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CAMINHADA ETNOGRÁFICA NA REGIÃO CENTRAL DE MONTES CLAROS ? MG
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 15, núm. 1, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Resenhas

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 15, núm. 1, 2018

Relato etnográfico

CAMINHADA ETNOGRÁFICA NA REGIÃO CENTRAL DE MONTES CLAROS ? MG [1]

Logo no início do V Encontro das Ciências Sociais no Norte de Minas, evento promovido pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes-MG), combinamos uma caminhada etnográfica para encerrar as atividades e marcamos o encontro na Praça da Catedral de Nossa Senhora Aparecida às 11:00 da sexta-feira, 27 de julho. A ideia era percorrer as praças do centro da cidade de Montes Claros tendo em vista que, na primeira impressão dos visitantes, notamos uma certa carência de espaços públicos arborizados, com equipamentos bem conservados para encontros e convivência.

Realmente, na primeira delas, frente à Catedral, os únicos personagens éramos nós da expedição. E uns pombos, que, para proteger-se do inclemente sol daquela manhã, alinhavam-se na longa e estreita sombra de um mastro, no meio da praça. Também havia uma mulher sentada no muro ao nosso lado. Dos únicos três equipamentos, um chamou a atenção: a banca ?Concursos? que ensejou a primeiro contato. Segundo a proprietária, o nome vinha dos principais produtos ali vendidos: apostilas para os diferentes concursos públicos. Na verdade, já não havia nenhum à venda ali, pois estavam em outros pontos da cidade.

Ao lado da banca, um ponto de moto-taxistas; Gustavo ficou conversando com eles enquanto os demais membros da equipe dirigiram-se à igreja.




Logo na entrada havia algumas pessoas reunidas, mas sem uma atitude, digamos, mais devocional: era a ?cerimonialista? de uma empresa especializada que estava com um casal de noivos e seus familiares para um ensaio do ritual a ser realizado ali, mais à tarde. O noivo era militar, nos assegurou ela com certo orgulho; cumprimentei o casal desejando felicidades e dei uma olhada na igreja. Maria Laura se aproximou e me disse que se interessava por arte sacra e estivera recentemente em São Paulo visitando as igrejas do centro: a catedral, a igreja do Mosteiro de S. Bento, o Pátio do Colégio: boa pista para um estudo comparativo....

No trajeto, muitas lojas, de todos os tipos, desde artigos religiosos até de festas infantis:




Alessandra, toda piedosa




Seguindo a caminhada, depois do calçadão, passamos em frente a um ?restaurante paulista?. Vejam só!... Seria interessante comparar o cardápio regional com o que se considera comida ?paulista?, pois lembrei de um achado etnográfico quando da ?Expedição São Paulo ? uma viagem por dentro da Metrópole? em 2004, por ocasião dos 450 anos da sua fundação: por toda a cidade era possível encontrar, nos restaurantes populares, o mesmo cardápio da semana: segunda-feira, virado à paulista; terça, bife à rolê; quarta, feijoada; quinta, massa; sexta, peixe; sábado, feijoada, novamente. Cada prato remetia aos supostos formadores da cidade: o caipira, o negro, o italiano, o português... Seria interessante apreciar as transformações do que hoje se vende como cozinha caipira, sabendo-se que em sua origem cobria uma região muito vasta, desde São Paulo estendendo-se para o centro-oeste. Enfim, uma digressão...

Logo a seguir detive-me para conversar com um moto-taxista: segundo ele, o movimento desse serviço anda fraco, mas tem função social, pois o transporte público da cidade é precário e ademais as ruas são estreitas, não comportam carros ? aliás, pouco adequados, pois geralmente circulam com um só passageiro.

Uma parada no Shopping Popular, onde abordei uma senhora com o pretexto de saber se estava distribuindo folhetos dos adventistas, por causa do titulo da revista que empunhava. Mas não, estava esperando alguém e sim, era adventista, lia a revista que também servia para proteger-se do sol! Perguntou que fazíamos ali, respondi que era antropólogo e estava com alunos de Ciências Sociais. ?Antropólogo? ah, conheço uns sítios arqueológicos?, respondeu...

Praça Dr. Carlos Versiani: uma tenda do ?Mutirão de combate ao câncer de cabeça e tronco?, e ao lado outra, com atendimento. Havia muita gente na praça, era local de parada de ônibus. Uma bicicleta toda incrementada chamou-nos a atenção: logo se aproximou o dono e explicou o porquê das garrafinhas no guidão. Não era enfeite, mas uma forma de anunciar o produto que vendia: água mineral.

No Parque Dr. Chaves, frente à igreja Matriz, havia pertences de moradores de rua ? carrinhos, colchões; sentei no banco para conversar com um deles, o que rendeu muitas fotos e no final ele nos brindou com folhetos que tinha em seu carrinho, certamente recolhidos em suas andanças: Eu escolhi ?Pequizeiro: alguém chora por você?. Espalhadas na praça, painéis com fotos de moradores, fruto de um projeto da prefeitura.







Os apetrechos dos moradores da praça







Caderno de campo em ação

Perto de um dos bancos, uma fogueira sobre a qual resfolegava uma panela de pressão; havia outros utensílios de cozinha ali por perto: eram de um ?habitante? dessa praça. Victória o conhecia: ele tinha família, casa, não dormia na rua, mas a ocupava desta forma. Aliás, essa praça era mais acolhedora: com bancos, árvores, estava mais bem cuidada. Nas imediações, o Centro Cultural, uma loja de artesanato, uma escola municipal, o Museu Regional do Norte de Minas. Mais adiante bares sofisticados ? além, é claro, da igreja: tem-se a impressão que o entorno todo passava por um processo de gentrification.




A turma toda




A chegada ao Mercado Municipal




O artesão e suas obras




Só o Mercado, com a profusão de produtos regionais: queijos, doces, cachaça, mel, produtos hortifrúti, carnes, artesanato, etc; e as formas de abordar os compradores ? ?Ei, amiguinho, amiguinha?!, daria uma pesquisa. O artesão da foto, com mais de 80 anos, orgulha-se de trabalhar a sutileza de suas esculturas sem óculos. De um lado, as peças mais sofisticadas e caras: chegam a 60 mil reais; na outra, as mais simples, feitas com as aparas de umburana, de 2 a 5 reais...

Depois de uma incursão pelas tendas, procuramos um restaurante; a escolha recaiu sobre um que tinha até ganhado prêmio de ?comida de boteco?; no entanto, por conta de alguns probleminhas ? falta de um funcionário para servir, conforme a desculpa que nos foi dada, tivemos de nos contentar com uns ?pfs? meio frios...

Conclusão

Numa caminhada como a que fizemos, de mais ou menos duas horas apenas, certamente as impressões ainda são um tanto fragmentárias, mas sempre abrem algumas pistas, principalmente depois de compararmos os diferente relatos. Chamaram-me a atenção, contudo, até para uma eventual continuidade, três aspectos.

Em primeiro lugar, a presença constante e generalizada de rolos de arame farpado nos muros e até em telhados não só de residências ? como pude comprovar num giro proporcionado pelo prof. Rômulo Barbosa, no dia anterior ? mas em edificações no centro da cidade. São as ?concertinas?, conforme descobriu Gustavo. De onde essa denominação? Teria motivo todo esse cuidado com a segurança?

Depois, o circuito dos moto-taxis: sua marcante presença na cidade abre uma boa pista para pensar a mobilidade urbana, registrar a competição entre eles, os conflitos, negociações por pontos e roteiros. E as bicicletas?

Por último, a questão da culinária regional que me ocorreu a partir daquele restaurante ?paulista?. Certamente ingredientes utilizados na cozinha com seus temperos, regras, tabus, etc. ? que atualmente são classificados como ?patrimônio imaterial? ? são construções muitas vezes apresentadas como ?típicas?, mas cujo processo de formação e de apropriação nem sempre é conhecido. E por falar em comida típica...




Notas

[1] Atividade realizada no âmbito do V Encontro das Ciências Sociais no Norte de Minas. Participantes: José Guilherme Magnani, Giancarlo Machado, Gustavo Dias, Pedro H.M. de Araujo Costa, Rosenilton Oliveira, Maria Laura de Barros Lopes, Victoria Matias, Alessandra Leal Guedes, Lays Lopes Carvalho, Fabiana Lopes Correa.
[2] Professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP). Coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU/USP).


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