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Aspectos metodológicos da obra de Max Weber: entendendo o tipo-ideal
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 14, núm. 2, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 14, núm. 2, 2017

Recepção: 11 Setembro 2017

Aprovação: 21 Novembro 2017

Resumo: Busca-se analisar textos de Weber e de comentadores de sua obra, com o objetivo de sistematizar informações acerca do tipo-ideal e, assim, explicá-lo. A principal conclusão do trabalho é de que o tipo-ideal não é uma ferramenta funcionalmente unitária, podendo assumir diferentes configurações. Para tentar deixar isso mais claro, foi proposta uma classificação dos tipos-ideias em quatro espécies/configurações.

Palavras-chave: tipo-ideal, Max Weber, metodologia, teoria social clássica.

Abstract: This text is an analysis of Weber?s and his commentators? texts that aims to systematise information about the ideal-type and thus to explain it. The main conclusion of the text is that the ideal-type is a methodological tool that can serve more than one purpose. In other words: it can assume different configurations. In order to clarify this, a classification of the ideal-types in four species/configurations was put forward.

Keywords: ideal-type, Max Weber, methodology, classical social theory.

Resumen: Ese trabajo es un análisis de textos de Weber y sus comentadores con el objetivo de sistematizar informaciones sobre el tipo-ideal para entonces mejor explicarlo. La principal conclusión del texto es de que el tipo-ideal no es una herramienta funcionalmente unitaria; al contrario, es una herramienta que puede tener diferentes usos y configuraciones. Para intentar dejar el argumento más claro, se propone una clasificasión del tipo-ideal en cuatro diferentes especies.

Palabras-llave: tipo-ideal; Max Weber; metodología; teoria social clásica.

Introdução

Neste texto, pretendo analisar textos de Weber e de comentadores de sua obra, com o objetivo de sistematizar informações acerca do tipo-ideal. Espero poder, assim, explicá-lo. Esse esforço explicativo é de grande relevância sobretudo quando se considera que tanto Weber quanto seus comentadores, na maioria das vezes em que se propuseram a discutir o tipo-ideal, buscaram explicá-lo de maneira negativa (isto é, frisando o que o tipo não é). Além disso, nas vezes em que buscaram caracterizar o tipo de maneira positiva, o uso de metáforas e de expressões pouco precisas é comum. O resultado disso é, em grande medida, uma falta de clareza no tratamento do ?tipo-ideal? (HEMPEL, 1965, p. 156) (PARSONS, 1966, pp. 601-02).

Começarei minha exposição com uma comparação entre Tocqueville e Weber que, a meu ver, permite-nos captar, preliminarmente, alguns aspectos centrais do tipo-ideal weberiano. Feito isso, apresentarei o tipo-ideal como ferramenta útil na análise da ação. Para tanto, irei me basear principalmente nos Conceitos Sociológicos Fundamentais de Weber (em Economia e Sociedade). Em um terceiro momento, o tipo-ideal será apresentado como ferramenta útil na análise de fenômenos históricos específicos. Para tanto, tomarei como base principalmente o estudo desenvolvido por Weber na Ética Protestante e o ?Espírito? do Capitalismo.

A exposição dos dois últimos pontos mencionados no parágrafo anterior baseia-se em uma classificação que sugiro para se entender melhor o tipo-ideal e seus possíveis usos. A exposição visará evidenciar que o tipo-ideal não é uma ferramenta funcionalmente unitária. Isto é, ele se desdobra, a meu ver, em quatro ?espécies? ou configurações de tipo-ideal, de acordo com sua função metodológica. Numa primeira divisão, o tipo-ideal pode ser utilizado tanto na análise da ação, quanto na análise de singularidades históricas (tipos-ideais de ação x tipos-ideais de singularidade histórica). Numa segunda divisão, esses tipos se desdobram em mais gerais e mais específicos. Esta segunda divisão está baseada em uma diferenciação entre causalidade histórica -- que visa identificar as circunstâncias únicas que tiveram como efeito um dado acontecimento histórico -- e causalidade sociológica -- que visa identificar relações regulares (prováveis, mas não necessárias) entre fenômenos (ARON, 2000, p. 458 e p. 467) (WEBER, 2012, pp. 12-13). Os tipos são gerais ou específicos, portanto, quanto ao alcance de sua aplicação. Temos, assim, quatro categorias ou espécies de tipos-ideais, que serão melhor abordadas nos tópicos seguintes. Essas categorias de tipos-ideais, em casos limite, podem se confundir. A sua separação esquemática foi feita apenas para fins de clareza expositiva.

Tabela 01
Espécies ou configurações de tipos-ideais

Antes de adentrar os próximos tópicos, cabe uma observação sobre outra classificação dos tipos-ideais, proposta por Raymond Aron. Para ele, Weber teria proposto, pelo menos implicitamente, diferentes espécies de tipos-ideais. Tendo isso em mente, Aron propõe uma classificação dos tipos em três espécies: (i) tipos-ideais de indivíduos históricos; (ii) tipos-ideais que designam elementos abstratos da realidade histórica -- espécie esta que se distingue em três sub-espécies de acordo com o grau de abstração; e (iii) tipos-ideais de condutas de um tipo particular (ARON, 2000, pp. 465-67). Obviamente, não existe classificação ?correta?. A qualidade de uma classificação deve ser medida por sua utilidade, pelo tanto que contribui para o esclarecimento ou maior sistematização da matéria. Optei por uma classificação em quatro espécies, por acreditar que ela proporciona maior esclarecimento do que a de Aron, que coloca na mesma categoria -- (ii) ? tipos-ideais de ação e tipos-ideais como a burocracia e o feudalismo.

Tocqueville: um precursor de Weber na utilização dos tipos-ideais? - aspectos gerais do tipo-ideal

Debater a gênese do tipo-ideal weberiano não está entre os propósitos deste artigo[2]. Na verdade, o objetivo ao proceder à seguinte comparação é simplesmente o de delimitar, preliminarmente, alguns aspectos relevantes do tipo-ideal. Feita essa ressalva, procedamos à análise.

No artigo Tocqueville y Weber, dos vocaciones, G. Cohn busca fazer um exame das relações entre esses dois autores. Dois são os argumentos trazidos: (i) que, apesar de enfrentarem o mesmo desafio ? qual seja: a análise de processos de alcance mundial (democracia para o primeiro, racionalização para o segundo) --, fazem-no de maneira bastante diferente; e (ii) que, apesar de ambos utilizarem, na prática de suas análises, ?tipos-ideais?, existem semelhanças e diferenças nesse uso, de forma que, para Cohn, apenas Weber tinha consciência de que fazia uso de tal ferramenta (COHN, p. 259).

A anterioridade do uso dessa ferramenta metodológica por Tocqueville pode ser sustentada de duas maneiras: ou pela reconstrução de seu método no estudo que realizara sobre a democracia nos Estados Unidos, ou por meio de referências a formulações explícitas de Tocqueville referente ao seu método. No primeiro caso, o argumento pela precedência é frágil, pois não basta que o uso do tipo-ideal esteja presente na prática de suas análises, sendo preciso que o pesquisador esteja consciente de seu uso. Resta, então, como alternativa, analisar trechos em que Tocqueville, explicitamente, faz considerações sobre seu método.

Um dos trechos de Tocqueville que é comumente trazido para sustentar a supramencionada anterioridade é:

?[P]artiendo de nociones que me proveían las sociedades americana y francesa, quise retratar los trazos generales de las sociedades democráticas, de las cuales todavía no existe ningún modelo completo? (grifei) (Apud. COHN, p. 260).

Segundo G. Cohn, ambos os trechos destacados (em itálico) seriam mais afeitos à sociologia de Durkheim do que à de Weber. Quanto ao primeiro trecho (?traços gerais?), até se poderia falar em traços gerais nos casos de tipos-ideais no sentido de ?caracterizações diferenciadoras que permitem a comparação?. No entanto, destaca-se que o tipo-weberiano é essencialmente individualizante, isto é, busca ressaltar os caracteres peculiares a determinado fenômeno (COHN, pp. 260-61). Portanto, essa comparação já nos permite dizer que: apesar de se poder falar em feição mais geral (de potencial comparativo) do tipo-ideal, o que o caracteriza é sua feição individualizante, que busca caracteres únicos de determinado fenômeno.

Quanto ao segundo trecho destacado (?não há um modelo acabado?), não se poderia compatibilizá-lo com o uso feito por Weber do tipo-ideal. Isto porque, para ele, esse trecho consistiria em uma confusão entre a ordem conceitual (que é ?ideal?, isto é, apresenta um caráter utópico) e a ordem empírica (COHN, p. 261). Portanto, por meio dessa comparação com a formulação de Tocqueville, obtemos mais um traço do tipo-ideal: ele não se confunde com a ordem empírica, sendo um constructo mental -- inexistente, portanto, na realidade. Vejamos, a respeito, o seguinte trecho de Wolfgang Schluchter:

?[For Weber], they [concepts] are means of ordering empirical reality. This implies the transformation of empirical reality into concepts, not the conceptual reproduction of reality and not the identity of concept and reality, as in emanationism (?). Thus, for Weber, all scientific knowledge is partial knowledge, subject to the ?defect? of one-sidedness and irreality? (1989, p. 15) (No mesmo sentido: WEBER, 2012, pp. 12-13; e 1949, p. 111).

Outro ponto comumente levantado para sustentar a anterioridade de Tocqueville quanto ao uso do tipo-ideal é o recurso à exageração, utilizado tanto por este quanto por Weber. Porém, conforme argumenta G. Cohn (p. 261), o recurso à exageração se presta a diferentes funções em cada um dos autores. Se em Weber trata-se de uso que visa atingir eficácia cognitiva ? isto é, a própria possibilidade de um conhecimento adequado de determinado objeto --, em Tocqueville trata-se de uso que visa atingir eficácia retórica ? isto é, a própria possibilidade de se convencer ou persuadir alguém de determinado argumento. Desse ponto, podemos extrair importante aspecto do tipo-ideal weberiano: seu recurso à exageração que tem como propósito atingir certa eficácia cognitiva. De fato, um dos traços essenciais dessa ferramenta metodológica é o exagero de determinadas características ou traços do fenômeno que se busca conhecer, visando obter clareza conceitual.

Feitas essas diferenciações, seria possível traçar algumas semelhanças entre o pensamento desses dois autores (COHN, p. 262). Esta reconstrução, porém, fugiria ao escopo deste trabalho. Por meio da referência a esse artigo de G. Cohn quis apenas apontar, provisoriamente, alguns traços do tipo-ideal weberiano que serão retomados e aprofundados mais adiante.

O tipo-ideal na análise da ação

Os conceitos sociológicos fundamentais como paradigma do emprego do tipo-ideal para a análise da ação

Em nota preliminar aos Conceitos Sociológicos Fundamentais, Weber já deixa nítida sua preocupação com a clareza e a precisão conceituais. Em suas palavras:

?O método destas definições conceituais introdutórias (...) apenas deseja formular de maneira mais adequada e um pouco mais correta (...) aquilo que toda Sociologia empírica de fato quer dizer quando fala das mesmas coisas? (2012, p. 3).

Nesse sentido, o que segue são, basicamente, delineamentos conceituais sucessivos. Weber começa pelo significado de Sociologia. Para ele, trata-se de ciência que tem como objetivo compreender, por meio da interpretação, as ações sociais, buscando explicá-las causalmente. Por sua vez, o termo ?ação? designa qualquer comportamento humano relacionado pelo agente a um sentido subjetivo, sendo que uma ?ação social? é aquela em que esse sentido subjetivo visado pelo agente é referente ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu desenrolar (WEBER, 2012, p. 3). Portanto, Sociologia seria a ciência que tem como objetivo compreender, por meio da interpretação, comportamentos humanos relacionados pelo agente a um sentido subjetivo referente ao comportamento de outros. Essa definição tem como base a ideia de que a conduta humana possui uma especificidade em relação a outros fenômenos. Apesar de ambos mostrarem nexos e regularidades, apenas o curso de nexos relativos à conduta humana pode ser interpretado de maneira compreensiva no sentido weberiano (WEBER, Ensayos, p. 175).

O sentido subjetivamente visado pode ser aquele buscado pelo agente ou pelos agentes na realidade ou num tipo puro conceitualmente. Na primeira hipótese, estamos falando ou de um caso historicamente dado, ou de um sentido visado em média numa dada quantidade de casos. Já no segundo caso, estamos falando de um tipo-ideal construído pelo agente em que ele próprio é concebido como típico (WEBER, 2012, p. 4). Para a explicação causal sociológica, o sentido atribuído subjetivamente pelo indivíduo à sua conduta tem que ser adequado quanto a seu sentido (sinnhaft ada?quat) -- i.e., ele tem que fazer sentido (ser consistente) tendo em vista a ação em que resulta. Uma explicação será causalmente adequada (kausal ada?quat) quando existir certa probabilidade que um tipo específico de ação tenha como resultado o efeito visado. Uma interpretação causal correta do curso real da ação se dá quando seu desenrolar externo (i.e., aquele que pode ser descrito sem referência ao sentido subjetivamente atribuído pelo agente) e seu motivo (entendido como ?conexão de sentido que, para o próprio agente ou para o observador, constitui a ?razão? de um comportamento quanto a seu sentido?) tenham sido ambos apreendidos corretamente, sendo que sua relação tenha se tornado compreensível quanto ao sentido (WEBER, 2012, p. 8; e SWEDBERG, 2005, p. 29).

Vale frisar a importância do sentido atribuído subjetivamente pelo agente à ação, pois é por meio dele que a ação se torna compreensível. Isso se depreende, por exemplo, do trecho: ?Em alguns casos de processos psicofísicos não temos ações com sentido, isto é, compreensíveis? (WEBER, 2012, p. 4). Ou seja, a ação só é compreensível quando é dotada de um sentido atribuído subjetivamente pelo agente. ?Compreensão?, em termos weberianos, significa a ?apreensão interpretativa do sentido ou da conexão de sentido? (Sinnzusammenhang)[3]. Essa apreensão interpretativa pode se referir ao sentido ou conexão de sentido de um caso individual (consideração histórica), a um sentido visado em média e aproximadamente (consideração sociológica em massa), ou a um sentido construído ideal-tipicamente. Assim, por exemplo, vemos um indivíduo que dá machadadas em uma árvore para cortá-la (compreensão atual do sentido de uma ação -- aktuelles verstehen); quando sabemos que ele o faz ou para seu próprio sustento como lenhador, ou simplesmente para descarregar sua raiva, compreendemos sua ação de maneira explicativa (erklärendes verstehen) (WEBER, 2012, p. 6). Daí a importância do contexto de sentido (Sinnzusammenhang) no qual se dá a ação. Para compreendê-la, muitas vezes, é necessário que o sociólogo consiga compreender ou captar o contexto de sentido específico em que aquela ação se dá (SWEDBERG, 2005, p. 47 e pp. 160-62).

Ainda quanto à compreensão, não é necessário reproduzir a ação ou revivê-la para que esta seja compreensível ao pesquisador ? apesar de tal reprodução ser importante para a evidência (Evidenz) da compreensão. É isso que se quer dizer com a máxima: ?não é preciso ser Cesar para compreender Cesar? (WEBER, 2012, p. 4 e WEBER, Ensayos, p. 176).

Antes de continuar, faz-se necessária pequena digressão sobre o termo Evidenz. Trata-se de palavra de difícil tradução. A edição brasileira de Economia e Sociedade optou por traduzi-lo como ?evidência?. A tradução inglesa feita por Parsons recorreu a vários termos (em itálico): ?all interpretation of meaning (?) strives for clarity and verifiable accuracy of insight and comprehension?. Richard Swedberg afirma que a melhor tradução teria como essência as ideias de clareza e verificabilidade (verifiability) ou ?verifiable certainty? (2005, p.p. 93-94). A meu ver, somente com esses significados em mente, é possível entender melhor alguns trechos de Weber -- sobretudo quando estamos diante das traduções. Por exemplo:

?Una ?compreensión? de la conducta humana obtenida por medio de interpretación contiene ante todo una ?evidencia? cualitativa específica, de dimensión singularísima. El que una interpretación posea esta evidencia en medida muy alta nada prueba en sí en cuanto a su validez empírica. (?). Antes bien, el ?comprender? determinado nexo ha de ser controlado, en la medida de lo posible, con los métodos usuales de la imputación causal antes de que una interpretación, no importa cuán evidente, pase a ser una ?explicación comprensible? válida? (Ensayos, pp. 175-76).

Na primeira frase, entende-se que a compreensão da conduta humana obtida por meio da interpretação apresenta uma clareza, uma verificabilidade, uma inteligibilidade. Trata-se da inteligibilidade que apresenta, por exemplo, em grau máximo, a ação racional referente a fins. Na segunda frase, entende-se que, apesar de uma interpretação apresentar alto grau de Evidenz (inteligibilidade, clareza, certeza verificável), isso nada prova quanto a sua validade empírica. Em outras palavras, o alto grau de inteligibilidade e de clareza das construções ideal-típicas não conferem, por si só, validade empírica ao tipo -- i.e., trata-se de constructo que apenas raramente vai coincidir com o curso ou ação real. Daí que, para fazermos qualquer afirmação quanto ao grau de correspondência entre o curso ideal-típico e o curso real, é preciso recorrer a outras análises -- não bastando, nesse caso, a mera empatia ou intuição (que serão abordadas nos parágrafos seguintes) (WEBER, 2012, p. 7).

Tal evidência (Evidenz) pode ser de caráter racional ou de caráter intuitivamente compreensivo. Quanto à ação, apresenta evidência (ou certeza verificável) de compreensão de caráter racional aquilo que se compreende intelectualmente em sua conexão de sentido visada, de maneira direta e inequivocamente apreensível. São exemplos: as conexões de sentido entre proposições matemáticas, uma cadeia de conclusões lógicas e a ação racional orientada por um fim, sendo que esta, quanto aos meios empregados, apresenta grau máximo de evidência. Ainda referente à ação, apresenta evidência de compreensão de caráter intuitivo aquilo que ?se revive plenamente em sua conexão emocional experimentada? (WEBER, 2012, p. 4 e WEBER, 1949, pp. 40-41). É o caso, por exemplo, da compreensão referente a ?erros? em que incorremos ou que podemos experimentar intuitivamente. Essa compreensão intuitiva apresenta menor grau de evidência quando comparada à primeira e encontra obstáculos quando se trata de compreender ações orientadas por determinados fins ou valores que divergem dos do próprio pesquisador, como, por exemplo, as ações religiosas para quem é insensível a elas. De todo modo, o pesquisador pode se servir tanto de constructos ideais-típicos que estão de acordo com seus princípios éticos e que são, nesse sentido, objetivamente ?corretos?, quanto de tipos-ideais que conflitam eticamente com seus valores ou são neutros em relação a eles (WEBER, 1949, p. 43).

Nesse ponto, é necessária uma pequena digressão para se fazer referência a um pressuposto metodológico que dá suporte a essa possibilidade. É que, apesar de o pesquisador precisar adotar uma postura de não-comprometimento em relação aos valores daqueles cuja ação estuda, ele precisa compreender os compromissos valorativos dessas pessoas (e, portanto, nutrir certa empatia[4] por elas). A possibilidade de atender a essas duas necessidades se dá por meio da premissa de que o entendimento/conhecimento do parâmetro valorativo é diferente da avaliação que se faz por meio dele[5]. Isto é: se fosse impossível distinguir o entendimento da avaliação, seria impossível compreender os valores que influenciaram a ação de alguém sem assumir um compromisso com tais valores. Sendo assim, essa distinção é necessária. Por trás dela, está o pressuposto weberiano de que os valores não derivam do conhecimento (cognição ou entendimento), mas sim de um ato de vontade -- ou seja, nosso conjunto de valores é escolhido (ARON, 2000, p. 468 e p. 471), repousando sobre nossa faculdade de escolha de nos comprometermos com determinados valores[6]. Esse pressuposto é o que possibilita conciliar as duas necessidades supramencionadas -- já que a tal ?empatia imparcial? seria possibilitada por um ato de vontade negativo do pesquisador, que neutraliza os compromissos valorativos daqueles cuja ação estuda, sem que, com isso, perca a capacidade de compreendê-los (KRONMAN, 2009, pp. 25-34).

Assim sendo, mesmo que sejamos insuscetíveis a determinados impulsos afetivos, podemos compreendê-los e avaliar seus impactos sobre o curso da ação por meio do emprego de tipos:

?Para a consideração científica que se ocupa com a construção de tipos, todas as conexões de sentido irracionais [do ponto de vista da ação racional] do comportamento afetivamente condicionadas e que influem sobre a ação são investigadas e expostas, de maneira mais clara, como ?desvios? de um curso construído dessa ação, no qual ela é orientada de maneira puramente racional pelo seu fim? (WEBER, 2012, p. 5 e, no mesmo sentido, WEBER, Ensayos, p. 178) (grifo no original).

Assim, diante de determinada ação que se quer investigar, primeiramente, deve-se construir o curso ?ideal? (no sentido ideal-típico, e não de dever-ser) da mesma ? isto é, deve-se averiguar como a ação teria se dado sem influências de afetos irracionais e sem limitações quanto à informação que o agente possui. Após tal exercício, compara-se o curso da ação assim construída e orientada racionalmente pelo fim com a ação como realmente se deu. Desse modo, o ?desvio? (isto é, as diferenças entre o curso da ação real e a ação ideal-típica) é explicado pelas irracionalidades que condicionam a ação.

Quando se trata de explicar uma ação militar, por exemplo, Weber diz que:

?[É] conveniente verificar primeiro como se teria desenrolado a ação caso se tivesse conhecimento de todas as circunstâncias e de todas as intenções dos protagonistas e a escolha dos meios ocorresse de maneira estritamente racional orientada pelo fim, conforme a experiência que consideramos válida? (2012, p. 5) (grifo no original).

Tomemos como exemplo desse procedimento o ataque alemão à União Soviética na segunda guerra mundial. Como se teria desenrolado a ação militar alemã caso se tivesse conhecimento de todas as circunstâncias e de todas as intenções dos protagonistas e a escolha dos meios ocorresse de maneira estritamente racional orientada pelo fim? Certamente, ou Hitler não teria atacado a URSS ou o teria feito de modo diferente. Esse ?desvio? da ação real quando comparada à ação ideal pode ser imputado causalmente às irracionalidades que a condicionaram ? por exemplo, à ambição de Hitler, ao desconhecimento de determinadas circunstâncias (o inverno mais rigoroso que o normal) etc. É nesse sentido que compreendemos a ação real como ?desvio? do desenrolar da ação ideal-típica orientada pelo fim de maneira estritamente racional. O tipo-ideal, nesse caso, opera como uma ferramenta que possibilita a imputação causal (WEBER, 1949, p. 42). É esse também o papel exercido pelos tipos-ideais utilizados pela teoria econômica pura.

As duas configurações do tipo-ideal de ação (tipo-ideal genérico de ação x tipo-ideal específico de ação)

Weber parte do pressuposto de que somos capazes de agir propositalmente, levando em conta as múltiplas possibilidades dos resultados de nossas ações. É devido a essa capacidade que podemos fazer uso da interpretação racional baseada nas categorias meios/fins para investigar causalmente o curso empírico. Isso é feito por meio da construção de tipos-ideais baseados nessas categorias que, quando aplicadas à realidade, levam à sua racionalização.

Neste ponto, faz-se necessária pequena digressão para deixarmos mais claro o que Weber entende por ação propositada, evitando sua confusão com a ideia de ação teleológica. Uma explicação teleológica das condutas tem como tarefa explicitar a maneira pela qual determinada ação conduz a um fim. Nesse caso, o fim visado pelo agente aparece como mero efeito que aquela ação visa atingir. Ao contrário, na explicação propositada, a ideia do fim visado pelo agente não aparece como efeito, mas, sim, como causa determinante (ainda que não necessariamente a única) da própria ação. Ou seja, nesse tipo de explicação, há uma antecipação do resultado/fim, que é tomado como causa determinante da conduta -- de forma que o agente se orientará, de um lado, pela ideia que representa tal fim em sua mente e, de outro, por um método ou regra que o permitirá alcançá-lo (KRONMAN, 2009, pp. 36-37). Nas palavras de Weber: ?From our viewpoint, ?purpose? is the conception of an effect which becomes a cause of an action? (1949, p. 83) (grifo no original).

A explicação propositada tem três consequências importantes (KRONMAN, 2005, pp. 37-39). A primeira delas é que alguns acontecimentos (aqueles que não têm a ideia de um fim como causa) não podem ser explicados propositadamente. Além disso, condutas explicadas propositadamente também poderiam ser explicadas de maneira não propositada (por exemplo, sociobiologicamente). A segunda consequência é que, como as explicações propositadas são necessariamente individualistas -- no sentido de que a ideia de um fim é necessariamente o produto da mente de um único indivíduo, não se podendo falar em ideia que não seja originada ou representada apenas na mente de um único indivíduo --, as explicações propositadas buscam explicar os fenômenos como uma combinação de ações individuais. E isso vale até mesmo para a explicação de fenômenos complexos. Segundo Kronman, essa seria a origem do rótulo ?individualista metodológico?[7] imputado a Weber.

Por fim, a terceira consequência é que a explicação propositada é a que nos permite compreender (no sentido weberiano) de maneira significativa determinado acontecimento. Mais especificamente, ela nos permite captar aspecto interno, que conecta o acontecimento estudado à sua causa (um ou mais propósitos), em oposição a uma explicação meramente externa -- ?mecânica?, no sentido de captar apenas externamente uma dada relação de causa e efeito. A explicação interna da relação de causa e efeito só pode ser obtida por meio da explicação propositada, que, como já supramencionado, requererá certa dose de empatia (apesar de não depender dela), no sentido de o pesquisador ser capaz de se ver no lugar do agente (KRONMAN, 2005, pp. 39-40). Essa distinção entre uma explicação dita ?externa? e outra dita ?interna? deriva da distinção weberiana entre ciências da natureza e ciências da cultura -- que será abordada mais adiante. Nas primeiras, é possível observar somente o curso externo dos eventos, ao passo que nas segundas, além dessa observação externa, o pesquisador pode buscar uma explicação interna (que remete à dimensão compreensiva -- no sentido de Verstehen -- dos objetos das ciências da cultura, e, no caso específico da sociologia, à ação) (PARSONS, 1966, p. 583). Um exemplo dado por Weber deixa isso mais claro:

?Suponha que, de algum modo, produza-se uma demonstração empírico-estatística do modo mais rigoroso, demonstrando que todos os homens de todos os lugares que já tenham sido colocados em uma determinada situação tenham reagido invariavelmente da mesma maneira e com a mesma intensidade. Suponha que sempre que essa situação é reproduzida experimentalmente, a reação que se segue é sempre a mesma? Tal demonstração não nos aproximaria nem um centímetro sequer da ?interpretação? da reação. Por si só, tal demonstração não faria nenhuma contribuição ao projeto de ?compreender? ?por que? essa reação sempre ocorreu e, ainda, ?por que? ela invariavelmente se configura do mesmo modo. Enquanto a reprodução imaginária ?interior? da motivação responsável por essa reação continuar sendo impossível, continuaremos incapazes de adquirir tal entendimento? (1975, p. 129) (grifos no original).

Os tipos construídos com base nas categorias meios/fins podem assumir tanto uma configuração específica -- i.e., destinados à construção de hipóteses interpretativas de um caso específico --, quanto uma configuração genérica -- que se aplicaria à interpretação de diversos casos. Quanto à primeira configuração, o exemplo dado por Weber é o de um constructo da política pública de Frederick William IV -- que permite ao pesquisador determinar, por meio de comparação, o grau de racionalidade da política de fato adotada e, consequentemente, seus elementos racionais e não-racionais. Assim, teríamos uma interpretação histórica válida das ações de Frederik (WEBER, 1975, p. 189). Quanto à segunda configuração, o exemplo mais comum é o das ?leis? da teoria econômica, que, por meio do pressuposto da ação estritamente racional, deduzem as consequências de certas situações econômicas[8]. Os tipos construídos servem como um modelo interpretativo, com o qual se compara os fatos. É importante ressaltar que, por meio desse modelo interpretativo, não inferimos a ação real, mas apenas conexões ?objetivamente possíveis? -- que são baseadas em condições contra-factuais (HEMPEL, 1965, p. 162).

Tal modelo pode ser útil, por exemplo, para evidenciar os fatores não-racionais de uma ação orientada racionalmente a um determinado fim -- fazendo com que a ação real torne-se, assim, compreensível. Como as construções ideais-típicas, diferentemente das ?leis? das ciências da natureza, não pretendem ser interpretações genericamente válidas da realidade, seu valor cognitivo obviamente não é abalado quando se constata que, em dado caso concreto, não há correspondência entre o curso construído ideal-tipicamente e o curso real. Tais construções podem continuar sendo utilizadas como instrumentos interpretativos em outros casos (WEBER, 1975, pp. 186-91).

O tipo-ideal na análise de singularidades históricas

Weber explica que o tipo-ideal não é ideal em um sentido de dever-ser, mas apenas em um sentido lógico. Isto é: trata-se de construir relações que podemos considerar plausíveis e, consequentemente, ?objetivamente possíveis?, além de serem adequadas do ponto de vista nomológico. Nesse sentido, os tipos-ideais são constructos que utilizamos para formular relações por meio da aplicação da categoria de possibilidade objetiva -- categoria esta que avalia a adequação dessas relações. Desse modo, podemos analisar configurações históricas específicas, bem como seus componentes individuais por meio de conceitos ?genéticos? -- genético no sentido de fazer referência a significações culturais singulares que consideramos relevantes em dada cultura (WEBER, 1949, pp. 92-93) (SCHLUCHTER, 1989, pp. 17-18 e COHN, 2003, p. 145).

Assim, por exemplo, se, ao investigarmos o significado cultural do catolicismo na cultura brasileira, buscamos uma formulação conceitual genética da ?ética católica?, certas características tanto desta quanto da cultura brasileira se tornarão essenciais -- pois estarão em uma relação causal adequada quanto a tais influências (WEBER, 1949, pp. 93-94). Neste último caso, o caráter construtivo da empreitada é nítido, no sentido de que o próprio objetivo do trabalho de pesquisa é obter um tipo que capte a particularidade de determinado fenômeno. Desse modo, em vez de trabalhar com conceitos previamente delimitados, visa-se chegar a um tipo que capte a singularidade de determinado fenômeno ? fenômeno este que não pode ser definido por meio da fórmula aristotélica do genus proximum, differentia specifica justamente por seu caráter particular (WEBER, 2004, pp. 41-42). Portanto, em oposição a essa fórmula, quando uma definição genética do conteúdo do conceito se faz necessária, só o tipo-ideal resta como alternativa metodológica (WEBER, 1949, p. 93). O ?espírito? do capitalismo é um ótimo exemplo disso. Perguntando-se sobre o que se deve entender por ?espírito? no caso de seu livro A Ética Protestante e o ?Espírito? do Capitalismo, Weber responde que:

?Se é que é possível encontrar um objeto que dê algum sentido ao emprego dessa designação, ele só pode ser uma ?individualidade histórica?, isto é, um complexo de conexões que se dão na realidade histórica e que nós encadeamos conceitualmente em um todo, do ponto de vista de sua significação cultural? (2004, p. 41) (grifos no original).

Assim, Weber parte de um delineamento provisório daquilo que se pode entender por ?espírito? do capitalismo, sendo que a delimitação conceitual definitiva se dará somente ao final do trabalho de pesquisa, sendo um de seus principais resultados. É importante ressaltar que este resultado, porém, não será o de um conceito único e definitivo de ?espírito? do capitalismo. Na verdade, ele reflete os pontos de vista que interessam ao pesquisador ? de forma que, tomando o tipo-ideal como constructo mental originado da acentuação de determinadas características da realidade em detrimento de outras, a consideração de outros pontos de vista implicaria que outros traços particulares do fenômeno investigado fossem acentuados, em detrimento dos acentuados por determinado pesquisador (WEBER, 2004, pp. 41-42). Quanto mais abrangentes forem as relações a serem expressas e quanto mais significações culturais elas tiverem assumido, mais difícil ficará de trabalhar com apenas um tipo-ideal. Nesses casos, a construção de diversos tipos-ideais a partir de diferentes pontos de vista é natural e, em alguma medida, inevitável (WEBER, 1949, p. 97).

Além de individualidades históricas[9], o tipo-ideal também pode ser utilizado para expressar sequências de desenvolvimentos. Nesse processo, o desenvolvimento empírico-histórico é investigado por meio da comparação entre o tipo-ideal e os ?fatos?. Dessa forma, caso o curso empírico não corresponda ao curso típico, certas hipóteses podem ser provadas, indicando o caminho para a determinação das causas de um evento histórico (WEBER, 1949, p. 101). Vejamos um exemplo que Weber fornece:

?One can, for example, arrive at the theoretical conclusion that in a society which is organized on strict ?handicraft? principles, the only source of capital accumulation can be ground rent. From this perhaps, one can (?) construct a pure ideal picture of the shift, conditioned by certain specific factors (?), from a handicraft to a capitalistic economic organization. (?) If the ideal type were ?correctly? constructed and the actual course of events did not correspond to that predicted by the ideal type, the hypothesis that medieval society was not in certain respects a strictly ?handicraft? type of society would be proved. And if the ideal type were constructed in a heuristically ?ideal? way (?) it would guide the investigations into a path leading to a more precise understanding of the non-handicraft components of medieval society in their peculiar characteristics and their historical significance? (1949, p. 102) (grifos no original).

Nesses casos em que tipos-ideias são utilizados para expressar sequências de desenvolvimentos é preciso cuidado, pois há risco de o pesquisador confundir a construção ideal-típica e o curso real -- risco este que é aumentado devido à ideia ?naturalista?[10] de que a tarefa das ciências sociais é explicar a realidade por meio de sua redução a ?leis?. Do mesmo modo, há o perigo de essa confusão se suceder quando da tentativa de se ilustrar concretamente o tipo-ideal ou um desenvolvimento ideal-típico com elementos da realidade empírico-histórica. Tal procedimento, apesar de legítimo, é bastante arriscado quando o pesquisador toma o conhecimento histórico numa relação de subordinação com a teoria -- quando, na verdade, a teoria é que deve ser útil ao conhecimento histórico. Segundo Weber, isso acontece, por exemplo, quando tomamos os constructos marxistas como empiricamente válidos ou reais, como forças e tendências efetivas atuantes no curso empírico. Ao contrário, tais construções são de grande relevância heurística quando são tomadas como tipos-ideais e utilizadas para se avaliar a realidade (WEBER, 1949, pp. 102-03 e SCHLUCHTER, 1989, p. 41).

Nesse mesmo sentido, poderíamos também argumentar que, muitas vezes, os tipos-ideais presentes na teoria econômica (tais como ?livre-troca?, ?mão invisível?, ?agente puramente racional?, etc.) são tomados erroneamente como empiricamente válidos ou reais, ou ainda como ?ideais? no sentido de dever-ser -- com consequências igualmente perniciosas para a análise[11] (WEBER, 1949, p. 327 e pp. 331-32). De todo modo, tais conceitos também gozam de elevado potencial metodológico heurístico, servindo como meio para a imputação causal em dado curso empírico -- na medida em que o curso real é comparado com o curso ideal (i.e., completamente racional quanto à relação meios-fins, construído de maneira empírica e logicamente ?correta?[12] e ?consistente?) --, permitindo a imputação causal dos desvios a outros fatores que condicionaram a ação real (WEBER, 1949, p. 44).

Conclusão

Neste texto, tive como objetivo explicar o tipo-ideal weberiano, relacionando-o a outros aspectos da obra de Weber.

Análise mais detida certamente teria de se debruçar sobre o texto Max Weber?s Theory of concept formation ? history, laws and ideal types, de Thomas Burger. Limito a apontar que Burger constrói sua análise do tipo-ideal weberiano a partir de Rickert, sendo toda ela centrada na premissa de que o tipo-ideal, conforme concebido por Weber, seria uma tentativa de resolver um problema teórico específico -- qual seja: o da conciliação entre as teorias metodológicas de Rickert e Weber com conceitos como ?burocracia?, ?conflito?, ?católico? etc (i.e., conceitos que, apesar de terem uma forma geral, referindo-se a muitos fenômenos, apresentam um conteúdo que não corresponde estritamente aos elementos que esses fenômenos teriam em comum). Com isso, Burger discorda de Aron, quando este afirma que o tipo-ideal é a síntese do pensamento epistemológico weberiano (2000, pp. 116-17). Para rebater o ponto de partida de Burger, ter-se-ia que necessariamente entrar na discussão acerca da influência de Rickert em Weber, o que ultrapassa o escopo deste trabalho[13]. De todo modo, penso que os aspectos veiculados nesse texto são capazes de se sustentar, independentemente dos textos supramencionados.

Ciente desses limites, a principal conclusão do trabalho é de que o tipo-ideal não é uma ferramenta funcionalmente unitária, podendo assumir diferentes configurações. Para tentar deixar isso mais claro, foi proposta uma classificação dos tipos-ideias em quatro espécies/configurações. Numa primeira divisão, os tipos foram divididos em tipos-ideais de ação e tipos-ideais de singularidades históricas. Numa segunda divisão, em mais gerais e mais específicos, sendo estes mais afeitos ao estudo da História e àqueles mais afeitos ao estudo da Sociologia, em termos weberianos. Como exemplos, podemos citar: a ação racional referente a fins (tipo-ideal geral de ação), a política pública de Frederik William IV (tipo-ideal específico de ação), os constructos marxistas e os tipos de Igreja e Seita (tipos-ideais gerais de singularidades históricas), e o ?espírito? do capitalismo (tipo-ideal específico de singularidade histórica).

Quanto ao papel do tipo na análise da ação, buscou-se apontar que, primeiramente, é necessário construir o curso ideal da ação (i.e., o curso sem limitação a informações, sem influências de afetos irracionais etc.). Feito isso, compara-se a ação construída ideal-tipicamente com a ação real, sendo o desvio explicado pelas irracionalidades que condicionam a ação. Nesse caso, a função do tipo será a de auxiliar/possibilitar a imputação causal (hipóteses interpretativas dos cursos de ação), por meio da comparação. Já quanto ao papel do tipo na explicação de indivíduos ou singularidades históricas, foi dito que, em muitos casos, o tipo não é tomado como ponto de partida, mas, sim, como ponto de chegada do trabalho de pesquisa -- sendo este o caso, por exemplo, do ?espírito? do capitalismo. Além disso, nos casos de singularidades históricas, os tipos mais gerais (e.g., burocracia, dominação etc.) exercem função comparativa e classificatória, ao passo que os casos mais específicos (como o ?espírito? do capitalismo e o sistema de castas da Índia) visam captar a individualidade ou especificidade de cada fenômeno.

Bibliografia

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico, 5ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000.

COHN, Gabriel. Crítica e Resignação: Max Weber e a teoria social, 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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HEMPEL, Carl G. Aspects of Scientific Explanation, New York, 1965.

KRONMAN, Anthony. Max Weber, trad. port. John Milton, Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

PARSONS, Talcott. The Structure of the Social Action, New York: The Free Press, 1966.

SCHLUCHTER, Wolfgang. Rationalism, Religion and Domination, 2ª ed., California: University of California Press, 1989.

SWEDBERG, Richard. Max Weber Dictionary: key words and central concepts, Standford Social Sciences, 2005.

WEBER, Max. The Methodology of the Social Sciences, Ed. and trans. Edward A. Shils and henry A. Finch, New York: Free Press, 1949.

______. Roscher and Knies, 1975.

______. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, trad. por Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa, vol. 1, 4ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012.

______. A Ética Protestante e o ?Espírito? do Capitalismo, trad. port. José Marcos Mariani de Macedo, São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

______. Ensayos sobre metodología sociológica, Buenos Aires: Amorrotu editors.

Notas

[1] Mestrando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
[2] A título de curiosidade, fica a referência à polêmica sobre a possível influência do jurista Jellinek na gênese do tipo-ideal weberiano. Ver: COHN, 2002, pp. 109-10 e SWEDBERG, 2005, p. 120. Um aspecto interessante -- e muitas vezes negligenciado -- que merece ser comentado é a influência de juristas na formação de elementos centrais da obra weberiana. Além de Jellinek, menciono a influência de Gustav Radbruch quanto à impossibilidade de se resolver alguns conflitos entre juízos de valores (ver: WEBER, The meaning of ?value freedom? in the sociological and economic sciences, in Collected Methodological Writings, p. 310, nt. 1), bem como a influência de diversos juristas (mas novamente se destaca Radbruch) para o emprego da causalidade adequada nos trabalhos de Weber, vide: WEBER, 1949, pp. 167-68, nts. 33, 34 e 35.
[3] A palavra Sinnzusammenhang não é de fácil tradução. A edição brasileira de Economia e Sociedade optou pela locução conexão de sentido. Na literatura anglófona, encontramos tal expressão ora traduzida como complexo de sentido (complex of meaning), ora como contexto de sentido (context of meaning) (meaningful context) (SWEDBERG, 2005, p. 47 e pp. 160-62). Em sua explicação do esquema weberiano, Gabriel Cohn recorre ao termo ?situação? (Situation), em vez de empregar o termo ?complexo de sentido? (2002, p. 125-33). Apesar da centralidade que Cohn confere ao termo, que aparece em trecho citado de Roscher and Knies, de Weber, o termo não encontra registro no Max Weber?s Dictionary (sugerindo uma desimportância do termo na recepção anglófona da obra weberiana), não aparecendo com o mesmo destaque nos textos de outros comentadores. A palavra Situation aparece duas vezes nos Conceitos Sociológicos Fundamentais, mas não aparece, a meu ver, com a centralidade dada ao termo por Cohn. Talvez pelo fato de o termo ?complexo de sentido? ter inspiração em Rickert, Cohn tenha o preterido -- dado que argumenta contra os autores que defendem a influência forte das ideias de Rickert na obra de Weber. Entretanto, parece-me que a ideia de ?situação? é o equivalente funcional de ?complexo de sentido? no esquema weberiano explicado por Cohn.
[4] C. G. Hempel faz ressalvas a esse recurso à empatia (1965, p. 161). Weber admite que tal empatia não é condição necessária nem suficiente para a compreensão. Porém, como ressaltado, esse procedimento pode ser importante para a evidência (Evidenz) de compreensão.
[5] Essa premissa weberiana não está longe de controvérsia. Alguns filósofos a rejeitaram. Para eles, o conhecimento de uma pessoa seria condição necessária e também suficiente para que tal pessoa assumisse um compromisso com determinado conjunto de valores. Para Weber, porém, o conhecimento é condição necessária (mas não suficiente) para tal compromisso. Para uma comparação entre essas duas perspectivas, ver: KRONMAN, 2009, pp. 27-34.
[6] Isso não significa que a escolha seja ilimitada (i.e., não influenciada por fatores históricos, culturais, econômicos, etc.), nem que ela seja feita de modo consciente e deliberado (KRONMAN, 2009, p. 32).
[7] Uma das passagens de Weber que justifica tal rótulo pode ser encontrada nas pp. 8-9 de Economia e Sociedade.
[8] Esse exemplo, entre outras referências bibliográficas possíveis, pode ser encontrado em: WEBER, Max., Theory of Social and Economic Organization, p. 96.
[9] Nas páginas 114 e 120 do livro Max Weber?s Dictionary, R. Swedberg parece sugerir que as individualidades históricas seriam algo diferente do tipo-ideal, e não uma espécie ou configuração dele, como aqui proponho. Swedberg afirma que: ?A historical individual mainly differs from an ideal type in not being a means of ordering several phenomena; ?it refers in its content to a phenomenon significant for its unique individuality (PE:47)??. Swedberg não aprofunda essa discussão -- o que dificulta uma análise mais detida do que ele escreveu. De todo modo, penso existir elementos suficientes para dizer que as individualidades históricas em Weber são construídas ideal-tipicamente. Para tanto, basta constatar a identidade terminológica entre a passagem, citada por Swedberg, de A Ética Protestante e trechos do ensaio da Objetividade em que Weber aborda de maneira mais aprofundada o conceito de tipo-ideal (2004, pp. 41-42 e 1949, pp. 93-94 e 100-101), especialmente o trecho: ?In this function especially, the ideal-type is an attempt to analyze historically unique configurations or their individual components by means of genetic concepts? (1949, p. 93). Além disso, vale destacar que comentadores de Weber também consideram os tipos-ideais de individualidades históricas como uma configuração ou espécie do tipo-ideal (por exemplo, ARON, 2000, p. 466; PARSONS, 1966, p. 604 e p. 626; e SCHLUCHTER, 1989, p. 17).
[10] Naturalista, no contexto weberiano, é referente às ciências da natureza (Naturwissenschaften) em oposição às ciências da cultura (Kulturwissenschaften). Ver: SCHLUCHTER, 1989, pp. 15-16.
[11] Essa ?confusão? talvez explique, em parte, a ascensão de todo um campo de estudo na economia voltado a demonstrar como certas irracionalidades condicionam a atuação de agentes no mercado -- i.e, a chamada economia comportamental.
[12] ?Correta? entre aspas para dizer que é correta a partir de determinado ponto de vista, que orienta a construção do tipo-ideal pelo pesquisador, dentre inúmeras outras perspectivas que poderiam ter orientado a elaboração daquele tipo. Dessa forma, não só tipos-ideais cuja construção é orientada pelo caráter racional de dada ação são úteis. Existem casos em que uma inferência incorreta (ou ?irracional? de acordo com o ponto de vista ?racional?) pode ser útil (WEBER, 1949, pp. 42-43).
[13] Essa influência é corroborada explicitamente por Weber. Vide, por exemplo, The meaning of ?value freedom?, p. 317 e Critical Studies in the?, p. 161, ambos em Collected Methodological Writings. A influência da obra de Rickert em Weber é endossada pela maioria dos comentadores -- que tendem a caracterizar Weber, sobretudo em seus primeiros trabalhos, como neo-kantista (SWEDBERG, 2005, p. 29 e p. 174; PARSONS, 1966, p. 580; SCHLUCHTER, 1989, p. 12, p. 14 e p. 19; BURGER, Thomas, Max Weber?s Theory of Concept Formation, pp. 3-21). Todavia, isso não está longe de controvérsias. Gabriel Cohn, por exemplo, sustenta que a obra de Rickert não teria tido um peso significativo na elaboração das ideias fundamentais de Weber (2002, p. XI e pp. 149-52). Swedberg também relativiza essa influência ao afirmar que: ?Weber was not 100 percent neo-kantian, and (?) it is not known how much he knew of Kant?s work? (p. 175). Também relativiza essa influência: BRUUN, H. H., Weber on Rickert: From Value Relation to Ideal Type.


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