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Da instituição total à incompletude institucional: tecendo redes
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 14, núm. 2, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 14, núm. 2, 2017

Recepção: 13 Setembro 2017

Aprovação: 22 Novembro 2017

Resumo: O presente estudo apresenta uma pesquisa teórica e bibliográfica que tem como objetivo a proposição da educação como fator fundamental para a reinserção social dos apenados. Versa sobre as discussões do processo educacional constituído no interior do sistema penitenciário e sobre a função da educação na reinserção social dos apenados. As análises foram feitas sob a perspectiva dialética (MARX, 1993; 2005; 2011) e o procedimento metodológico conforme proposto por Costa (2002; 2006 a; b; c; d; e;). Concluiu-se com a proposição da inversão da lógica da ?Instituição Total? para a lógica da ?Incompletude Institucional?.

Palavras-chave: s: Educação, Reinserção Social, Instituição Total, Incompletude Institucional.

Abstract: this study this is a theoretical research, bibliographic & documentary that aims to the proposition of education as being key to the social reintegration of apenados. Treating on the discussions of the educational process constituted within the penitentiary system, about which should be the function of education on social reintegration of apenados. The analyses were made under a perspective dialectic (MARX, 1993; 2005; 2011) and systematized by qualitative analysis proposed by Costa (2002; 2006 a; b; c; d; e;). It was concluded with the proposition of the inversion of the logic of "Total Institution" to the logic of "Institutional Incompleteness".

Keywords: Education, Social Reintegration, Total Institution, Institutional Incompleteness.

Resumen: El presente estudio presenta una investigación teórica y bibliográfica que tiene como objetivo la proposición de la educación como un factor fundamental para la reinserción social de los apenados. Versa sobre las discusiones del proceso educativo constituido en el interior del sistema penitenciario y sobre la función de la educación en la reinserción social de los apenados. Los análisis se realizaron bajo la perspectiva dialéctica (MARX, 1993; 2005; 2011) y el procedimiento metodológico segundo propuesto por Costa (2002; 2006 a; b; c; d; e;). Se concluyó con la proposición de la inversión de la lógica de la ?institución Total? para la lógica de la "incompleto institucional".

Palabras clave: Educación, Reinserción social, Institución total, Incompleto institucional.

INTRODUÇÃO

A proposição deste estudo consiste em ser uma pesquisa teórica e bibliográfica que discute qual de fato deva ser a função da educação para sujeitos privados de liberdade, entendendo a educação como sendo contínua ao longo da vida. Ao refletir sobre educação, tanto para pessoas privadas de liberdade quanto em condição de restrição de liberdade, pressupõe a compreensão dos processos educacionais explicitados em um espaço discrepante, onde duas lógicas distintas e opostas se estabelecem no processo de (re) socialização: a lógica prisional e a incompletude institucional.

Por um lado, tem-se a lógica prisional, a qual visa institucionalizar o sujeito no cárcere e, por outro, a lógica da incompletude institucional que busca desinstitucionalizá-lo. Situação paradoxal, a qual precisa ser enfrentada, por meio de possibilidades efetivas de emancipação em um espaço marcado historicamente pela contradição: reinserir isolando ou educar punindo? Por que a institucionalização, mesmo demostrando ser um fracasso social, ainda é a solução mais usada? Por que ainda consiste em ser uma estratégia de forma de controle da violência e da desordem social?

Atualmente, não se vislumbra uma sociedade sem prisões, porque ainda não se eliminou os fatores geradores da criminalidade, isso porque, as ações de combate à violência não focam em suas causas, apenas em seus efeitos e consequências. Com isso, se os espaços prisionais são definidos pelo processo de desumanização, como poderia ser possível praticar qualquer (re) socialização nesse espaço?

Enquanto houver um movimento a favor da institucionalização em detrimento da incompletude institucional, o sistema carcerário punitivo jamais obterá êxito. Se bem que a discrepância acontece anteriormente, causada pela brutal desigualdade econômica, obrigando os mais pobres a uma condição de vulnerabilidade social, acentuando cada vez mais tanto a violência quanto à criminalidade. Portanto, tais sujeitos são historicamente marginalizados, pois antes de serem privados de liberdade, foram privados de direitos básicos, negligenciados tanto pelo Estado quanto pela sociedade, tornando-se assim, mais invisíveis ainda. Destarte, alguns questionamentos se fazem necessários ao refletir sobre qual, de fato e de direito, deve ser a função da prisão e da educação neste espaço?

Por fim, seria de fato a instituição prisional um espaço seccionado socialmente ou ainda seria parte integrante das instituições sociais? As pessoas privadas de liberdade seriam de fato (re) inseridas na sociedade? Afinal de contas, a instituição penal cumpre sua função social de teoricamente (re) socializar? E, ainda, qual deve ser de fato a função da educação nesse espaço tão distinto?

PRINCÍPIO DA INSTITUIÇÃO TOTAL

O conceito de instituição total é uma importante referência através da qual é possível compreender o funcionamento das várias instituições fechadas, entre as quais as instituições correcionais de privação de liberdade. Para tanto, são fundamentais os estudos de Goffman (1987) que em sua obra discute sobre o funcionamento de manicômios, prisões e conventos e Foucault (2010), que versa sobre as prisões.

Para Goffman (1987), a instituição total é um estabelecimento fechado funcionando em regime de internação, tendo moradia, lazer e atividades formativas, a exemplo de quartéis, hospitais psiquiátricos, casas corretivas, seminários e prisões. A principal característica de tais espaços é a concentração de um grande número de sujeitos segregados da sociedade, levando uma vida administrada formalmente pela instituição. A partir disso, o autor discute o conceito da ?mortificação do eu?, processo pelo qual o sujeito passa a ser medido, transformado, percebendo-se e percebendo aos outros, por meio da disciplina. A ?infantilização social?, a ?mortificação do eu? e a ?arregimentação? são os três fatores que servem para a docilização do sujeito no funcionamento de tais instituições.

Em muitos casos, nas instituições totais, o sujeito passa por uma metamorfose: perde seu nome, no caso de conventos; tem sua aparência modificada, nas cadeias, em que lhes raspam a cabeça, além de perderem sua intimidade, sendo alocados em celas que não possuem portas ou banheiros definidos, conforme explica Neves:

[...] simultaneamente, os seus pertences vão para inventário, deixa de poder utilizar a sua roupa pessoal e só lhe é permitido levar um objeto pessoal para o quarto (normalmente uma fotografia de um familiar, quando a possui). (NEVES, 2007, p. 1030).

A ?infantilização social? ocorre em tais ambientes, de acordo com Goffman (1987), a partir da retirada da capacidade de autonomia e de heteronomia do indivíduo, vez que se restringe sua capacidade de decisão, na mesma proporção em que o obriga a executar atividades uniformes e regulares em conjunto homogêneos com os demais internos, perde sua capacidade de ?arregimentação?.

O processo de mortificação serve, de acordo com Neves (2007), para amenizar a escassez de recursos em detrimento à administração de um índice elevado de internos. Como consequência desse movimento, as possibilidades de o sujeito construir sua emancipação são aniquiladas, haja vista que a emancipação é contrária ao movimento de submissão praticado no interior da instituição total.

Em tais instituições, seguindo ainda os estudos de Goffman (1987, p. 49), se estabelece em geral um ?sistema de privilégios? de microeconomia de gratificação, que inclui ?ajustamentos primários? e ?secundários?, baseados em prêmios ou castigos, a partir da mensuração e contabilização de comportamentos vistos como bons ou maus pela equipe dirigente. Nesse sentido, se pronuncia Benelli:

O parâmetro normativo funciona coagindo a uma conformidade a realizar, traçando limites, estabelecendo diferenças, criando fronteiras entre o normal e o anormal. Assim, o poder da norma se baseia em um conjunto de fenômenos observáveis, na especificação de atos em certo número de categorias gerais, fazendo funcionar a oposição binária do permitido e do proibido, produz diferenciação e classificação, hierarquização e distribuição de lugares. A regulamentação normalizante não produz homogeneidade, ela individualiza, mede desvios, determina níveis, fixa especialidades, torna úteis as diferenças, ajustando-as entre si, introduz toda a gradação das diferenças individuais (BENELLI, 2004, p. 244).

A noção da penalidade perpétua, nas instituições totais disciplinares, diferencia uns dos outros com base no critério de norma ?[...] o que se deve fazer funcionar como base mínima, como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto? (FOUCAULT, 2010, p. 152). As diversas técnicas de poder disciplinar aplicadas nas instituições totais, bem como os desdobramentos dessas técnicas sobre os sujeitos são analisadas pelo teórico, a exemplo da disciplinarização, pela qual é imposta institucionalmente aos internos, objetivando aumentar a docilidade e a utilidade dos corpos e, assim, aumentar a subserviência às regras instituídas, de que também Benelli trata:

No regime disciplinar, o objetivo da punição não é obter a expiação nem promover a repressão. Ela produz sujeitos normalizados ao relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto normativo ideal que funciona ao mesmo tempo como parâmetro de comparação, espaço diferenciador e princípio de uma regra a seguir (BENELLI, 2004, p. 244).

O sistema das instituições totais preza muito mais pela (re) adequação dos comportamentos dos sujeitos às normas institucionais do que pela sua reeducação, conforme explicita Neves:

Assim, para além de uma confrontação com outros valores, a educação para o direito acaba por ter a sua superfície mais visível na aprendizagem da dinâmica dos processos judiciais. Mais do que na reeducação e transformação dos sujeitos, incide então na adequação dos seus comportamentos às normas institucionais e processuais (NEVES, 2007, p. 1036).

A vida dos internos é regulada por uma equipe dirigente através de procedimentos e técnicas que constituem o poder disciplinar e seus efeitos microfísicos nos espaços coletivos. Benelli (2004), retoma os estudos de Foucault para definir essa ação de ?tecnologia disciplinar?, como uma distribuição dos indivíduos nos espaços, utilizando diversos procedimentos, entre os quais:

[...] o enclaustramento (baseado no modelo conventual); o quadriculamento celular e individualizante (?cada indivíduo no seu lugar; e, em cada lugar, um indivíduo?); a regra das localizações funcionais (vigiando ao mesmo tempo em que cria um espaço útil); a classificação e a serialização (individualizando os corpos ao distribuí-los e fazendo-os circular numa rede de relações) (BENELLI, 2004, p. 240).

Assim, por meio desta organização das celas, fileiras e lugares, são criados espaços complexos, incidindo disciplinarização nos planos arquitetônicos, bem como na promoção de valores ascéticos e controla minuciosamente a sequência de atividade. A tecnologia disciplinar é:

[...] espaço que realiza a fixação e permite a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos (FOUCAULT, 2010, p. 127).

Tal sistemática visa a um minucioso controle das atividades dos sujeitos, em que o tempo é administrado através de horários estritamente definidos, a exemplo da rotina monástica, enfatizando a regularidade regida por uma exatidão do tempo disciplinar, dado pela pontualidade, obediência e silêncio. A produção desses cidadãos ordeiros e adequados à ordem social vigente, através de mecanismos de estratégias, que acabam por aniquilar possíveis resistências e os destitui de qualquer sentido possível de coletividade é discutida por Rauter (2001), nos seguintes termos:

As disciplinas possuem uma dimensão produtiva que está ausente no nazismo e que o capitalismo irá desenvolver cada vez mais, por um largo período, no pós-guerra ? a produção de consumidores e de cidadãos ordeiros e adaptados (RAUTER, 2001, p. 4).

A instituição total, sistematicamente vai criando e desenvolvendo mecanismos defensivos de manutenção da ordem com seus educandos-internos, informando-lhes desde a recepção a todos os recém-chegados, considerados como potenciais fontes de instabilidade. Assim:

À chegada, o jovem recebe o Guia do Educando, brochura da qual consta uma lista de direitos e deveres. Paralelamente, é-lhe explicado, em traços gerais, o funcionamento da instituição. Nas primeiras 24 a 72 horas recebe um tratamento individualizado, não integrando as atividades do grupo e recebendo uma atenção mais exclusiva por parte de um técnico, de forma a permitir um reconhecimento e avaliação da sua situação (NEVES, 2007, p. 1030).

Pela disciplina do mínimo gesto, a exemplo do modo de comer, tom de voz, horários e etc., mais do que desenvolver um padrão de educação nos sujeitos, a instituição total destaca e promove a competência dos seus profissionais controlando todas as situações.

Dando continuidade à discussão, Benelli (2004), observa que tais técnicas de vigilância, controle social, punição e produção de subjetividade se tornam mais sofisticadas a partir do desenvolvimento das atuais tecnologias. As instituições totais ainda permanecem na sociedade contemporânea, de forma vigorosa, pois a crescente indústria do sistema penal se supera constantemente, a despeito dos avanços constituídos no campo da desinstitucionalização:

Estamos no início do século XXI, atravessando grandes transformações socioculturais produzidas pelo impacto do desenvolvimento tecnológico e da informática no cotidiano. Novas formas de relacionamento, de produção, de consumo, de produção de subjetividade se manifestam. As técnicas de vigilância, de punição, de controle social, de produção de sujeitos também estão se sofisticando a partir do suporte da tecnologia de ponta (BENELLI, 2004, p. 238).

O autor discorre ainda sobre a relação da força de trabalho com as instituições e, apoiado nessa reflexão, afirma:

O saber que se forma a partir da observação dos indivíduos, da sua classificação, registro, análise e comparação dos comportamentos, caracteriza-se como um saber tecnológico, típico a todas as instituições de sequestro, e que está na base da construção das diversas ciências humanas. São jogos de poder e de saber - poder polimorfo e saber que efetua intervenções - exercidos simultaneamente nessas instituições que transformam o tempo e a força de trabalho, integrando o homem na produção (BENELLI, 2004, p. 246).

Destarte, pode-se perceber que a lógica de funcionamento da instituição total permeia ainda atualmente grande parte das instituições brasileiras, contribuindo enormemente para a construção de diversas práticas de assistência, cuidado e controle dos seus sujeitos membros, independente das instâncias e das relações de poder estabelecidas.

PROPOSTA DE ANÁLISE

Segundo Karl Marx (1993), a dialética hegeliana estava de ponta cabeça, Marx então decidiu colocá-la sobre seus pés. Marx afirma que Hegel deu mais importância ao trabalho intelectual, do que ao trabalho material, o qual degenera e aliena o sujeito.

Hegel tem uma concepção abstrata do trabalho, fazendo com que a atenção seja fixada exclusivamente nas representações, ignorando as deformações a que o trabalho foi sendo submetido em sua materialidade na sociedade capitalista.

Segundo Marx (1993, p. 246):

[...] o ponto de partida de Hegel é o da economia política. Concebe o ?trabalho? como a ?essência? confirmativa do homem; considera apenas o lado positivo do trabalho, não o seu aspecto negativo. O trabalho é o ?tornar-se-para-si do homem? no interior da ?alienação? ou como homem alienado. O único trabalho que Hegel entende e reconhece é o trabalho ?intelectual abstrato?. Assim, o que acima de tudo constitui a essência da filosofia, a ?alienação do homem que se conhece a si mesmo? ou a ciência ?alienada? que a si mesma se pensa, considera-o Hegel como a sua essência. Por conseguinte, consegue combinar os elementos individuais da filosofia anterior e apresentar a sua filosofia como ?a? filosofia. O que os outros filósofos fizeram ? isto é, conceber os elementos individuais da natureza e a vida humana como momentos da autoconsciência e, sem dúvida, da autoconsciência abstrata ? ?conhece-o? Hegel através da ?prática? da filosofia; portanto, a sua ciência é absoluta (MARX, 1993, p. 246).

Mas, afinal, qual concepção de dialética Marx trata?

Dois autores discutem essa proposição. O primeiro é Engels (1990, p. 121):

[...] em dialética, o caráter da negação obedece, em primeiro lugar, à natureza geral do processo e, em segundo lugar, à sua natureza específica. Não se trata apenas de negar, mas de anular novamente a negação. Assim, a primeira negação será de tal natureza que torne possível ou permita que seja novamente possível a segunda negação. (ENGELS, 1990, p. 121)

O outro é Konder (1981, p. 43), o qual afirma sobre a concepção de dialética de Marx que ?(...) o conhecimento é totalizante e a atividade humana, em geral, é um processo de totalização, que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada? (KONDER, 1981, p. 43). Mas ninguém melhor que o próprio Marx (2011, p.28) para conceituar dialética:

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento ? que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia ? é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ele interpretado (MARX, 2011, p. 28).

No mesmo texto, prossegue Marx:

Critiquei a dialética hegeliana, no que ela tem de mistificação, a quase 30 anos, quando estava em plena moda. Ao tempo em que elaborava o primeiro voluma de O Capital [...] Confessei-me [...] abertamente discípulo daquele grande pensador, e, no capítulo sobre a teoria do valor, joguei, várias vezes, com seus modos de expressão peculiares. [...] A mistificação por que a dialética passa nas mãos de Hegel não o impediu de ser o primeiro a apresentar suas formas gerais de movimento, de maneira ampla e consciente. Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico (MARX, 2011, p. 28).

O método marxiano emerge da realidade social, sempre investigando a conexão do movimento do real, pois, segundo sua perspectiva ontológica, a apreensão da realidade transita entre a objetividade e a subjetividade, assim, para Marx (2005, p. 38-39):

O trabalho filosófico não consiste em que o pensamento se concretiza nas determinações políticas, mas em que as determinações políticas existentes se volatilizem no pensamento abstrato. O momento filosófico não é a lógica da coisa, mas a coisa da lógica. A lógica não serve à demonstração do estado, mas o Estado serve à demonstração da lógica (MARX, 2005, p. 38-39).

Assim como Marx propôs a inversão da lógica dialética que, segundo ele, estava de cabeça para baixo, também aqui se propõe a inversão da lógica da Instituição Total para a lógica da Incompletude Institucional. Ou seja, dar o mesmo tratamento dado aos sujeitos privados de liberdade do CENSE também no presídio.

Levando em consideração que, em última análise, o sistema penal só existe como meio de tentativa para (re) socialização dos apenados e não o contrário. Tem-se que inverter essa lógica de uma cultura de cadeia já institucionalizada de trabalhar com ressocialização por meio da meritocracia do apenado.

Assim como no sistema socioeducativo, o interno é incentivado a interagir com o todo social por meio de políticas públicas, usufruindo de um sistema de proteção e garantia de direitos, acredita-se que essa possibilidade também possa ser aplicada no sistema prisional.

É claro que a proposta não consiste na aplicação do conceito tal como é aplicado no sistema socioeducativo, mas fazendo um movimento inverso. Trazer a comunidade para dentro dos presídios, dentro das condições e da medida do possível, através das ações efetivas das políticas públicas, pode proporcionar um incremento social, econômico, cultura, educacional e, principalmente profissionalizante dentro do sistema penal.

PRINCÍPIO DA INCOMPLETUDE INSTITUCIONAL

A base filosófica do conceito de incompletude institucional repousa na noção de que nenhum programa ou serviço, por si só, dê conta de atender a todas as necessidades e carências existentes no meio social. Assim, toda e qualquer ação de política pública, necessariamente está - ou deveria estar - inserida em uma rede de programas de serviços que levem em consideração toda e qualquer necessidade que qualquer sujeito possa ter; caracterizando-se como princípio norteador de todos os seus direitos, a partir do qual deve balizar as práticas de qualquer programa de rede de serviços voltado para a socioeducação. Preconiza-se, desta forma, as articulações das políticas públicas em ações integrando o sistema de garantia de direitos, constituídos pelo Sistema Educacional, Sistema de Justiça e Segurança Pública, Sistema Único de Saúde, Sistema Único de Assistência Social, estabelecidas e relacionadas em rede com outras ações de políticas públicas de proteção integral, rompendo com a lógica das instituições totais (SPOSATO, 2004).

A incompletude institucional opera segundo uma lógica interna de rede articulada por ações efetivas governamentais e não governamentais, organizando as ações das políticas públicas, realizadas em atenção às medidas socioeducativas em consonância com o conjunto de políticas públicas realizadas pelo Estado - Municípios, Estados e Federação. Com isso, não deve existir divergências entre as políticas públicas sociais ? básicas, de assistência e de proteção - de caráter universal, conforme ilustra Sposato:

As diretrizes legais constantes do artigo 88, do Estatuto, têm natureza políticoadministrativa, na medida em que são orientações acerca dos passos que devem ser adotados pela administração pública e pela sociedade civil organizada para a construção do Sistema de Garantia de Direitos (SPOSATO, 2004, p.15).

Ações pedagógicas praticadas para os sujeitos privados de liberdade devem ser norteadas por parâmetros que visem a propiciar o acesso aos direitos e às oportunidades de superação de sua situação de exclusão; bem como às condições de formação de princípios éticos sociais para a vida social, haja vista que o mecanismo de privação de liberdade constitui medida socioeducativa de dimensão jurídico-sancionatória, na mesma proporção em que deve ser ético-pedagógica, sobre o que também versa o estudioso:

Embora as políticas socioeducativas, por terem finalidade preventiva e natureza sancionatória, tenham um lugar limitado no Sistema de Garantia de Direitos, seus programas deverão observar as mesmas regras gerais aplicáveis às demais políticas, além de outras, específicas aos seus objetivos (SPOSATO, 2004, p.15).

Nesse mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo nº 113, dispondo dos artigos nº 99 e nº 100, respectivamente, delegam que:

Capítulo II

Das Medidas Específicas de Proteção

Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (BRASIL, 1990, p. 50).

O direito à saúde também deve estar incluído nessa rede, principalmente no que se refere aos dependentes químicos e portadores de distúrbios psíquicos. O sujeito necessitado deve ser encaminhado ao hospital de referência na rede pública, a fim de que lhes sejam supridas as necessidades psíquicas e somáticas, inclusive em situações de desintoxicação e abstinência de drogas. Assim, nas palavras de Sposato:

No momento em que o jovem for inserido em tratamento médico, psicológico e psiquiátrico (art. 101, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente) deverá ser definido em qual regime ele será tratado. O regime hospitalar envolve a internação do paciente e sua imposição dependerá sempre de um laudo médico que comprove a sua necessidade, mesmo quando o assistido consentir com seu internamento. No tratamento em regime ambulatorial, o paciente permanecerá no convívio familiar e comunitário e frequentará periodicamente os serviços de atendimento social, médico, psicológico e/ou psiquiátrico de acordo com o seu padrão de transtorno mental (SPOSATO, 2004, p. 49).

O sujeito com problemas de saúde deverá, igualmente, ser informado sobre seu estado de saúde e sobre o tratamento em que vier a ser inserido, bem como receber informações claras acerca das características e peculiaridades de cada uma destas necessidades. Além disso:

[...] o jovem deverá ser ouvido sobre o que pensa em relação ao tratamento, sendo-lhe esclarecidos os pontos sobre os quais houver dúvida, para que se possa fazer os ajustes necessários em busca da adequação desses à situação do adolescente assistido. A família também deverá ser informada e esclarecida acerca da condição mental e do tratamento. Esse é outro motivo pelo qual os profissionais de saúde e do atendimento socioeducativo precisam receber treinamento, pois eles deverão informar o adolescente e sua família sobre o tratamento de maneira clara e simples (SPOSATO, 2004, p. 49-50).

Tais ações devem estar circunscritas na esfera dos direitos humanos, em consonância tanto com o diagnóstico da realidade, quanto com as demandas da população. A efetivação da rede reside nessa adunância, pela qual as políticas públicas se retroalimentarão. Desta forma, a rede de políticas públicas propiciará uma tessitura de contatos e contextos através dos quais todos os sujeitos, privados de liberdade ou não, darão continuidade à experiência pedagógica.

Portanto, só na medida em que houver uma transição da lógica vertical (retilínea) da instituição total para a lógica horizontal (cíclica) de incompletude institucional é que haverá a possibilidade real de reinserção dos sujeitos privados de liberdade, independentemente se estiver no Centro de Socioeducação (CENSE) ou na Penitenciária. A dimensão da mudança do paradigma pode ser depreendida pela obversação dos dados presentes no QUADRO 01 ? Instituição Total segundo a ótica de Erving Goffman (conforme ilustra Kunza, 2009, p. 283), em relação à FIGURA 01 ? Sistema de Garantia de Direitos segundo a ótica do SINASE (BRASIL, 2006, p.23).

Quadro 01
Instituição Total de Erving Goffman

Adaptado de Kunza (2009, p.283).


Figura 01
SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS - SINASE
BRASIL, 2006, p.23.

Esse novo paradigma está postulado na área da socioeducação, expresso na coleção produzida por meio da Secretária Especial dos Direitos Humanos, coordenada por Costa (2006 a; b; c; d; e), intitulada Socioeducação: Estrutura e Funcionamento da Comunidade Educativa, pela qual se pode definir socioeducação como educação prática para a solidariedade, a qual:

[...] deve partir de uma decisão pessoal, consciente e livre por parte daquele que pretende iniciar nessa atividade. Ela pode ser despertada por um convite, por um exemplo, por um apelo. Não pode, porém, resultar de pressão de tipo algum, de indução ou de manipulação de qualquer natureza (COSTA, 2002, p.13).

Portanto, a educação é o melhor caminho para o desenvolvimento tanto pessoal, quanto social, preparando o sujeito para avaliar, decidir e solucionar problemas de forma correta, segundo valores que lhe dê condições de aprender a ser e a conviver. Assim, a socioeducação deve permitir ao educando:

[...] a compreensão sobre a forma de estruturação e o funcionamento do novo mundo do trabalho, ajudando-o a desenvolver um conjunto de competências e habilidades mínimas não só para trabalhar, mas também para viver e conviver numa sociedade moderna. Trabalhamos, portanto, pelo jovem autônomo, solidário e competente. Essa é a nossa visão de jovem. Essa é a visão de jovem da socioeducação. Essa visão está fundamentada no panorama legal, no Art. 2º da LDB da educação: ?Art. 2°. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho? (COSTA, 2006a, p.99).

Portanto, compreende-se que a educação deva garantir competências tanto pessoais e sociais, quanto produtivas e cognitivas.

REDES DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA

Ao propor uma definição para rede, levando em conta os elementos históricos e seu conceito em relação ao de sistema, Musso a estabelece como sendo:

[...] uma estrutura composta de elementos em interação; em sua dinâmica, ela é uma estrutura de interconexão instável e transitória; e em sua relação com um sistema complexo, ela é uma estrutura escondida cuja dinâmica supõe-se explicar o funcionamento do sistema (MUSSO, 2004, p. 31).

O conceito de rede foi sendo absorvido pelas ciências sociais, constituindo uma perspectiva interdisciplinar em que a rede social passa a ser entendida nos seguintes termos:

[...] um dos muitos conjuntos possíveis de relações sociais de um conteúdo específico, por exemplo, relações comunicativas, de poder, afetuosas, ou de troca, que ligam atores no interior de uma estrutura social maior (ou rede de redes). A unidade relevante de análise não precisa ser uma pessoa individual, mas pode ser também um grupo, uma organização, ou ainda, uma ?sociedade? inteira (isto é, uma rede limitada territorialmente de relações sociais); qualquer entidade que esteja conectada a um conjunto de outras entidades, também o será. (EMIRBAYER; GOODWIN apud FREY et al, 2005, p. 05).

Desta forma, cabe adotar um conceito ampliado de redes sociais no contexto das políticas públicas, não apenas ontologicamente, mas também pelas múltiplas demandas sociais heterogêneas, como instrumental analítico da complexa relação sistêmica de governança em rede, das políticas públicas cada vez mais efetivas nas relações sociais da contemporaneidade. Assim, noção de redes de políticas públicas ou Public Policy Network pode ser definida como uma nova forma de governança, exercida de forma policêntrica ou compartilhada e concebida nos termos de redes de políticas públicas:

A ?produção de políticas públicas? [...], a problematização e o processamento político de um problema social [...] não é mais um assunto exclusivo de uma hierarquia governamental e administrativa integrada, senão que se encontra em redes, nas quais estão envolvidas organizações tanto públicas quanto privadas. (SCHNEIDER, 2005, p. 37).

Nessa relação de forças entre Estado e Sociedade Civil, tais redes podem ser apresentadas como novos conceitos políticos, direção para a qual apontam Kenis e Schneider:

Redes de políticas públicas são novas formas de governança política que refletem uma relação modificada entre Estado e sociedade [...] Redes de políticas públicas são mecanismos de mobilização de recursos políticos em situações em que a capacidade de tomada de decisão, de formulação e implementação de programas é amplamente distribuída ou dispersa entre atores públicos e privados. (KENIS E SCHNEIDER apud SCHNEIDER, 2005, p. 40).

Tais conceitos são empregados para identificar a estabilidade de relações no vogo de governança entre atores públicos (Estado) e as organizações privadas (Sociedade Civil). Independentemente de qual seja a operação exercida nas ações das políticas públicas, a rede constitui uma amálgama que une todas as organizações através de estratégias dentro de um contexto institucional maior. Desta forma, Erik Hans Klijn às define nos seguintes termos:

[...] patrones más o menos estables de relaciones sociales entre actores interdependientes, que toman forma alrededor de los problemas y/o de los programas de políticas. Las redes de políticas públicas, forman el contexto en el que tiene lugar el proceso político. Representan un intento dentro de la ciencia política para analizar la relación entre el contexto y el proceso en la hechura de políticas. (KLIJN, 1998, p. 5).

Essa integração promove um fluxo de recursos necessários para levar seus resultados a contento. Fundamentalmente, as redes de políticas públicas são organizações autônomas e heterônomas que desenvolvem uma eficiente governança. Klijn (1998), estabelece as raízes teóricas do conceito de rede de políticas públicas em três campos epistemológicos distintos: estudos organizacionais, estudos sobre administração pública e ciência política. Apresenta, ainda, um quadro onde podem ser identificadas as matrizes conceituais da rede de política pública (vide QUADRO 02).

Quadro 02
As Bases teóricas do conceito de Rede em Políticas Públicas

Klijn (1998, p.32).

No campo dos estudos organizacionais, o conceito de rede em políticas públicas está pautado na perspectiva da teoria da contingência, concebida como sistema aberto, constituída através de subsistemas baseados em estratégias dadas pelas demandas do contexto, a que se ajustam os subsistemas de forma integrada.

Para a Teoria Interorganizacional, as organizações estão desprovidas de todas as funções e recursos necessários, visando a uma boa consecução das ações primordiais. Com isso, as organizações devem buscar suprir esses recursos e necessidades por intermédio de negociações. Para tanto, faz-se necessário manter um fluxo regular de meios para sua manutenção e desenvolvimento, relacionando interação e interdependência para construção das redes interorganizacionais (KLIJN, 1998), modelo de organização que estabelece relações que compilam diferentes funções e recursos, visando à boa consecução dos objetivos como um todo e apresentada como um processo sistêmico, coordenado pela hierarquia das necessidades e demandas controladas pelo capital hegemônico.

Nessa perspectiva, torna-se necessário um arranjo econômico cooperativo entre as organizações envolvidas no processo, independente de seu grau de envolvimento. Todas investem recursos, que são controlados pelas organizações de forma que uma possa atuar no controle da outra. Com isso, nenhuma das organizações é totalmente autossuficiente nem totalmente dependente. É essa interdependência de competências heterogêneas endógenas ou exógenas que legitima o processo, regulando-o pela eficiência.

O conceito de rede em políticas públicas também está constituído pelo campo dos estudos sobre administração pública e ciências políticas. Essa interação é compelida por pressões de demandas de reivindicações de bens e serviços, por meio da interação no sistema político, (KLIJN, 1998). Nesse sentido, as demandas podem ser divididas basicamente em ?novas?; ?recorrentes? e ?reprimidas?. As novas são postuladas e oriundas de tendências e necessidades surgidas na atualidade, o que não existia e/ou não constituía prioridade pelo sistema político vigente, conforme as descreve Rua:

As demandas novas são aquelas que resultam do surgimento de novos atores políticos ou de novos problemas. Novos atores são aqueles que já existiam antes, mas não eram organizados; quando passam a se organizar para pressionar o sistema político, aparecem como novos atores políticos. Novos problemas, por sua vez, são problemas que ou não existiam efetivamente antes ? como a AIDS, por exemplo ? ou que existiam apenas como "estados de coisas?, pois não chegavam a pressionar o sistema e se apresentar como problemas políticos a exigirem solução. Um exemplo é a questão ambiental (RUA, 2012, p. 67).

Já as demandas recorrentes são, para o autor, relativas aos problemas ainda não solucionados: ?As demandas recorrentes são aquelas que expressam problemas não resolvidos ou mal resolvidos, e que estão sempre voltando a aparecer no debate político e na agenda governamental.? (RUA, 2012, p. 68).

Por fim, as demandas reprimidas têm sua origem nos problemas políticos, na medida em que, não tendo sido resolvidas, reprimem ações necessárias, alimentando uma situação de crise a tal ponto que o custo de sua efetivação acaba ficando menor do que o custo político causado pela sua não resolução. Desse movimento, resultam as ações alternativas como tentativa de resolução:

Quando se acumulam as demandas e o sistema não consegue encaminhar soluções aceitáveis, ocorre o que se denomina "sobrecarga de demandas": uma crise que ameaça a estabilidade do sistema. Dependendo da sua gravidade e da sua duração, pode levar até mesmo à ruptura institucional. Mesmo que isto não ocorra, o sistema passa a lidar com crises de governabilidade: pressões resultantes da combinação do excesso ou complexidade de demandas ? novas ou recorrentes ? com withinputs contraditórios e redução do apoio ou suporte (RUA, 2012, p.69).

O campo de disputa das demandas é demarcado pela contradição, que tem a formulação das políticas públicas pautadas pelas relações de força e poder entre Estado e sociedade civil que, tendo interesses contraditórios, transpõe o conceito de políticas públicas gerencial, dando origem ao conceito de políticas públicas como rede (LINDBLOM, 1981).

Segundo Klijn (1998), o conceito de rede deve ser entendido como gestão de governança de políticas públicas, rompendo com os modelos vigentes hierarquizados e concretados nas ações do Estado exclusivamente. Este conceito contrasta com os modelos anteriores, tanto na questão do número de sujeitos envolvidos quanto sobre as formas de interação, rompendo com a lógica da racionalidade hegemônica dominante:

O enfoque de governança dentro das redes de política tem sido utilizado na formulação de políticas públicas para flexibilizar as formas de governo. Mediante essa aproximação estabelece-se que Estado e atores sociais interagem por interesses e recursos específicos criando relações interdependentes que possibilitam ações colaborativas entre diversos agentes (BÖNZEL apud DELGADO et al, 2013).

Nesse sentido, ?[...] as redes de políticas têm emergido como uma nova forma de governança descentralizada baseada na interdependência, negociação e confiança entre interesses governamentais e não governamentais.? (SØRENSEN; TORFING apud DELGADO et al, 2013).

O modelo hegemônico sucumbiu porque pressupunha que o Estado, enquanto agente central, dispunha de todas as informações gerenciais necessárias acerca dos problemas públicos bem como sua solução. Ao negligenciar os interesses dos grupos envolvidos, assim como neutralizar as demandas políticas de governança, falhou na aplicação dos recursos econômicos, burocratizando todo o processo sob a pecha da eficiência (KLIJN, 1998), conforme menciona Villasante e Martí.

Sendo assim, conhecer os caminhos de comunicação e relação presentes nas redes de políticas e nos diferentes níveis de governo, pode contribuir a identificar como estão organizadas essas relações entre os atores para realizar uma gestão eficiente de recursos e das instituições disponíveis. Nesse sentido, a análise de redes proporciona uma visão do social que é intrínseca à noção de participação, tendo em vista que participar, implica, necessariamente, o estabelecimento de vínculos sociais entre atores (VILLASANTE; MARTÍ, 2006, p. 5 apud DELGADO et al, 2013).

Como proposição, salientam-se três tipos de ações e consequentes relações, entre todas as esferas sociais no processo de formulação das políticas públicas: a) o Estado tem posição ativa em relação às ações; b) propicia à sociedade civil constituir uma reação retroalimentando estas ações; e c) consolida o processo cíclico das políticas públicas direcionadas pelo Estado na relação entre ação e reação.

Assim, a proposição do presente artigo visa a promoção de uma ação efetiva no atendimento aos sujeitos privados de liberdade, a partir do conceito de incompletude institucional como ação de políticas públicas, em consonância com a reação da sociedade civil, também envolvida no processo como corresponsável destas ações, construindo uma rede de ações de políticas públicas, conforme o quadro elaborado pelo autor. Intenta, desta forma, produzir uma rede de políticas públicas altamente interativas nos processos políticos (vide QUADRO 03), sem perder o foco do contexto institucional de privação de liberdade onde se alocam os processos. Todas as organizações têm condições de contribuir para o processo de reinserção do apenado, criando redes onde tenham lugar trocas sociais efetivas entre as partes.

Essa proposição de governança propõe o fortalecimento da participação de diversos sujeitos da sociedade, alocados em diferentes níveis socioculturais, propiciando condições de manifestação das mais diferentes relações entre os diversos sujeitos envolvidos no processo, devendo sempre entender os contextos institucionais em suas relações para, com isso, compreender como se processam as demandas de elaboração das políticas públicas.


Quadro 03
Proposta da estrutura pretendida para as ações de políticas no sistema prisional:

LEGENDA:

Primeira Esfera: SEDH[3]; DEPEN[4]; ESEDH[5]; CEEBJA[6];

Segunda Esfera: SESA[7]; SEJU[8]; SEED[9]; SEDS[10].

Terceira Esfera: SESP[11]; IIPR[12]; SETE[13]; FAEP[14]; SENAR[15]; PROEJA[16]; PRONATEC[17].

Quarta Esfera: SETI[18]; SEBRAE[19]; SENAI[20]; SESC[21]; SESI[22]; SENAC[23]; IEL[24].

CONCLUSÃO

A educação se estabelece na sociedade como meio legítimo de transmissão de conhecimento adquirido historicamente, disseminado posteriormente por meio das diversas instituições implicadas nesse processo. A transmissão desse conhecimento acumulado historicamente se dá através da educação formal ou não formal. Não existe dicotomia ou divergência entre os dois espaços, que atuam concomitantemente e convergem para formar e informar o sujeito, preparando-o para a vida como um todo.

Embora a legislação dê suporte para que a educação seja uma realidade na vida de todos, diversos fatores que destoam dessa realidade, entre os quais se podem elencar percalços econômicos, frustrações psicológicas e demais adversidades da vida, bem como todas as demais contradições cabíveis nesse espaço incontável. Considerando a população em geral, bem como as dificuldades acima mencionadas, percebe-se que nem sempre a educação se dá concordância com o ideal.

Existe uma grande disparidade entre o ideal e o real e, no nível real, os sujeitos enveredam por caminhos diversos, construindo a sua história enquanto ensinam o que sabem e aprendem sobre o que ainda lhes era desconhecido. Tal descompasso acaba por gerar sujeitos à margem do ideal, tendo como consequências diretas a ignorância, a fome, a miséria, o desemprego, a violência e o enfrentamento com a justiça, que tem por consequência a penalização - pela qual se suprime a liberdade - recolhendo os sujeitos para que cumpram pena no sistema penitenciário.

Em dado momento, a penalização deixou de ser aplicada como forma de castigo violento por meritocracia criminal e passou a ser espiada pela privação de liberdade. Com o passar do tempo, essa lógica se cristalizou a ponto de constituir conceitos sedimentados entre os quais é possível citar a completude institucional, lógica pela qual se acreditava que o então sistema penal teria plenas condições de conduzir à ressocialização dos sujeitos nele inseridos.

Essa lógica institucional tornou-se autossuficiente, ao passo que se fechou em seus próprios conceitos, atraindo para dentro do seu sistema todas as necessidades do apenado. Durante muito tempo, o paradigma da institucionalização deu conta de resolver essa proposição, visto que era tomado como um conceito determinante e inquestionável. No entanto, com o avanço das ciências, registra-se o avanço nas pesquisas sobre o sistema penal, a partir das quais se passou a perceber que o sistema prisional não era mais capaz de atender às novas demandas sociais; não só porque o caos instalou-se no sistema prisional, como também porque ele não é mais capaz de atender às demandas sociais da modernidade globalizada. Com a percepção de tais incongruências e contradições, a mudança desse paradigma passou a ser proposta, pautando-se na inversão da lógica da ?Instituição Total? para a da ?Incompletude Institucional?.

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Notas

[1] Bacharel em Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção de São Paulo, Licenciado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração de Bauru (USC), Licenciado em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Licenciado em Pedagogia pela Faculdade Instituto Superior de Educação do Paraná (FAINSEP), Especialista em Pesquisa Educacional pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Professor de Filosofia pela Secretária de Educação do Estado do Paraná (SEED-PR).
[2] Doutora em Filosofia e Ciências da Educação (USC-Compostela / Espanha). Professora do Programa de Doutorado em Educação (UEPG).
[3] Secretaria Estadual de direitos humanos.
[4] Departamento Penitenciário: Superintendência de Educação.
[5] Escola de Educação em Direitos Humanos.
[6] Centro Estadual de Educação Básica para jovens e Adultos (Nas Unidades Penais).
[7] Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.
[8] Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.
[9] Secretaria da Educação.
[10] Secretaria da Família e Desenvolvimento Social.
[11] Secretaria da Segurança Pública.
[12] Instituto de Identificação do Paraná.
[13] Secretaria do Trabalho, Emprego e Economia Solidária.
[14] A Federação da Agricultura do Estado do Paraná.
[15] Serviço Nacional de Aprendizagem Rural.
[16] Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
[17] Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego.
[18] Secretária Estadual da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
[19] Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
[20] Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
[21] Serviço Social do Comércio.
[22] Serviço Social da Indústria.
[23] Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.
[24] Instituto Euvaldo Lodi.


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