Tocantins chegou à conclusão de que o projeto de desenvolvimento regional se tornou apenas instrumento para a acomodação institucional e política de facções partidárias, o que acabou por distorcer o seu caráter técnico (TOCANTINS, 1972).

A seguir, analisaremos a forma como o autor interpretou o Golpe de 1964 e o seu projeto político de integração regional para a Amazônia.

A modernização conservadora e a questão amazônica

A política global de integração da Amazônia ao complexo brasileiro - defendida por Leandro Tocantins (1972) - foi instituída pelo Regime de 1964 e pela Operação Amazônia. O autor acreditava que fora vencida a indiferença e o pessimismo com a incorporação da região amazônica na dinâmica moderna e eficaz do capitalismo do século XX. Nesse cenário, emergia no Brasil uma ?política realista e orgânica? concatenada às estruturas regionais. Deste modo, Leandro Tocantins elogiava a renovação institucional estruturado pelo regime político inaugurado em 1964.

O autor considerava positiva a ação política dos governadores erguidos ao poder com o Golpe de1964, classificando-os como gestores esclarecidos e técnicos. Na interpretação de Leandro Tocantins, o Estado deixou de ser refém das facções políticas e da corrupção ao formar uma filosofia global de integração regional e ação administrativa. A corrupção e o obscurantismo foram sepultados no Amazonas e no Pará com a ação dos governadores alinhados ao braço militarista dos grupos sociais que tomaram o poder em 1964 (TOCANTINS, 1972).

Em 1964, Leandro Tocantins foi empossado como diretor da Representação do Governo do Amazonas no Rio de Janeiro por indicação do governador Arthur Cézar Ferreira Reis. Na palestra de sua posse, o autor afirmou o compromisso do executivo estadual, em consonância com o regime político autoritário, de colocar o Estado em uma nova era de prosperidade material e espiritual. A então nova administração estaria revivendo o mesmo ímpeto dos antigos estadistas coloniais, como Lobo D´Almada; e do Império, como Tenreiro Aranha; e até mesmo da Primeira República, na figura de Eduardo Ribeiro, que se dedicaram a grandes realizações com a ajuda das elites dirigentes.

A grande capacidade do Amazonense estaria na mescla de valores modernos com as suas tradições culturais, resultando em política plástica e adaptada ao meio que expressava a identidade mais elevada do seu povo. Assim seria a gestão do seu amigo, mentor e governador Arthur Cézar Ferreira Reis: pragmática e realista, procurando colocar o Amazonas dentro dos padrões de vida de outros Estados mais desenvolvidos; era o reflexo do clima de ordem e trabalho que se reproduzia em todo o Brasil (TOCANTINS, 1972).

Mesmo sendo partidário da modernização, Leandro Tocantins alertava para os riscos da homogeneização forçada que poderia ameaçar todo o modo de vida regional. Por isso, quando aponta para a conciliação entre modernidade e tradição, está na verdade apontado para a junção harmônica entre a região e as técnicas modernas de produção, administração e governança. A modernidade deve se adequar à Amazônia, e não o contrário. Em virtude disso, o autor defendia que a arquitetura das cidades, por exemplo, estivesse devidamente adaptada ao meio envolvente e às condições climáticas, fugindo da imitação dos modelos do sul e sudeste, imprópria para o modo de vida regional. A arquitetura vista por Leandro Tocantins não é apenas expressão estética, mas o resultado da cultura, dos valores e dos modos de vida do povo amazônida. Essa adaptação deveria estar submetida à política, à economia e às universidades comprometidas com a vida regional e com a resolução de problemas concretos da vida no Trópico Úmido (TOCANTINS, 1972).

A formação de um estilo de vida tipicamente regional está ligada à harmonização entre o novo e o tradicional, onde a pesquisa e a ciência seriam o elo. Por isso, a sua visão de universidade e a sua filosofia da ciência estão prenhes da noção de regionalismo, visto como ponto nodal da sociedade, dele se desdobrando todas as relações que fazem com que os homens vivam juntos. O traçado das cidades, seus prédios, seus parques, suas praças, suas casas e sua política devem expressar uma cultura viva que oferece sentido à organização da vida social. Apenas a ciência guiada pelos valores e pelas tradições é que consegue oferecer as condições para um desenvolvimento sem criar desordens sociais e que atender a todos. Leandro Tocantins acreditava que era um erro reduzir o exercício da política a uma tecnocracia. O correto seria misturar a política com a dimensão cultural: surge a noção de ?políticocracia?, que seria uma forma mais adequada para um mundo que sofria rápidas alterações (TOCANTINS, 1972).

Em virtude disso, Leandro Tocantins propôs uma política realista, definida como forma de exercer o poder supostamente libertado das ideologias políticas, dos extremismos e das disputas partidárias, amparada no nacionalismo e na neutralidade científica. Valores nacionais e tradicionais seriam usados como guia para uma política científica capaz de conhecer os verdadeiros problemas brasileiros e resolvê-los de forma objetiva e honesta.

Leandro Tocantins atentava para o risco da degradação ambiental e para o futuro da região caso prevalecesse uma modernização desordenada e sem critérios, onde não há a conciliação entre valores regionais e a modernidade:

[...] sua preocupação se volta para o futuro da região, que mergulhada num processo de pleno desenvolvimento econômico, poderia muito bem esquecer-se dos valores aos quais deram a sociedade amazônica as suas características e avançar em um processo de degradação ambiental que [...] já havia começado e não iria parar a menos que se tomassem medidas urgentes (RAMOS, 2012, p. 70).

Inserida na problemática ambiental, a interpretação de Leandro Tocantins apontava a necessidade de a Amazônia oferecer a sua própria contribuição para o Brasil, para o mundo e para a modernidade:

A Amazônia plasmará seu próprio modelo de civilização. Ao jeito de seus imensos recursos naturais. De suas peculiaridades físicas e ecológicas. Daí o novo mundo que ela representa para o Brasil. Nova fronteira aberta aos brasileiros (...) como ampliativos do espaço econômico e social do país (TOCANTINS, 1982, p. 154)

Contudo, para que todo o seu potencial seja de fato aproveitado, é preciso superar seus três problemas principais, que são:

[...] o extrativismo, em forma imperialista, o latifúndio, em dimensões desproporcionais, consequência do primeiro, e a pequena lavoura, mais de subsistência individual do que de significado econômico. Daí parte da diversificação de problemas: de isolamento, de saúde, de educação, de comunicação, de transporte, e tantos outros equacionados num espaço geográfico gigantesco, dramaticamente assinalado pela presença dispersa do homem (TOCANTINS, 1982, p. 154)

Era de fundamental importância superar estas distorções que criaram fortes raízes na vida regional. A região deveria utilizar todo o seu potencial em favor de si mesma e do Brasil. A situação ímpar da Amazônia brasileira, com a sua infinita reserva de recursos naturais e a sua ocupação desproporcional do espaço, com áreas de grande densidade humana localizadas em Manaus e Belém, combinada com muitas outras de baixa ocupação, são um desfio para os políticos e tomadores e decisão, principalmente num contexto de bipolaridade da Guerra-Fria, época em que Leandro Tocantins escreveu a sua obra (TOCANTINS, 1982).

Segundo Leandro Tocantins, a disputa de duas formas de imperialismo em todo o mundo indicava que o Brasil, como maior nação do Sul, exerceria papel importante na grande ação econômica americana. Contudo, alertava que este protagonismo deveria ser ativo e não mero fornecedor de matérias primas diante da conjuntura internacional.

Tais preocupações se relacionam diretamente a uma questão geopolítica de integração regional, na qual a Amazônia seria um espaço à espera de ser ocupado pela técnica e pela civilização:

E na América, a Amazônia brasileira é um potencial econômico à espera da técnica e dos capitais para a sua plena integração no conjunto do país, eliminando essas perigosas diferenciações de desenvolvimento e subdesenvolvimento que caracterizam os dois Brasis. Não se deve esquecer que ela apresenta aquelas condições ideais de atraso e de pobreza tão bem exploradas pela colonialismo nas áreas que adquiriram consciência cívica. E pela neocolonialismo do mundo atual, sob disfarces vários (TOCANTINS, 1982, p. 156).

A integração da Amazônia a partir do planejamento e da técnica foi vista por Leandro Tocantins como primordial para a segurança nacional e para equilibrar as desigualdades entre as regiões que caracterizam a tese dos dois Brasis. Contudo, advertia que a exploração do solo amazônico deveria estar amparada por um direcionamento moral; caso contrário, acarretaria em devastação ambiental e conflito entre natureza e sociedade. Se o desenvolvimento não for direcionado por princípios éticos e morais como a tradição e os valores cultuais de cada região, a alienação do homem e a depredação ambiental tornam-se iminentes, nascendo daí um ?tumor social? (TOCANTINS, 1982).

Nessa conjuntura, a questão da luta de classes que perpassava trabalhadores e empresários estaria superada. Em Leandro Tocantins, o que se coloca como atual é o problema ecológico de harmonia entre homem e meio envolvente. Por conseguinte, o desenvolvimento desordenado - sem valores, sem critérios e deslocado da tradição - fatalmente criaria esgotamento dos recursos naturais e a desarmonia entre homem e o ambiente. No lugar da civilização industrial, centralizadora e devastadora, Leandro Tocantins apresentava como solução o desenvolvimento amparado nos valores regionais, na valorização do meio ambiente, em tecnologias moderadas e no uso renovável dos recursos energéticos, principalmente a energia solar.

Para o autor, era hora de deixar o velho espírito da aventura colonizadora no trópico úmido, e substituí-lo por um grande projeto de integração que preservasse a tradição e as relações sociais dela decorrentes:

Ao concluir que a Amazônia necessita de um projeto de desenvolvimento perene para se integrar definitivamente à vida econômica e social brasileira, Tocantins expõe a face mais perversa dos ciclos intermitentes do extrativismo, o subdesenvolvimento e o atraso regional. A intenção do ensaio é entender a Amazônia na soma das inter-relações que observamos na teia complexa de homens ou instituições espacialmente distribuídas por meio de rios e de solo regional. Na lógica do complexo biossocial, meio, paisagem, população, cultura, o tempo se move em tempo-histórico, tempo-social, tempo-ecológico e tempo-memória, acervo das experiências passadas que nos atam as projeções do futuro. Eis o sentido conferido, por ele, à permanência da tradição em meio ao fluxo de transformações modernas, esboço inaugural da tese de que o ela entre tradição e modernidade e a cultura (RIBEIRO, 2015, p. 268).

A memória não se resume àquela do indivíduo, mas pertence a uma dimensão maior, ligada à história e aos valores culturais, que resistem à mudança histórica (RIBEIRO, 2015). Portanto, o novo e o moderno - tomados como grande projeto político e econômico - devem preservar essa face mais longeva da experiência histórica que permanece no tempo e no espaço e que deveria caracterizar o segundo tempo na Amazônia:

O segundo tempo na Amazônia deve ser conduzido a partir de um projeto político-econômico dotado de perenidade e somente o Estado brasileiro tem instrumentos políticos, administrativos e jurídicos para intervir por meio de uma ação coordenada de órgãos e instituições federais para projetar um novo tempo, abandonando definitivamente o espirito de aventuras que ordenou a vida regional nos últimos trezentos e cinquenta anos sobre ciclos econômicos intermitentes. O seu discurso antiliberal em favor de uma intervenção do Estado como agente ativo do desenvolvimento regional o conduzira à modernização conservadora, solução autoritária tecida entre os setores conservadores, civil/militar, para conter os avanços democráticos do país, vistos por aqueles como uma ameaça (RIBEIRO, 2015, p. 272).

A desilusão de Leandro Tocantins com a política partidária e a república de 1946 desemboca no repúdio ao liberalismo e converge na concepção de que somente a ação estatal seria capaz de resolver a questão regional e pôr fim à crise que o Brasil estava vivenciando: uma das causas da crise era a falta de valorização das tradições por parte da juventude brasileira. Em outras palavras, a reorganização de um novo pacto social, agora de matriz conservador e autoritário, aparece como alternativa plausível (RIBEIRO, 2015).

A Amazonotropicologia e o modo de vida amazônico

Leandro Tocantins interpretava a vida regional como uma soma de relações distribuídas nos rios e no solo: um verdadeiro complexo biossocial onde se relacionam cultura, população e meio ambiente. No processo de adaptação progressiva, Leandro Tocantins compreendia a vida como um todo e como unidade orgânica. Para compreender este fenômeno, o autor fundou a Amazonotropicologia, uma ciência especialmente criada para compreender o feixe de forças que formam a vida regional: a realidade concreta em que se desenvolvia a interpelação entre homens e culturas e a vida existencial amazônica (TOCANTINS, 1982).

Segundo Gilberto Freyre, a civilização moderna nos trópicos tomou uma forma plástica e adaptativa. Negros, índios e portugueses criaram uma sociedade multicultural, miscigenada e equilibrada. Para interpretar essa civilização única, era preciso constituir uma nova ciência baseada na sociologia, na antropologia e na ecologia, que o sociólogo pernambucano chamou de Lusotropicologia. A partir destas sugestões teóricas, Leandro Tocantins organizou os pressupostos teóricos da Amazonotropicologia, cujo objetivo é entender a região amazônica não só a partir da dimensão regional e ecológica, mas também da perspectiva transregional. A proposta de Tocantins se torna um ramo da Lusotropicologia ao seguir os mesmos caminhos do autor de Casa-Grande & Senzala de considerar o Brasil como uma constelação de regiões; a Amazônia seria uma delas.

Leandro Tocantins defende que esta nova ciência deveria ser uma obra coletiva, por isso as universidades da região teriam papel importante na elaboração de um conhecimento que propiciasse a interpretação científica da realidade da Amazônia em sua dimensão social, antropológica, física, política, econômica histórica e biológica. Entre os intelectuais que tinham essa visão holística do problema amazônico, destacavam-se

Djalma Batista, Amando Mendes, Arthur Cézar Ferreira Reis, Araújo Lima e Mario Ypiranga Monteiro (RIBEIRO, 2015).

Leandro Tocantins considerava a Amazonotropicologia uma ruptura com os tempos de aventura e extrativismo que imperavam na região até o século XX, e que eram caracterizados pela economia predatória e falta de planejamento (RIBEIRO, 2015). Os estudos da nova ciência serviriam como importante instrumento na criação de políticas públicas e para a formulação de um desenvolvimento regional equilibrado, validado e amparado pela tradição. Em outras palavras, os valores tradicionais são alicerces direcionadores da modernidade, arrimos da identidade regional e fonte de inspiração para cientistas, escritores, políticos e arquitetos.

Do mesmo modo, a nova ciência sugerida por Leandro Tocantins teria a finalidade de harmonizar traços regionais com traços universais e promover o desenvolvimento técnico embasado nos os valores regionais e não em técnicas de lugares distantes que nada tinham a ver com as particularidades da vida regional. À vista disso, a proposta de Leandro Tocantins é buscar a inspiração técnica na cultura, na paisagem, na hidrografia, na música, na arquitetura, no clima e no solo amazônico. Em suma, o desenvolvimento técnico deveria estar em consonância com a tradição regional.

Portanto, a cultura se forja no processo de adaptação do homem ao meio e cria valores e tradições que se reatualizam com a história e não se perdem no processo moderno de avanço em direção ao futuro. A verdadeira política deve se amparar nos valores tradicionais se quiser promover as potencialidades do país e usar a vida regional como ponto de partida para uma modernização ordenada e sem grandes rupturas, única capaz de favorecer a todos (TOCANTINS, 1969; 1972).

Em Leandro Tocantins está presente forte preocupação ambiental em relação a uma modernização que não esteja amparada nos valores culturais e numa visão ecológica do mundo que resultaria em desordem e destruição ambiental (RAMOS, 2012). Portanto, o autor se preocupava com o futuro da região diante do contexto de desenvolvimento econômico iniciado com o regime de 1964: reduzir as regiões brasileiras apenas à dimensão econômica era um grande erro que poderia trazer graves consequências. Leandro Tocantins apontava a necessidade de haver uma conexão entre o desenvolvimento e integração com o saber dos povos da Amazônia, detentores de um saber adaptado à realidade regional:

Desde os anos de 1960, este intelectual demonstrava através de suas obras o quanto acreditava no potencial criativo do homem amazônico, mesmo sendo esta região vista e denominada como região subdesenvolvida dentro do próprio Brasil. Por volta dos anos de 1980 sob um discurso ecológico, ressaltou a importância da participação deste homem amazônico para o êxito em qualquer projeto de desenvolvimento para a região, todavia sinalizou que um entrave para o pleno desenvolvimento humano na Amazônia poderia estar relacionado ao baixo nível educacional e sanitário das populações, agravado ainda pela dispersão territorial. Deste modo [...] afirma o quanto se faz necessário a instrução do homem amazônico, quanto ao uso das tecnologias e o investimento na questão educacional, pois caso essa problemática seja ignorada afirma, que poderá ser em vão o investimento em capitais financeiros e obras suntuosas, visto que essas populações, mesmo no caso de um rápido desenvolvimento econômico motivado por qualquer produto, como exemplo, o petróleo ou atualmente o gás natural, viverão sempre marginais a toda forma de progresso e bem estar, como se verificou em grande parte do Oriente Médio (RAMOS, 2012, p. 89-90).

Leandro Tocantins apontava a importância que essas populações possuem para a elaboração de qualquer plano de desenvolvimento e na elevação dos padrões educacionais e sanitários das mesmas, caso contrário, qualquer processo de modernização resultará na exclusão destas populações. Para o autor, a ciência e a técnica do mundo moderno podem ser aliados desde que estejam em consonância com os valores tradicionais e com as particularidades regionais (RAMOS, 2012).

No processo de conciliação entre modernidade e preservação ambiental, o homem da Amazônia já sabe como preservar o meio ambiente, pois já vive adaptado ao seu meio em perfeito equilíbrio ecológico. O habitante do Amazonas necessita de direcionamento que o faça aproveitar do saber e da técnica moderna para seu bemestar. A Amazonotropicologia seria uma ferramenta valiosa para estas populações e para a modulação do ecodesenvolvimento defendido por Leandro Tocantins. Como exemplo, o autor defende que a arquitetura das cidades seja adaptada ao clima quente e úmido, típico da Amazônia, e deixe de imitar os prédios de vidro típicos das cidades do sul e sudeste, de clima ameno. Ademais, Leandro Tocantins apontava a possibilidade do uso da energia solar e eólica que seria mais adequada para a peculiaridade da região (RAMOS, 2012).

Conclusões

Leandro Tocantins apresenta uma visão original sobre o lugar da tradição no mundo moderno, a forma como foi gerada a cultura amazônica e quais os caminhos que o Estado nacional deve seguir para corrigir as disparidades regionais ao preservar toda a rica variedade cultural, responsável pela ordem social das populações. A opção pelo culturalismo conservador e pela ação de um Estado autoritário foi a solução encontrada por um pensador que acreditava na função social dos costumes e na conciliação entre as elites dirigentes e a nova dinâmica do capitalismo do século XX. Isso não impediu Leandro Tocantins de ir além das preocupações simplesmente econômicas, se voltando para as consequências da modernização desordenada, como a degradação ambiental, sendo um dos primeiros a propor soluções para o equilíbrio entre economia e meio ambiente.

O conservadorismo culturalista de Leandro Tocantins - apesar de bastante ligado às concepções de Gilberto Freyre - valoriza as relações sociais surgidas com a chegada do europeu na Amazônia. Aposta na ação de um Estado forte e centralizado para resolver os problemas regionais: esse argumento antiliberal se ancora na experiência histórica da sua família e do seu grupo social, a elite extrativista, que não via seus problemas sendo resolvidos pelo pacto federalista oligárquico da Primeira República e pela Democracia de 1946.

A solução encontrada foi materializada nos acontecimentos de 1964 e na consequente modernização conservadora que foi capaz de resolver o único problema percebido pelo autor como legítimo: a desigualdade regional e o equacionamento entre passado e futuro, recolocando as elites como agentes importantes do processo político, a exemplo da problemática posta pelo Movimento Regionalista do Recife. A luta de classes não era autêntica no Brasil, na visão do autor, mas consequência da chegada de ideologias alienígenas e extremistas que nada tinham a ver com a nossa cultura conciliadora e gradualista.

Leandro Tocantins estava interessado em solucionar a questão de como encaixar determinadas relações, grupos e experiências passadas num mundo cada vez mais dinâmico. Ressaltou a presença do passado no mundo da via ao criar

Amazonotropicologia e mostrar que todas as respostas para a vida social devem estar ancoradas na tradição e na solução de problemas concretos da vida social. O autor encontrou a resposta em um conservadorismo dinâmico que ficasse a meio termo entre o regional e o universal.

Bibliografia

KIRK, Russell. A Política da Prudência. São Paulo: Editora Realizações, 2014.

LYNCH, Christian Edward Cyril. Conservadorismo Caleidoscópico: Edmund Burke e o Pensamento Político Do Brasil Oitocentista. São Paulo: Lua Nova, 2017.

MANNHEIM, Karl. Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1982.

MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980.

RAMOS, Tereza. A Amazônia de Leandro Tocantins. Universidade Federal do Amazonas. Programa de Pós-graduação em Sociologia. Dissertação de Mestrado, Manaus, 2012.

RIBEIRO, Odenei de Souza. Tradição e Modernidade no Pensamento de Leandro Tocantins. Manaus: Editora Valer, 2015.

______________________ . Região e Conciliação. Manaus: Editora Valer, 2010.

TOCANTINS, Leandro. O Rio Comanda a Vida: uma interpretação da Amazônia. Rio de Janeiro: Editora Companhia Americana, 1972.

____________________. Vida, Cultura e Ação. Espírito Santo: Editora Arte Nova, 1969.

____________________. Amazônia: Natureza, Homem e Tempo. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1982.

Notas

[1] Professor do Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Brasil, e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista/ Campus Araraquara (UNESP), Brasil. E-mail: ricardo.silva@ifam.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6595-3799.
[2] Professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista/ Campus Araraquara (UNESP), Brasil. E-mail: cgileno@uol.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-00018425-673X.
[3] Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. E-mail: ana.ecosolidária@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7218-7730. Argumentos, vol. 16, n. 2, jul./dez. 2019
[4] O autor se refere à ruptura autoritária de 1964.


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