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A fraqueza da razão e a incerteza do conhecimento da verdade em Blaise Pascal
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 14, núm. 2, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 14, núm. 2, 2017

Recepção: 14 Setembro 2017

Aprovação: 22 Novembro 2017

Resumo: O objetivo desse artigo é analisar as críticas de Pascal ao pensamento racional que pretendia legitimar a verdade, baseando-se apenas na razão. Ele inicia seu percurso científico ainda criança, inspirado pelas discussões no círculo dos eruditos, e, por ter tido desde cedo a orientação do pai, seu único professor que lhe introduziu no estudo da geometria e da matemática. Mais tarde, ele viria a dedicar-se ao estudo das Sagradas Escrituras. Como prova de sua fé, escreveu uma Apologia ao cristianismo. Após sua morte, amigos e familiares reuniram os fragmentos que foram publicados sob o título de Pensées. Nessa obra, Pascal aproxima-se do ceticismo fideísta ao apontar os limites da razão e a incerteza do conhecimento racional que só podem ser superadas pela fé. Ele elabora o tema da contradição da natureza humana, presente na discussão moderna desde as suas raízes do humanismo renascentista e retomado por ele a partir de Montaigne.

Palavras-chave: s: Pensamento racional, Limites da razão, Incerteza do conhecimento, Ceticismo fideísta, Natureza humana.

Introdução

Blaise Pascal (1623-1662), cientista, filósofo e teólogo francês nasceu sob o signo de criança prodígio que desde muito cedo demonstrou um interesse inexplicável para questões que estavam acima de qualquer criança de sua idade. Ele nasceu numa daquelas famílias que, segundo Jacques Attali, era de baixa nobreza provinciana que só sobrevivia prestando serviço ao rei em atividades subalternas, de modo que, ?um sociólogo moderno diria que, quando Pascal nasceu, os Pascals eram pequenos-burgueses. Um historiador os descreveria como aristocratas modestos pertencentes à nobreza de toga?. (ATTALI, 2003, p. 21). O nascimento e os primeiros anos de Pascal foram descritos em detalhes por sua irmã mais velha, Gilbert Périer no texto A vida de Pascal[2], onde ela afirma:

Meu irmão nasceu em Clermont, a 19 de junho de 1623. Meu pai era presidente da Cour de Aides, chamava-se Étienne Pascal e minha mãe Antoniette Bégon. Logo que meu irmão chegou à idade em que lhe puderam falar, deu mostras de um espírito extraordinário, pelas suas réplicas bem oportunas, porém, ainda mais pelas perguntas que fazia bem como a natureza das coisas, surpreendendo a todos. Esse início cheio de belas esperanças jamais se desmentiu, pois, na medida em que crescia, aumentava a força de seu raciocínio, de modo que se mantinha sempre muito acima de sua idade. (PASCAL, 1988, p. 9).

Infelizmente, em consequência de sua morte prematura aos 39 anos de idade, não teve tempo de publicar várias de suas pesquisas, que só postumamente chegaram até nós. Com o seu desaparecimento físico, segundo Loque ?cerca de dois terços do que ele escreveu permanecia inédito?. (LOQUE. In: PASCAL, 2017, p. 14). Isso fez com que Nicole, sua irmã mais nova, duvidasse que Pascal viesse a ser conhecido no futuro afirmando: ?ele será pouco conhecido na posteridade, o que nos resta da obra dele, não é capaz de fazer conhecer a vasta extensão de seu espírito?. (ARMOGATHE apud PASCAL, 1992, v. IV, p. 1541).

No entanto, sua história nos prova o contrário, uma vez que, mesmo com sua morte na flor da idade, Pascal é considerado, sobretudo, como sendo um pensador genial. ?De pesquisas sobre o vácuo à polêmica religiosa, da invenção da máquina de calcular à de circuitos de transporte público, sua obra é admirável pela variedade e consistência, e o é ainda mais por ter-se construído em período curto?. (LOQUE, In: PASCAL, 2017, p. 13). Tudo o que ele criou, mesmo sendo às custas de um corpo débil, contribuiu para que atualmente ele seja realmente considerado gênio, pelos seus principais scholars.

Desde muito cedo, Pascal foi um adepto da ciência, aliás, ele é um dos pioneiros da ciência moderna, tendo em conta que, boa parte de sua produção intelectual tem caráter científico. Entretanto, cedo percebeu que as potencialidades da razão eram limitadas. Para os céticos ou dogmáticos, Pascal esforçava-se para mostrar-lhes que, há ?dois excessos: excluir a razão e admitir somente a razão?, pois, a razão que pode nos iluminar, também pode nos cegar. Assim, as tentativas de diminuir a presunção da sua primazia é um tema recorrente no pensamento pascaliano. Segundo Morin:

A racionalidade de Pascal não é fechada nela mesma. Ela o conduz a tomar a viva consciência dos limites da própria razão, a conceber o conhecimento como inseparável do inconcebível e do mistério, uma vez que o homem encontra-se infinitamente distante de compreender os extremos; para ele, a finalidade das coisas e seu principio permanecem irrefutavelmente ocultos em um segredo impenetrável. (MORIN, 2014, pp. 55, 56).

Como cientista, Pascal inicia suas descobertas ainda criança, inspirado pelas discussões que estava habituado a escutar em sua casa e no círculo dos eruditos e por ter tido desde muito cedo a orientação do pai, seu único professor, que soube lhe introduzir paulatinamente no estudo da geometria e da matemática. Por ter dedicado muito tempo à ciência, acabou se deparando com os inevitáveis limites racionais do homem na busca do conhecimento, tendo como guia unicamente a razão. Ele afirma que, a fraqueza da razão aparece mais naqueles que não a conhecem do que naqueles que a conhecem.

Por isso, nosso objetivo com esse artigo é fazer uma análise das criticas pascalianas sobre o uso exacerbado da razão e da pretensão do racionalismo em fundamentar o conhecimento racional como sendo a única via para chegar à verdade. Nessas críticas, seu principal alvo é Descartes, cuja censura é o uso exagerado da razão, na medida em que este último pensa que o uso dos meios exclusivamente racionais, permite ao homem um conhecimento isento de erros. E, finalmente apresentaremos nossa visão crítica sobre o tema.

A fraqueza da razão e a incerteza do conhecimento da verdad

Pascal foi educado pelo seu pai, Étienne Pascal (1588-1651) e não teve outros professores, pois, ele não foi à escola graças ao apoio que encontrou dentro de casa. O pai era um erudito aristocrata que além de desempenhar as funções de conselheiro de Estado e Presidente de Cour de Aides de Clermont-Ferrand, ocupou-se inteiramente da educação do único filho homem; e, como afirma Gerard Lebrun, ?bom terreno não podia fazer germinar melhor grão, Étienne Pascal teve a oportunidade de se deslumbrar muito cedo com os dons de seu filho?. (LEBRUN, 1993, p. 30). Étienne não ensinava nada ao filho em termos de autoridade, uma vez que, ele desejava cultivar a vontade de entender, ou seja, de encontrar respostas por si mesmo, de reinventar um saber.

Porém, antes que Pascal descobrisse por si mesmo a paixão pela ciência, seu pai, segundo narra Attali, ?passava longas horas a despertar no filho o interesse pela história e geografia, transformando-as em assuntos principais durante as refeições?. (ATTALI, 2003, p. 27) Mas, os assuntos não ficaram restritos unicamente às ciências humanas, pois, Étienne soube lhe intrigar com outros assuntos. Nisto, Gilberte escreve o seguinte, ?meu pai falava-lhe frequentemente dos efeitos extraordinários da natureza, como da pólvora e de outras coisas que surpreendem quando nelas pensamos. Meu irmão gostava muito daqueles colóquios, mas queria saber a razão de tudo?. (PÉRIER, 1980 apud ATALLI, 2003, p. 27). Vê-se, portanto, que a curiosidade do pequeno Pascal, não surgiu do nada, pois, o ambiente familiar foi propício para aguçar sua curiosidade inata.

A forma de educação adotada pelo pai de Pascal, não implicava o contato direto com os livros, mas, apesar disso não diminuiu a curiosidade da criança prodígio, que aos 12 anos descobriu a 32ª proposição de Euclides; aos 16 anos escreveu O tratado dos cones; aos 19 anos inventa a primeira máquina de calcular, e, de 1647 a 1651, são os tratados experimentais sobre o vácuo e a síntese da estática dos fluídos no Tratado do equilíbrio dos líquidos.

Cedo, ao descobrir sua paixão pela ciência, segundo Bem Rogers, ?o pai de Pascal, com o jovem Pascal ao seu lado, adentrou um círculo de importantes filósofos e cientistas que rodeavam o padre Mersenne; o círculo incluía Gassendi, Hobbes e, mais distante, Descartes?.[3] (ROGERS, 2001, p. 11). Nesses encontros, segundo Silva:

Eram debatidos os mais variados temas, de modo particular no âmbito da filosofia e das ciências, que certamente marcaram profundamente o pequeno Pascal, que acompanhava o pai, e despertaram em seu espírito um interesse sempre mais agudo pela filosofia e pelas ciências. (SILVA, 2012, p. 13).

Por isso, mais tarde Pascal viria a contribuir para a criação de dois novos ramos da matemática, ou seja, a geometria projetiva e a teoria das probabilidades. Em física estudou a mecânica dos fluídos e esclareceu os conceitos de pressão e vácuo, ampliando assim, o trabalho de Torricelli e em seu Essay pour les coniques, publicado em 1640, apresenta o célebre ?teorema de Pascal?.[4] Na nota introdutória da referida obra David Eugene Smith, afirma que, na época, o ensaio atraiu pouca atenção e menos ainda no século seguinte. Mersenne o analisou antes da publicação e escreveu a Descartes e depois lhe enviou uma cópia impressa. Leibniz, no entanto, reconheceu o fato de que Pascal tinha feito avançar no curso das cónicas e Desargues falava muito de sua habilidade.

Pascal atuou em diversas áreas de conhecimento, e, apesar de ser um desconhecido entre seus contemporâneos é autor dos maiores escritos em domínios de geometria, física, técnica moral, política, espiritualidade e teologia cristã. Por isso, segundo Ricardo Mantovani, ?nos últimos cem anos começou-se a fazer justiça ao pensamento deste que, sem sombra de dúvidas, pode ser tido por um dos mais originais autores franceses?. (MANTOVANI, 2017, p. 125). Porém, a frase mais popular e repetida por muitos, mas, sem saber sua autoria e seu real significado é, ?o coração tem razões que a própria razão desconhece?. Ele realmente não legou muitos textos filosóficos, mas, o que chegou até nós é suficiente para considerá-lo um eminente filósofo. Segundo Silva (2012, p. 41), a obra pela qual Pascal é mais conhecido e lido pelo público em geral intitula-se Pensées (Pensamentos), publicado após sua morte, e, nele é possível encontrar pensamentos de cunho social, político, religioso e filosófico.

Ao longo dos seus escritos, Pascal apresenta diversos paradoxos, como infinito e nada, fé a razão, alma e matéria, morte e vida, nada e tudo, repouso e movimento, grandeza e miséria, finito e infinito, portanto, ele é o filosofo do paradoxo. Mas, o mais interessante é que ele representa a síntese quase perfeita de duas áreas que muitos julgavam até então, irreconciliáveis, ou seja, a razão e a fé. Por isso, ele estabeleceu áreas bem demarcadas entre as verdades da fé e as verdades da razão, pois, segundo ele, razão e fé têm seus direitos separados, uma tinha há pouco toda a vantagem, aqui outro reina por sua vez, entretanto, é notório que para Pascal, as verdades da razão em último caso devem submeter-se a autoridade da fé.

Assim, de acordo com Edgar Morin, Pascal ?em lugar de enxergar a fé, a dúvida, a razão e a religião como instâncias inimigas e mutuamente exclusivas, identificou nelas elementos conflituosos, mas também complementares de sua própria tragédia interior?. (MORIN, 2014, p. 54). Por isso, essas instâncias aparentemente contraditórias ganham em Pascal uma nova roupagem, e nessa visão de complementaridade dialógica, fé, dúvida, razão, religião encontram-se, entrecombatem e alimentam-se umas das outras.

Apesar de ter uma vida dedicada às ciências, nos últimos anos de sua vida a educação humanista que recebeu nos primeiros anos, falou mais alto e começou a interessar-se pela filosofia e posteriormente pela teologia. Mais tarde, Pascal viria a escrever sua obra prima em defesa do cristianismo como verdadeira religião, intitulada Pensées (Pensamentos), que, em razão de sua morte prematura, não foi concluída, mas, posteriormente seus familiares e amigos reuniram os fragmentos dispersos que seria a base para a obra apologética, que se tornou uma referência pela profundidade das suas reflexões, especialmente sobre a natureza humana. Isso aconteceu após verificar que as ciências não conseguiam responder todas as suas inquietações baseadas na onipotência da razão e passou a criticar qualquer fundamento racional que tivesse como objetivo legitimar o conhecimento puramente racional e universal.

O pensamento de Pascal é toda ela constituída por um pensamento polarizado entre o infinito e o nada, por ordens incomensuráveis como a ordem do coração e da razão, por uma reflexão sobre a fraqueza da razão, por saltos e pelo sentimento de desproporção entre o conhecimento e o ser. Quando se trata do conhecimento da verdade, Pascal insiste nos limites da razão, tendo em conta que, ela é incapaz de conhecer a totalidade, portanto, para ele a razão não nos garante confiança, uma vez que é impotente. Segundo nosso autor, ?essa impotência não deve servir senão para humilhar a razão que gostaria de julgar todas as coisas [...]?. (PASCAL, 2005, p. 39. Laf. 110; Bru. 282). Isso quer dizer que, o coração também é uma fonte de conhecimento, pois, ?o coração sente e a razão demostra?. Assim, nosso filósofo afirma que:

Os princípios se sentem, as proposições se concluem, e tudo com certeza, embora por caminhos diferentes - e é tão inútil e tão ridículo a razão pedir ao coração provas dos seus primeiros princípios por querer consentir neles, quanto seria ridículo o coração pedir à razão um sentimento em todas as posições que ela demonstra por querer recebe-las. (PASCAL, 2005, p. 39. Laf. 110; Bru. 282).

É por isso que Pascal afirma que, ?o coração tem razões que a própria razão desconhece?, portanto, sem o coração a razão é insuficiente e fraca, pois, geralmente ela é enganada por ser imprecisa. Então, nossa tarefa é aprender a nos conhecer melhor, pois, segundo o mesmo, não há caminho mais seguro do que os caminhos do coração.

Como forma de demonstrar que a esperança depositada no conhecimento que tem como base a onipotência da razão, na obra Pensamentos (edição Lafuma), Pascal nos lega um conjunto significativo de fragmentos que ilustram a impossibilidade de um conhecimento puramente racional, já que a razão é por natureza impotente, pois, não consegue conhecer os primeiros princípios: espaço, tempo, movimento e números que nos são dados apenas pelo coração. A título de exemplo, podemos citar o fragmento (Laf. 110; Bru. 282), intitulado A razão, onde encontramos a seguinte afirmação:

Conhecemos a verdade não só pela razão, mas também pelo coração. É dessa última maneira que conhecemos os primeiros princípios, e é em vão que o raciocínio de que não toma parte nisso, tenta combatê-los [...]. Nós não sabemos que não estamos sonhando. Por maior que seja a impotência em que nos encontramos de prová-lo pela razão, essa impotência outra coisa não conclui senão a fraqueza de nossa razão [...]. (PASCAL, 2005, p. 38).

Pascal começou a escrever contra os que aprofundavam demais as ciências. Descartes foi seu principal alvo por atribuir importância excessiva à ciência e a razão. Esta constatação, segundo Oliva, liga-se à outra crítica que Pascal fez a Descartes, ?vimos antes por que Descartes era incerto, agora vemos como é inútil. A incorreção metodológica de Descartes não é pior do que o seu descompromisso com a salvação?. (OLIVA, 2004, p. 37).

Como referimos anteriormente, ao longo da obra Pensamentos, entre vários assuntos, Pascal dedica vários fragmentos visando destituir a razão de seu trono que havia conseguido com Descartes. Portanto, ao contrário de Descartes que enaltece as potencialidades da razão, Pascal insiste em mostrar os limites dessa mesma razão. Possivelmente, a crítica maior de Pascal a Descartes é por ele ter confiado e enaltecido a razão humana e não ter confiado em Deus. Pascal, assim como Descartes foi um homem ligado às ciências, mas, não deixou que a ciência fosse sua vida. Ele fez suas primeiras descobertas ainda criança, o que lhe conferiu o título de ?prodígio?. Entretanto, assim que atingiu a maturidade, mesmo que ainda dedicando às ciências, ele nunca deixou de lado a sua verdadeira e fundamental motivação, ou seja, a busca de Deus já que a condição humana é fraca, miserável e mortal, portanto, finita, por isso, o homem precisa de socorro externo, pois, nada lhe pode consolar por estar exilado da presença do Criador.

Para ilustrar a fraqueza e a miserabilidade da condição humana, Pascal escreve nos Pensamentos o célebre fragmento intitulado, Caniço pensante que ilustra de forma categórica, a situação do homem. Nesse fragmento Pascal afirma que:

O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo; um vapor, uma gota de água basta para matá-lo. Mas, ainda que o universo o esmague, o homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata, pois, ele sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele, o universo nada sabe. (PASCAL, 2005, p. 86. Laf. 200; Bru. 347).

Analisando o fragmento, podemos observar que o mesmo pode ser classificado como sendo um paradigma quando se fala da fraqueza humana na obra pascaliana, uma vez que, mostra o homem como um paradoxo vivo. Ou seja, grandeza miserável, animal racional, espírito mortal, caniço pensante, portanto, um somatório de três paradoxos que caracteriza antropologicamente o homem no mesmo fragmento: metafísica, psicológica e moral.

O argumento de Pascal reside no fato dele mostrar que, a fraqueza natural e inevitável da razão humana é um dado que pode ser constatado empiricamente. Isso o leva a expor o erro argumentativo dos dogmáticos e dos pirrônicos, servindo neste sentido, à religião. Portanto, a fraqueza como exterioridade em relação à razão revela-se como segurança contra a razão, pois, segundo Pascal,

A maior e mais importante coisa do mundo está fundamentada na fraqueza da razão. E esse fundamento é admiravelmente seguro, pois nada há, além disso, de que o povo será fraco. Aquilo que está fundamentado na sã razão está bem mal fundamentado, como a estima da sabedoria?.(PASCAL, 2005, p. 8, Laf. 26; Bru. 330).

Segundo Peter Kreeft, a mente moderna nasceu quando Bacon alertou que o homem tinha conquistado a natureza como o novo Sumo Bem. Segundo ele, quase todos celebraram menos Pascal. Hoje, todos podem ver plenamente que ele estava certo e Bacon errado. Aquele homem que conquistou a natureza pela ciência e tecnologia, apesar do seu sucesso, não nos fez mais felizes, mais inteligentes, mais santos, mais fortes e nem mais fracos, mas o homem sente um senso maior de impotência mais do que nunca. (KREEFT, 1993, p. 126). Assim, Pascal reconhece quando se trata do conhecimento humano, o homem está limitado por todos os lados. Afinal, todos os finitos maiores ou menores aniquilam-se igualmente diante do infinito. Assim, segundo Oliva, para Pascal ?as verdades conquistadas humanamente, e aí se incluem as verdades da geometria e as verdades parciais do Espírito de Finura, não são moralmente superiores ao erro, que em alguns casos é até preferível a elas?. (OLIVA, 2004, p. 37). Por isso, ele afirma que:

Quando não se sabe a verdade de uma coisa, é bom que haja um erro comum que fixe o espírito dos homens, como por exemplo, a luta a que se atribui a mudança das estações, o progresso das doenças etc., pois a doença principal do homem é a curiosidade inquieta das coisas que não pode saber, e não é tão ruim para ele estar no erro quanto nessa curiosidade inútil. (PASCAL, 2005, p. 298. Laf. 744; Bru.18).

A finitude leva o homem a pensar sobre sua pequenez e, por isso, está mais próximo da verdade do que as conquistas da dedução. No início do fragmento, (Laf.199; Bru.72) - Desproporção do homem - Pascal levanta a problemática do conhecimento natural, através da seguinte passagem:

Eis onde os homens levaram os conhecimentos naturais. Se não são verdadeiros, não existe verdade no homem, e se são, ele encontra aí um grande motivo para humilhação, forçado a se rebaixar de uma maneira ou de outra. E visto que ele não pode subsistir sem acreditar neles, desejo antes de entrar em maiores pesquisas sobre a natureza, que ela a considere por uma vez seriamente e com tempo, que olhe também para si mesmo, e que julgue se mantém alguma proporção com ela, pela comparação que fará entre esses dois objetos. (PASCAL, 2005, p. 78).

Para Pascal, se a nossa inteligência é fraca, a nossa sede de verdade é real. Devemos estar conscientes de ambos, nosso destino sublime e nosso desamparo. Nossa natureza é mimada porque é corrupta.[5] Segundo Pascal, foi o pecado que nos colocou nesta miséria da qual não temos forças para sair. Enquanto nós somos feitos de verdade e de amor, estamos experimentando a obscuridade no orgulho e na luxúria. Pascal coloca-nos diante da contradição representada pela polaridade, para que assumamos a singular incompletude que nos define, já que não somos suficientemente grandes para fazer jus à nossa origem nem suficientemente miseráveis para renunciarmos completamente ao reencontro com Deus.

De acordo com Pondé (2004, p. 65), qualquer ideia de que os fundamentos ontológicos da construção do conhecimento experimental em Pascal dependem ?geometricamente? da sua geometria, ambos seguem sua teologia fenomenológica de insuficiência. Pascal irá, todavia, mais longe ao fazer da definição de nome o fruto de uma decisão arbitrária [...]. Entre os princípios de geometria, Descartes tem a tendência em insistir nos axiomas, isto é, naqueles que fazem intervir mais claramente a noção de evidência; Pascal apega-se, sobretudo, nas considerações das definições, com tudo que podem comportar de convencional e de arbitrário.

Descartes e Pascal concebem, um e outro, um raciocínio geométrico como precedendo do simples ao complexo, ao contrário da dedução silogística, que procederia do geral ao particular, mas Descartes se ocupa, ao estabelecer os princípios, em afirmar uma verdade essencial; Pascal, precursor da axiomática moderna, tende a considerá-lo simples postulados. Na condução do raciocínio, Descartes não cessa de fazer intervir a evidência que legitima a passagem de cada elo dedutivo ao elo seguinte; Pascal, por seu turno, quer, sobretudo, evitar todo o deslizamento de sentido, e fazer de tal forma que o conteúdo dos princípios não seja jamais ultrapassado. Para Descartes, a lógica não se separa da metafísica; para Pascal, o essencial é construir um sistema dedutivo formalmente válido. (MESNARD, 1991, pp. 377-378 apud PONDÉ, 2004, p. 66).

As pesquisas científicas de Pascal concernem, sobretudo, a mecânica e a matemática. Em física, seus trabalhos refletem preocupações com o vácuo. A opinião corrente é que o vácuo não existia, mas Galileu (1564-1642), observou que a água poderia elevar-se em uma bomba para além de certo limite e seu discípulo Torricelli (1608-1647), considerará essa observação como contraditória com a negação do vácuo. Pascal interpretou as experiências sobre a pressão atmosférica, relatados por Mersenne e em 1647, decide por sua vez, realizar uma série de experiências sobre o vácuo em Ruem. No mesmo ano, ele se engaja numa polêmica com o padre Noel que contestou a possibilidade do vácuo. Ele também teve uma discussão com Descartes sobre o vácuo, que encontrou em 23 de setembro de 1647.

Em 1648, ele continua com suas experiências sobre o vácuo com a ajuda do seu sobrinho Florin Périer, que mede a altura de mercúrio em diferentes partes do Puy de Domme, para mostrar que ele variava com a altitude, isto é, a importância da pressão exercida sobre o mercúrio. A questão do vácuo foi objeto de um tratado redigido em 1651, dos quais apenas resta um fragmento do prefácio. Pascal afirma que o princípio da física não substitui a autoridade dos anciãos, mas, a experiência que confirmou a existência do vácuo encontra sua causa na pressão do ar. Ele prolonga seus trabalhos e redigiu entre 1651 e 1653, um tratado sobre o peso da massa de ar e um tratado de equilíbrio dos líquidos.

De acordo com Adorno, a busca de uma ordem do conhecimento inscreve-se na episteme daquele século obcecado pela necessidade de ordem[6], a qual Pascal, por sua pesquisa do ponto fixo, pertence plenamente. Essa obsessão justifica-se pela revolução cosmológica que desloca completamente, não apenas as crenças, mas, sobretudo, o quadro racional em cujo interior se exerce o conhecimento. (ADORNO, 2008, p. 93).

Mas, apesar dos avanços e das conquistas a nível científico, o que mais se surpreende no homem, segundo Pascal, é ver que ele não está preocupado com suas misérias. Todos seguem sua condição, não porque é bom seguir ou está na moda, mas, é como se todos soubessem com certeza fazer o uso da razão. O homem é capaz das opiniões mais extravagantes, uma vez que é capaz de não acreditar nas suas misérias e fraquezas naturais inevitáveis.

Pascal desinfla a razão não para estabelecer o ceticismo nem para aviltar contra o desejo de Deus que nos fez como parte de sua imagem, mas, pelo mesmo motivo que ele desinflou a justiça humana. A justiça de jure é grande e a justiça de fato é fraca. A lei natural é grande e a lei humana é fraca. Igualmente, a natureza da razão de jure é grande, mas, o exercício da razão existencial de fato é fraca e empurrada pelas paixões, imaginação, hábito, diversão e acaso. Para Pascal, ?a corrupção da razão, aparece em tantos diferentes e extravagantes costumes. Foi preciso que a verdade viesse para que o homem não vivesse mais em si mesmo?. (PASCAL, 2005, p. 262. Laf. 600; Bru. 440).

De acordo com Kreeft (1993, p. 96), sempre houve duas ênfases na filosofia cristã: a ênfase agostiniana na inadequação existencial e a miséria das coisas naturais, como a razão humana, justiça e filosofia; e a ênfase tomista da adequação essencial da grandeza dessas coisas. As duas ênfases são opostas, mas complementares; elas não são contraditórias, pois, complementam-se. Mas, segundo nosso filósofo, a fraqueza da razão humana aparece muito mais para aqueles que não sabem do que para aqueles que sabem. Isso fica claro no fragmento (Laf. 21; Bru. 292), onde Pascal afirma:

Quando se é muito jovem, não se julga bem; quando velho demais, tampouco. Se não se pensa nisso suficientemente, se se pensa demais, a gente se obstina e se fixa. Se se considera a obra imediatamente após tê-la feita, ainda se tem muita prevenção; se muito tempo depois (não) se consegue entrar nela. Assim acontece com os quadros vistos de muito longe ou de muito perto. E só existe um pouco indivisível que é o verdadeiro lugar. Os outros ficam perto demais ou longe demais, alto demais ou baixo demais. A perspectiva indica esse ponto na arte da pintura, mas na verdade e na moral que o indicará? (PASCAL, 2005, p. 7).

Assim, Kreeft (1993, p. 98), concorda com o nosso filósofo e afirma que, a razão humana não é inválida, mas é fraca. A razão ideal, puramente objetiva é tão fraca que pode conhecer a verdade somente através de uma pequena janela estreita. A razão humana é como a visão humana: somente uma estreita faixa de uma cor é visível para ele. Então, devido essa fraqueza inexorável da razão, Kreeft, volta a afirmar que, por essa razão, todos os extremos são invisíveis aos olhos e incompreensíveis à razão. Esta situação não é crítica no domínio sensorial ou estética, mas na moral é crucial e trágico, especialmente em nossa época de relativismo moral. (KREEFT, 1993, p. 98). Deste modo, para o nosso filósofo, o homem é um sujeito cheio de erro natural sem a graça e nada lhe mostra a verdade. Os sentidos enganam a razão pelas falsas aparências, assim como as impressões são capazes de nos enganar através dos encantos da novidade que possui o mesmo poder. De modo que:

Todo o nosso raciocínio se reduz a ceder ao sentimento. Mas a fantasia é semelhante e contrária ao sentimento; de modo que não se pode distinguir entre esses dois contrários. Um diz que meu sentimento é fantasia, o outro que a sua fantasia é sentimento. Seria preciso ter uma regra. A razão se oferece, mas é flexível a todos os sentidos. E assim não existe nenhuma. (PASCAL, 2005, p. 242. Laf. 530; Bru. 85).

Pascal é enfático ao afirmar que, é impossível ao homem chegar ao conhecimento das verdades últimas. Tudo o que pode fazer é ordenar conhecimentos que já possui, pois, é impossível retornar ao infinito, tendo em conta que os homens estão numa impotência natural e imutável de tratar qualquer ciência que esteja numa ordem absolutamente completa. Assim, pois, o homem não está condenado à ignorância total, mas ao conhecimento imperfeito e finito. Pelo coração, de fato, ele pode compreender os primeiros princípios de maneira intuitiva Por sentimento, diz Pascal:

O coração sente que existem três dimensões no espaço e que os números são infinitos, e a razão demonstra depois que não existem dois números quadrados dos quais um seja o dobro do outro. Os princípios se sentem, as proposições se concluem, e tudo com certeza, embora por diferentes caminhos. [...] (PASCAL, 2005, pp. 38-39. Laf. 110; Bru. 282).

Segundo Pascal, a razão não nos pode provar tudo com certeza, e que seus princípios são absolutamente verdadeiros devido à ferida provocada pelo pecado original. Portanto, a razão é impotente, tanto quando se trata de conhecer o princípio e o fim, pois, o homem não consegue conhecer o princípio e o fim das coisas, o princípio e o fim do universo, e, nem sequer, seu princípio e seu fim. ?Essa impotência não deve servir, portanto, se não para humilhar a razão, que gostaria de julgar todas as coisas? [...]. (PASCAL, 2005, p. 39).

Segundo adorno (2008), a impossibilidade de conhecer não constitui a única limitação da razão. Pois, se o homem só pode conhecer através de duas faculdades, ou seja, o conhecimento e a vontade, então, no estado em que se encontra não é mais pela via natural que os conhecimentos entram em sua alma. Ainda segundo Adorno, ?a marca do pecado original imobilizou, definitivamente à vontade e o intelecto numa posição que dá conta da insuficiência do conhecimento e da possibilidade do erro?. (ADORNO, 2008, p. 60) Assim, diferente de ?Descartes, para quem a fonte do erro se encontra numa desproporção entre a infinidade da vontade e a finitude do intelecto, para Pascal, o intelecto e a vontade são igualmente responsáveis pela situação?. (ADORNO, 2008, p. 60).

Por isso, quando se trata do conhecimento e da verdade, segundo Oliva, ?é do interior das questões teológicas que todos os assuntos devem ser tratados. Do contrário, o homem de ciência não chegará à verdadeira profundidade de seu objeto e, na busca obstinada da verdade, acabará se tornando indiferente à verdade?. (OLIVA, 2004, p. 43). Ainda segundo o mesmo autor, ?esta foi o maior erro de Descartes: inútil, mais do que incerto, e assim nós chegamos à verdadeira verdade, a essencial que não se deixa macular pelas verdades relativas e contraditórias?. (OLIVA, 2004, p. 43), de modo que:

A consciência trágica faz de Pascal, um filósofo do paradoxo: afirma que a verdade é sempre reunião de contrários e que o homem é um ser paradoxal, ao mesmo tempo, grande e pequeno, fraco e forte. Grande e forte porque nunca abandona a exigência de uma verdade e de um bem puro, sem mistura com o falso e com o mal. Pequeno e fraco porque jamais pode chegar a um conhecimento ou produzir uma ação que alcance plenamente esses valores. O pensamento de Pascal é trágico justamente porque assume esse ?tudo ou nada? que proíbe o abando da busca dos valores e, no entanto, proíbe qualquer ilusão quanto aos resultados pelo esforço humano. (PASCAL, 1988, p. XVII).

A discussão da verdade em Pascal, como já foi referida, está estritamente ligada ao paradoxo. O procedimento do renversement (inversão), que ficou famoso por meio da problemática do divertimento, acentua a diversidade das opiniões assumidas alternado pontos de vista opostos, que coloca em evidência o caráter paradoxal da noção pascaliana de verdade. ?Inversão contínua do pró ao contra?, é o título do fragmento (Laf, 93; Bru. 328), dos Pensamentos:

Mostramos então que o homem é vão pela estima que tem pelas coisas que não são essenciais. E todas essas opiniões ficam destruídas. Mostramos em seguida que todas essas opiniões são muito sadias, e que assim, estando todas essas vaidades bem fundamentadas, o povo não é tão vão quanto se diz. E assim destruímos a opinião que destruía o povo. Mas agora é preciso destruir essa última proposição e mostrar que permanece sendo verdade que o povo é vão, ainda que suas opiniões sejam sadias, porque ele não sente a verdade delas onde está e porque, colocando-a onde ela não está as suas opiniões são sempre muito falsas e malsãs. (PASCAL, 2005, p. 33).

Se Pascal fala constantemente de forma invertida, é porque a natureza do próprio homem é invertida pela corrupção. Inversão dupla, em suma, para colocar as coisas no lugar é preciso reverter o que foi invertido - essa é a dialética de Pascal. Três categorias permitem analisar a ?inversão contínua do pró ao contra?: primeiro paradoxo (forma óbvia da inversão); em seguida, a antítese (aborrecimento); e, finalmente a ironia (pensamento por trás, na terminologia de Pascal). Segundo Silva (2012), o estudo de Pascal tem como objetivo principal a busca da verdade e como ele próprio afirma no início da obra Do espirito geométrico e da arte de persuadir, cumpre seguir três passos fundamentais: ?um, descobri-la quando é buscada; outro, demonstrá-la quando é possuída; o último, discerni-la do falso quando é examinada?. (PASCAL, 2017, p. 38). Por outro lado, Oliva nos mostra que ?o processo de construção da verdade em Pascal passa por uma crítica a lógica tradicional e suas argumentações [...], sem, contudo abandonar inteiramente um de seus princípios: o princípio da não contradição?. (OLIVA, 2004, p. 34) Para Pascal, ?a contradição é uma marca ruim da verdade. Várias coisas certas são contraditas. Várias coisas falsas passam sem contradição. Nem a contradição é marca de falsidade, nem a não contradição é marca de verdade?. (PASCAL, 2005, p. 72. Laf. 177; Bru. 384). O próprio princípio da identidade tem pouca valia em um mundo condenado à dispersão temporal, uma vez que, para o nosso filósofo:

O tempo cura as dores e as disputas porque as pessoas mudam. Não se é mais a mesma pessoa; nem o ofensor, nem o ofendido já que não são os mesmos. É como um povo a quem se tivesse irritado e que revisse depois de duas gerações. São ainda os franceses, mas não os mesmos. (PASCAL, 2005, p. 317. Laf. 802; Bru. 122).

No universo da geometria, as leis da lógica são corretamente substituídas pelos princípios da demonstração geométrica. Pascal reconhece a validade deste método, mas critica a tentativa de explorá-lo para fora dos limites da geometria, uma vez que:

No princípio de geometria, os princípios não são palpáveis, alheios ao uso comum, e difíceis de ver, mas, uma vez vistos, é impossível que nos fujam. No Espírito de Finura, os princípios estão no uso comum, perante os olhos de todos. A diferença entre o Espírito de Geometria e o Espírito de Finura, é que num os princípios são palpáveis, mas afastado do uso comum, no outro os princípios são de uso comum aos olhos do mundo. (PASCAL, 2003, p. 65).

Assim, segundo Oliva, ?no Espírito de Finura, o universo das questões humanas, o sentimento é a verdadeira fonte de conhecimento, a razão tem muitas vezes que abrir mão de sua autonomia e se submeter?. (OLIVA, 2004, p. 19). Para esse autor, o procedimento pode parecer, aos olhos do mundo, uma regressão. Mas, segundo ele, ?não se pode falar de progresso quando a própria noção de sabedoria está ligada à humilhação e a diminuição?. (OLIVA, 2004, p. 21). Para Pascal, a sabedoria nos remete à infância. Nisi efficiamini sicut parvuli (a menos que você se torne como criança). (PASCAL, 2005, p. 29. Laf. 80. Bru. 271). Ainda segundo Oliva, Pascal ironiza o progresso ligado à potência enganosa da imaginação, espelhada no seguinte fragmento:

As crianças que se espantam com a cara que pintaram. São crianças; mas quem diz que o que é tão fraco em criança seja muito forte quando se tem mais idade? Só faz mudar de fantasia. Tudo o que se aperfeiçoa progressivamente definha também progressivamente. Tudo o que foi fraco jamais poderá ser totalmente forte. Por mais que se diga: ele cresceu, ele mudou, ele é também o mesmo. (PASCAL, 2005, p. 307. Laf. 779; Bru. 88).

Vários trechos da obra de Pascal indicam a possibilidade de incorporar à sua doutrina a concepção agostiniana de verdade.[7] Verifica-se, então, que a verdade para Pascal, não é uma propriedade do discurso ou do conhecimento, mas uma propriedade das coisas. O problema da influência negativa das paixões sobre a razão é resolvida, pois, com um gesto que, historicizando essa antítese, remete-se a uma origem irrecuperável. A razão não pode libertar-se do desejo que o obriga a conhecer sempre aquilo que ela quer. Assim, o conhecimento será sempre condenado a ser criticado quanto à sua evidência e à sua certeza. Assim, Concordamos com Oliva (2004, p. 45), segundo o qual, a verdade tem que ter algum vínculo com a corrupção humana, sob pena de tornar-se inútil. Para identificar-se, como queria Agostinho, com o Soberano Bem, a verdade tem de estar ligada à nossa salvação. Para Pascal, isso só será possível se a verdade também apostar na nossa miséria. Portanto, o homem tem em si a verdade como verdade da miséria, e tem também a verdade de Deus como ausência.

Acredito que, é pacífico afirmar que a obra de Pascal tem como base um pensamento abissal entre o infinito e o nada, delimitado por ordens incomensuráveis, como a do coração e a da razão, por uma discussão sobre a fraqueza da razão, pelo sentimento de desproporção e incerteza entre o conhecimento e a verdade. Não se trata aqui de substituir a certeza pela incerteza, mas é óbvio para nós que, em Pascal o conhecimento navega em um mar de incertezas, porque a razão é flexível e insuficiente e a natureza paradoxal do homem coloca-nos novos desafios epistemológicos. Em todo caso, Pascal diria que a razão humana no seu uso ordinário, é uma razão fraca, dependente e prisioneira dos caprichos e dos desejos de uma vontade corrompida. Ela será sempre submissa às paixões e à imaginação que lhe dita o caminho a ser seguido, o que nos leva a concluir que ela não é mais soberana, mas será sempre súdita, por isso, conhecer os seus limites, é de extrema importância para a fundamentação epistemológica em Pascal.

Pascal, portanto, não tem confiança na razão humana como instância para resolver os problemas da vida, porque ela é impotente. Ela só pode atingir um conhecimento parcial, pois, o homem é um ser du milieu (do meio). Acredita-se que o homem vive ou existe em várias formas do milieu. Mas, as formas mais evidentes são: o milieu biológico, o social e o linguístico. Então, ?afirmar que nosso conhecimento é connaissance du milieu (conhecimento do meio), significa aceitar o fato que se trata de um conhecimento estabelecido por e nas várias formas du milieu. (PONDÉ, 2004, p. 77).

Essa impotência não depende da natureza da própria razão ou da essência do homem, mas, de sua constituição existencial. Pascal atribui a corrupção da razão a miserabilidade da condição humana, e face a diversidade antropológica baseado no uso da razão fraca é incapaz de qualquer fundamentação, salvo a de sua ausência. Portanto, a receita é não confiar excessivamente na razão, pois, ela é súbdita das paixões e escravo dos desejos humanos.

Considerações finais

Pelo que foi exposto até agora, pode-se observar que, contrariamente ao seu contemporâneo Descartes, Pascal insurge contra a valorização excessiva da razão e retira dela toda a pretensão do conhecimento verdadeiro, tendo como base unicamente as operações racionais. Como se sabe, a obra Pensamentos é uma das obras mais importantes da literatura universal, nela Pascal expõe diversos argumentos cujo objetivo é desconstruir as pretensões racionalistas de fundar um conhecimento único, verdadeiro e objetivo fundado apenas na onipotência da razão. Como ficou expresso no texto, a razão, por si só é fraca, pode não ser inútil, mas está longe de dar conta de todas as formas de conhecimento, pois, ela também é limitada e finita.

Apesar de Pascal ter lutado contra um sistema que ambicionava colocar a razão como certeza indubitável quando se trata do conhecimento verdadeiro, ao longo da nossa pesquisa pudemos constatar que, apesar de suas profundas reflexões e críticas a esse modelo de conhecimento, Pascal não teve o sucesso esperado na época, pois, a razão e o pensamento racional triunfaram. Portanto, ganharam o estatuto de certeza e de objetividade universal, questionado por poucos. Nesse aspecto, o modelo objetivista triunfou na teoria da ciência, pois, foi o único caminho que a razão mostrou-se produtiva e manipuladora. Isso aconteceu, porque Descartes e os cartesianos pretendiam estabelecer um entendimento científico unificado do universo, tendo como suporte a razão universal, visando construir um sistema que desafiasse todos os obstáculos e revelasse a verdade em sua totalidade.

Apesar do grande desenvolvimento científico registrado a partir do século XVII, Pascal inicia um enérgico processo de demolição contra o uso excessivo da razão. Seu principal alvo foi o racionalismo mecanicista, pois, Pascal criticou como poucos em sua época a dissolução do conceito de razão. Suas maiores críticas foram direcionadas a Descartes por ele ter confiado excessivamente na razão, por isso, ele o chamava de inútil e incerto. Contrariamente ao seu contemporâneo, Pascal afirma que há um conhecimento da verdade também pelo coração, pois, ela é uma faculdade de conhecimento, ou seja, do conhecimento dos primeiros princípios como ?tempo, espaço, movimento e números?, que escapam a razão. Desta forma a incerteza do conhecimento da verdade racional é devido às incertezas e às fraquezas da razão, que é limitada e incerta e precisa do auxilio do coração, pois, o coração sente e a razão demonstra.

Apesar das fortes críticas de Pascal a Descartes e suas pretensões racionalistas, ele de forma alguma pode ser considerado um anticartesiano ou antirracionalista, antes pelo contrário, ele valorizava a razão em sua justa medida, pois ela sozinha, como frisamos várias vezes é fraca e incerta. Portanto, é inegável que Pascal tenha sido inicialmente um adepto da racionalidade, pois, combinava o uso da razão e a utilização da experimentação, e nesse aspecto, ao contrário do que muitos pensam, ele pode ser considerado como o pioneiro da Ciência Moderna. Porém, a racionalidade defendida por ele, é diferente da de Descartes, uma vez que, este insiste na onipotência da razão, enquanto que Pascal insiste em demonstrar os limites do pensamento racional.

Atualmente o pensamento racional moderno a moda cartesiana, está em crise, pois, quando se pede ao homem comum para explicar qual o significado do termo ?razão?, sua reação é quase sempre de hesitação e embaraço. Segundo Horkheimer (2002, p. 9), ?ao ser pressionado para dar uma resposta ele dirá que as coisas racionais são os que se mostram obviamente úteis, e que se presume que todo o homem racional é capaz de decidir o que é útil e bom para ele?.

A crise do pensamento moderno possibilitou a ascensão do pensamento pós-moderno visando desconstruir os fundamentos da razão, afirmando novos pressupostos, ou seja, em vez de ordem, certeza e objetividade, aparece a desordem, a incerteza e a subjetividade. Ou seja, essa crise consiste no fato de que o pensamento racional tornou-se incapaz de conceber um pensamento totalmente ordenado, certo e objetivo.

Nisso, Pascal pode ser considerado um pensador de uma atualidade excepcional, pois, como afirma Morim, o fim do determinismo absoluto na ciência, o fim da concepção teleguiada da história e ascensão rumo ao progresso, tudo isso constitui um retorno profundo da incerteza no conhecimento da verdade, pois, querendo ou não, Pascal já dizia que estamos entre dois infinitos, e, nossa pequenez diante do universo deveria ser motivo para reconhecermos nossas insuficiências. Nesse aspecto, nem a razão, nem o conhecimento científico pode nos livrar da ignorância.

Referências bibliográficas

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FRANÇA, Sirlene Carvalho Rocha. Resenhas, resumos e artigos acadêmicos. 1ª edição. ?Irecê: Itacaiúnas, 2016, 116p.

HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. - São Paulo: Centauro, 2002. 192p.

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MORIN, Edgar. Meus filósofos. - 2ª edição. Traduzido por Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. - Porto Alegre: Sulina, 2014. 175p.

OLIVA, Luís Cesar Guimarães. As marcas do sacrifício: um estudo sobre a possibilidade da história e Pascal. São Paulo: Associação Editorial Humanistas, 2004. 208 p. (Coleção Estudos Seiscentistas).

PASCAL Blaise. Do Espírito geométrico e da arte de persuadir. Seleção, tradução e notas: Henrique Barrilaro Ruas. Estudo de: Eduardo Abranches de Soveral. Porto Editora ? Porto ? Portugal, 2003. 174p.

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_________. Do espírito geométrico e Da arte de persuadir: e outros escritos de ciência política e fé/Blaise Pascal; organização, introdução, tradução e notas Flávio Fontenelle Loque; prefácio Jean-Robert Armogathe; revisão técnica, Luís Cesar Guimarães Oliva; tradução das citações latinas Fábio Fortes. ? 1ª ed. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2017. ? (Filô).

_________. Pensamentos. - 2ª edição. Apresentação de notas Louis Lafuma; Tradução Mário Laranjeira, Revisão técnica Franklin Leopoldo e Silva, revisão da tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar; Introdução da edição brasileira Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 441p. ? (Paidéia).

PONDÉ, Luiz Felipe. Conhecimento na desgraça: Ensaios de epistemologia pascaliana. - 1ª edição. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 2004. ? (Ensaios de cultura; 27).

ROGERS, Ben. Pascal: elogio do efêmero. Tradução de Luiz Felipe Pondé. - São Paulo: Editora UNESP, 2001. 65p. ? (Coleção grandes pensadores).

SILVA, Antônio G. da. Pascal: Cientista e Filósofo Místico. ? São Paulo: Lafonte, 2012.151p. (Coleção pensamentos & vida; v, 9).

Notas

[1] Doutorando e Mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP; Pós-Graduado ? Especialização em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional pela UCP-RJ; Licenciado em Filosofia para docência pela UniCV. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com
[2] Esse texto destinava-se à edição chamada de Port-Royal (1670). Como temiam que certos trechos fossem de molde a provar as polêmicas sobre o jansenismo de Pascal, os primeiros editores adiaram a sua publicação. Foi na Holanda que ele apareceu primeiramente (1684), de acordo com uma cópia pouco exata. (PASCAL, 1988, p. 9).
[3] Nessa altura Pierre Gassendi (1592-1655) e Thomas Hobbes (1588-1679), residiam na França enquanto que, René Descartes (1596-1650) vivia na Holanda.
[4] De acordo com França (2016, p. 34), aos 16 anos, Pascal, formulou o teorema com base nos princípios de Geometria Projetiva, o qual determina que um hexágono inscrito em uma cônica, as retas que contiverem os lados opostos interceptam-se em pontos colineares, ou seja, se os vértices de um hexágono estão situados sob uma circunferência e os três pares de lados se intersectam, os três pontos de intercessão são colineares.
[5] Segundo Pascal, devido a corrupção, a razão foi atingida três vezes. Primeiro: não pode conhecer os primeiros princípios; segundo: a verdade não pode ser mais recebida na alma; terceiro: pela guerra que ela trava com a imaginação. Essas três limitações fazem com que a razão não esteja em condição de fixar o valor das coisas [...] (ADORNO, 2008, pp, 61-62).
[6] Descartes será obcecado pela preocupação a ordem: ele formula regras para a direção do espírito; em toda a pesquisa, científica ou moral, sua ousadia se esteia na meditação dos métodos. A consciência cristã interroga-se sobre a ordem do mundo. (ADORNO, 2008, p. 93).
[7] A primeira noção de verdade que se apreende dos textos agostinianos é a verdade como conjunto dos inteligíveis, das ideias das coisas. Essas ideias não são oriundas do sensível. Se há ideias sobre o sensível, elas não tratam das qualidades transitórias, mas dos números que estruturam e regem a matéria mutável [...]. A razão apreende, discursa, muda enquanto os inteligíveis são imutáveis e é essa imutabilidade que possibilita o conhecimento [...] (OLIVA, 2004, pp. 37,38).


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