Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Análise do Nível de Insuficiência Socioeconômica (ANIS): uma avaliação do Brasil entre 2000 e 2010
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 14, núm. 1, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 14, núm. 1, 2017

Esta obra está licenciada com Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: O artigo pretende contribuir para o tema da desigualdade no Brasil apresentando uma metodologia multidimensional que hierarquiza grupos sociais de acordo com o seu nível de insuficiência socioeconômica. A metodologia baseia-se na construção, a partir dos Censos Demográficos de 2000 e 2010, de diversos indicadores socioeconômicos subdivididos em cinco dimensões: mercado de trabalho e renda corrente; consumo; condição de habitação; educação; demografia. Os resultados indicam que a redução no nível de insuficiência socioeconômica esteve associada, especialmente, a melhores condições do mercado de trabalho, ao crescimento da renda corrente e ao consumo de bens duráveis. Tal movimento não se deu com a mesma intensidade em outras dimensões, especialmente as das condições de habitação e de acesso a bens e serviços públicos de uso coletivo. Em suma, verificou-se que a melhora observada na ANIS não se mostrou suficiente para alterar estruturalmente a condição desigual da sociedade brasileira no período.

Palavras-chave: Insuficiência Socioeconômica, Desigualdade, Multidimensionalidade, Brasil, Censos Demográficos.

Abstract: This article intends to contribute to the discussion of inequality in Brazil by presenting a multidimensional methodology that puts social groups in hierarchy according to their level of socioeconomic insufficiency. The methodology is based on the construction of several socioeconomic indicators subdivided into five dimensions, with data from the Demographic Censuses of 2000 and 2010: labor market and current income; consumption; housing conditions; education; and demography. The results indicate a reduction in the level of socioeconomic insufficiency associated especially with better labor market conditions, with growth in the current income and in consumption of durable goods. Such movement did not occur with the same intensity in other dimensions, especially those of housing conditions and access to public goods and services. In summary, it was verified that the improvement observed in the ANIS was not enough to structurally change the unequal conditions of Brazilian society in the period.

Keywords: Socioeconomic Insufficiency, Inequality, Multidimensionality, Brazil, Demographic Censuses.

Introdução

A concepção de uma metodologia para se mensurar a desigualdade deve considerar que esse é um fenômeno complexo, pois se manifesta por meio de múltiplas dimensões; estrutural, pois possui características que dependem da forma como o próprio modo de produção capitalista se organiza; e dinâmico, porque está em constante transformação. Com a evolução da sociedade e das relações econômicas e sociais no modo de produção capitalista, a desigualdade assume a característica de um processo multidimensional e cumulativo. Isso quer dizer que novas formas e dimensões acabam por se somar a formas e dimensões pré-existentes.

Uma abordagem multidimensional deve, assim, partir de uma avaliação socioeconômica que busque incorporar essa complexidade e as dimensões que vão além da dimensão econômica e, mais precisamente, da renda monetária. Tal metodologia deve ser capaz de acompanhar o desenvolvimento do capitalismo e ser flexível para não relegar a segundo plano a recorrência da condição desigual da sociedade moderna.

Este artigo tem por objetivo contribuir para o debate acerca desse tema e apresentar uma metodologia que permite analisar a desigualdade em sua forma multidimensional a partir de uma ótica que se denominou de insuficiência socioeconômica. Esse conceito contempla a ideia de que a população pode ter, ou não, acesso a elementos que conformam as distintas dimensões da desigualdade. Define-se, assim, que o acesso ao mercado de trabalho, à renda, aos bens e serviços de uso coletivo como água, luz, saneamento básico, educação etc. são elementos que diferenciam pessoas, famílias e grupos sociais.

O artigo está dividido em quatro seções, além desta Introdução. A primeira faz um resgate da literatura com foco na mensuração da desigualdade multidimensional em âmbito nacional e internacional. A segunda apresenta a metodologia proposta, denominada Análise do Nível de Insuficiência Socioeconômica (ANIS). A terceira traz a evolução da desigualdade no Brasil, não apenas a partir da ANIS mas, também, da ótica da renda corrente com base nos dados dos Censos Demográficos entre 2000 e 2010. A última expõe algumas considerações finais.

Análise multidimensional da desigualdade: um resgaste da literatura

O estudo da desigualdade a partir de uma ótica multidimensional ganhou destaque, primeiramente, nos trabalhos desenvolvidos por Kolm (1969) e Atkinson (1970). Esses autores avançaram em relação às análises que se pautavam exclusivamente na renda monetária corrente, ao incorporar a dimensão social aos índices de desigualdade. Após o trabalho de Sen (1973), essas contribuições foram consolidadas em um indicador denominado I AKS.[3]

A generalização dessas interpretações para distribuições multivariadas foi elaborada por Kolm (1977), Atkinson e Bourguignon (1982) e Tsui (1995), o que garantiu uma maior complexidade, não só no entendimento desse fenômeno, mas também, no seu tratamento. Kolm (1977) analisou as propriedades das funções de bem-estar social (FBS) e o ranking correspondente das suas distribuições enquanto Atkinson e Bourguignon (1982) avaliaram as condições de dominância estocástica de primeira e de segunda ordem de distintas distribuições multivariadas.

Lugo (2005) destaca na literatura dois procedimentos distintos: a abordagem de duas etapas propostas por Bourguignon (1999) e Maasoumi (1986 e 1999) e os índices multidimensionais de desigualdade baseados em uma etapa, elaborados por Tsui (1995 e 1999). Na primeira abordagem, a etapa inicial cria uma única medida multidimensional para cada indivíduo/domicílio que pode ser expressa em unidades de bem-estar. A segunda etapa consiste em aplicar algum índice de desigualdade univariada, como por exemplo os índices de Gini ou de Theil para os valores encontrados. A segunda abordagem mensura a desigualdade a partir de uma função de avaliação de alguns atributos. Segundo Weymark (2004), Tsui (1995) forneceu uma generalização de múltiplos atributos do índice de desigualdade univariada de Kolm (1977).

Para Lugo (2005), essas duas abordagens são consistentes tanto com a ótica do bem-estar, em que a Função de Bem-Estar Social (FBS) representa a forma como a sociedade valoriza os níveis individuais dos atributos, quanto com qualquer outro tipo de abordagem que não foque no bem-estar e que encontre no índice composto uma forma possível de resumir as informações sobre os indivíduos de acordo com os atributos, isto é, uma Função de Avaliação Social (FAS), onde o bem-estar é dependente dos atributos definidos.

A proposta de Maasoumi (1986, 1999) utiliza uma medida que permite a comparação de distribuições multidimensionais de bem-estar individualizadas. A criação do índice com a menor distorção ou divergência possíveis permitiu ao autor escolher medidas gerais de concentração (por exemplo, o índice de Theil), para decompor as contribuições de cada atributo para a medida geral de desigualdade multivariada dentro e entre os distintos grupos populacionais.[4]

Bourguignon (1999) propõe uma medida de desigualdade multidimensional que pressupõe uma ligação mais direta com a função de avaliação social (utilitarismo padrão) por critérios de dominância estocástica, assim como tratado em Kolm (1977). Com uma normalização semelhante àquela desenvolvida por Tsui, o bem-estar social máximo (entendido como o somatório dos bem-estar individuais) seria alcançado no ponto de perfeita igualdade, onde cada pessoa possuiria o mesmo valor médio de cada atributo.

Já a contribuição de Tsui (2002) está no balanço que o autor faz entre a utilização da renda e o que ele chamou de método direto, isto é, aquele que considera cada necessidade básica. Sua ideia foi utilizar a renda, sem perder o foco no conceito de multidimensionalidade.

Outra forma de abordagem da desigualdade é o que se denominou de generalização multidimensional do índice de Gini. Gajdos and Weymark (2003) e Weymark (2004) apresentam esse conceito em complemento às generalizações unidimensionais propostas por Weymark (1981). Nesse último, o autor afirma que o Gini, enquanto função de avaliação social, apresenta características desejáveis, porém incorpora julgamentos distributivos que se mostram arbitrários. Weymark (2004), dessa forma, apresenta uma técnica de generalização multidimensional do Gini que possui a propriedade de agregação em dois estágios, utilizando um critério que cria um ranking dos casos de acordo com os atributos definidos. No entanto, diferentemente de Maasoumi (1986), Tsui (1995) e Maasoumi (1999), a ordem de agregação é invertida. Primeiro as distribuições de cada atributo são agregadas por meio de funções generalizadas univariadas do Gini e, em seguida, os valores dessas funções são agregados em uma avaliação global.[5]

Baseando-se na ideia de bem-estar para mensurar a desigualdade, os estudos de Osberg e Sharpe (2002 e 2006) também se mostram importantes. Os autores discutem a complexa missão de quantificar o nível de bem-estar econômico e a desigualdade multidimensional a partir de critérios que se mostrem capazes de captar a evolução das condições de distribuição dos recursos econômicos produzidos em sociedade. Os autores definem, para tanto, quatro dimensões: 1) a dos fluxos de consumo per capita efetivo, que incluem o consumo de bens e serviços comercializados, serviços governamentais, fluxos efetivos per capita da produção familiar, lazer e mudanças no ciclo de vida; 2) a da acumulação social líquida de estoques de recursos produtivos, incluindo a acumulação líquida de capital tangível, estoque habitacional, mudanças líquidas no valor dos estoques de recursos naturais, os custos ambientais, mudanças líquidas no nível de endividamento externo, acumulação de capital humano e estoque de investimento em pesquisa e desenvolvimento; 3) a da distribuição de renda, incluindo a intensidade da pobreza (incidência e profundidade) e da desigualdade de renda; e 4) a da insegurança econômica associada à perda do emprego, ao desemprego, à doença, à desintegração familiar e à pobreza na velhice (Osberg, L. e Sharpe, A., 2002 p. 295)[6].

O estudo de Smeeding et al. (1993) reafirma a ideia de que o bem-estar individual não pode ser definido apenas pela renda, devendo englobar outras dimensões como o acesso aos serviços sociais de educação e saúde, além de considerar a posse do imóvel como um fator relevante para a sua mensuração.[7]

Segundo Bibi (2005), apesar de Smeeding et al. (1993) apresentarem uma abordagem que considera os aspectos não monetizados do bem-estar, o estudo apresenta algumas limitações como: 1) as imputações atribuídas aos serviços sociais para os domicílios mais pobres sobrestimam os benefícios ao bem-estar dessa população; e 2) o método adotado não possibilita a compensação entre as diferentes dimensões do bem-estar. Para Bibi (2005), a incorporação dos serviços governamentais proposta por Pradhan e Ravallion (2000) resolveria o problema da superestimação dos benefícios ao bem-estar, porque passariam a considerar outros elementos como: consumo de alimentos, vestuário, habitação, transporte, participação escolar de crianças, educação e saúde.

Para Sen (2000: 109), uma abordagem sobre a desigualdade deve ser multidimensional porque, segundo o autor, as privações a que a sociedade é acometida não estão restritas à dimensão da renda. O reconhecimento do aspecto multidimensional, no debate sobre a desigualdade, e sua incorporação pela agenda pública foram algumas das principais contribuições dos trabalhos desse autor. As privações, ou insuficiências, óticas que servem de base para a definição da ANIS, assumem um papel importante na mensuração do fenômeno da desigualdade ao proporcionarem uma segregação da sociedade que diferencia os grupos sociais, os indivíduos e as famílias. Os diferentes níveis de acesso aos diversos elementos fundamentais para a manutenção da vida, em todas as dimensões que conformam a desigualdade, mostram-se fundamentais para a sua mensuração. Em outras palavras, essas insuficiências diferenciam pessoas, grupos, regiões etc., e impõem uma condição desigual à sociedade, em diversos níveis e dimensões.

OECD (2008) contribuiu ao debate sobre a desigualdade ao evidenciar a importância da ótica da privação/insuficiência quanto ao acesso material a determinados bens e serviços que, por sua vez, se mostram responsáveis pela diferenciação entre pessoas/famílias/domicílios, grupos sociais e países. Sua proposta contempla o estudo de seis dimensões: 1) satisfação das necessidades básicas, ou seja, itens essenciais para a sobrevivência física como alimentos, roupas etc.; 2) acesso a lazer e atividades sociais, como, por exemplo, usufruir de férias; 3) disponibilidade de bens de consumo duráveis, essenciais para a realização das atividades da vida diária, como telefone, ou que aliviem o trabalho doméstico, como o forno de micro-ondas; 4) condições de habitação, sejam elas referentes às características físicas da habitação (disponibilidade de energia elétrica, abastecimento de água ou descarga do banheiro localizado dentro do domicílio), ou sejam aquelas referentes à localização do próprio domicílio (por exemplo, exposição a ruídos, poluição interna etc.; 5) auto avaliação das próprias condições pessoais, em termos de estresse financeiro e capacidade de arcar com as despesas correntes, bem como a percepção subjetiva da própria condição de pobreza; 6) características do ambiente social onde o domicílio está localizado (exposição a riscos específicos, medo da criminalidade, disponibilidade de serviços públicos, como escolas e hospitais etc.).[8] (OECD, 2008 p.181)

No Brasil, existe uma gama de estudos que utilizam a ótica multidimensional para o tratamento do fenômeno da pobreza (Lopes et al., 2003; Salama e Demestrau, 1999; Costa, 2002; Silva, 2009; Comin et al., 2006; Kageyama e Hoffmann, 2006; Neder, 2008; Rocha, 2000; Dedecca et al., 2012; Dedecca et al., 2014a; Dedecca et al., 2014b). No entanto, o estudo da desigualdade carece de maior atenção. Algumas contribuições também foram dadas a partir da criação de indicadores sintéticos como: o Índice de Condições de Vida (ICV), o Índice Municipal, o Índice de Qualidade de Vida (IQV), o Índice de Condições de Sobrevivência (ICS), o Índice de Desenvolvimento da Família (IDF)[9], o Índice de Qualidade dos Municípios (IQM) e o Índice de Exclusão Social (IES).[10]

Quanto à desigualdade, alguns trabalhos merecem destaque. Justino et al. (2004) apresentam uma abordagem com base em duas técnicas: a primeira faz uma comparação das distribuições individuais de várias dimensões do bem-estar; e a segunda considera as possíveis correlações entre as várias dimensões do bem-estar, dividindo a população total em grupos, de acordo com a definição de alguns atributos monetários e não monetários. Essa abordagem mensura a desigualdade dos valores e de sua distribuição dentro e entre os vários grupos da população.

Barros et al. (2008) apresentam o Índice de Oportunidade Humana (IOH), desenvolvido no âmbito do Banco Mundial para o estudo da América Latina e Caribe. Esse índice é uma medida sintética da desigualdade de oportunidades em termos de serviços básicos para as crianças. Segundo os autores, o enfoque sobre as crianças dá-se por três motivos: 1) o acesso a uma gama de bens e serviços define a oportunidade na medida em que não se pode esperar que as crianças o obtenham por esforço próprio; 2) do ponto de vista das políticas públicas, argumenta-se que uma intervenção no início do ciclo de vida de uma pessoa de forma a reduzir a desigualdade de oportunidades é mais bem sucedida; 3) focar nas crianças ajuda a colocar no centro do debate político que a desigualdade de oportunidades é injusta e que as crianças não podem ser responsáveis pelos problemas associados à situação familiar, às desigualdades de raça, sexo, renda, escolaridade dos pais e/ou localização (rural/urbano) de sua residência.

O índice está baseado no conceito de bem-estar social definido por Amartya Sen, e se propõe a mensurar a disponibilidade de oportunidades, isto é, a taxa de cobertura de um serviço básico e como essas oportunidades são distribuídas, ou seja, se a distribuição da cobertura é ou não equânime. O pressuposto básico é que as oportunidades básicas são essenciais para que as crianças, ao atingirem a fase adulta, tenham o potencial para alcançar melhores resultados de acordo com suas preferências. Em outras palavras, a igualdade de oportunidades seria nivelar as condições de inserção social de ?(...) manera que las circunstancias como el género, la etnia o raza, el lugar de nacimiento, o el entorno familiar, que están fuera del control personal, no ejerzan influencia sobre las oportunidades de vida de una persona.? (Barros et al., 2008, p. 15)

A proposta de Kuwahara e Piza (2010) analisa a desigualdade a partir da ótica da qualidade de vida. Os autores criam uma medida de qualidade de vida multidimensional que se mostra sensível à desigualdade na distribuição de seus componentes. O Multidimensional Index of Quality of Life for Municipalities (MIQL-M) leva em consideração seis dimensões: renda, educação, saúde, infraestrutura urbana, habitação e acesso à informação.[11] A aplicabilidade desse índice é relevante; porém, o nível de maior desagregação ainda se encontra circunscrito ao espaço, isto é, o indicador, mesmo sendo sensível à desigualdade dos componentes em todas as dimensões, permite, apenas, uma análise de informações agregadas por território, ou seja, por município, o que não permite avaliar, ao nível da unidade domiciliar ou familiar, a situação em que essas se inserem na estrutura social.

Esse ponto merece uma ressalva. A relação entre bem-estar e desigualdade deve estar bastante clara na exploração das informações e no método utilizado para que não se incorra em equívocos. Um baixo nível de desigualdade pode ser encontrado tanto em um cenário de elevado nível de bem-estar, quanto em um que apresente grande parte dos indivíduos em condição precária em termos de bem-estar, o que indicaria um nivelamento por baixo da condição de desigualdade. Em outras palavras, a desigualdade pode ser baixa em decorrência de uma uniformidade da condição de bem-estar desfavorável, ou mais precisamente, de elevada privação ou insuficiência socioeconômica.[12]

A perspectiva metodológica adotada por Dedecca (2013)[13] partiu da análise das metodologias utilizadas pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) para a identificação das principais dimensões que caracterizariam o fenômeno da desigualdade, com o objetivo de construir um conjunto de indicadores que contemplassem minimamente as dimensões do fenômeno. O autor assume que a renda corrente, um dos elementos que constituem a desigualdade multidimensional, é uma referência fundamental para a condição de bem-estar das famílias, em decorrência de o padrão de consumo na sociedade capitalista ser altamente monetizado.

Dessa forma, partindo da renda familiar corrente per capita, definiu 20 agrupamentos de famílias e elaborou indicadores médios relativos ao acesso a algumas políticas sociais, segregando a análise entre as famílias pertencentes aos 25% mais pobres e aos 10% mais ricos. Por fim, analisou a relação de cada indicador entre os mais pobres e os mais ricos estabelecendo uma medida de distância relativa entre os dois estratos. Seu objetivo não era medir o tamanho das desigualdades, mas sim a situação e a evolução das distintas dimensões: condição de vida, mercado de trabalho, renda corrente, demografia e educação.

Com exceção dos trabalhos discutidos anteriormente, o debate sobre a desigualdade dos últimos anos no Brasil esteve focado predominantemente na distribuição da renda monetária corrente. Nesse sentido, o presente artigo procura escapar desse tipo de abordagem para contemplar minimamente a complexidade que o tema possui.

Análise do Nível de Insuficiência Socioeconômica (ANIS): uma proposição metodológica

A sociedade capitalista moderna possui uma gama de necessidades que não são atendidas exclusivamente pela via do mercado, isto é, existem bens e serviços de caráter público e uso coletivo que não podem ter seu acesso pela via monetária. Isso implica que a renda corrente, seja ela oriunda do mercado de trabalho, assistência ou da previdência social, não pode ser considerada como elemento único para a mensuração da desigualdade. É nesse sentido que se deve avançar metodologicamente quanto à investigação das transformações das condições de produção, distribuição e de vida da população. A sociedade moderna tem estado recorrentemente mais exposta, não apenas a diversos riscos econômicos e sociais, como, também, a situações de insuficiência/privação no acesso aos bens e serviços essenciais à reprodução da vida em sociedade.

A metodologia proposta não tem a pretensão de esgotar a complexidade sobre o tema da desigualdade, mas pode vir a contribuir para o debate sobre o tema no Brasil. Parte-se, então, da ideia de que os elementos que conformam o fenômeno da desigualdade estão diretamente relacionados à insuficiência socioeconômica.

Os membros de uma sociedade diferenciam-se de acordo com a sua capacidade de acesso a determinados bens e serviços. Esse acesso pode ser garantido por duas vias: a do mercado (mercado de trabalho, renda e consumo de bens de uso individual) e a do ?não mercado? (bens e serviços de uso coletivo). Ao tratar a desigualdade a partir da ótica da insuficiência socioeconômica, que significa a privação total ou parcial de acesso aos elementos que conformam esse fenômeno, também se considera a dimensão referente à exposição da população a certos riscos.[14]

A metodologia foi concebida a partir das informações disponíveis nos microdados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010 elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A chamada Análise do Nível de Insuficiência Socioeconômica (ANIS) consiste em uma abordagem multidimensional que permite a classificação dos domicílios pesquisados em distintos níveis de insuficiência. Ademais, cria uma estratificação hierarquizada da sociedade (domicílios e seus componentes) segundo esses níveis, o que possibilita a avaliação das diferenças entre os grupos formados. A estratificação divide os domicílios a partir de cinco dimensões básicas: 1) mercado de trabalho e renda corrente; 2) consumo; 3) condição de habitação; 4) educação; 5) demografia.

As duas primeiras relacionam-se diretamente à dimensão econômica da desigualdade, isto é, ao atendimento das necessidades via mercado. As outras dimensões referem-se aos problemas associados ao acesso diferenciado a determinados bens e serviços que não têm sua oferta única e exclusivamente garantida pela via do mercado ou aos riscos a que a sociedade está exposta.

Para cada uma das cinco dimensões propostas, foram criados indicadores socioeconômicos que permitem que se classifiquem as unidades domiciliares de acordo com o seu nível de insuficiência. Um domicílio mostra-se insuficiente caso ele não cumpra determinado requisito, definido pelo atributo ou indicador socioeconômico. Caso um domicílio se mostre insuficiente em mais de uma dimensão, seu nível de insuficiência vai aumentando até alcançar o nível máximo, que representa a insuficiência plena, isto é, em todas as dimensões.

Os seis níveis da ANIS variam de ?zero? a ?cinco?, onde zero indica o domicílio que não apresenta insuficiência em qualquer uma das dimensões e cinco, o domicílio que está na condição menos favorável, isto é, aquele que apresenta insuficiência em todas as cinco dimensões. Os níveis intermediários são definidos de acordo com o número de dimensões em que os domicílios apresentam insuficiência. Isso quer dizer que o nível ?um? indica que o domicílio é insuficiente em apenas uma dimensão, o nível ?dois? que ele apresenta insuficiência em ao menos duas dimensões e assim por diante.

A dimensão mercado de trabalho e renda corrente foi definida por três indicadores básicos: 1) renda familiar per capita inferior a ½ salário mínimo; 2) incidência de desemprego para a pessoa de referência; e 3) incidência de informalidade[15] para a pessoa de referência. Caso uma das condições acima seja verificada, o domicílio é classificado como insuficiente nessa dimensão.

A segunda dimensão refere-se ao acesso aos bens diretamente relacionados à renda dos domicílios, isto é, sua capacidade de consumo e/ou de acesso ao crédito pessoal. Sua definição se dá a partir de quatro categorias e cinco bens: 1) televisão e/ou computador; 2) geladeira; 3) máquina de lavar; 4) telefone (fixo ou celular). Basicamente, esses bens garantem aos membros do domicílio o acesso a quatro componentes relevantes da vida cotidiana: à informação e ao entretenimento (televisão e computador), à segurança dos alimentos (geladeira), à redução da jornada doméstica de trabalho (máquina de lavar) e à comunicação (telefone fixo ou celular). Caso o domicílio não possua acesso a qualquer uma dessas quatro categorias, esse é classificado como insuficiente nessa dimensão.

A terceira dimensão diz respeito aos bens de caráter público (de uso coletivo), ou seja, à oferta de três bens/serviços essenciais à vida que não têm seu acesso garantido exclusivamente pela via do mercado: 1) água encanada; 2) energia elétrica; e 3) rede coletora de esgotamento sanitário. Deve-se destacar que uma melhora nessa dimensão depende da ampliação da oferta pública, além da garantia de acesso por parte da população, o que se refletiria em um menor nível de insuficiência dos domicílios. Desse modo, um domicílio é insuficiente se ele não tiver acesso a pelo menos dois bens e/ou serviços definidos nessa dimensão.

Os indicadores selecionados para a definição da quarta dimensão (educação) foram: 1) incidência de analfabetismo para a pessoa de referência do domicílio; 2) ausência escolar entre crianças e adolescentes de 7 a 17 anos de idade; e 3) ausência de ensino médio completo para qualquer adulto do domicílio. A inserção do domicílio em ao menos uma das condições acima qualifica-o como insuficiente nessa dimensão.

Por fim, a quinta dimensão que compõe a ANIS é a demográfica. Seu papel não é representar apenas mais um nível em termos de insuficiência da ANIS e, sim, uma situação de fragilidade e/ou de risco socioeconômico a que os domicílios possam estar submetidos. Os indicadores que a definem são: 1) presença de idoso sem acesso a alguma forma de aposentadoria ou pensão; 2) mais da metade dos membros do domicílio não serem pessoas ativas; 3) presença de crianças menores de 6 anos; e 4) presença de mãe com algum filho nascido morto. Esses indicadores apontam para situações de agravamento da condição de insuficiência, devido aos cuidados especiais com os idosos e com as crianças, às situações em que muitas das pessoas do domicílio dependem da renda de poucos e aos problemas associados à mortalidade infantil, que servem de proxy para uma análise da dimensão da saúde. Dessa forma, a ocorrência de ao menos uma dessas condições, representa que o domicílio se encontra em uma ?condição de insuficiência? nessa dimensão ou, mais precisamente, exposto a determinado conjunto de riscos.

Essa metodologia permite a avaliação do processo evolutivo dos níveis de insuficiências da sociedade brasileira ao longo do tempo. Podem-se identificar algumas vantagens em sua utilização: 1) capacidade de desagregação (chega ao nível da unidade domiciliar, indicando a qual nível o domicilio pertence, o que possibilita abordagens para além das análises social e econômica, podendo contemplar outras dimensões da desigualdade como: a regional, de cor/raça, geracional (podendo-se levar em consideração a idade da pessoa de referência), níveis de escolarização, de gênero, dicotomia rural/urbana etc.; 2) diferencia-se por não se propor a construir um indicador sintético, criando a possibilidade de distribuir as unidades domiciliares e, por meio de distintos indicadores, avaliar o nível de insuficiência para cada unidade de análise, o que por si só representa um indicativo do seu posicionamento relativo frente ao universo estudado.

A proposta é uma análise e não a construção de um indicador sintético, o que traz outra vantagem. A ANIS possibilita aos gestores de políticas públicas, a partir da análise das distintas dimensões ou dos grupos em separado, identificarem os problemas e decidirem a melhor forma de enfrentá-los. Em outras palavras, permite aprofundar a análise evidenciando as especificidades dos grupos, como esses se distribuem, e quais dimensões merecem maior atenção. Também traz a vantagem de ser capaz de acompanhar a dinâmica do fenômeno da desigualdade ao longo do tempo, dependendo única e exclusivamente da comparabilidade das informações das pesquisas utilizadas. Por fim, a ANIS é flexível quanto à incorporação de novos indicadores e dimensões, podendo ser submetida ao debate com a sociedade civil, abrindo espaço para incorporar outros elementos que permitam a mensuração das demandas reais da população.

A queda recente das desigualdades no Brasil: da renda à multidimensionalidade

Diferentes indicadores de desigualdade de renda apontam que houve uma melhoria da distribuição pessoal da renda entre 1976 e 2011.[16] No entanto, identificam-se claramente quatro subperíodos nesse processo. Da metade dos anos 1970 ao início dos 1980 é nítida a redução da concentração de renda. Esse movimento reverte-se no início dos anos 1980, quando houve uma sensível piora dos indicadores. A década de 1990 ficou marcada por uma relativa estabilidade da distribuição da renda, em que se observou um aumento nos primeiros anos e uma redução da desigualdade nos anos subsequentes[17]. A partir de 2001 o país passa a vivenciar uma melhora da distribuição pessoal da renda de forma mais expressiva e sustentada.




Esse movimento relativamente mais favorável nos anos 2000 tem relação direta com a melhoria das condições do mercado de trabalho e a ampliação das políticas públicas ligadas ao sistema de proteção social como: Benefício de Prestação Continuada (BPC), Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Previdência Rural, valorização do salário mínimo e Bolsa Família.[18]

Para Dedecca (2010), a desigualdade de renda no Brasil no período pós estabilização inflacionária guarda algumas peculiaridades: entre 1994 e 1998 sua redução ocorreu concomitantemente a uma deterioração da estrutura de rendimentos, com o empobrecimento de parte predominante da população ocupada no mercado de trabalho e com elevação do desemprego. Entre 1998 e 2003 a diminuição da desigualdade teria ocorrido por conta de uma queda da renda dos estratos superiores da distribuição em simultâneo a uma relativa proteção aos estratos inferiores por meio da valorização do salário mínimo. Nesse período, a redução do Índice de Gini expressou uma tendência de desvalorização de boa parte dos níveis de remuneração, reiterando uma condição estrutural do mercado de trabalho nacional de baixos salários.

O período de 2003 a 2008 ficou marcado por um cenário relativamente mais favorável à base de estrutura de renda sem prejuízo para nenhum outro estrato da distribuição de renda. Isto quer dizer que todos melhoraram, porém com uma vantagem daqueles que se encontravam na base da distribuição. Para Dedecca (2010), houve pela primeira vez uma redução da desigualdade de renda sem desvalorização do mercado de trabalho e com elevação da renda média e do bem-estar.

A partir do Gráfico 1 pode-se observar que a diferença, em termos de renda familiar per capita, entre os 10% mais ricos e os 50% mais pobres, reduziu-se de mais de três vezes e meia para menos de duas vezes e meia. O Índice de Gini, por sua vez, indicou uma redução de mais de 10% em pouco mais de uma década.

O Gráfico 2 traz os resultados sob a ótica da distribuição funcional da renda (aquela que mensura a participação dos salários no total da renda da economia). Com exceção de 2002, todos os anos do período de 2001 a 2010 apresentaram um crescimento real da massa de rendimentos do emprego formal relativamente maior que o crescimento real do PIB, o que indica um aumento da participação dos salários na renda nacional.[19] Esse movimento é confirmado pelas informações das Contas Nacionais que indicaram, com exceção do período de 2001 e 2004, um aumento da participação dos salários e dos ordenados no PIB de 30,9% para 32,9% entre 2004 e 2010.




De modo geral, a especificidade da década de 2000, no que diz respeito ao processo de redução da desigualdade de renda, não se restringe ao fato de esse ter ocorrido em um ambiente de recomposição do rendimento médio da população, nem à melhor distribuição dos rendimentos do trabalho. Houve, também, uma redução da pobreza monetária, beneficiada pela geração expressiva de empregos, pela elevação sistemática dos salários da base da pirâmide social, pela valorização do salário mínimo e pelas políticas públicas do sistema de proteção social (previdência e transferência direta de renda).[20]

A avaliação de Hoffmann (2013) corrobora a ideia de que a desigualdade de renda corrente entre 2003 e 2010 esteve associada ao fortalecimento e à ampliação dos mecanismos progressivos de distribuição de renda como o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Não se pode desconsiderar também que o período que compreende aos anos 2000 contou, não apenas com a promoção de programas sociais associados à melhoria da distribuição da renda, como, também, com a redução do desemprego em um ambiente de crescimento econômico.

A desigualdade parece ter se reduzido sensivelmente em sua dimensão econômica, no que tange ao acesso à renda monetária. No entanto, enquanto fenômeno multidimensional, a avaliação da desigualdade carece de uma análise mais complexa. Assim, para investigar se esse processo de redução da desigualdade econômica associada à renda monetária se estendeu a outras dimensões, será utilizada a metodologia da ANIS.

A Tabela 1 apresenta o crescimento do número de domicílios segundo a estratificação social a partir de seus níveis de insuficiência. Como o nível 0 (zero) representa o grupo social que não é insuficiente em qualquer uma das dimensões e o nível 5 aquele que se encontra na pior situação (insuficiência socioeconômica em todas as dimensões), é esperado que uma redução da desigualdade multidimensional decorra de um crescimento do número de domicílios com menores níveis de insuficiência seguido de redução daqueles de nível mais elevado.

No Brasil entre 2000 e 2010, é exatamente esse movimento que ocorreu. Os grupos sociais de nível 5 e 4 apresentaram uma redução do número de domicílios de 6% e 3%, respectivamente. Esse processo representou um deslocamento dos domicílios pertencentes aos maiores níveis para aqueles de menores níveis de insuficiência socioeconômica. Merece destaque, o fato de que 6 milhões de domicílios deixaram de apresentar algum grau de insuficiência socioeconômica, atingindo o nível zero pelos critérios da ANIS.




O Gráfico 3 demonstra essa reconfiguração da estratificação social em termos de participação dos grupos sociais definidos pela ANIS. A redução de 16% para 6,7% da participação do Nível 5 corrobora a importância da redução do número de domicílios com insuficiência socioeconômica máxima (plena) para a estrutura social. O crescimento do número de domicílios de nível zero representou uma ampliação de sua participação de 5,3% para 15,2% entre 2000 e 2010.




O peso de cada dimensão para a configuração da distribuição dos domicílios nos distintos níveis de insuficiência é definido segundo a participação relativa do número de domicílios com insuficientes em uma dimensão frente ao total de domicílios. O Gráfico 4, ao trazer essas informações, permite que sejam feitas algumas observações: 1) as dimensões de maior peso são educação e bens de consumo individual; 2) a redução da participação de domicílios com insuficiência foi relativamente diferente entre as dimensões; 3) as dimensões que apresentaram os melhores resultados foram, em ordem de importância, consumo de bens de uso individual, demográfica e mercado de trabalho e renda corrente; 4) a dimensão que exibiu o pior resultado foi a dimensão condições habitacionais, que se refere ao acesso a bens e serviços de caráter público e uso coletivo.




As informações da Tabela 2 corroboram que a melhora mais expressiva se deu de fato nas dimensões associadas ao mercado de trabalho e à renda corrente que, por consequência, traz impactos para a dimensão do consumo de duráveis. No âmbito da dimensão educacional, houve um incremento do número de domicílios de 0,2% entre 2000 e 2010, o que indica que o peso dessa dimensão para a conformação dos níveis da ANIS não se alterou significativamente. Houve apenas uma reconfiguração interna à dimensão pela redução do número de domicílios de níveis mais altos e elevação daqueles de níveis mais baixos.

O crescimento do número de domicílios com insuficiência em termos de condições habitacionais indica que a redução da desigualdade multidimensional é apenas relativa. Nessa dimensão, assim como para a educação, houve uma reconfiguração interna devida à redução do número de domicílios de níveis 4 e 5 em contraposição a um aumento daqueles de níveis mais baixos. Esse caso ainda é mais complexo pois esse movimento se deu pari passu a um incremento do número de domicílios que apresentaram insuficiência nessa dimensão.

A redução da desigualdade multidimensional e a diminuição do nível de insuficiência observadas no Gráfico 4 não podem mascarar que o aumento do número de domicílios com insuficiência no acesso a bens de uso coletivo e na dimensão da educação indica que esse processo não representou uma transformação estrutural da condição desigual da sociedade brasileira no período.




Essa afirmação, do ponto de vista da insuficiência, significa que os resultados favoráveis captados pela ANIS estiveram relativamente concentrados nas dimensões do mercado de trabalho, da renda e do consumo monetário. Essas constatações são confirmadas pelas informações da Tabela 3.

Os indicadores dessas dimensões, de fato, contribuíram para uma redução do nível de insuficiência, principalmente pela melhoria na incidência de desemprego e, em menor escala, na informalidade. Esse movimento positivo ocorreu simultaneamente a uma diminuição da insuficiência de renda. Esses dados indicam que a redução do número de domicílios em situação de insuficiência de renda entre 2000 e 2010 permitiu uma melhora do padrão de vida da base da pirâmide da estrutura de renda.

Não se pode deixar de salientar que isso ocorreu com significativa redução da desigualdade e da pobreza monetárias, em grande medida influenciadas pela política de valorização do salário mínimo no âmbito do mercado de trabalho, pelo crescimento das aposentadorias associadas ao piso mínimo legal e pela ampliação dos programas de transferência de renda.

Somados a essas políticas, o acesso ao crédito pessoal e a redução do desemprego mostraram-se também peças importantes para alterar de forma substantiva a dimensão do consumo de bens de uso individual, intimamente relacionado à capacidade de consumo proporcionada pela renda. Com exceção do equipamento máquina de lavar, que permaneceu quase estável, todos os bens considerados apresentaram uma melhora em termos de acesso para a média da população. Ademais, a Tabela 3 mostra que essa melhora se deu de forma mais expressiva na base da estrutura socioeconômica, o que representa uma diminuição das diferenças entre a base e o topo.

O cenário de redução da desigualdade de renda corrente, observado no período, também beneficiou a dimensão do consumo de bens de uso individual e favoreceu a dinâmica econômica associada às decisões de produção e de elevação do emprego no curto prazo. A melhora na distribuição de renda em favor das camadas da população onde a propensão a consumir é maior deu suporte à expansão de demanda agregada e impulsionou a produção, o emprego e a renda, o que alimentou um processo benéfico ao mercado de trabalho e à dimensão econômica da renda.

A melhor distribuição de renda corrente garantiu uma redução da desigualdade sob a ótica da insuficiência no âmbito da dimensão do consumo cuja demanda é atendida pela via do mercado. Uma ressalva deve ser feita quanto ao elevado crescimento do número de domicílios nos níveis do topo da estrutura da ANIS (níveis 1 e 2) para os equipamentos geladeira e máquina de lavar, pois esse se refere à pequena quantidade de domicílios que se encontram nessa condição, o que implica que um pequeno crescimento em termos absolutos reflete-se em um elevado incremento relativo.




A avaliação do acesso aos bens e serviços de uso coletivo demonstra uma melhora dos indicadores de energia elétrica e de água encanada, ainda que, quanto a esse último, essa tenha se concentrado apenas nos níveis de maior insuficiência. Houve, de fato, uma mudança na participação dos níveis ANIS para esse indicador. Essa nova composição se dá pela ampliação da participação dos níveis mais bem situados, mesmo que esses representem uma pequena parcela dos domicílios em situação de insuficiência. Esses indicadores proporcionaram resultados relevantes para a ANIS; no entanto, o indicador de esgotamento sanitário, apesar de uma melhora relativa, revelou uma deterioração do nível médio em termos de acesso a esse bem. Além disso, a grande concentração de domicílios com insuficiência no acesso a esgotamento sanitário relativiza a evolução positiva dessa dimensão proporcionada pelo indicador de energia elétrica, pois esse representa uma parcela relativamente menor dos domicílios em insuficiência, em decorrência da expressiva extensão do acesso a esse serviço.

Na dimensão educacional, a redução da insuficiência e da desigualdade deveu-se à diminuição da ausência escolar para crianças de 7 a 17 anos e, com menor intensidade, do analfabetismo e da ausência de ensino médio completo para qualquer pessoa do domicílio entre os níveis quatro e cinco. Quanto à dimensão demográfica, que apresentou resultados relevantes, destaca-se que houve um aumento da participação de idosos que recebem aposentadoria e a alteração da taxa de atividade dentro do domicílio para os níveis de maior insuficiência. A relativa melhora desses dois indicadores em conjunto representa uma redução no risco socioeconômico associado à presença de idosos que não recebiam benefícios previdenciários e que demandavam cuidados especiais, em uma estrutura domiciliar com menor peso de pessoas dependentes.

A Tabela 4 traz a proporção de domicílios segundo cada critério de elegibilidade (indicadores socioeconômicos) no interior de cada nível de insuficiência. A título de exemplo, o elemento da primeira linha e da primeira coluna representa a proporção de domicílios em situação de insuficiência de renda no primeiro nível para o ano de 2000 e, assim, sucessivamente para cada indicador da ANIS. As colunas referentes à variação trazem a evolução em pontos percentuais entre 2000 e 2010 e indicam a melhora (valor negativo) ou a piora (valor positivo) em termos de nível de insuficiência segundo dimensão e indicadores.




De maneira geral, houve uma melhora relativa para os diversos indicadores em todas as dimensões entre os níveis de insuficiência 4 e 5, comparativamente aos níveis em melhor posição (níveis 1 e 2). Isso pode ser entendido como uma redução da desigualdade pela ótica da insuficiência socioeconômica pois houve uma diminuição da disparidade de acesso aos elementos que definem o nível da insuficiência socioeconômica e a própria desigualdade.

Apesar desse movimento positivo em direção à redução da desigualdade sob a ótica da insuficiência, o que chama atenção é o fato de esse processo ter sido alavancado pelas dimensões do mercado de trabalho/renda e da dimensão de consumo de bens duráveis. A redução da insuficiência de renda, o aumento do emprego e a queda da informalidade, ocorridos de maneira mais expressiva para a base da estrutura da ANIS, colaboraram para a posição de destaque que assumiram as dimensões do mercado de trabalho e a do consumo de bens individuais. Destaca-se, também, uma redução da desigualdade na dimensão educacional e na dimensão demográfica, proporcionadas pela melhora relativamente maior dos níveis 4 e 5. Essa última esteve intimamente relacionada à queda expressiva da participação de domicílios com idosos que não recebem aposentadoria.

A dimensão das condições habitacionais merece uma atenção especial, pois está associada à infraestrutura social que depende em grande medida de um conjunto expressivo de investimentos que elevam a oferta dos bens e serviços a ela associados. Os investimentos que afetam sobremaneira a qualidade e a condição de vida da população (infraestrutura social), de modo geral, são relevantes por não dependerem exclusivamente da capacidade de consumo (renda) da população. A demanda por esses bens não é garantida exclusivamente pelo dispêndio da renda monetária no âmbito do mercado. O acesso diferenciado aos bens e serviços oriundos desses investimentos é um elemento relevante que define a condição de desigualdade e de insuficiência dos domicílios brasileiros.

A partir da ANIS, percebe-se que a melhora se deu de forma mais acentuada no indicador de água encanada para o nível 5 e uma melhora, em todos os níveis, porém pequena, no acesso à energia elétrica. O que chama atenção é o indicador de esgotamento sanitário. Os dados demonstram uma piora generalizada e um aumento da desigualdade de acesso a esse bem em particular, decorrente da deterioração mais acentuada dos indicadores dos estratos da base da estrutura da ANIS. O esgotamento sanitário é fundamental para a condição de vida da população ao afetar diretamente a saúde dos membros dos domicílios, impactando a qualidade da água e, em última instância, a mortalidade infantil.

A Tabela 4 reforça a interpretação de que a redução da desigualdade, ou da disparidade entre os níveis da insuficiência, esteve relacionada de maneira mais incisiva à melhora relativamente mais expressiva dos níveis 4 e 5 frente aos outros níveis, quanto aos indicadores de mercado de trabalho e renda (insuficiência de renda, desemprego e informalidade) e de consumo de bens duráveis, com destaque para os bens geladeira, telefone e computador. As outras dimensões, apesar da melhora, perceberam resultados em menor intensidade.

Esse movimento ocorreu por três motivos: 1) a dinâmica do mercado de trabalho favoreceu o acesso à renda, que, com participação da elevação do crédito pessoal, permitiu a inclusão de uma parcela mais pobre ao mercado de bens de consumo individual; 2) a dinâmica econômica levou a uma redução do desemprego e da informalidade favorecendo os indicadores de mercado de trabalho; e 3) as opções feitas no âmbito das políticas públicas e o modelo de crescimento adotado privilegiaram a ampliação do acesso à renda (Programa Bolsa família, BPC e Política de Valorização Real do Salário Mínimo) e a redução da pobreza.

A composição e as escolhas feitas no âmbito das políticas macroeconômicas e dos investimentos públicos (PAC 1) não atacaram de forma estrutural o problema da desigualdade de acesso à infraestrutura social. Com exceção do programa ?Luz para Todos? que atingiu uma grande parte da população e reduziu o déficit de acesso à energia elétrica, outros elementos da infraestrutura social não obtiveram os mesmos resultados.[21]

A melhora evidenciada pela ANIS confirmou a hipótese de que a redução da desigualdade esteve associada especialmente à melhora das condições de acesso ao mercado de trabalho (renda) e aos programas sociais, que contribuíram para ampliar o acesso aos bens de consumo individual. No entanto, não se verificaram transformações de caráter estrutural que pudessem alterar de maneira mais expressiva o nível da insuficiência e da desigualdade em sua dimensão social.

Conclusão

O artigo fez um resgate das principais contribuições presentes na literatura nacional e internacional que procuraram mensurar a desigualdade enquanto um fenômeno estrutural, dinâmico e multidimensional. Ademais, o artigo buscou contribuir com a apresentação de uma nova abordagem para esse fenômeno baseada no que se denominou de insuficiência socioeconômica.

Verificou-se que o Brasil dos anos 2000 conquistou uma redução significativa da desigualdade em algumas dimensões importantes. No entanto, a Análise do Nível de Insuficiência Socioeconômica (ANIS) possibilitou identificar que a melhora relativa e a reconfiguração da estrutura social brasileira estiveram circunscritas, em grande medida, à evolução das condições do mercado de trabalho e da renda monetária, o que se refletiu em uma expansão do acesso aos bens e serviços ofertados pelo mercado.

A partir da metodologia da ANIS, evidenciou-se que a redução da desigualdade multidimensional ocorreu de forma limitada. Para que esse processo tivesse se estendido para além das dimensões do mercado de trabalho, da renda corrente e do consumo individual de duráveis, seria necessário que fosse ampliada a oferta de bens e serviços cujo acesso depende de um montante expressivo de investimentos e de um amplo conjunto de políticas públicas sociais que efetivem o acesso da população que se encontra na base da estrutura social.

Por fim, como adiantado, este artigo não tinha a pretensão de esgotar o tema das desigualdades. Ademais, parece que o campo de estudo para esse tema tornar-se-á cada vez mais rico, especialmente pela reversão do cenário favorável dos anos 2000, pois o que se verificou naquele momento, ao menos, permitiu uma redução da desigualdade em sua dimensão econômica. O quadro atual de crise socioeconômica ampliará, certamente, os desafios para os pesquisadores e, principalmente, para a sociedade como um todo no enfrentamento desse fenômeno tão complexo.

Bibliografia

ALMEIDA, Alberto Carlos. C. A qualidade de vida no Estado do Rio de Janeiro. Niterói, Rio de Janeiro: EDDUFF, 1997. 128p.

ATKINSON, Antony Barnes. On the measurement of inequality. Journal of Economic Theory 2, 1970, p. 244?263.

ATKINSON, Antony Barnes.; BOURGUIGNON, Francois. The Comparison of Multi-Dimensioned Distri-butions of Economic Status. Review of Economic Studies, 49, 183-201, 1982.

BARROS, Ricardo Paes de.; CARVALHO, Mirela de.; FRANCO, Samuel. O Índice de Desenvolvimento da Família (IDF). TD986 / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ? Ipea. Rio de janeiro, 2003.

BARROS, Ricardo Paes de.; FERREIRA, Francisco H. G.; VEGA, Jose R. Molinas; CHANDUVI, Jaime Saavedra. Midiendo la desigualdad de oportunidades en América Latina y el Caribe.Edición de conferencia. Washington, World Bank, 2008.

BASTOS, Estêvão Kopschitz Xavier. Distribuição Funcional da Renda no Brasil: estimativas anuais e construção de uma série trimestral. TD1702 / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ? Ipea. Brasília: Rio de Janeiro, 2012.

BIBI, Sami. Measuring Poverty in a Multidimensional Perspective: A Review of Literature.PMMA Working Paper, November, 2005-2007.

BOURGUIGNON, Francois. Comment to 'Multidimensioned Approaches to Welfare Analysis' by Maasoumi, E. In: Handbook of income inequality measurement. Ed. J. Silber, Boston, Dordrecht and London: Kluwer Academic, pp. 477-484, 1999.

BOURGUIGNON, Francois.; CHAKRAVARTY, Satya. R. The measurement of multidimensional poverty.Journal of Economic Inequality 1: 25?49, 2003.

BRASIL. Ministério do Planejamento. Balanço 4 anos 2007-2010. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Brasilíla, 2007-2010.

BRASIL. Ministério do Planejamento. Balanço 4 anos 2011-2014. Programa de Aceleração do Crescimento. (PAC2) Brasilíla, 2011-2014.

CIDE. IQM ? Índice de Qualidade dos Municípios. Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1998.

COMIN, Flávio.; BAGOLIN, Izete P.; AVILA, Rodrigo.; PORTO JÚNIOR, Sabino da Silva.; PICOLOTTO, Volnei da Conceição. Pobreza: da insuficiência de renda à privação de capacitações. Uma aplicação para a cidade de Porto Alegre através de um indicador multidimensional.Projeto de Pesquisa: Pobreza Multidimensional em Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS, 2006.

COSTA, Michele. A multidimensional approach to the measurement of poverty. IRISS. Working papers series No. 2002-05 ? Luxembourg, 2002.

DECANCQ, Koen.; LUGO, Maria Ana. Measuring inequality of well-being with a correlation-sensitive multidimensional Gini index. Society for the Study of Economic Inequality - ECINEQ Working Paper nº 124, 2009.

DEDECCA, Claudio Salvadori. As desigualdades enquanto processo, perspectiva metodológica multidimensional.Campinas: IE/UNICAMP, 2009. (Mimeografado)

_______________. As desigualdades na sociedade brasileira. Instituto de Economia, UNICAMP. Campinas, São Paulo, 2010. (Mimeo).

_______________. Notas sobre crescimento, desenvolvimento e desigualdades no Brasil. In: Aporias para o planejamento público / organizadores: Geraldo Biasoto Junior, Luiz Antonio Palma e Silva. ? São Paulo: FUNDAP, 2013. 289p. ? (Debates Fundap)

DEDECCA, Claudio Salvadori.; BUAINAIN, Antônio Márcio.; NEDER, Henrique Dantas.; TROVÃO, Cassiano José Bezerra Marques. Uma abordagem multidimensional da pobreza rural segundo a perspectiva da política pública. In: Carlos Miranda; Breno Tiburcio. (Org.). A Nova Cara da Pobreza Rural: desafios para as políticas públicas. 1ed.Brasília: IICA, 2012, v. 16, p. 17-54.

DEDECCA, Claudio Salvadori.; TROVÃO, Cassiano José Bezerra Marques. Tendências das desigualdades socioeconômicas no Brasil. Campinas: Unicamp, 2012. Mimeografado.

DEDECCA, Claudio Salvadori.; TROVÃO, Cassiano José Bezerra Marques.; SOUZA, Leonardo Flauzino. A avaliação multidimensional da pobreza no Brasil. In: Julio Boltvinik et al.. (Org.). Multidimensionalidad de la pobreza: propuestas para su definición y evaluación en América Latina y el Caribe. 1ed. Buenos Aires: CLACSO-CROP / Alberto Cimadamore, v. 1, p. 275-304, 2014a.

DEDECCA, Claudio Salvadori.; TROVÃO, Cassiano José Bezerra Marques.; SOUZA, Leonardo Flauzino. Desenvolvimento e equidade: desafios do crescimento brasileiro.Novos Estudos CEBRAP (Impresso), v. 98, p. 23-41, 2014b.

GAJDOS, Thibault; WEYMARK, John A. Multidimensional generalized Gini indices. Working Paper No. 03-w11. Department of Economics, Vanderbilt University, 2003.

GUERRA, Alexandre.; POCHMANN, Márcio.; SILVA, Ronnie. Aldrin. Atlas da Exclusão Social no Brasil: dez anos depois. Volume 1. São Paulo: Cortez, 2014.

HOFFMANN, Rodolfo. Desigualdade da renda e das despesas per capita no Brasil, em 2002-2003 e 2008-2009, e avaliação do grau de progressividade ou regressividade de parcelas da renda familiar. Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 3 (40), p. 647-661, dez, 2010.

______________. Transferências de renda e desigualdade no Brasil (1995-2011)In: Campello, T.; Neri, M. C. (Orgs) Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013.

______________. Fatos relevantes sobre a distribuição da renda no Brasil. 52º Congresso da SOBER, Painel 2. Goiânia, 27 a 30 de julho de 2014.

IBGE Notas metodológicas. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico, 2010. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_Gerais_da_Amostra/Microdados/Documentacao.zip>.

IPEA; FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO; IBGE. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Rio de Janeiro: PNUD, 1998.

JUSTINO Patricia.; LITCHFIELD, Julie; NIIMI, Yoko . Multidimensional Inequality: An Empirical Application to Brazil. Working Paper 24. Poverty Research Unit at Sussex (PRUS), University of Sussex, 2004.

KAGEYAMA, Ângela.; HOFFMANN, Rodolfo. Pobreza no Brasil: uma perspectiva multidimensional. Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1 (26), p. 79-112, jan./jun. 2006.

KOLM, Serge-Christophe. The optimal production of social justice. In: Margolis, J., Guitton, H. (Eds.), Public Economics. Macmillan, London, pp. 145?200, 1969.

___________________. Multidimensional egalitarianisms. Quarterly Journal of Economics 91, 1?13, 1977.

KOSHEVOY, Gleb.; MOSLER, Karl. The Lorenz zonoid of a multivariate distribution. Journal of American Statistical Association 91, pp. 873-882, 1996.

KUWAHARA, Mônica Yukie.; PIZA, Caio Cícero de Toledo. MIQL-M: uma sugestão de índice multidimensional para a qualidade de vida na presença de desigualdades. In: 38º Encontro Nacional de Economia ANPEC, Salvador, 2010.

LOPES, Helger Marra.; MACEDO, Paulo Brígido Rocha.; MACHADO, Ana Flávia. Indicador de pobreza: aplicação de uma abordagem multidimensional ao caso brasileiro. TD223 / UFMG/Cedeplar. Belo Horizonte: 2003.

LUGO, María Ana. Comparing Multidimensional Indices of Inequality: Methods and Application. Society of the Study for Economic Inequality ? ECINEQ. Working Paper 14, 2005.

MAASOUMI, Esfandiar. The Measurement and Decomposition of Multi-dimensional Inequality. Econometrica, 54 (4): pp. 991-997, 1986.

____________________. Multidimensioned Approaches to Welfare Analysis. In Handbook of income inequality measurement. Ed. J. Silber, Boston: Kluwer Academic, pp. 437-477, 1999.

NEDER, Henrique Dantas. Um Estudo sobre a Pobreza Rural com Abordagem Multivariada. XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER). Rio Branco ? Acre, 20 a 23 de julho de 2008.

OECD Growing Unequal? Income distribution and poverty in the OECD countries. Organisation for Economic Co-operation and Development, Paris: OECD, 2008.

OSBERG, Lars.; SHARPE, Andrew. An index of economic well-being for select OECD countries. Review of Income and Wealth, Ontario, International Association for Research in Income and Wealth/Blackwell Publishing, v. 48, n. 3, 2002.

______________________________. New Estimates of the Index of Economic Well-being for Selected OECD Countries. Center for the Study of Living Standards, 10e colloque de comptabilité nationale organisé par l?Association de comptabilité nationale, Paris, France, 2006.

PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Tradução de Monica Baumgarten de Bolle. ? I. ed. ? Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

PRADHAN, Menno.; RAVALLION, Martin. Measuring Poverty Usiing Qualitative Perceptions of Consumption Adequacy. Review of Economics and Statistics. Vol. 82:3. Pp 462-471, 2000.

ROCHA, Sônia. Estimação de linhas de indigência e de pobreza: opções metodológicas no Brasil. In: Henriques, R. (Org.), Desigualdade e pobreza no Brasil, IPEA, Rio de Janeiro, 2000, 109-127.

SALAMA, Pierre.; DEMESTRAU, Blandine. O tamanho da pobreza ? economia política da distribuição de renda.Rio de Janeiro: Garamond Ltda, 1999.

SALM, Cláudio. Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil: uma leitura crítica. In: PAES DE BARROS, R. et al.. Desigualdade de Renda no Brasil: Uma análise da queda recente. IPEA, Brasília, 2006.

SAVAGLIO, Ernesto. Multidimensional inequality: A survey.Working Paper No. 362, Dipartimento di Economia Politica, Universit`a degli Studi di Siena, 2002.

SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade.Trad. Laura Teixeira Motta ? São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SILVA, Ana Márcia Rodrigues da. Um estudo sobre a pobreza multidimensional na Região Nordeste do Brasil. Dissertação de Mestrado ? Universidade Federal de Uberlândia, 2009.

SMEEDING, Timothy.; SAUNDERS, Peter.; CODER, John.; JENKINS, Stephen.; FRITZELL, Johan.; HAGENAARS, Aldi J. M..; HAUSER, Richard.; WOLFSON, Michael. Poverty, Inequality and Family Living Standards Impacts Across Seven Nations: The Effect of Non-cash Subsidies for Health, Education and Housing.Review of Income and Wealth. Vol. 39:3 Pp 229-256, 1993.

SOARES, Sergei Suarez Dillon . Distribuição de renda no Brasil de 1976 a 2004 com ênfase no período entre 2001 e 2004. TD 1166 / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ? Ipea. Brasília: Rio de Janeiro, 2006.

SOUTO, Anna Luiza Salles.; KAYANO, Jorge.; ALMEIDA, Marco Antonio.; PETRUCCI, Victor Augusto. Como reconhecer um bom governo? O papel das administrações municipais na melhoria da qualidade de vida. Revista Pólis, São Paulo, n. 21, 1995.

TSUI, Kai-Yuen. Multidimensional generalizations of the relative and absolute inequality indices: The Atkinson?Kolm?Sen approach. Journal of Economic Theory 67, 251?265, 1995.

________________. Multidimensional Inequality and Multidimensional Generalized Entropy Measures: An Axiomatic Derivation. Social Choice and Welfare, 16 (1): pp. 145-157, 1999.

________________. Multidimensional Poverty Indices. Social Choice Welfare 19: 69-93, 2002.

UNICEF; IBGE Municípios brasileiros: crianças e suas condições de sobrevivência. Fundo das Nações Unidas para a Infância e Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasília, 1994.

WEYMARK, John A. Generalized Gini inequality indices. Mathematical Social Sciences 1, pp. 409?430, 1981.

Notas

[1] Professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia (Mestrado) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
[2] Professor titular de Economia Social e do Trabalho do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp).
[3] Para mais detalhes sobre a construção do índice IAKS, ver Weymark (2004).
[4] Ver Lugo (2005)
[5] Outras abordagens sobre as generalizações da Curva de Lorenz e do índice de Gini podem ser vistas em Koshevoy e Mosler (1996), Savaglio (2002) e Decancq e Lugo (2009).
[6] Com o objetivo de avançar em um método multidimensional para abordar o tema da desigualdade, os autores contribuíram sobremaneira ao debate com a introdução de elementos cumulativos da desigualdade, isto é, pontes entre o presente e o futuro, que implicam na mensuração de diversos riscos que se somam e se perpetuam ao longo do tempo e das gerações.
[7] A posse de riqueza tem sido bastante debatida após o lançamento do livro ?O Capital no Século XXI?, de Thomas Piketty, que mostrou a concentração da renda e da posse de capital ao longo dos séculos. Algumas críticas à interpretação de Piketty podem ser colocadas a partir da ótica da necessidade de incorporação do peso do capital imobiliário, vislumbrada por Smeeding et al. (1993), isto é, a parcela do capital não produtivo imobilizada em propriedades, para a concentração da riqueza e da renda. Isso seria relevante na medida em que a terra se mostra um ativo que amplia e preserva seu valor ao longo do tempo, excluindo-se momentos de crise como foi a de 2007-2009 nos EUA.
[8] Deve ficar claro que uma parte dessas privações depende do poder de compra da população e, por consequência, associa-se à capacidade de consumo monetário, já outra parte está associada à disponibilidade e à condição de acesso a bens e serviços que não dependem da capacidade de gasto da sociedade,
[9] O IDF passou a ser utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social para o acompanhamento das famílias inscritas no Cadastro Único. De acordo com o MDS, gestores municipais podem identificar, entre as famílias pobres de seu município cadastradas no CADÚNICO, aquelas que apresentam baixo nível de desenvolvimento, de acordo com as dimensões definidas pelo IDF.
[10] Sobre o ICV, ver IPEA, Fundação João Pinheiro e IBGE (1998). Sobre o Índice Municipal, ver Souto et al. (1995). Para o índice de qualidade de vida (IQV), ver Almeida (1997). A respeito do ICS ver UNICEF e IBGE (1994). No que tange ao IDF ver Barros et al. (2003). Quanto ao Índice de Qualidade dos Municípios (IQM), ver CIDE (1998). Por fim, para o Índice de Exclusão Social (IES), ver Guerra et al. (2014).
[11] O esforço dos autores encontra-se no estudo da qualidade de vida e da desigualdade nos municípios da Região Metropolitana de São Paulo. Nesse sentido, o procedimento metodológico de Kuwahara e Piza (2010: 10) segue três passos: ?O primeiro tratamento é a generalização de Sen aplicada aos dados de cada dimensão. Este procedimento consiste, basicamente, na sensibilização dos dados à desigualdade de sua distribuição, utilizando o índice de Atkinson como medida de desigualdade. O segundo tratamento é a geração de subíndices através da abordagem fuzzy aos dados generalizados. O terceiro procedimento é a agregação dos subíndices em um índice sintético de bem-estar através de um método que permita conferir ao índice a propriedade de consistência nos subgrupos.?
[12] Esse conceito será explorado mais à frente neste artigo.
[13] A proposta de Dedecca (2013) teve como ponto de partida os trabalhos de Dedecca (2009), Dedecca (2010) e Dedecca e Trovão (2012).
[14] Reconhece-se que a ótica da insuficiência socioeconômica é uma forma de abordagem da desigualdade que se mostra mais sensível aos cenários em que os bens e serviços não apresentam um grau elevado de universalização. Por exemplo, em países subdesenvolvidos, onde é reconhecida a deficiência no fornecimento de grande parte dos bens e serviços básicos à sociedade, acredita-se que a abordagem da desigualdade pela ótica da insuficiência seja capaz de apontar a segregação entre grupos sociais e as diferenças entre eles. No entanto, em países com elevado grau de universalização dos bens e serviços públicos, como no caso dos países onde o Estado de Bem-estar Social é desenvolvido, acredita-se que a abordagem da insuficiência socioeconômica possa subestimar a extensão e o grau da desigualdade multidimensional, devendo-se assim partir para formas de mensuração mais sensíveis às diferenças na dimensão econômica do fenômeno (mercado de trabalho, renda corrente, e patrimônios financeiro e imobiliário). Em outras palavras, pode haver casos em que a insuficiência é alta e a desigualdade é baixa, pois se está nivelando a população por baixo, e casos em que a insuficiência é baixa, mas a desigualdade é alta, podendo estar circunscrita à dimensão econômica como as distribuições da renda e do patrimônio.
[15] Informalidade é definida por trabalho segundo o critério de não contribuição à previdência social.
[16] Não há informações da PNAD para 2010, pois houve realização do Censo Demográfico.
[17] Esse período coincide com a estabilização inflacionária de meados da década de 1990.
[18] Ver Salm (2006), Soares (2006), Dedecca (2010), Hoffmann (2013) e Hoffmann (2014).
[19] Ver Bastos (2012).
[20] Ver Dedecca (2013).
[21] Ver Brasil (2010) e Brasil (2014), relatórios do PAC1 e PAC2.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R