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A construção da identidade social e profissional através da ação das redes de sociabilidade laboral
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 14, núm. 1, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 14, núm. 1, 2017

Esta obra está licenciada com Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo faz um reflexão sobre a construção social das identidades no individuo. Inicia com uma abordagem ao conceito de identidade pesssoal, culminando com a dinâmica de estruturação da identidade profissional, recorrendo a autores contemporâneos. Numa segunda etapa da reflexão, são estabelecidos pontos de contacto sobre o papel das redes de socibilidade e as funções do capital social na estruturação das identidades. Por último, e recorrendo à centralidade do trabalho nas sociedades desenvolvidas, discute-se a ação do trabalho na construção da identidade pessoal e profissional dos individuos, a partir do conhecimento etongráfico do autor.

Palavras-chave: identidade pessoal, identidade profissional, capital social, trabalho.

Resumen: Este artículo hace una reflexión sobre la construcción social de las identidades en el individuo. Inicia con un enfoque al concepto de identidad individual, culminando con la dinámica de estructuración de la identidad profesional, recurriendo a autores contemporáneos. En una segunda etapa de la reflexión, se establecen puntos de contacto sobre el papel de las redes de sociabilidad y las funciones del capital social en la estructuración de las identidades. Por último, y recurriendo a la centralidad del trabajo en las sociedades desarrolladas, se discute la acción del trabajo en la construcción de la identidad personal y profesional de los individuos, a partir del conocimiento etongráfico del autor.

Palabras clave: identidad personal, identidad profesional, capital social, trabajo.

Abstract: This article makes a reflection on the social construction of identities in the individual. It begins with an approach to the concept of personal identity, culminating with the dynamics of structuring the professional identity, resorting to contemporary authors. In a second stage of reflection, points of contact are established on the role of sociability networks and the functions of social capital in the structuring of identities. Lastly, and through the centrality of work in developed societies, work is discussed in the construction of personal and professional identity of individuals, based on the author's ethnographic knowledge.

Keywords: personal identity, professional identity, social capital, work.

Introdução

O conceito de identidade remete-nos para as características distintivas do carácter de uma pessoa ou o carácter de um determinado grupo. Estas características resultam de uma multiplicidade de interações que o individuo vai mantendo com o meio social em que se encontra inserido. As fontes que influenciam a estruturação da identidade são várias. Segundo Giddens (2008), ?algumas das principais fontes de identidade são o género, a orientação sexual, a nacionalidade ou a etnicidade, e a classe social. O nome é um marcador importante da identidade individual, e dar um nome é também importante do ponto de vista da identidade do grupo? (GIDDENS, 2008, p.694).

Na mesma linha, Dubar (1997) explica de que ?se restituirmos a relação de identidade para si/identidade para o outro ao interior do processo comum que a torna possível e que constitui o processo de socialização? (DUBAR, 1997, p.105), ou seja, o conceito de identidades e o seu processo de construção são de certa forma analisados ao abrigo da sociologia na medida em que implicam relações interpessoais, integração e adaptação em diferentes grupos, implicando, assim, um processo de socialização. Posto isto, Dubar apresenta o conceito de identidade como sendo o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural dos diversos processos de socialização que simultaneamente constroem os indivíduos e definem as instituições (DUBAR,1997).

Berger e Luckmann (2004) sustentam que a formação e conservação das identidades são condicionadas por processos sociais determinados pelas estruturas sociais. Desse modo, a identidade social não diz respeito apenas aos indivíduos. Todo grupo apresenta uma identidade que está em conformidade com a sua definição social que, por sua vez, o situa no conjunto social. Assim, a identidade social é simultaneamente inclusão, pois só fazem parte do grupo aqueles que são iguais sob determinada perspetiva ? e exclusão ? visto que sob o mesmo ponto de vista são diferentes de outros.

Face ao que referi anteriormente, podemos assumir que a identidade dos indivíduos se forma a partir da relação com os restantes elementos da sociedade, podendo, dependendo das dinâmicas das relações criadas, manter-se ou alterar-se. Sublinham Berger e Luckmann (2004) que a ?identidade é formada por processos sociais. Uma vez cristalizada, é mantida, modificada ou mesmo remodelada pelas relações sociais. Os processos sociais implicados na formação e conservação da identidade são determinados pela estrutura social. Por outro lado, as identidades produzidas pela interação do organismo, da consciência individual e da estrutura social reagem sobre a estrutura social dada, mantendo-a, modificando-a ou mesmo remodelando-a? (BERGER e LUCKMANN, 2004, p.179).

Os diferentes contextos em que o individuo está inserido são, inquestionavelmente, geradores de interações que influem e contribuem para a construção da sua identidade, sendo, portanto, um processo bastante dependente das relações sociais do individuo. As identidades sociais são, deste modo, constructos sociais plurais, elaborados em concretos contextos de vivência e de relacionamento sociais. Se assim não fosse, não seria possível falar de identidades.

Assim, sabendo que falar em identidades e na sua construção implica referir a relação entre indivíduos, envolvendo consequentemente um processo de socialização, ao longo do presente artigo serão apresentados os conceitos de identidade e as suas inter-relações com as redes de sociabilidade no quadro das profissões, nomeadamente a forma como os atores sociais beneficiam da integração no mercado de trabalho para construírem as suas identidades: social e profissional.

1.Os desafios da sociabilidade laboral e a construção da identidade social

O conceito de identidade pressupõe, na análise sociológica, um enorme jogo de sentidos e contra-sentidos. Se para o cidadão comum é certo que o seu documento de identificação civil traduz quem ele é, designadamente, nome, filiação, data de nacismento e outros elementos pessoais, para o sociológo, a sua capacidade analítica e de construção de conceitos tornam-o distante do pragmatismo desta análise simplista das noções. É sabido que a teoria sociológica é pródiga em conceitos e (re)conceitos. Hoje, falar em identidade, social ou profissional, é emergir numa multiplicidade de ângulos de análise.

A identidade social de um individuo remete-nos para a multiplicidade dos seus vínculos relativamente a um determinado sistema social. Todos nós estamos vinculados a uma classe social, país, religião, entre outros vínculos. Esta ligação à sociedade, independetemente da sua configuração, imputa ao individuo um posicionamento no sistema social e, simulatanemente, este posicionamento é-lhe reconhecido pelo outro.

A interção constante que mantemos com o meio social em que estamos envolvidos faculta-nos uma dimensão emocional e avaliativa de pertença a determinados grupos sociais por ação duma autoconsciencia. Todos nós nos sentimos cidadãos de um país. Todos nós mantemos um conjunto de realações sociais que nos proporcionam um certo sentimento de intergação social. Todos nós nos revemos em comparação com o outro. Deste modo, podemos chegar a um entendimento que a identidade social é o modo como nos olhamos, categoriazamos, posicionamos e nos comparamos nos contextos em que vamos fluindo. Entre os principais mecanimos que influem na construção da nossa identidade, o trabalho, enquanto principal agente de socialização, ocupa uma centralidade ímpar neste processo de construção das identidades sociais e profissionais.

As metamorfoses que se têm verificado na sociedade contemporânea, fundamentalmente por ação do processo de transição de uma sociedade industrial para uma sociedade pós-industrial, têm funcionado como um estímulo para uma reflexão mais aprofundada sobre a organização e configuração social do trabalho, o novo perfil de competências gerado por esta mudança e seus os reflexos nas relações sociais e na formação identitária do indivíduo enquanto ator-trabalhador. Por outro lado, a emergência de um novo modelo de organização social do trabalho passa a beneficiar de uma influência relativa da dimensão temporal e dentro de condições históricas, sociais e económicas muito particulares.

Independentemente das configurações, a organização do trabalho passa a ter por base um ? modelo de competências?, tal como sustentam alguns autores, entre eles Zarafian, 1999; Fialho et al 2013. A génese deste modelo de competências está associada à reorganização do modo de produção e de organização do trabalho, que vem estimulando a construção novos perfis por parte do trabalhador, a arquitetura de novos arranjos de gestão das organizações e novas formas de pensar a realidade social, do trabalho, das profissões e da formação profissional.

A formação do trabalhador neste novo contexto social e do trabalho, pressupõe responsabilidades e papéis, que vão muito para além da transmissão e construção de conhecimentos teóricos e práticos, pressupondo uma responsabilidade maior na construção e no desenvolvimento de identidades, que vai deste o ensino básico até ao fim da atividade profissional, processo este acompanhado pelo desenvolvimento de uma consciência crítica e de autonomia do trabalhador.

Estes novos estímulos do contexto social e do trabalho influem, quer no processo da construção da identidade individual do trabalhador, quer na construção da sua identidade profissional. Enquanto este ultimo se enquadra nas questões do exercício da atividade profissional, o primeiro, da identidade individual, entra no quadro das características particulares do indivíduo.

Para Claude Dubar (1997), George Mead foi o primeiro autor a conceptualizar, de forma consequente e argumentada, a socialização como construção de uma identidade. Segundo o autor, os fundamentos de base social utilizados por Mead na conceptualização do eu (ou do self, na terminologia do próprio Mead) têm a virtude de colocar o ? agir comunicacional? (e não instrumental) no centro da socialização, nomeadamente nas relações que se instalam entre os socializadores e os socializados. Numa outra ótica, Craib (1998), no que respeita à construção social da identidade, privilegia o termo self, uma vez que este agrega muitos outros conceitos, tais como, sujeito, subjetividade, agente, ação e identidade, considerando a identidade do selffortemente ligada ao conceito de experiência.

Assim, a identidade, enquanto característica singular de um indivíduo que o distingue do outro, implica, paradoxalmente, uma dualidade: a identidade pessoal (ou a identidade para si) e a identidade para os outros. Contudo, importa sublinhar que o processo de construção de uma identidade não é estável, nem linear. Trata-se de uma construção complexa e dinâmica, na medida em que, em primeiro lugar, cada um de nós pode recusar uma identificação e se definir de outra forma e, por outro lado, sendo um processo construído socialmente, altera-se de acordo com as mutações sociais dos grupos de referência e de pertença a que estamos associados, conforme estes alteram as suas expetativas, valores influentes e configurações identitárias.

A identidade é o resultado de uma relação dialética contínua entre o indivíduo, os outros e o meio em que se insere, e resultará pois de um processo de construção que pressupõe a interação e entre estes elementos.

Deste modo, podemos sintetizar a identidade como um conjunto de características pelas quais alguém pode ser reconhecido. Do ponto de vista da sociologia, a identidade pode ser definida como uma ? características distintivas do carácter de uma pessoa ou o carácter de um grupo que se relaciona com o que eles são e com o que tem sentido para eles. Algumas das principais fontes de identidade são o gênero, a orientação sexual, a nacionalidade ou a etnicidade, e a classe social. O nome é um marcador importante da identidade individual, e dar um nome é também importante do ponto de vista da identidade do grupo? (GIDDENS, 2008, p. 694).

A identidade social é, pois, construída pelos sujeitos sociais de acordo com uma perspetiva interacionista, através da qual as expectativas que os membros do grupo têm sobre os papéis a serem desempenhados pelos sujeitos constituem os pilares de sustentação. A identidade humana é um ato que se constrói ? na infância e deve reconstruir-se sempre ao longo da vida. O Indivíduo nunca a constrói sozinho: ela depende tanto dos julgamentos dos outros como das suas próprias orientações e auto definições. A identidade é um produto de sucessivas socializações? (DUBAR, 1997, p.13). A identidade não é estática, antes pelo contrário, é dinâmica e nunca estará por assim dizer completamente concluída.

Têm sido vários os autores que apresentam tentativas de diferenciação entre identidade pessoal e identidade social. Berger e Luckmann (1993), por exemplo, associam a construção da identidade pessoal ao processo de socialização primária e a construção da identidade social, ao processo de socialização secundária. Os autores destacam a internalização de papéis ao tratar a questão da identidade, caracterizando-a como um fenómeno de aprendizagem.

Berger e Luckmann afirmam ainda que a construção da identidade, enquanto processo dialético, pressupõe que o indivíduo tenha acesso à compreensão da sociedade em que este se insere. Sociedade esta que é simultaneamente realidade objetiva e subjetiva, o que significa que o sujeito necessitará de estar de posse dos instrumentos que lhe permitem ter uma ideia destes aspetos. Esta dualidade só se verifica porque neste processo dialético de construção e de compreensão da sociedade os sujeitos vão apropriar-se de três instrumentos: a exteriorização, a objetivação e a interiorização. Por interiorização entende-se o momento que ? constitui a base, primeiro da compreensão dos nossos semelhantes e, segundo, da apreensão do mundo como realidade significativa e social? (BERGER e LUCKMANN,2004,p.151). A objetivação é apontada como sendo o momento em que a criança se torna visível para si própria dado que ela foi capaz ? de se aperceber de si, a partir do exterior, como um objeto no espaço dos objetos? (LIPIANSKY,1998,p.23) Alves-Pinto (1995) por sua vez sustenta momento de exteriorização é aquele que permite ao ? membro individual da sociedade exteriorizar o seu próprio ser no mundo social? (ALVES-PINTO,1995, p.121).

Dubar (1997; p.239) advoga as identidades permanecem movimento e a dinâmica de desestruturação/estruturação pode, em algumas ocasiões, conduzir à forma de ? crise de identidade?. Face a esta situação, o autor apresenta quatro configurações identitárias baseadas em investigações empíricas francesas, realizadas ao longo dos anos 60 e 80. Ainda segundo Dubar (1997), as formas identitárias são o resultado da articulação entre a transação objetiva e subjetiva, caracterizam estados de continuidade ou rutura entre a identidade herdada e visada no âmbito subjetivo, e estados de reconhecimento e não-reconhecimento social no âmbito objetivo, entre a identidade atribuída pelo outro e identidade incorporada para si. O quadro seguinte resume as quatro configurações identitárias típicas:

Quadro 1
Quatro configurações identitárias típicas

DUBAR, 1997, p.237

Os processos identitários típicos referidos no quadro anterior configuram as seguintes características:

1) São enraizados na esfera socioprofissional, mas não se reduzem a identidades no trabalho;

2) Definem trajetórias diferentes, mas não reduzidas a habitusde classe;

3) Envolvem categorias oficiais, posições nos espaços escolares e socioprofissionais, mas não se resumem a categorias sociais;

4) São intensamente vividas pelos indivíduos tanto em termos de definição de si como de rotulagens feitas por outros (Dubar, 1997).

Em suma, a identidade é um processo que se vai construindo e reconstruindo através da socialização, da personalização e da crise de identidade. Começa-se a construir a partir do momento em que nascemos por ação de um duplo processo, o da socialização e o da personalização, sofrendo a influência de crises que contribuem para a sua construção. É pois um constructo social inacabado.

1.1 Identidade profissional: clarificação do conceito

A identidade é uma criação social e cultural instável e em permanente processo de construção. É uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsciente, inacabada. Logo é um processo dinâmico.

A família, a escola, os partidos políticos, as associações a que estamos agregados são alguns dos agentes que condicionam e influem neste processo dinâmico. Porém, no campo da construção da identidade profissional há, simultaneamente, uma influência dupla, em que intervêm estes agentes e as lógicas decorrentes das particularidades da profissão. Para Blin (1997), citado por Silva (2003), a identidade profissional é uma ? das instâncias da identidade social, postula que no contexto profissional a identidade profissional é mobilizada prioritariamente relativamente às outras identidades? (SILVA, 2003, p 96). Acrescenta a autora que a identidade profissional implica a construção de um código comum a um determinado grupo profissional, podendo materializar-se em elementos concretos da profissão os quais, segundo Blin (1997) são ? uma rede de elementos particulares das representações profissionais, rede especificamente activada em função da situação de interação e para responder a uma intenção de identificação/diferenciação com/de grupos sociais ou profissionais? (SILVA, 2003, p 96).

As identidades profissionais têm inerentes as particularidades dos diferentes grupos profissionais, identificando-se a partir da das representações dos sujeitos que compõem os grupos, bem como das representações dos outros grupos sociais e profissionais. Estas representações profissionais são construídas e explicitadas tendo como ponto de referência os contextos profissionais, beneficiando da influência das dimensões funcional, contextual e identitárias. Este processo de construção e reconstrução, para além da influência das dimensões anteriormente referidas, também sofre influência das condições socioeconómicas, culturais e profissionais em constante mutação e em estado de precaridade e instabilidade profissional. A identidade profissional de um determinado grupo social não se constrói de forma igual para todos os elementos. Decorre de diferentes estratégias que variam de acordo com a forma que os indivíduos desse grupo de relacionam com a organização (Silva, 2003).

Na perspetiva de Habermas (1987), o processo de construção das identidades não deve ser desintegrado de dois sistemas estruturantes: por um lado a atividade instrumental (na qual se incluem os processos de trabalho, finalidades económicas, etc.) e, por outro lado a atividade comunicacional (em que se inclui a interação entre os indivíduos). Contudo génese da identidade e da institucionalização do reconhecimento nas sociedades modernas sustenta-se na esfera ampla do trabalho e não se pode desligar dos mecanismos de produção e das relações profissionais. Porém, esta perspetiva de Habermas é reducionista na conceção do processo identitário, podendo cair no radicalismo da configuração da identidade do sujeito unicamente pelo estatuto de emprego, níveis de qualificação ou pertença a determinada organização (Santos, 2005). Não é só a pertença a um grupo profissional ou profissão que influi neste processo.

Algumas análises sobre a construção das identidades numa determinada profissão tinham o seu foco nas questões funcionais e instrumentais. As competências necessárias para desempenho de uma tarefa profissional, enumeradas em referência a um quadro institucional ou organizacional específico, eram tidas como satisfatórias para a sua enumeração nominativa e a respetiva categorização, em termos sociais e profissionais. Assim, uma profissão era descrita por referência a competências provenientes de áreas específicas de conhecimento, a partir das quais os indivíduos se identificam.

Este processo tem por detrás um conjunto de questões que importa responder: como são as múltiplas identidades mobilizadas nas situações de trabalho e como são elas construídas pelos indivíduos? Como é que os grupos, no meio de um mesmo coletivo profissional, se diferenciam? Sublinha o autor que estes problemas fundamentam-se no sistema de ação profissional ou, isto é, abonam-se no reconhecimento e na visibilidade social que permite o reconhecimento identitário não só pelo mesmo grupo de profissionais, mas também por outros grupos de profissionais que dele se diferenciam. O sistema da ação profissional é baseado na existência de um referencial comum no campo profissional, possibilitando ao trabalhador deter um sistema de informações, um campo representativo que lhe permite, pelos conteúdos que nele existem, orientar a sua atividade. Este elemento é comum e partilhado, de forma explícita e implícita, por um conjunto de elementos que pertencem ao mesmo contexto profissional e baseiam-se neste para comunicar, tocar informações, reconhecer e agir.

Este referencial descrito anteriormente baseia-se nas seguintes características:

?1. A existência de uma linguagem característica e específica a situações concretas do campo profissional e que só neste têm sentido;

2. No entanto, o referencial comum nem sempre coincide com o referencial de cada elemento. Quando se verifica dissonância na representação atribuída, o referencial servirá de modelo de conduta profissional, funcionando como um guia implícito que determinará a conduta individual.

3. O referencial comum engloba o conjunto de regras oficiais, na medida em que integra o conjunto dos conhecimentos e dos procedimentos coletivos adquiridos ao longo da experiência?(SANTOS, 2005, p.132).

Assim a cultura profissional pressupõe código interno construído por ação da interação social entre todos os atores do campo profissional, possibilitando-lhe o desenvolvimento de uma identidade própria do grupo profissional em que está inserido. Neste contexto, o reconhecimento social é formado na ação e na comunicação profissional e estas são detalhadas pelos contextos de intervenção, pelos atores significantes e pelos objetos da prática profissional. Quer este apeto significar que uma parte significativa da identidade profissional gera-se pela experiência, ou seja, no exercício concreto da prática profissional em interação constante com outros profissionais e fabricada na diversidade de acordos e desacordos entre a identidade virtual (proposta ou imposta pelo outro) e a identidade real, assimilada pelo indivíduo (Santos, 2005).

Dubar (2000), apud Santos (2005) sublinha que cada grupo profissional transporta consigo uma verdadeira identidade coletiva. O grupo profissional existe como um ator social real, criado num sistema de ação concreta que se produz e reproduz, continuamente, influenciado por condicionalismos históricos, culturais e diacronicamente determinantes.

A organização, enquanto contexto de emergência identitária, assume um papel determinante, atendendo a que agrega um conjunto de conhecimentos sociotécnicos que se sobrepõem e diferenciam dos saberes escolares, sustentada por Dubar (1997), como uma unidade complexa de aprendizagem que contribui para a estruturação da identidade profissional organizacional e o reforço do sentimento de pertença. Este sentimento de pertença será mais significativo quanto maior for a identidade coletiva e relacional do indivíduo, envolvendo a sua participação nas atividades coletivas formais e informais que lhe permitem obter uma representação social de si mais favorável, face ao grupo de trabalho de referência ou, mesmo, às chefias. A identidade no trabalho aqui descrita ambiciona-se que seja gratificante e segura, auxiliando o processo de introspeção e apropriação dos modelos e valores da organização ou do campo profissional e, consequentemente, possibilitando ao indivíduo a identificação com os elementos do grupo (Santos, 2005).

Para Sainsaulieu[2] (1977) o processo de apropriação do modelo identitário que se verifica no trabalho seja apropriado pelo sujeito, é fundamental que se verifiquem três condições: uma condição afetiva (identificamo-nos mais com o modelo que nos é mais gratificante); uma condição de similitude (a identificação é facilitada pela presença de elementos comuns entre o sujeito e o modelo); uma condição de poder (a identificação revela-se mais importante, se o modelo possuir prestígio). Assim, o poder, o prestígio e a competência são fundamentais no processo de identificação do sujeito ao trabalho. Deste modo, tal como advoga Sainsaulieu (1977), para o campo de interação profissional são fundamentais cinco perfis identitários, tendo em conta três dimensões de análise: o campo de investimento, as normas de comportamento e os valores subjacentes ao trabalho.

Para Sainsaulieu (1977) a identidade de cada um é entendida como um processo cognitivo que proporciona diferenciação e originalidade ao ator organizacional, cujo reconhecimento facilita a interação dos indivíduos e propicia o desenvolvimento de um sentimento de confiança reforçado pela partilha de significados e valores intergrupais, que assume grande importância no contexto das relações sociais entre elementos de uma mesma organização, dado que constitui um elemento de regulação que permite estabelecer relações sociais entre entidades e identidades diferentes.

O local de trabalho é, para Sainsaulieu (1977), um espaço privilegiado de socialização importante para os indivíduos. É um espaço de socialização secundário, após a escola e a família, modela comportamentos e atitudes produzindo uma identidade social e profissional.

As identificações que o indivíduo pode assumir na organização estão ligadas:

· Ao trabalho que realiza, sendo que quanto mais rigorosa, maior a probabilidade de resultar em progresso profissional;

· Com a empresa, e, nesse caso, o resultado é um sentimento de proteção por parte do indivíduo;

· Com uma trajetória, instituindo uma identidade, modelada num projeto pessoal que o indivíduo imagina para si no trabalho, ou seja, a sua identidade.

Segundo Sainsaulieu (1977), na construção das identidades no trabalho são também importantes os tipos de relacionamentos, aos quais o indivíduo está submetido na empresa, geralmente mantidos numa hierarquia entre colegas ou com outras pessoas na empresa. Além desses agentes, os sistemas de representação existentes nas empresas são variáveis importantes no processo de constituição das identidades na esfera organizacional. Assim sendo, e pelo facto de defender que a organização cria novas identidades nomeadamente em situações de mudança, Sainsaulieu conceptualiza cinco modelos de identidade:

- Modelo taylorista ? é aquele em que a confiança é armazenada nas regras e normas, nas categorias profissionais e no status dos indivíduos.

- Modelo comunitário ? a confiança é alicerçada nos laços afetivos e capacidade de ação coletiva. Os atores agem de forma solidária e defensiva face a tudo o que possa afetar o grupo e sua produção.

- Modelo profissional de serviço público ? aquele em que o ? saber-fazer? e as competências laborais dos atores organizacionais são os elementos que proporcionam confiança.

- Modelo de identidade da empresa ? é aquele em que indivíduos pertencentes a categorias sócio - profissionais diferentes agem coletivamente, de forma a adequar os meios aos objetivos que pretendem atingir.

- Modelo de mobilidade ? segundo o qual cada ator organizacional age de acordo com objetivos próprios e realização individual.

Entre estas configurações identitárias, Sainsaulieu (1977) distingue ainda cinco categorias associadas a grupos profissionais:

?1) Os operários profissionais, quadros médios e superiores são associados às normas democráticas e aos valores do oficio ou da criação, em conformidade com o modelo de negociação.

2) Os mestres e quadros subalternos são definidos pela norma da integração/ submissão e, como tal, encontram-se em conformidade com o modelo promocional.

3) Mulheres, imigrantes, empregados jovens são associados ao modelo de refúgio e ao valor económico dominante (o salário) consonantes com o mesmo modelo de refúgio.

4) Homens, velhos, empregados antigos são definidos pela norma e pelo unanismo e referenciados aos valores da regra e do estatuto, em conformidade com o modelo de fusão.

5) Operários, novos profissionais, agentes técnicos e pessoal não estável são identificados com as normas e os valores do modelo de afinidade? (SANTOS, 2005, p.134)

Numa lógica oposta, Dubar (1997), recorrendo aos critérios dialéticos individuais/coletivo e aliança/oposição, constrói uma nova organização do conteúdo das configurações identitárias conceptualizadas por Sainsaulieu:

?1) A identidade de refúgio combina a preferência individual com a estratégia de oposição.

2) A identidade de fusão combina a preferência coletiva com a estratégia da aliança.

3) A identidade negociadora alia a polarização no coletivo com uma estratégia de oposição.

4) A identidade de afinidade alia a preferência individual com uma estratégia de aliança?(SANTOS, 2005, p.134).

Em suma, a construção de perfis identitários é um tema bastante discutido no pensamento sociológica, o qual não se esgota nas obras de Sainsaulieu, Dubar, Blin, entre outros. Os contextos organizacionais são, por inerência, os palcos privilegiados paras as dinâmicas de estruturação das identidades profissionais. A pluralidade de formas e configurações identitárias sobre influência de variáveis temporais e de contexto.

1.1.2 O trabalho enquanto palco da construção da identidade profissional

O trabalho é, inquestionavelmente, o principal mecanimo para a intergação social e profissional. Dele resultam uma multiplicidade de ganhos sociais, entre os quais enfatizmos as relações de sociabilidade e a construção da identidade profissional dos atores sociais.

Sainsaulieu (1997) no seu livro de Sociologia da Empresa apresenta um conjunto de questões de partida para encetar a análise sobre o processo de formação da identidade profissional no trabalho. Para o autor ?Poderão as sociabilidades coletivas de trabalho ser declaradas da simples experiência de meios comunitários? A observação quotidiana das empresas mostra que um tal exemplo pode certamente existir, mas que é mais raro. Como se elaboram as sociabilidades coletivas do trabalho ao longo de dias, semanas e anos? Poderá a empresa ser produtora de sistemas de representações e de culturas, e não só recetáculo de culturas societais ou comunitárias e profissionais?(SAINSAULIEU,1997, p.212). Estas questões relativas à observação de comportamentos coletivos de trabalho e em particular sobre as capacidades relacionais nas empresas são para o autor os fatores que sustentam a hipótese de uma formação de identidades coletivas nas relações organizadas de trabalho.

Para Sainsaulieu (1997) a ? empresa que organiza as relações entre indivíduos num conjunto de relações intensas, cognitivas e afetivas, é na realidade um lugar essencial de socialização, da construção de definição de si e dos outros, de representação sobre o mundo. Tal como a escola, a família ou o bairro, a empresa é fonte de aprendizagem cultural (SAINSAULIEU,1997, p.213).

Na formação das identidades do trabalho Sainsaulieu (1997) apresenta um conjunto de pressupostos que influenciam e condicionam os comportamentos coletivos de trabalho:

a) A questão da aprendizagem cultural influenciada pela ação da produção social das representações cognitivas; pelas aprendizagens pelo grupo e pela dimensão afetiva das aprendizagens;

b) As identidades coletivas herdadas do crescimento, explicadas pelo autor nos quatro modos de identidade do trabalho; na organização, fonte e aprendizagem cultural;

c) Uma crise das relações hierárquicas na viragem dos anos 70 e 80.

d) As mudanças culturais dos anos 80. Sobre estas mudanças o autor sustenta-se no impacto da mudança tecnológica sobre a maneira de ser do ator; noutras formas de retirada; compromissos alternados; as identidades de percurso; a dinâmica participativa e a divisão social e sexual do trabalho.

e) A diferenciação identitária nas empresas dos anos 90.

f) O trabalho como fator de socialização.

Para Dubar (1997), a construção da identidade no campo profissional resulta da interação entre dois movimentos: o movimento da continuidade ou o movimento da rutura. As identidades construídas através do modo de continuidade implicam um espaço potencialmente unificado de realização, um sistema profissional onde os sujeitos seguem percursos contínuos projetados numa sucessão e qualificações que implicam e exigem o reconhecimento das suas competências de forma a validar imagem de si. O outro movimento, o das identidades construídas na rutura implicam, ao contrário, uma dualidade entre os dois espaços, designadamente, o espaço das crenças pessoais e o espaço das aspirações profissionais. Este último processo confere, frequentemente, a possibilidade da construção de uma nova identidade que associe os momentos anteriores.

Em suma, os dois modelos aqui apresentados não esgotam a discussão em prol da formação das identidades no trabalho. Porém, ambos apresentam uma riqueza analítica muito importante para a compreensão sociológica do tema. É neste sentido que recomendamos a leitura aprimorada dos trabalhos de Sainsaulieu e Dubar, entre outros que têm contribuido para esta reflexão.

2.As redes de sociabilidade e o capital social: pontos de convergência na construção das identidades

O conceito de capital social tem sido utilizado por influência sociologia norte-americana para sublinhar a importância das redes sociais informais na construção das relações sociais e de formas de sociabilidade que têm por base interesses pessoais e coletivos

O conceito de capital social começou também a ser fortemente desenvolvido a partir das questões do desenvolvimento local, com principal incidência aquando da publicação do livro de Robert Putnam (1993), Making Democracy Work. Neste trabalho sobre os fundamentos da democracia italiana, o autor identificou uma enorme densidade de associações e também a existência de relações sociais de reciprocidade como premissas centrais da democracia e da participação cívica. Estes fatores não são apenas a garantia da democracia na sociedade mas influenciam também o poder local e as instituições. Numa espécie de analogia aos conceitos de «capital financeiro» e «capital humano», Putnam introduz o conceito de capital social tratando-se dum elemento da organização social das redes, das normas e confiança social como mecanismo facilitador da coordenação e cooperação entre instituições. Na discussão sobre o conceito, este passou a ser tido como importante para a consolidação da democracia e para uma efetiva governança local e urbana, como decisivo para a sustentação de redes de inovação tecnológica e de políticas públicas; fundamental para o desenvolvimento social e comunitário; importante para a implementação de projetos e, por fim, para a proteção do meio ambiente (Frey, 2003).

O capital social pode pois ser compreendido como o quadro de normas de reciprocidade, informação e confiança presentes nas redes sociais informais que se desenvolvem como fruto das interações dos atores da rede, gerando benefícios diretos e indiretos, que se revestem de enorme importância para a compreensão da ação social.

Nesta relação Sociedade-Estado, autores como Putnam (1993) e Evans (1996) reforçam a necessidade da existência de regras transparentes e sólidas nesta relação como forma de se desenvolver um capital social acumulado à disposição da sociedade.

A existência de capital social numa sociedade não é sinónimo da sua utilização e consequente êxito nas políticas públicas. Estas mesmas políticas podem gerar resultados numa determinada sociedade e, aplicadas a outras podem ser condição de fracasso dependendo da forma como esse capital social é construído e movimentado. Deste modo, o capital social pode ser considerado um recurso potencial.

Enquadrado pelo caso italiano e partindo do estudo das diferenças políticas e económicas de norte a sul, Putnam (1993) pretendeu demonstrar, a relevância da participação cívica[3] ao nível das instituições democráticas e na criação de sinergias Estado-Sociedade.

Outros autores têm estudado o capital social. Na sociologia atual encontramos nomes com Pierre Bourdieu[4] (1996), Glenn Loury (1981)[5], James Coleman (1998, 1990) e Robert Putnam (1992, 1993 e 1995). Dum modo geral, para estes autores o capital social reside na panóplia de relações que se verificam na estrutura social e que facilitam as acções dos indivíduos que estão enquadrados nessa estrutura. Sublinhe-se que o conceito de capital social tem subjacente que o relacionamento entre pessoas que favorece o acesso aos recursos disponíveis na sociedade.

O trabalho levado a cabo por Loury abriu portas para a sustentação duma análise mais refinada do processo iniciado por Coleman designadamente, no que concerne ao papel do capital social na criação de capital humano. No estudo do conceito, Coleman recorre aos contributos de Loury, tal como aos do economista Ben-Porath (1967) e dos sociólogos Nan Lin (1982) e Mark Granovetter (1973, 1985).

Coleman (1988 e 1990) concebeu o capital social partindo da sua função, designando-o como se tratando duma variedade de entidades com dois elementos em comum: todas elas constituem num certo aspeto estruturas sociais e facilitam determinadas ações dos atores ? pessoas ou atores coletivos no interior da estrutura.

Assim como outras formas de capital, o capital social está inerente a tipologias de relações, neste caso relações sociais assentes em redes sociais informais entre indivíduos e por formas de sociabilidade representativas da vida nas mais diversas organizações. Por outro lado e, apesar da crescente racionalização da vida moderna, as relações sociais continuam a ser decisivas na construção da sociabilidade, relações estas que podem ser utilizadas como forma positiva de programas sociais, daí assumirem a designação de capital disponível na sociedade.

As redes sociais implicam a observância de normas de reciprocidade e confiança entre os atores. A função destas normas traduz-se no valor para os atores na estrutura social como recursos que podem ser utilizadas para o prosseguimento dos seus interesses. Por outro lado, a positividade implica que os atores participem em redes relativamente maiores ao invés de quem está fora dela pois, pode ser considerado um fator negativo desse capital.

De acordo com Portes (2000), a primeira análise sistémica de capital social foi realizada por Bourdieu (1980) que definiu o conceito como o agregado do atual ou potencial recurso, ligado à pertença duma forte rede social de relações supostamente institucionalizadas e de reconhecimento mútuo. Neste contexto, o capital social pode ser desmultiplicado em duas partes:

· O conjunto das próprias relações que possibilitam aos atores reivindicar recursos comuns aos participantes;

· A quantidade e qualidade dos recursos.

No destaque para a interação entre as múltiplas formas de capital (social, económico e cultural), o capital económico seria o centro de todos os «capitais». Por outro lado, verificar-se-ia uma circularidade com epicentro no capital social, na qual os atores podem ter acesso direto a recursos económicos, bem como aumentar o seu capital cultural. Contudo, o primado é o do capital económico.

O conceito desenvolvido por Glenn Loury (1981) partiu duma crítica às teorias das desigualdades raciais e às políticas que delas resultam nos Estados Unidos. Para Loury (1981) as proibições legais contra a descriminação racial no emprego e a implementação de programas de oportunidades iguais não anulam as desigualdades. Em primeiro lugar pelo environment em que vive a população assente em círculos de pobreza com possibilidades de reprodução nos seus descendentes. Por outro lado, as reduzidas conexões dos jovens de raça negra com o mercado de trabalho e a consequente falta de oportunidades. Em síntese, o acesso diferenciado aos bens materiais e simbólicos resulta das parcas e limitadas redes sociais e, forçosamente, do reduzido capital social dessa franja da população.

Coleman (1988 e 1990) desenvolve o capital social como uma teoria da escolha racional, rejeitando o individualismo externo que nela subjaz. A sua investigação decorreu com estudantes do ensino secundário de várias gerações, em Chicago durante os anos 60, procurando identificar a influência dos estudantes de maior idade nos mais novos ao nível das questões da participação social, liderança e participação em associações recreativas. Para o autor registavam-se duas grandes correntes intelectuais ao nível da descrição e explanação da ação social. Por um lado, uma que atendia ao ator socializado em que a ação era determinada pelas normas sociais e restantes regras da comunidade em que se inseriam. O principal contributo desta corrente residiu na habilidade de descrever a ação no seu contexto social e explicar a ação enquanto constrangida pelo contexto social em que se inseria. Uma outra, mais comum entre os economistas, focava o ator com objetivos independentes e inteiramente direcionados para interesses privados. O seu principal contributo residia no facto da ação ser entendida como maximização utilitária, advogando a inclusão no desenvolvimento da teoria sociológica de componentes das duas correntes: a aceitação do princípio da ação racional ou ação prepositiva e a tentativa de apresentar como este princípio, em determinado contexto social, poderia contar não somente com a ação de indivíduos em contextos particulares mas também no desenvolvimento da organização social. Para Coleman o capital social é um recurso presente na ação, introduzindo a estrutura social no paradigma da ação racional.

A seguir a Bourdieu, Loury e Coleman, têm sido desenvolvidas até aos nossos dias outras análises sobre capital social. Baker (1992), considerou o capital social ? um recurso que os atores fazem derivar de estruturas sociais específicas e usam depois para a realização dos seus interesses; recursos esse criado por alterações na relação entre atores? (PORTES, 2000, p.137). Também Schiff (1992), se reporta ao capital social como um conjunto de elementos da estrutura social que afetam as relações entre pessoas e que são inputs ou argumentos da função e/ou da função de utilidade. Para Burt o capital social é como os amigos, colegas e contactos mais gerais através dos quais acedemos a oportunidades de utilização do próprio capital financeiro ou humano.

Se o enfoque de Loury e Coleman se traduziu na necessidade de redes densas como circunstância para a génese do capital social, o enfoque de Burt (1992) é no sentido contrário. Este autor introduziu a designação de «laços estruturais», querendo significar que a ausência de laços facilita a mobilidade individual, na medida em que as redes densas se inclinam para transmitir informação redundante sendo que, os laços fracos se podem assumir como uma fonte geradora de conhecimentos e recursos.

Em suma, estas reflexões em torno do conceito de capital social remetem-nos para a capacidade dos atores poderem usufruir de benefícios pelo facto de estabelecerem laços/vínculos/interações de pertença com redes e outras estruturas sociais. Quer isto significar que o capital social abrange o conjunto de recursos que um determinado indivíduo pode retirar do resultado da sua participação/posição numa rede de relações sociais estáveis.

3.As redes de sociabilidade laboral na construção das identidades: uma perpetiva a partir do conhecimento etnográfico

Enquanto investigador social, há duas décadas que o trabalho tem ocupado uma centralidade nas minhas reflexões, através de vários ângulos de análise. Todavia, não sendo objetivo deste artigo discutir a centralidade do trabalho na sociedade, parece-me, e face às metamorfoses que ocorrem, e que estão a ocorrer no mundo do trabalho, encetar uma reflexão sobre a influência do trabalho na construção das identidades é um desafio de revisitação de teses de ciêntistas sociais e, simulatneamente, um estímulo para traçar novos olhares e ângulos de análise sobre a atualidade do trabalho e os seus efeitos na construção das identidades. Esta minha preocupação, surge na sequência de temas que são trazidos para o debate atual: realização profissional, estabilidade no trabalho, perspetivas futuras e modos de vida na conciliação da vida familiar com a vida profissional.

A reconfiguração da organização do trabalho veio implicar uma nova dinâmica na organização do trabalho e das relações laborais, principalmente nas décadas de 80 e 90 do século passado. Foi neste contexto que começou a emergir o conceito e a prática da flexibilização em contexto laboral, cujo principal postulado assentava na possibilidade de a empresa contar com mecanismos que lhe permitissem introduzir ajustamentos na produção, na organização do trabalho, no salário e condições de trabalho, para fazer face às flutuações da economia, às alterações provocadas pelas inovações tecnológicas bem como por fatores inerentes às estratégias de mercado.

O tipo de trabalho assume, inequivocamente, uma importância central na sociedade e está em estreita ligação com a sua natureza. Nas sociedades pré-modernas, predomina o trabalho agrícola, enquanto nas sociedades modernas predomina o trabalho industrial. Actualmente, nas sociedades denominadas pós-industriais, predomina o trabalho que recorre às tecnologias de informação e de comunicação e a outras tecnologias robotizadas, sendo o trabalhador conhecido como trabalhador do conhecimento ( knowledge worker). Consequentemente, este paradigma de incerteza e, simultaneamente, exigência face a novas competências, vem colocar a descoberto algumas debilidades da organização social em prol do trabalho. Igualmente, a ?sociedade salarial?, em que o salário constitui uma forma de reconhecimento social e de pertença como consumidor, poderá neste quadro pressupor uma nova equação, face às metamorfoses que se vislumbram neste quadro incertezas do trabalho. A dicotomia trabalho-consumo assume, nos nossos dias, uma enorme preponderância na construção de dinâmicas de integração dos invividuos e, paralelamente, no fornecimento de interações influenciadoras na construção das identidades.

Sendo, para mim, inquestionavel a centralidade do trabalho, importa focar a sua realção com a construção da identidade do trabalhador.

A complexificação e intelectualização do trabalho são, hoje, nas socieades desenvolvidas, desafios que importa acompanhar. O perfil do trabalhador mudou. As competências que lhe são exigidas tornaram-se mais especializadas, fundamentalmente por influência do crescimento do setor dos serviços, dos efeitos globalizadores na organização do trabalho e dum novo homem-trabalhador: o homem-tecnológico.

A construção das identidades no mundo do trabalho é fruto de redes de sociabilidade associadas a relações de poder, vivências laborais e ao desempenho de uma panóplia de papéis sociais em diversos contextos, sobretudo no exigente contexto das relações laboraris.

O trabalho e a sua função vital na construção das identidades (pessoais e profissionais) ocupa o lugar de palco da realização profissional do individuo, facultando-lhe a ambição da progressão profissional e da construção de um projeto pessoal e profissional e, fundamentalmente, proporcionando-lhe um conjunto de relacionamentos pessoais e profissionais que ajudam na estruturação das suas identidades. Por outro lado, a identidade no trabalho também se processa no plano afetivo e cognitivo. O facto de se viver enquadrado numa determinada estrutura organizacional, edifica uma espécie de mentalidade coletiva/grupal, com a qual o indivíduo se conforma (relativamente), assimilando suas regras e normas de comportamento, bem como estabelecendo vínculos afetivos com as pessoas com as quais convive nesse ambiente.

A análise das identidades no trabalho, especialmente em modelos organizacionais onde prevalecem as modernas relações de trabalho, as quais implicam uma lógica de autonomia dos indivíduos, Sainsanlieu (1997) sublinha que há uma pluralidade de modelos identitários no universo do trabalho, que se distinguem principalmente pelos tipos de socialização partilhada entre os indivíduos e por seus modos de integração na empresa. Essa variedade de lógicas implica a possibilidade de existirem várias formas de se definir com relação às situações de trabalho e, portanto, diversos tipos de motivação afetam os indivíduos. Sainsanlieu (1997) identificou seis modelos identitários, ordenados sob a variável coerência identitária, passando de variável, fraca a extremamente forte nos seguintes tipos, respetivamente: (1) regulamentar; (2) comunitário; (3) profissional; (4) profissional de serviço público; (5) temporário; e (6) empreendedor.

Por outro lado, importa também sublinhar que a construção das identidades no trabalho não está desvinculada dos interesses pessoais e coletivos, que estão sendo constantemente estruturados nas organizações. Os indivíduos selecionam os relacionamentos que constituirão parte de seu universo relacional, numa lógica de seriação de interações, para que, a partir daí, construam as experiências e os relacionamentos com os quais irão fazer face às pressões que objetivam elevar os espaços de poder na organização. Estes relacionamentos são, inquestionavelmente, a essência da construção das identidades pessoais, sociais e profissionais do individuo. Todavia, a identidade no trabalho constitui, em meu entender, componente fulcral na construção do individuo enquanto elemento integrante no seu meio social. Basta fazermos um exercicio simplista: quantas horas passamos no nosso local de trabalho? Quais as pessoas com as quais mais interagimos diariamente? A resposta é simples: o trabalho formata as nossas identidades. Parte do que nós somos, devemo-lo ao trabalho.

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Notas

[1] Professor Auxiliar Convidado no Departamento de Sociologia da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora (Portugal). Doutorado em Sociologia. Investigador Integrado do CICS.NOVA. jfialho@uevora.pt
[2] Renaud Sainsaulieu foi o primeiro autor a procurar explicações para efeitos do trabalho sobre os comportamentos relacionais, apresentando uma perspetiva que limita os comportamentos do grupo e define culturas em função das categorias socioprofissionais, designadas por este de ?subculturas?.
[3] Entenda-se a participação dos cidadãos nas múltiplas instâncias organizacionais da sociedade civil
[4] A análise desenvolvida por Bourdieu é considerada como de maior refinamento entre aquelas que introduziram o conceito na sociologia contemporânea. O tratamento do conceito é de natureza instrumental e centra-se nos benefícios adquiridos pelos indivíduos, como resultado da sua participação em grupos e, na construção deliberada de sociabiliades que pretendem a criação de capital social. Também para Bourdieu o conceito é decomponível em dois elementos: a relação social que possibilita aos atores reclamar o acesso a recursos na posse dos elementos do grupo e, um segundo elemento; a quantidade e qualidade desses recursos (Portes, 2000).
[5] Através da crítica às teorias neoclássicas de desigualdade racial de rendimento e às suas implicações políticas, defendeu que as teorias económicas ortodoxas se apresentavam excessivamente individualistas por se centrarem exclusivamente no capital humano individual e na conceção dum campo estruturado para a competição sustentada nessas competências. Advoga o autor que as proibições legais contra as preferências raciais dos empregadores e a aplicação de programas para a igualdade de oportunidades não seriam suficientes para diminuir as desigualdades raciais. A transmissão de pais para filhos e as relações mais pobre dos jovens trabalhadores negros com o mercado de trabalho e a sua falta de informação relativamente a oportunidades seriam razões para o fracasso. (Portes, 2000).


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