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DO AMOR E OUTRAS DEMANDAS: HOMENS ALEMÃES, OS TRÓPICOS E A PLATAFORMA BRAZILCUPID.COM
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 15, núm. 1, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 15, núm. 1, 2018

Recepção: 14 Março 2018

Aprovação: 10 Junho 2018

Resumo: Neste artigo, apresento a plataforma de relacionamento Brazilcupid.com e abordo algumas características gerais dos alemães membros dela. Baseada em minhas correspondências com alguns deles, apresento os altos e baixos de suas vivências online, suas experiências prévias no Brasil e América Latina e suas noções acerca da mulher brasileira e do Brasil em relação àquelas da mulher alemã e da Alemanha. Tais homens buscavam mudanças para suas vidas. Vivenciavam a experiência do internet dating na esperança de encontrarem para si felicidade. Esta, dada através da realização amorosa, pareceu por vezes estar relacionada a lembranças nostálgicas. De um lado, relacionado a uma temporalidade das relações de gênero ?complementares?, e de outro, relacionado a suas próprias experiências na América Latina na juventude. Seus ideais de relacionamento com ?proximidade corporal e emocional? não poderiam ser alcançados com suas conterrâneas e localizavam as peculiaridades da mulher brasileira a partir do clima/natureza e da diferente ?educação?. Palavras-chave: gênero; marcadores sociais da diferença; masculinidades; mobilidades; mercado matrimonial transnacional.

DEL AMOR Y OTRAS DEMANDAS: HOMBRES ALEMANES, LOS TRÓPICOS Y LA PLATAFORMA BRAZILCUPID.COM

Resumo: Neste artigo, apresento a plataforma de relacionamento Brazilcupid.com e abordo algumas características gerais dos alemães membros dela. Baseada em minhas correspondências com alguns deles, apresento os altos e baixos de suas vivências online, suas experiências prévias no Brasil e América Latina e suas noções acerca da mulher brasileira e do Brasil em relação àquelas da mulher alemã e da Alemanha. Tais homens buscavam mudanças para suas vidas. Vivenciavam a experiência do internet dating na esperança de encontrarem para si felicidade. Esta, dada através da realização amorosa, pareceu por vezes estar relacionada a lembranças nostálgicas. De um lado, relacionado a uma temporalidade das relações de gênero ?complementares?, e de outro, relacionado a suas próprias experiências na América Latina na juventude. Seus ideais de relacionamento com ?proximidade corporal e emocional? não poderiam ser alcançados com suas conterrâneas e localizavam as peculiaridades da mulher brasileira a partir do clima/natureza e da diferente ?educação?.

Resumen: En este artículo presento la plataforma de relaciones Brazilcupid.com y abordo algunas características generales de los alemanes que son miembros de la misma. Basada en mis correspondências com algunos de ellos, presento los altos y bajos de sus vivencias online, sus experiencias previas en Brasil y América Latina y sus nociones acerca de la mujer brasileña y de Brasil respecto a aquellas sobre la mujer alemana y Alemania. Tales hombres buscaban transformaciones en sus vidas. Vivían la experiência del internet dating com la esperanza de encontrar la felicidad. Esta, dada através de la realización amorosa, pareció a veces estar relacionada a recuerdos nostálgicos. De un lado, relacionado a una temporalidad de las relaciones de género ?complementarias?, y de otro, vinculado a sus propias experiências en América Latina em la juventud. Sus ideales de relaciones con ?proximidad corporal y emocional? no podrían ser alcanzados con sus compatriotas y localizaban las peculiaridades de la mujer brasileña a partir del clima/naturaleza y de la diferente ?educación?.

Palabras clave: género, marcadores sociales de diferencia, masculinidades, movilidades, mercado matrimonial transnacional.

Abstract: In this article I introduce an international dating platform called Brazilcupid.com and discuss some general characteristics of its German members. Based on my correspondence with some of them, I bring the ups and downs of their online experiences, their previous experiences in Brazil and Latin America and their notions about Brazilian women and Brazil in comparison to their notions about German women and Germany. Such men sought changes to their lives. They lived the experience of internet dating in the hope of finding happiness for themselves. This, given through the realization of love, seemed at times to be related to nostalgic memories. On the one hand, related to a temporality of ?complementary? gender relations, and, on the other hand, related to their own experiences in Latin America as young men. Their ideals of relationship with ?corporal and emotional closeness? could not be reached with their countrywomen and they situated the peculiarities of Brazilian woman in regard to climate/nature and their different ?education?.

Keywords: gender, social markers of difference, masculinities, mobilities, transnational marriage market.

Resumen: En este artículo presento la plataforma de relaciones Brazilcupid.com y abordo algunas características generales de los alemanes que son miembros de la misma. Basada en mis correspondências com algunos de ellos, presento los altos y bajos de sus vivencias online, sus experiencias previas en Brasil y América Latina y sus nociones acerca de la mujer brasileña y de Brasil respecto a aquellas sobre la mujer alemana y Alemania. Tales hombres buscaban transformaciones en sus vidas. Vivían la experiência del internet datingcom la esperanza de encontrar la felicidad. Esta, dada através de la realización amorosa, pareció a veces estar relacionada a recuerdos nostálgicos. De un lado, relacionado a una temporalidad de las relaciones de género ?complementarias?, y de otro, vinculado a sus propias experiências en América Latina em la juventud. Sus ideales de relaciones con ?proximidad corporal y emocional? no podrían ser alcanzados con sus compatriotas y localizaban las peculiaridades de la mujer brasileña a partir del clima/naturaleza y de la diferente ?educación?.

Palabras clave: género, marcadores sociales de diferencia, masculinidades, movilidades, mercado matrimonial transnacional.

Abstract: In this article I introduce an international dating platform called Brazilcupid.com and discuss some general characteristics of its German members. Based on my correspondence with some of them, I bring the ups and downs of their online experiences, their previous experiences in Brazil and Latin America and their notions about Brazilian women and Brazil in comparison to their notions about German women and Germany. Such men sought changes to their lives. They lived the experience of internet dating in the hope of finding happiness for themselves. This, given through the realization of love, seemed at times to be related to nostalgic memories. On the one hand, related to a temporality of ?complementary? gender relations, and, on the other hand, related to their own experiences in Latin America as young men. Their ideals of relationship with ?corporal and emotional closeness? could not be reached with their countrywomen and they situated the peculiarities of Brazilian woman in regard to climate/nature and their different ?education?.

Keywords: gender, social markers of difference, masculinities, mobilities, transnational marriage market.

Introdução

Eu vivo há dois anos sozinho, mas não quero mais passar o entardecer da vida assim ? já não sou mais tão jovem. Como eu não saio muito e moro numa cidade pequena ? onde minha ex também mora, e ela e seu novo amante estão em todas as festas ? eu ?saio? na internet. *?+ No momento, eu acredito que posso mesmo encontrar alguém aqui ? vamos ver.

Jürgen ? 56 anos, troca de correspondência na plataforma Brazilcupid.com

Jürgen_56[2] vive em uma cidadezinha da Bavária, estado ao sul da Alemanha. Certifica-se de, em mais de uma ocasião, me dizer que está procurando apenas mulheres de uma certa idade, 30 a 48 anos. O que uma menina de 20 anos vai querer com um saco velho como eu? Ok, minha grana[3].

Neste artigo, parte de minha pesquisa de mestrado em que analisei os valores atribuídos a relacionamentos entre homens alemães e mulheres brasileiras que se estabelecem através da mediação de agências de casamento e sites internacionais de namoro (TIRIBA,2017), trato da plataforma de relacionamentos internacional Brazilcupid.com e de minhas correspondências com homens alemães buscando relacionamentos com mulheres brasileiras neste espaço. O objetivo mais amplo que informou essa pesquisa foi o de iluminar as dinâmicas históricas e sociais que tornam este gênero de relacionamento não apenas viável, mas também desejável, além de investigar as motivações pessoais de indivíduos que fazem uso dessa forma de buscar parceiros/as compatíveis e questionar como relações mais amplas relativas a desigualdades de poder, gênero, raça e nacionalidade são pensadas nos processos de estabelecimento destes relacionamentos.

Parte da produção acadêmica e muito do senso comum costuma tratar esse arranjo conjugal a partir de binarismos que os descrevem através de uma lógica muito simplista: as mulheres seriam, ou vítimas de homens ?dominadores?, ou hiperagentes buscando ascensão social através de estrangeiros ?ingênuos?. Os motivos e desejos masculinos frequentemente são descritos por lógicas de uma suposta perversão ? a forma como fariam uso de seu relativo poder econômico para buscar uma mulher subserviente ? que se associava, ainda, a uma suposta baixa atratividade física e social, características que reduziriam suas chances nos mercados matrimoniais locais.

Como coloca Glowsky (2007), nos estudos existentes sobre marriage migration, os motivos masculinos mal são levados em consideração, ou são tratados como secundários, sendo os homens descritos como sujeitos não atraentes, com um pronunciado under class habitus e déficits psicológicos, que se casariam com uma mulher obediente para compensar seu complexo de inferioridade. Tal imagem genérica sobre o homem do chamado ?primeiro mundo? buscando esposas estrangeiras tem sido criticada e complexificada em trabalhos nas últimas décadas (CONSTABLE, 2003). Neste artigobusco contribuir com esse corpo de trabalho, trazendo elementos que possam melhor elucidar os contextos mais amplos que informam o estabelecimento de romances e relacionamentos desse gênero.

No texto que segue, apresento essa plataforma de relacionamento e abordo algumas características gerais dos alemães membros dela. Baseada em minhas correspondências com alguns deles, apresento os altos e baixos de suas vivências online, suas experiências prévias no Brasil e América Latina e suas noções acerca da mulher brasileira e do Brasil em relação àquelas da mulher alemã e da Alemanha. Tais homens buscavam mudanças para suas vidas. Vivenciavam os altos e baixos da experiência do internet dating na esperança de encontrarem para si felicidade. Esta, dada através da realização do amor, pareceu por vezes estar relacionada a lembranças nostálgicas. De um lado, relacionado a uma temporalidade das relações de gênero ?complementares?, e de outro, em alguns casos, relacionado a suas próprias experiências na América Latina durante a juventude.

Brazilcupid.com é parte da companhia Cupid Media,que opera mais de trinta dating sites especializados. Fundada em abril de 2000 na Austrália, a empresa afirma já ter operado a inscrição de mais de 30 milhões de solteiras e solteiros em suas diferentes plataformas, que selecionam seus públicos-alvo baseados em preferências de ?etnicidade, religião, aparência física, interesses especiais, estilo de vida e mais[4]?.

Como argumenta Iara Beleli (2015):

A proliferação de sites específicos para ?namoro?, enfatizando desde a procura por amizade até encontros sexuais, particularmente de pessoas entre 30 e 50 anos, valeu-se de uma estratégia utilizada por diferentes mídias, que justapõe emoções aos produtos oferecidos, buscando estabelecer certa intimidade com os consumidores. Não por acaso, esse mercado é pautado por uma expansão da segmentação, calcada nas diferenças de gênero, sexualidade, geração e, mais recentemente, de religião (BELELI, 2015, p. 94).

Alguns interessantes nichos-alvo da empresa se manifestam nos seguintes sites do grupo: AfroiIntroductions.com, BlackCupid.com, BBWCupid.com [BBW=Big BeautifulWomen], ChristianCupid.com, FilipinoCupid.com, GayCupid.com, InterracialCupid.com, MilitaryCupid.com, Muslima.com, RussianCupid.com e SingleParentLove.com.

Sob AboutUs, BrazilCupid.com se diz um dating e match making website que auxilia pessoas do Brasil e de backgrounds ocidentais a encontrar seu match perfeito. A/O usuária/o que deseja criar sua conta na plataforma tem de optar por se dizer homem ou mulher buscando homem ou mulher. Entretanto, de forma similar ao observado em outras páginas do grupo, parece claro que o site se destina ao encontro de mulheres locais com homens de outras nacionalidades[5].

Já tinha ouvido sobre a plataforma através de grupos de Facebook de mulheres brasileiras casadas com homens estrangeiros. Pesquisas em ferramentas de busca na internet também me levaram ao BrazilCupid.com, quando procurava ?namorar estrangeiro? ou buscas similares. Não encontrei outra grande plataforma especializada em unir membros brasileiros a pessoas de outras nacionalidades. Apesar de não se tratar de site especializado no matchmaking Brasil-Alemanha, como é a proposta mais ampla deste trabalho, aí é possível realizar buscas específicas de nacionalidades estrangeiras interessadas em relacionamentos com indivíduos brasileiros. Encontrei muitos perfis ativos de homens alemães procurando companheiras brasileiras. Para melhor entender o funcionamento do site, suas ferramentas disponíveis, bem como maximizar minhas possibilidades de resposta, criei aí um perfil. Este começa com um texto de apresentação onde somos encorajados a escrever brevemente sobre nós. Neste campo, apresentei-me como pesquisadora brasileira vivendo na Alemanha e buscando homens alemães com disponibilidade de colaborar com minha pesquisa.

Minha estratégia nessa plataforma foi a de buscar perfis de homens alemães que estivessem procurando relacionamentos com mulheres brasileiras. Minhas buscas por perfis masculinos se deram com os requisitos básicos homem alemão de 26 a 99 anos. Sempre encontrei mais de mil perfis ativos[6] que tivessem estado logados pela última vez dentro do último mês.

Destes mil perfis disponíveis, visitei os 200 primeiros para coletar informações[7] que pudessem me ajudar a compreender o perfil médio do homem alemão buscando uma namorada brasileira nessa plataforma. Os resultados encontram-se na tabela a seguir, onde estão apresentados os dados a respeito de suas idades, estado civil, escolaridade, valores religiosos, se possuem filhos, ?etnicidade? e idade da companheira desejada[8].




O site oferece três tipos de membership, uma simples e duas pagas. Optei pela Platinum, paga, pois assim eu poderia enviar mensagens também para membros nãopagantes da plataforma. Como colocado por Iara Beleli (2012), a requisição do pagamento de assinatura em plataformas deste gênero deixa clara a relação destas com o mercado ? a variação dos tipos de membership e valores das assinaturas informando os tipos de acesso dos usuários. Além disso, como me foi relatado, o número de mulheres membras pagantes era insignificante, sendo que o custo do processo do namoro recai sobre o lado masculino.

Fundamental para este trabalho, além das características da plataforma e de seus usuários, seria a correspondência com os membros alemães buscando namoradas/esposas brasileiras. Para isso, apresentando-me como antropóloga, elaborei uma mensagem intitulada ?Pesquisa :)? *Forschung :)+, onde os convidava a colaborarem com minha pesquisa em andamento sobre ?relacionamentos entre homens alemães e mulheres brasileiras que se iniciam na internet?.

Enviei essa mensagem a cerca de 30 pessoas. Pude trocar correspondências com um total de 15 alemães. O que segue deste artigo é fruto dessas conversas.

Você pode fazer perguntas mais detalhadas se quiser

Consciente das questões ético-metodológicas de tal campo virtual, procurei deixar sempre claros meus objetivos enquanto membra da plataforma, tanto em meu perfil quanto em meu e-mail de apresentação. De toda forma, completei os formulários com meus próprios dados, gostos e interesses, e carreguei algumas fotos. Tratava-se, assim depois o percebi, de um perfil atraente. Apesar de conter em si a potencialidade de gerar encantamento, seguramente ele não constituía uma ?armadilha? (PELÚCIO, 2015).

Reagiram de formas diversas a meu convite. Boa parte demonstrou prontidão - claro, o que você quer saber? - alguns já me enviando seus e-mails pessoais, identidades de Skype e uns poucos até mesmo seus endereços. Outros reagiram afirmativamente, achando, entretanto, graça de minha proposta - primeiramente, não posso deixar de dar risada, mas claro, se eu puder te ajudar. Apenas um me pediu informações mais detalhadas sobre minha pesquisa. Três deles disseram estar interessados em o que vai sair daí.

Correspondiam-se comigo em meio a suas tarefas diárias, às vezes durante otrabalho. Estou agora no escritório meio apertado de tempo, te respondo amanhã logocedo, desculpa-se Jürgen_56. Bom, tenho que continuar a trabalhar, Thais, hoje à noitetermino de responder as suas perguntas, garante-me Michael_55 9 . A partir de poucastrocas de mensagens, começam também a dividir comigo como passaram seus dias,seus fins de semana. Concertei o telhado; peguei um leve resfriado; levei minha filha nocampeonato de futebol; visitei minha ex-mulher na clínica de reabilitação.

9 Na tabela abaixo, encontram-se alguns dados a respeito dos alemães cuja correspondência aqui é trabalhada.




IMiB: IdadeMínima da Brasileira

IMaB: IdadeMáxima da Brasileira

Alguns deles, eu sentia, pareciam consumir prazerosamente nossa troca de mensagens. Estes respondiam-me frequentemente no mesmo dia, e me escreviam novamente caso eu tardasse em responder [9]. Você pode fazer perguntas mais detalhadas se quiser, Thais, ofereceu Michael_55.

Michael foi um de meus colaboradores mais eloquentes. Retornara a Bremen há um ano, depois de viver em Minas Gerais com a ex-mulher por três anos, com quem foi casado por dez. Tinha muitíssimo a dizer. Escreveu-me sobre economia, impostos, mão-de-obra, corrupção. Suas mensagens eram, às vezes, tratados sociológicos que ilustravam suas leituras a respeito de nossa mentalidade. Dizia sentir saudades de ?Minas?.

A prontidão das respostas e a voracidade em dividir suas opiniões sobre meu país natal, que tomavam por vezes tons ?explicativos?, podem estar relacionadas a um vazio existencial desses homens de meia idade (PELÚCIO, 2015). Não apenas pelas minhas correspondências, mas também através da observação de perfis na plataforma, não é precipitado sugerir que muitos destes conteúdos estivessem marcados por solidão. Decidido a encontrar minha próxima parte da vida, lia-se no perfil de Gerhardt_55. Muitos outros apresentaram estas similaridades.

Escuta interessada que fui, acredito que meu lugar de pesquisadora era, para parte desses homens, menos representativo do que meu lugar de mulher brasileira na faixa de idade onde usualmente buscavam namoradas. Eu não significava para eles ?a mulher feminista?, a Emanze que muitos desdenham, talvez por temerem sua própria emasculação. Não hesitavam em dividir comigo suas narrativas por vezes carregadas de preconceitos de gênero, raça e nacionalidade, às vezes de forma tão banal. Eu não representava para eles nenhum perigo. Não seria capaz de julgá-los ou ridicularizá-los, como estou segura que aconteceria, caso professassem esses discursos em outros palcos. Afinal, da forma como me explicam e como veremos adiante, é a sociedade alemã ou europeia que acaba por criar suas mulheres de forma tão oposta àquilo que acreditam que foi a minha criação. E o meu meio ambiente. A brasileira mais quente, mais amável, mais voltada à família, que leva a vida de forma leve, era também eu.

Experiência online

No excerto que abre este artigo, Jürgen_56 diz acreditar poder encontrar alguém para ele na plataforma. O otimismo das primeiras correspondências não perdurou.

Eu já não sei se vou encontrar uma companheira aqui, porque o entendimento é difícil, explicar para a outra pessoa como você se sente, o que você pensa, flertar em inglês, para mim, também não é tão fácil, e eu tenho para mim que as diferenças entre as praias do Rio [de Janeiro] e a Bavária [local de seu vilarejo] são gigantes. Mas vou me deixar surpreender ainda, senão vou me despedir daqui, que já não quero pagar todo mês.

O entendimento foi a questão que mais me levantaram. Eu mesmo percebi que é difícil. O outro idioma e a distância. Muitos homens querem uma mulher do Brasil, relata-me Johannes_40. Mesmo assim, continua na procura. Estou na busca por uma latina. Esse é meu maior desejo. Essas mulheres têm para mim o melhor carisma [Ausstrahlung] e temperamento [Temperament[10]]. Johannes diz ter muita vontade de conhecer o Brasil. Diz não fazer a viagem por não dominar o inglês. O problema do idioma também é relatado por Stephan_39. No entanto, afirma conversar com elas sobre tudo. Sobre todos os temas. Parece que tem uma que vai vir em abril por três meses.

Quando os perguntei há quanto tempo tinham o perfil na plataforma, surpreendeu-me que alguns o mantinham há vários anos. Wolff_47 entrou na plataforma pela primeira vez há oito anos. Deste tempo, deixei o site por seis anos quando encontrei uma pessoa. Agora estou de volta porque me separei. Felix_44 tinha voltado ao Brazilcupid há apenas duas semanas, quando começamos a nos corresponder. A primeira vez em que esteve lá tinha sido há quatro anos. Como Wolff, neste meio tempo também esteve em um relacionamento.

Joseph_53 e Rainer_50 disseram ter entrado na plataforma para praticarem português. Talvez possa também conhecer algumas mulheres simpáticas, diz Joseph. Ambos preferiram se corresponder comigo em alemão.

Leopold_44, como outros membros não pagantes da plataforma, tinha uma atuação vitrine. Podia navegar pelos perfis, demonstrar interesse e criar listas de favoritas. Leopold afirma ter entrado na plataforma por não ter tido sorte em seus relacionamentos anteriores com mulheres alemãs. Já que o Brasil e as pessoas me agradam, ainda que eu nunca tenha estado lá, e também me agrada o carisma [Ausstrahlung] das mulheres, eu procuro encontrar minha sorte aqui, me conta.

Enquanto nos correspondíamos, Wolfgang_52 esteve em Santa Catarina e me contou sobre um encontro com uma membra da plataforma.

Encontrei já uma dama. Mulher muito interessante, falava quatro idiomas, jornalista, incrível conhecimento geral, 43 anos e já tinha morado em alguns países. Realmente simpática, mas ela mentiu um pouco nas fotos. Ela era muito gorda, eu ainda não tinha visto algo assim.

Não pareceu, entretanto, perder o otimismo. Wolfgang tem seu perfil na plataforma há três anos. Acho que é possível encontrar alguém que combine com você, escreve.

Tillmann_37 e Felix_44 dizem flertar com a possibilidade de se mudarem para o Brasil. Neste caso seria vantajoso ter uma companheira brasileira, afirma o último. Tillmann está estudando português e fazendo seu bacharelado em Silvicultura. Tem interesses por matérias-primas renováveis. Afirma, por isso, ser para ele o Brasil um destino interessante. Sozinho, de qualquer forma, eu não quero viver.

Narrativas tropicais

Um número dos homens com quem me correspondi tinha tido experiências de viagem ao Brasil e/ou outros países da América Latina.

Eu gosto dessa despreocupação [Unbekümmerheit] ? ok, isso falta um pouco em nós alemães, e a alegria de viver [Lebenslust], a música, sim, apesar de eu não saber dançar, e simplesmente a aura [Flair] das cidades antigas. Pela noite tomar um café na Plaza de Armas, ou um sorvete, e observar as pessoas. Te escrevo amanhã de novo. Jürgen_56

Jürgen_56 esteve pela primeira vez na América Latina aos 28 anos. ?Eu não tinha nenhuma ideia do país ou das pessoas. Tinha planejado uma viagem de três semanas pela Califórnia. Aí eu percebi que o dinheiro ficou curto. Conheci uma pessoa que me falou que o México era legal?.

Do outro lado da fronteira, eu, sem nenhum conhecimento de espanhol, subi no trem para Guadalajara. Lá [no trem], um mexicano me abordou umas duas horas depois, me perguntando por que eu não estava comprando o sorvete que as mulheres estavam vendendo, se eu não gostava de sorvete mexicano. Falei para ele que eu não falava espanhol. A viagem de trem durou 30 horas e o Juan, que estava viajando com sua mãe, me contou das pessoas. Ele comprava sempre alguma comida que estava sendo oferecida, me explicava o que era cada comida, e nós ficamos amigos. Fomos depois juntos para a Cidade do México. Lá encontramos uma antiga colega de trabalho dele e ficamos na casa dela. A família dela me levou para ver Tehuacán e, depois, para comer, ou para sair nos barzinhos do lugar. Sim, mesmo incrível a hospitalidade, principalmente se você era abordado como gringo. Eu dizia ?gringo não, alemán?. Oh, então as pessoas cuidavam de você e você era convidado para as coisas.

Wolgang_52 costuma passar alguns meses do ano no interior de Santa

Catarina, onde tem um sítio. Suas narrativas sobre as primeiras experiências no lugar estão marcadas por tons de afetividade.

Eu me lembro do primeiro dia no sítio, há 22 anos, quando eu decidi comprá-lo. Nós caminhávamos até o topo da montanha, onde pastavam as vacas, e quando atingimos o topo nos sobrevoou em ritmo elevado uma grande borboleta azul... Isso sem contar a absolutamente maravilhosa vista das centenas de verdes colinas.

Tais narrativas tropicais estão sendo produzidas a partir [de] e contra seus próprios contextos correntes. Nesse sentido, pensar como a nostalgia atravessa seus discursos pode ser ferramenta de análise relevante. Aqui, entendo nostalgia como:

a ?longing for what is lacking in a changed present... a yearning for what is now unattainable, simply because of the irreversibility of time? (Pickering and Keightley 2006: 920), is a central notion that permeates present-day discourses and practices. Theorists see in it a distinctive attitude towards the past inherent to contemporary culture, ?a reaction against the irreversible? (Jankélévitch 1988: 299) to be found everywhere and now often commodified, the result of ?a new phase of accelerated, nostalgia-producing globalization?

(Robertson, 1992: 158) (ANGÉ& BERLINER, 2014, p. 2)

Rainer_50 trabalhou por alguns anos, bem no início dos anos 2000, no interior de São Paulo. Foi um tempo muito bom, me diz. Depois do trabalho [poder] fazer um churrasco ou tomar uma cerveja. Conheci muitas pessoas.

Felix_44 conta-me empolgado de sua viagem a Sampa em 2008, quando primeiro visitou o país a negócios. Levado para passear por um amigo de um amigo, diz ter achado as pessoas muito abertas e hospitaleiras. Tal abertura é relatada em relação à contrapartida alemã. A vida no Brasil é mais livre, você conhece as pessoas com mais facilidade. Os alemães são mais fechados, menos sociáveis. Os brasileiros são mais espontâneos. Os alemães planejam mais, até mesmo sua vida cotidiana, diz Gerhardt_55, que esteve no Brasil pela primeira vez em 2001.

Suas narrativas estavam atravessadas por uma exaltação a um ?aproveitar a vida?, arte supostamente dominada por brasileiros (e latino-americanos). As pessoas no Brasil são mais serenas [gelassener], não se estressam tanto e aproveitam bastante tempo com as coisas boas da vida. Tudo com calma. Nada dessa correria [Hektik] como na Europa, compara Rainer_50.

Michael_55 esteve pela primeira vez no país em 1994, tinha 34 anos.

Eu era solteiro e tinha um bom salário. Em 1993 eu terminei de reformar a casa do meu avô. Eu vivi lá por um ano com mais dois outros caras [...]. Eu não me sentia bem nessa casa, também não gostava da minha vida segura de tanta rotina. Então eu decidi passar férias no Brasil.

Para Joseph_53, o país também significava a possibilidade de aventuras. Esteve no Brasil pela primeira vez em 1990. O país exercia sobre mim uma forte atração desde meus dias de menino. Naquela época, o Brasil era um país absolutamente exótico e aventuroso [abenteuerlich] para onde eu um dia gostaria de viajar, me conta.

Wolfgang_52 também fala de suas primeiras experiências no país em tom nostálgico. E naquela época não existiam celulares nem séries de televisão cafonas. Em outras palavras, o mundo ainda estava em ordem. Era um outro mundo. Reassegurame, entretanto, que apesar do desenvolvimento maluco do Brasil nos últimos 22 anos, as coisas no interior de Santa Catarina ainda estão bem. É ainda bastante rural e nas suas cidadezinhas pode-se encontrar tudo o que se precisa para viver.

Durante parte de nossa correspondência, Wolgang_52 encontrava-se em seu sítio em Santa Catarina. Alegra-se que seu velho Fusca já funciona novamente. Problemas o alemão está tendo com a internet. Mas quando eu, do meu terraço, observo os pássaros e gozo da paz, eu posso sentir que o paraíso se encontra muito próximo daqui.

Episódios de suas experiências passadas nos trópicos, em um número de casos em suas juventudes, parecem permanecer congeladas naquele tempo.

Os latino-americanos aproveitam o agora, a vida, e não são como nós que tentamos pensar no depois de amanhã, temos medo de como vamos poder pagar pelas coisas se acontecer alguma coisa. Eles aproveitam o momento e a vida.

Ok, eu sou autônomo e preciso lutar todos os dias para manter o meu negócio *...+. Mas o Juan, por exemplo, dizia ?mas por que você pensa no amanhã? Vamos aproveitar por hoje?. Me falta um pouco disso.

Hoje falta a Jürgen_56, desconfio, o desprendimento característico de uma época em que era possível subir no trem para Guadalajara, sem conhecimento prévio do país ou do idioma. Como outros, tinha estado há anos na América Latina. Possivelmente entendem-se como homens cuja juventude ficou para trás, já não sou mais jovenzinho [taufrisch], e se veem com a urgência de escrever os próximos capítulos. Neste novo enredo, já não querem estar sós. Talvez a percepção acerca de seu próprio envelhecimento os faça novamente revisitar esses episódios, que eles reconstroem como marcados por felicidade, leveza. Talvez aí ainda tivessem a sensação de ter a vida toda pela frente. Com uma jovem brasileira, imagino, poderiam novamente bebericar esses momentos.

Proximidade corporal e emocional

Eu desejo um relacionamento, um amor com coração e alma! Não quero um caso! Uma parceria para o amor, grande paixão, beijos, mãos dadas, conversa, gestos, erotismo, sensualidade, [...] um só nós! Proximidade; não só espacial, mas também no espírito. Um com o outro conversar e calar, rir e chorar, poder se prender e se soltar. Hábitos amorosos, sem o sentimento de monotonia. Tempo, para conhecer o outro e sempre descobrir coisas novas. Uwe_57

De um relacionamento romântico eu espero proximidade corporal e emocional. Tem-se que sentir corporalmente e sentimentalmente atraídos pelo parceiro e vivenciar um sentimento de vazio quando o companheiro não está lá. Através de criatividade deve-se manter o romantismo depois dos primeiros meses de empolgação. Ao mesmo tempo, tem-se que internalizar que o parceiro não ?pertence? a si, e que não se pode podá-lo. Felix_44

A proximidade requerida, corporal e emocional, parece ser elemento fundamental na ?construção da relação amorosa? (BELELI, 2012). Nesse sentido, a parceria com a brasileira parece ser muito superior àquela que teriam com uma mulher alemã. Quando os inquiri a respeito dos motivos de buscarem especificamente mulheres brasileiras (ou latino-americanas, para alguns), as respostas eram produzidas em linhas bastante similares. Eu gosto do carisma [Ausstrahlung] dessas mulheres, elas aproveitam mais a vida, Leopold_44. Essas mulheres têm para mim o melhor carisma [Ausstrahlung] e temperamento [Temperament], Johannes_40. Eu também gosto muito da cor de pele que-lembra- caramelo das brasileiras, Tillmann_37.

Desde que eu fui para o Brasil, curto muito as brasileiras. Quero muito encontrar uma. Brasileiras são muito diferentes das europeias. As europeias são muito frias [kalt]. No Brasil a família é muito importante. Sim, eu sei que não são todas assim. Pelo menos aquelas para as quais eu escrevo [são]. Estão, em todo caso, preparadas para aprender alemão. E podem se imaginar morando aqui.

A carreira delas não é tão importante. Sei que muitas brasileiras telefonam uma vez por dia para a mãe. Para dizer oi. Acho também que as brasileiras são fiéis, se tudo dá certo, só um homem, românticas, amorosas etc.

As mulheres alemãs olham primeiro as carreiras delas. Depois, talvez, a família. E fiéis elas não são. Elas usam o fim de semana para se divertir e jamais telefonam pra suas mães para dizer

?oi?. Stephan_39

Eu busco uma brasileira porque acredito que as mulheres brasileiras sejam tipicamente mais calorosas [wärmer], mais afetuosas [herzlicher] e mais abertas do que as mulheres alemãs. Elas também parecem ser mais orientadas à família e mais religiosas. Felix_44

As descrições da brasileira como, ao mesmo tempo, tipicamente mais calorosa e afetuosa, e mais orientada às relações familiares e à religião, apontam para as idealizações de estrangeiros sobre o país tratadas por Thaddeus Gregory Blanchette e Ana Paula da Silva (BLANCHETTE, 2011; BLANCHETTE & SILVA, 2010). Informantes estrangeiros de Blanchette diziam também suas conterrâneas não mais saberem agir ?como mulheres? ao mesmo tempo que ressaltavam a feminilidade da mulher brasileira e sua inclinação para o lar e para as relações familiares. O autor coloca que estas noções de homens estrangeiros sobre feminilidades ?não-ocidentais?não estão fundamentadas em relações de gênero vividas em nenhum lugar, e sim em suas ?expectativas fantásticas?. Blanchette e Silva trazem dados demonstrando como, para muitos homens estrangeiros, brasileiras e brasileiros seriam dotados de uma sexualidade ?natural? acentuada, e que as relações sociais brasileiras e o papel da mulher na família seriam típicos de um tempo passado.

Uma vez que o retrato da mulher brasileira era elaborado, via de regra, em oposição ao da mulher alemã, procurei saber como explicavam essas profundas diferenças entre essas mulheres. É difícil dizer de onde vem a diferença entre as mulheres alemãs e brasileiras, diz Feliz_44. Explica-me mesmo assim. Na Alemanha o clima é, no geral, pior que no Brasil. É menos quente e menos claro. Por isso as pessoas são menos bem-humoradas. Gerhart_55 observa a origem da diferença nas diferentes educações [Erziehung].

A diferença essencial é que as brasileiras são tão conscientes de si [selbstbewusst] quanto as mulheres alemãs, e também querem mostrar isso, mas sem parecerem arrogantes.

A diferença é assim tão expressiva porque a educação [Erziehung] é diferente. Damas alemãs são criadas para terem que realizar alguma coisa [etwasleistenzumüssen] ? profissionalmente, por exemplo, e muitas sofrem com isso, ficam inseguras e agem de forma arrogante. As brasileiras conhecem seu valor e cuidam dele, tanto física quanto mentalmente. Elas não se deixam pressionar pela realidade da sociedade como as alemãs. Elas cedem [nachgeben] a certas ?pressões? sociais também, mas gostam disso (ênfases minhas).

As brasileiras conhecem seu valor. Gostam de ceder a algumas pressões sociais. Diferentemente da alemã, que sofre por ter que realizar alguma coisa e acaba tornando-se insegura e agindo de forma arrogante. Gerhardt_55 apresenta de forma bastante clara o que acredito ser o espírito geral que rege as colocações de parte dos homens com quem conversei. A brasileira conhece seu valor porque conhece seu lugar.

Tal lugar reservado por esses homens alemães às mulheres brasileiras de cor de pele que-lembra-caramelo é, em um importante aspecto, dissimilar àquele que a historiografia brasileira reservou para a mulata, símbolo nacional, em seu envolvimento com o homem branco de origem portuguesa.

Enfatizo os elementos atribuídos ao ?branco miscigenador?, porque seu principal par ? a ?mulata? ? aparece sob basicamente o mesmo registro em todos os autores: o erotismo. Algo ora concebido como positivo ora de maneira negativa (MOUTINHO, 2004, p. 55).

Marcada pelo erotismo, a mulata, entretanto, não era desejada na esfera formal dos relacionamentos afetivo-sexuais. Por extensão, tampouco poderia ser entendida como voltada ao lar ou às relações familiares.

Interessantemente, uma brasileira também marcada pelo erotismo está sendo demandada no mercado matrimonial internacional.

Duas temporalidades estão em questão nessa resolução da contradição moral entre a ?garota de programa? e a ?moça de família?, ou entre a ?mulher amante? e a ?mulher do lar? (BLANCHETTE, 2011; MELO ROSA, 2000). Uma remete a um tempo pré-civilização de uma promiscuidade primitiva, e a outra, a um tempo mais recente, marcado por relações sociais mais ?tradicionais? e papéis de gênero ?complementares?(CONSTABLE, 2003). O casamento das proximidades corporal e emocional, e das qualidades de uma mulher que não olhe primeiro para a sua carreira,não poderia ser selado com a parceria com uma conterrânea de meus colaboradores, de acordo com eles mesmos. Como bem colocou FelicitySchaeffer-Grabiel,

Os homens [seus interlocutores estadunidenses buscando esposas mexicanas] também idealizam o amor como fora do tempo e espaço racionais: eles devem olhar para fora dos limites da nação, para fora dos limites do capitalismo, para encontrar o ?amor verdadeiro? (SCHAEFFER-GRABIEL, 2004, p.40)[11].

Parece-me significativo que, ao mesmo tempo em que procuram o ?amor verdadeiro? fora dos limites da nação contemporânea e fora do capitalismo, louvando um modo de vida mais ?simples? nos trópicos, expressam contradição ao lidarem com as dinâmicas do estabelecimento desses relacionamentos em tais plataformas. Procuro uma mulher interessada, e não interesseira, coloca Dieter_56 em seu perfil. Para Stephan_39, que prefere que as mulheres vão até a Alemanha para o primeiro encontro cara-a-cara, algumas perguntas são importantes de serem feitas:

É melhor que as damas venham para a Alemanha para [a gente] se conhecer. Se elas quiserem, podem ficar três meses sem visto. É o suficiente para conhecer. E descobrir diferentes coisas [sobre o outro]. Com três meses tem que descobrir diferentes coisas. O que você quer? Só dinheiro? Você é séria? Ou você só quer morar na Europa e ter uma vida melhor? Esses são os pontos mais importantes para descobrir.

A última vez em que entrei no perfil de Jürgen_56, antes de ele deixar a plataforma, lia-se Can?tsendmoneytoeveryone in Brazil, sorry. Conta-me da ocasião em que enviou cinquenta euros para uma brasileira com quem estava em correspondência. Ela disse que precisava pagar seu IPVA. Algumas semanas depois, ele me conta que ela pediu mais 350 euros para quitar a mensalidade da faculdade. Eu hesitei. Expliquei que entendia a situação dela, mas que eu não podia salvar a economia brasileira! Aí ela ficou puta, disse que achava que eu queria que a gente ficasse junto, que ela não ia poder terminar a faculdade. Ok, foi o fim. Uma pena, mas ok. Continua:

Eu procuro uma mulher que me ame, talvez também porque ela esteja atrás de segurança. Eu entendo que, nestes tempos, na situação econômica atual do Brasil, cada um tem que lutar pelo pão de cada dia para poder ter um futuro melhor para si e para a família.

Homens queriam mulheres que os amassem. Da forma como são. Alguns narraram com suspeição aquelas que estariam apenas atrás de dinheiro. Por outro lado, e bastante interessantemente, também entendiam que o que tinham a oferecer a elas era da ordem do econômico - segurança. Segurança me foi narrada como sendo a estabilidade financeira parte fundamental dela. Argumento aqui que suas noções sobre segurança estão muito relacionadas a uma estabilidade financeira, algo que eles acreditam que podem oferecer às damas por conta também de seus pertencimentos nacionais.

Toda mulher tem o direito de querer fazer algo com sua vida, e se o que ela quiser for se mudar para um país novo, [por conta de] seus desejos por uma vida mais segura, por um companheiro que não a veja apenas como objeto sexual [...], [pela] liberdade de viajar, de ter um trabalho e ganhar dinheiro pra viver, eu acho que isso é para muitas um objetivo que vale a pena.

[...] Esses homens dos sonhos [Traummänner] alemães já estiveram também várias vezes na Europa Oriental e lá encontram mulheres com nível e formação, como trabalhadoras autônomas ou médicas, professoras, advogadas [...]. Elas simplesmente veem que, no seu ambiente, no seu país de origem, já não podem seguir adiante e querem mudar ? apesar de não ser fácil para elas deixar seus países. Jürgen_56

Ao mesmo tempo em que eles, e seu estado nacional por extensão, podem proporcionar às mulheres mais segurança, falam com bastante empolgação a respeito de uma vida mais simples que eles localizam no Brasil. Relacionado ao aproveitar a vida, ou viver a vida de forma leve e aproveitar o agora,uma atração pelo apelo à simplicidade também é observável em suas falas. Felix_44 acha que a vida na Alemanha não é melhor do que no Brasil. Explica:

É comprovado que riqueza não necessariamente traz felicidade. As pessoas na Alemanha são, na média, mais abastadas que no Brasil, nem por isso são mais contentes [zufriedener] ou mais felizes. No Brasil, a unidade da família parece ser mais pronunciada do que na Alemanha. Os brasileiros também parecem ser em muitos casos mais religiosos. Eu acho isso amável [sympatisch]. Muitos brasileiros acreditam que na Alemanha tudo é melhor do que em seu país. Na minha opinião isso não está correto. Logo que as empresas alemãs começarem a exportar menos, a economia piorar e o desemprego aumentar, a Alemanha terá muitos problemas.

Um certo pessimismo em relação à sociedade alemã deve ser também levado em consideração, no que diz respeito às exaltações de uma certa modéstia nos costumes brasileiros.

No Brasil existe uma lei: se sua firma não dá para a rua ? e, sim, fica em um terreno - ela não é uma firma oficial, e por conta disso não precisa pagar impostos. Com isso muitas famílias podem produzir coisas para vender, por exemplo, salgados. Eu amo essa lei!!

Na minha opinião é essa diversidadeque permite que o Brasil sobreviva uma crise, ou uma grande crise como agora.

Michael_55

Wolfgang_52 procura visitar Santa Catarina todos os anos, durante o inverno Europeu. É muito bom poder viver nos dois países e de cada um deles aproveitar o que existe de bom. Felix_44 tem também planos de se mudar, pelo menos durante parte do ano, para o Brasil.

Frequentemente acontece de mulheres brasileiras viverem com seus maridos na Alemanha e deixarem suas famílias. Com isso elas sentem falta do calor [Wärme] de seu país ? tanto humano quanto climático. À minha futura esposa brasileira eu posso oferecer ?o melhor dos dois mundos?: de um lado, confiança e respeito, e de outro, ela não precisaria deixar a sua pátria, uma vez que eu consigo me imaginar passando muito tempo no Brasil. Isso também inclui uma certa segurança financeira, que permite uma vida confortável. Além disso, sou bem-humorado, aberto para coisas novas e também, certamente, não sou iletrado.

Ao oferecer o melhor dos dois mundos e ao localizar a confiança e o respeito do lado europeu, Felix_44, como seus conterrâneos com quem na plataforma conversei, não põem em questão o fato de ser o pertencimento a um desses mundos o que permite o gozo de ambos. A exaltação a uma vida simples e a relativização da riqueza no contexto de origem - é comprovado que riqueza não traz felicidade - podem ser maneiras de explicar, através de uma lógica de complementaridade, uma diferença que é hierárquica.

Vale acrescentar que tal simplicidade também costuma ser localizada na mulher brasileira. Gerhardt_55 diz ter sido seu relacionamento com uma gaúcha que conheceu em São Paulo, em 2001, muito harmônico. Eu podia facilmente reconhecer suas necessidades e desejos, me conta. Elas [as brasileiras] têm suas maneiras típicas. Que se repetem. Não são tão difíceis. São mais básicas. As mulheres alemãs ?precisam? [de] e preferem coisas sem importância.

Considerações finais

Poderíamos também perguntar se, na insistência com que os turistas mencionam que os alemães ?não sabem mais sorrir?, não se poderia ver também um modo de avaliar a situação com um certo ranço ?evolucionista?. Segundo essa avaliação, o Brasil vive hoje um período passado da Alemanha, onde havia tempo e lugar para o riso. Portanto, a frase ?No meu país as pessoas não sabem mais sorrir? denota uma noção de atraso: o Brasil lembra-lhes um período de seu passado. Na imagem do brasileiro que ?sabe sorrir?, apesar das dificuldades em que vive, passa a noção do ?bom selvagem?, mencionada pelos evolucionistas, e a do ?homem cordial?, que Sérgio Buarque de Holanda (1979) tão bem caracterizou no seu livro Raízes do Brasil (LEHMANN-CARPZOV, 1994,p.143).

Ana Rosa Lehmann-Carpzov (1994) entrevistou turistas alemães homens no Recife no início da década de 1990. Para essa autora, a construção das imagens de gente ?alegre? e ?descontraída? que os alemães fazem dos brasileiros, em contraposição a suas autoimagens, retrata um aspecto importante da ?forma de ser do alemão? em seu país de origem: formal, distante e sério.

Este parece ser um ponto bastante relevante para considerar a ambição de homens alemães estabelecerem relacionamentos afetivo-sexuais ?sérios? com mulheres brasileiras.

Glowsky (2007) foi buscar a razão de homens alemães estarem se casando com mulheres de ?países economicamente mais fracos?. Como colocado no início deste artigo, para esse autor, nos estudos existentes sobre marriagemigration, os motivos masculinos são levados pouco em consideração, ou são tratados como secundários. Ele fazuso dos dados de painéis socioeconômicos na Alemanha para demonstrar que o homem alemão que se casa com mulheres estrangeiras de ?países economicamente mais fracos? em nada difere, em relação a status social e aparência, do homem alemão que se casa com sua conterrânea, diferentemente do que é veiculado pela mídia e pelo senso comum, que o retratam como um homem cuja baixa atratividade física e social limita suas chances no mercado matrimonial local. Para Glowsky, a única razão que levaria um homem alemão a se casar ?para fora? seria que, na Alemanha, homens com mais de 30 anos de idade são confrontados com um déficit de mulheres em seu grupo de idade. Tal déficit seguiria aumentando até os 45 anos, e permaneceria relativamente intacto até os 60. Tratar-se-iam, portanto, de desvantagens estruturais que levariam esse indivíduo a optar por se casar com uma mulher de um ?país economicamente mais fraco?, e então contar com o ?bônus? de aí poder encontrar uma parceira mais jovem e mais atraente do que encontraria na Alemanha.

Concordo com as críticas a respeito da imagem genérica e estereotipificante que paira sobre o procurador-de-esposa-estrangeira, entretanto, acredito que a solução encontrada por Glowsky tampouco parece poder explicar os contextos mais amplos que informam os desejos para o estabelecimento de romances e relacionamentos desse tipo.

Abri esse artigo trazendo alguns dados sobre a plataforma Brazilcupid, cuja companhia mãe, Cupid Media, opera um grande número de dating sites especializados, muitos deles visando à união de homens de ?background ocidentais? a mulheres de outros países. Apresentei à/ao leitor/a alguns dados gerais sobre o perfil médio do homem alemão buscando companheiras brasileiras nessa plataforma e discuti alguns tópicos de minha correspondência com quinze deles.

Tanto a mulher brasileira quanto o Brasil foram retratados em patente oposição à mulher alemã e a Alemanha. Nessas correspondências, eles levantaram os altos e baixos do namoro na internet, disseram estar buscando relacionamentos com proximidade corporal e emocional. Para eles, seus ideais de relacionamento não podem ser alcançados em seus contextos locais. Muitos tinham já estado no Brasil e/ou América Latina e tinham impressões muito similares àquelas trazidas por Lehmann-Crapzov, cujo excerto abre esse tópico. Entendem a mulher brasileira como mais afetuosa e mais voltada à família e compreendem o Brasil como um país economicamente menos estável, de relações sociais não modernas. Essas características foram explicadas, por vezes, com relação ao clima/natureza brasileiros e à diferente educação, ambos muito dissimilares daqueles encontrados na Alemanha. Informados por essas noções, acreditam ser capazes de propiciar às mulheres brasileiras segurança e confiança.

Nossas correspondências eram às vezes marcadas por tons de nostalgia e solidão. Obviamente, não senti simpatia por todos os homens com quem me correspondi. Entretanto, diferentemente daquilo que comumente ouvi na Alemanha sobre o estereótipo do homem que busca esposas estrangeiras, os colaboradores de meu trabalho não me pareceram sujeitos socialmente inaptos e tampouco se poderia dizer que eram sujeitos não atraentes.

Parecem-me, entretanto, homens descontentes com sua realidade local. Retornando à troca de mensagens, não pude furtar-me de perceber que a insatisfação com o seu Estado e sociedade era amplamente observável. A vida no Brasil é mais livre, coloca Gerhardt_55. Uma das razões que faz com que Wolff_47 considere se mudar para um país mais quente é a falta de liberdade na Alemanha. Tudo é fixado/prescrito pelo Estado, critica. Felix_44 coloca: ?A União Europeia também não funciona e pior ainda é o euro. Ao contrário do Brasil, a Alemanha está muito mais próxima do epicentro das crises na Ásia e África. O perigo do terrorismo, assim como o perigo pelos muçulmanos radicais, é muito maior na Alemanha?. Tillmann_37 se mostra preocupado: ?A crise dos refugiados e a considerável falta de habilidade do governo, que caminha de mãos dadas com o espectro político da esquerda (sociaisdemocratas, socialistas, comunistas), de reconhecível tendência fascista, me causam grande preocupação?.

Tais comentários de cunho conservador aliados às suas ideias acerca de como devem ser os papéis de gênero dentro de um relacionamento, suas noções sobre a mulher brasileira e sobre aquilo que poderiam a ela oferecer são, acredito, termômetros mais precisos que colaboram para informar o desejo de se casarem com uma mulher brasileira.

Bibliografia

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MOUTINHO, Laura. Razão, ?cor? e desejo: uma análise comparativa sobre relacionamentos afetivo-sexuais ?inter-raciais? no Brasil e na África do Sul. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

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Notas

[1] Mestra e licenciada em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS/DA/USP).
[2] Os nomes dos participantes da pesquisa são fictícios.
[3] Todas as traduções do alemão foram realizadas por mim.
[4] http://www.cupidmedia.com/en/aboutus
[5] Apesar de o site não se dizer voltado exclusivamente ao público heterossexual, nenhuma das fotos dos casais unidos pela plataforma era de casal homossexual e consistia majoritariamente de casal homem estrangeiro ? mulher brasileira.
[6] O site só apresenta os primeiros 1000 perfis.
[7] Coletei os seguintes dados: idade, estado de moradia na Alemanha, intervalo de idade da companheira, estado civil, escolaridade, etnicidade, valores religiosos, filhos, altura e signo do zodíaco.
[8] A maioria esmagadora dos homens que optaram por Other para descrever sua ?etnicidade? seriam entendidos na Alemanha como brancos. A distribuição dos usuários por estados na Alemanha era muitíssimo similar à distribuição populacional alemã.
[9] A troca de mensagens era, às vezes, um pouco trabalhosa, uma vez que ela era feita via de regra em alemão. Por vezes levei algum tempo a mais para responder, tendo que traduzir trechos que vez ou outra escapavam a meu entendimento imediato, e elaborar respostas em tom apropriado. Muitos deles não faziam uso do registro formal da escrita, incorporando muitas gírias e abreviações em suas mensagens.
[10] AusstrahlungeTemperament foram palavras comumente usadas nos elogios às brasileiras. São, entretanto, de difícil tradução. Ausstrahlung remete a uma qualidade de emanar um magnetismo pessoal, que talvez ?carisma? não comporte. Temperament refere-se a um jeito de ser dinâmico e cheio de vida.
[11] Tradução minha.


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