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DE PERTO E POR DENTRO DO RINGUE ? BOXE, MOBILIDADE E OS DESAFIOS DE UMA ETNOGRAFIA ONDE ?É O MOVIMENTO QUE CONTA?
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 15, núm. 1, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 15, núm. 1, 2018

Recepção: 05 Maio 2018

Aprovação: 29 Junho 2018

Resumo: O presente artigo apoia-se em uma etnografia em duas academias de boxe na cidade de São Paulo, localizadas em diferentes territórios ? Baixada do Glicério e Tatuapé. Para isso, coloco meu próprio corpo em campo como ferramenta de investigação através da aprendizagem do pugilismo.Acompanho e me interesso pelas trajetórias e histórias de vida de meus interlocutores, em sua maioria homens negros em distintas condições de mobilidade, cidadania e vulnerabilidade, entre eles os angolanos Leon e Jonas.Pretendo demonstrar como, transitando entre as categorias ?perigoso? e ?em perigo?, entre a vitimização e a moral meritocrática, eles apresentam múltiplas maneirasde fazer-cidade (Agier, 2015) através de seus corpos-território. Além disso, é através das aulas de boxe que uma série de memórias e relatos autobiográficos são expostos por meus companheiros de treino, assim como reflexões sobre raça, violência e desigualdade. Desta maneira, buscoapresentar minha própria trajetória de pesquisa, ressaltando alguns procedimentos para o estudo das migrações internacionais ancoradas no eixo sul-sul, mais especificamente as relações de mobilidade entre Brasil e Angola. O mundo do boxe envolve uma emaranhada e complexa trama política-social, justapondo masculinidades conflitantes e contraditórias, significados sobre racismo e violência, disciplina e sacrifício, espaços urbanos e fronteiras simbólicas, resultando em dinâmicas históricas singulares e carregadas de significação para as pessoas envolvidas. Assim, a confluência dos sujeitos em mobilidade com o boxe, prática onde ?é o movimento que conta? (DeeDee, em Wacquant, 2002, p.121) apresenta-se como fértil território para as discussões sobre corpo, território, mobilidade e relações raciais.

Palavras-chave: boxe, corpo, território, mobilidade, relações raciais.

Resumen: El presente artículo se apoya en una etnografía en dos gimnasios de box en la ciudad de São Paulo, localizados en diferentes territorios ? Baixada do GlicérioyTatuapé. Con este fin, pongo a mi propio cuerpo en campo como herramienta de investigación através del aprendizaje del pugilismo. Acompaño y me intereso por las trayectorias e historias de vida de mis interlocutores, en su mayoría hombres negros en distintas condiciones de movilidad, ciudadanía y vulnerabilidad, entre elloslos angolanos Leon e Jonas.Pretendo demostrar cómo, transitando entre las categorías ?peligroso? y ?en peligro?, entre la victimizacióny la moral meritocrática, ellos presentan múltiples maneras de hacer-ciudad (Agier, 2015) através de sus cuerpos-territorio. Además, es através de lasclases de boxeo que una serie de memorias y relatos autobiográficos son expuestos por mis compañeros de entrenamiento, así como reflexiones sobre raza, violencia y desigualdad. De esta manera, busco presentar mi propia trayectoria de investigación, resaltando algunos procedimientos para el estudio de las migraciones internacionalesancladas en el eje sur-sur, másespecíficamenteen las relaciones demovilidad entre Brasil y Angola. Elmundo del boxinvolucra una enmarañada y compleja trama político-social, yuxtaponiendo masculinidades conflictivasy contradictorias, significados sobre racismo yviolencia, disciplina ysacrificio, espacios urbanos y fronteras simbólicas, resultando en dinámicas históricas singulares y cargadas de significados para las personasinvolucradas. Así, la confluencia de los sujetos enmovilidadcon el box, prácticadonde ?es el movimiento que cuenta? (Dee Dee, enWacquant, 2002, p.121) se presenta como territorio fértilpara las discusiones sobre cuerpo, territorio, movilidady relaciones raciales. Palabras clave: box, cuerpo, territorio, movilidad, relaciones raciales.

FROM NEAR AND WITHIN THE RING - BOXING, MOBILITY AND THE CHALLENGES OF AN ETHNOGRAPHY WHERE "IT IS THE MOVEMENT THAT COUNTS"

Abstract: This article is based on an ethnography at two boxing academies in the city of São Paulo, located in different territories - Baixada do Glicério and Tatuapé. To do this, I put my own body on the field as a research tool through the learning of pugilism. I follow and am interested in the trajectories and life histories of my interlocutors, mostly black men in different mobility, citizenship and vulnerability conditions, among them Angolans Leon and Jonas. I want to demonstrate how, between the "dangerous" and "endangered" categories, between victimization and meritocratic morality, they present multiple ways of city-making (Agier, 2015) through their territory bodies. In addition, it is through boxing classes that a series of autobiographical memoirs and stories are exposed by my training buddies, as well as reflections on race, violence, and inequality. In this way, I try to present my own research trajectory, highlighting some procedures for the study of international migrations anchored in the south-south axis, more specifically the mobility relations between Brazil and Angola. The boxing world involves a tangled and complex political-social fabric, juxtaposing conflicting and contradictory masculinities, meanings about racism and violence, discipline and sacrifice, urban spaces and symbolic frontiers, resulting in singular and meaningful historical dynamics for the people involved. Thus, the confluence of subjects in mobility with boxing, a practice where "it is the movement that counts" (Dee Dee, in Wacquant, 2002, p.121) presents itself as fertile territory for the discussions on body, territory, mobility and relations. Keywords: boxing, body, territory, mobility, race relations.

Introdução

?A Federação Angolana de Boxe (FABOXE) confirmou e lamentou hoje a fuga de três atletas angolanos na Alemanha, integrantes da seleção nacional, que deviam competir no mundial da modalidade, afirmando que os mesmos já se encontram em França?[2].

Leon sorriu quando, em meu celular, mostrei a notícia que abre esse artigo. Como se compartilhando o ethos cosmopolita dos boxeadores fugitivos, somado a algum grau de aprovação e admiração, comentou sobre um amigo de infância que também está na França. Por acaso, ou não, também boxeador. Puxou seu celular do bolso e, rapidamente apresentou-me, em sua rede social do Facebook, o amigo, através de fotos. Jonas, que acompanhava a conversa calado, se intromete: ?em Angola teríamos grandes boxeadores se houvessem condições?. Leon concordou balançando a cabeça. Jonas conhece a França, viveu em Paris por dois anos; ?minha mãe também já viveu lá?. Quando perguntei, com certa ironia, porque havia trocado Paris por São Paulo, recebi a afirmação: ?olha, é preciso conhecer o mundo, sabe? ?.

Conheci Leon e Jonas na Street Boxing, academia de boxe instalada sob o Viaduto do Glicério, logo após suas chegadas ao Brasil, no início de 2016. Ambos já praticavam boxe em Luanda e continuam comprometidos com esta atividade em São Paulo, dedicando parte considerável de suas rotinas ao tempo-espaço da academia.É através das trajetórias de Leon e Jonas em terras paulistanas, nesse curto e efêmero período em que convivemos, que compartilho as ambivalências de suas construções enquanto pessoa, corpo e cidadão, assim como seus desejos e reflexões sobre estes assuntos, entre outros. Acompanhar essas trajetórias de vida significa cruzá-las com diversas motivações, percursos e singularidades que atravessam suas relações em outras tarefas e compromissos cotidianos. Além do mais, narrar suas trajetórias é também falar sobre Angola e a África; e, de maneira geral, sobre a condição de estrangeiro-refugiado e suas maneiras de habitar a cidade de São Paulo. ?Falar de imigração é falar da sociedade como um todo? (Sayad, 1998, p.16).Meu principal interesse, portanto, são pessoas comuns. Não campeões de boxe, mas sujeitos que têm, em comum, a prática comprometida do pugilismo como parte da condução da vida cotidiana. Pessoas que, ?síntese de muitas determinações? (Pinho, 2003, p.15), chegaram ao Brasil e aqui constroem suas vidas, dedicando-se rotineiramente a calçar as luvas, seja para golpear inimigos imaginários encarnados em sacos de pancada, seja para ?jogar? em cima do ringue. Dessa maneira, a migração não será tratada enquanto fato estrutural e sim através das trajetórias de meus interlocutores, sendo essa minhacontribuição para o presente dossiê.

Assim, partindo de minha inserção como aprendiz de boxe em duas academias na cidade de São Paulo, pretendo, através do presente artigo, apresentar minha própria trajetória de pesquisa, ressaltando alguns procedimentos para o estudo das migrações internacionais ancoradas no eixo sul-sul, mais especificamente as relações de mobilidade entre Brasil e Angola. Em diálogo com as perspectivas metodológicas de Magnani (2012), Comaroff (2010) e Ingold (2015), entrelaçando o referencial da Antropologia Urbana com a produção teórica transnacional contemporânea (Cooper, 2008; Handerson, 2015; Mbembe, 2015; Pinho, 2003, 2005),parto das relações intersubjetivas estabelecidas durante os treinos de boxe a fim de acompanhar as redes de sociabilidade em formação, assim como o significado que meus colegas angolanos dão aos seus compromissos pugilísticos para além do local de prática. Desse modo, longe de se encerrar em uma unidade espacial e social específica, a presente etnografia busca apreender as motivações que levam esses jovens a praticarem boxe em São Paulo. Para isso, busco compreender as múltiplas relações que se articulam no cotidiano desses interlocutores utilizandouma gama de diferentes aportes metodológicos para além da participação observante ? entrevistas intensivas, pesquisas em matérias jornalísticas, pesquisa historiográfica sobre a região, entre outras. Desse modo, pretendo historicizar e situarnão apenas os cenários da observação etnográfica, mas também os seus sujeitos, coletivos e suas ordens nem sempre visíveis. Assim, a presente análise segue ao encontro da proposta realizada pelo casal Comarrof, para quem

sem a devida contextualização, as histórias passadas de pessoas comuns correm o risco de permanecer só isso: histórias. Para tornarem-se algo mais, estas ?histórias escondidas?, parciais, têm de ser situadas nos mundos mais abrangentes do poder e do significado que lhes deram vida (Comarrof, 2010, p.21).

As recentes ?crises migratórias? e suas frequentes tragédias noticiadas em diversas partes do mundo têm chamado a atenção da comunidade mundial para a questão da migração, incentivando diversas nações a reverem suas políticas de integração das populações estrangeiras. Nos últimos anos, a cidade de São Paulo se consolidou como principal destino de populações provenientes de diversos países. Desde 2013, o número de refugiados dobrou na capital [3]. Há uma estimativa de que haja 600 mil imigrantes habitando a cidade [4]. Setores conservadores da sociedade tendem a ?apresentar os estrangeiros como a causa dos problemas que estas sociedades enfrentam e, em muitos casos, como um fator de desintegração e descaracterização da população originária? (Bálsamo, 2007, p.217), resultando em ataques criminosos [5]. Vale lembrar que acontecimentos como estes se repetem na cidade de São Paulo há diversas gerações. Segundo Boris Fausto, ?relatórios policiais responsabilizam os estrangeiros pelo avanço da criminalidade? (Fausto, 1984, p.13) desde o século XIX.

Boxe, uma prática para ?existir em outro lugar?

O boxe tem muitos nomes, entre oficiais e ocasionais. Pugilismo, Nobre Arte,

Doce Ciência, combate, luta, treta, porrada. Prática social que acompanha a história do Ocidente, milenar, portanto, (d)escrita por Virgílio em Eneida no século I a.C (Mammí, 2012, p.341), pelo jornalista inglês Pierce Egan em 1812 (Sugden, 1996, p.8) e pelo sociólogo francês LoïcWacquant em 2002 (Wacquant, 2002). Por definição, trata-se de uma prática sócio-esportiva que consiste em um combate com os punhos entre dois oponentes, regulado por regras e padrões, dentro de um quadrado-palco chamado ringue. Mesmo que atualmente o boxe participe do mercado de modalidades prazerosas-emagrecedoras nas academias de ginástica em diversas regiões do país, transfigurado em modalidade soft de prática esportiva isenta de combate, o ?boxe de verdade?, ?boxe de rua?, ?boxe com ideologia?, como denominam alguns de meus colegas de treino, permanece frequentemente estigmatizado como território racializado, dado seu histórico de recrutamento principalmente entre a classe trabalhadora (Wacquant, 2002, Sugden, 1996), tendo enquanto totem homens negros e polêmicos como Muhammad Ali e Mike Tyson.

No Brasil, a prática se consolidou em alguns centros urbanos durante o século XX, institucionalizando-se a partir de 1935 com a Federação Brasileira de Pugilismo, após um ?período de ilegalidade, perseguição e repressão? (Caratti, 2016, p.228). Contudo, diferentemente dos Estados Unidos e outros países do eixo euro americano, fábricas de ídolos, campeões e inúmeras produções literárias, ?o boxe não possui uma tradição bibliográfica em nosso país? (Idem, p.222). Constantemente retratado em filmes, livros, na fotografia, na música e na dança, habita, de certo, lugar privilegiado no mapa das representações de práticas corporais eficazes, no sentido dado por Mauss (2003). ?Talvez porque suas narrativas, seus personagens e ambientes (confusos, paradoxais, sombrios) sejam muito adequados à elaboração de boas histórias? (Melo & Vaz, 2006, p.143). Oposição carnal entre oponentes duais inconciliáveis, ?representa como mímica da violência a postura da agressividade? (Pinho, 2005, p.132) justaposta a leveza da dança em corpos (in)disciplinados. Limite entre a natureza e a cultura, entre o fantástico e o cotidiano; dialética do fraco e do forte. ?Para saber quem está por baixo na sociedade, você tem que ver o boxe? (Dee Dee, em Wacquant, 2002, p.60). Na produção antropológica, devemos a popularidade de uma etnografia do boxe ao sociólogo francês Loïc Wacquant, com seu livro Corpo e Alma (2002), embora não seja o primeiro a descrever sociologicamente a prática pugilística [6].

Boxe é matemática, dor, sacrifício, amor, dança, é sério, é para ?arrancar a cabeça?, é ?pensar com as pernas?, é ?roubar no olho?, é para ?existir em outro lugar?. A linguagem do boxe é carnal. Longe de ser irrelevante, o léxico verbal utilizado para denominar o pugilismo, atividade na qual meus colegas ? e eu ? estão comprometidos, revela pistas fundamentais sobre suas próprias maneiras de habitar o mundo. Além do mais, estar com o corpo em campo compartilhando a aprendizagem de um ofício sócio-esportivo significa que as práticas relacionais através das quais a etnografia produz conhecimento não se dão exclusivamente através da fala, mas, e principalmente, por meio de uma complexa dialética composta por interações, conversas, silêncios, observações, imitações, desafios, medos e constrangimentos. Participar com o corpo permite-nos elaborar narrativas viscerais. Desta maneira, o presente método parte de meu engajamento na aprendizagem da prática pugilística, ?esporte ultra-individual, cuja aprendizagem é totalmente coletiva? (Wacquant, 2002, p.120), possibilitando, assim, que eu conecte histórias de outras vidas à minha própria no intuito de abrir uma perspectiva singular na produção de conhecimento sobre migração. Portanto, as trajetórias de Leon, Jonas e outros, reunidas aqui a partir de nossas convivências rotineiras e cotidianas, não são apenas histórias individuais, mas sim relatos coletivos sobre nós-aqueles que atualizam, primeiramente através de seus corpos, narrativas sobre a construção de si ? tema caro à antropologia desde Marcel Mauss ([1935]; 2003) ? de sujeitos históricos específicos, de carne e osso, com os quais convivo solidariamente, mesmo que em distintas posições de interesse-poder nas estruturas hierarquizantes sociais. O mundo do boxe envolve uma emaranhada e complexa trama político-social, justapondo masculinidades conflitantes e contraditórias, significados sobre racismo e violência, disciplina e sacrifício, espaços urbanos e fronteiras simbólicas, resultando em dinâmicas históricas singulares e carregadas de significação para as pessoas envolvidas. Assim, a confluência dos sujeitos em mobilidade com o boxe, prática onde ?é o movimento que conta?(Dee Dee, em Wacquant, 2002, p.121)apresenta-se como fértil território para as discussões sobre corpo, território, mobilidade e relações raciais.

O boxe em uma ?quebrada? no centro

Atualmente soterrada por uma série de viadutos que cortam a região (Complexo Viário Evaristo Comolatti), a Baixada do Glicério passou a contar com uma academia de boxe sob um de seus principais viadutos (Viaduto do Glicério) a partir de 2008, iniciativa do ex-pugilista Jotabê. Em agosto de 2015 passei a frequentar o equipamento, Street Boxing, como aprendiz de boxe e etnógrafo, atraído principalmente pelo grupo heterogêneo de jovens que frequentavam o local, entre eles diversos estrangeiros, principalmente angolanos, nigerianos e haitianos. Localizada em pleno fluxo, no centro da cidade (o viaduto está sob uma avenida que liga o centro à zona leste, região mais habitada da cidade), a academia convive com o intenso barulho de carros, pessoas, buzinas, o som dos pneus dos automóveis sobre o viaduto e a reverberação do som em suas pilastras. Um dia em que estava lá, atendi uma ligação em meu celular de um amigo, que me ouvia mal e disse: ?parece que você está em uma guerra!?. Em outro dia, uma produtora de comerciais de TV visitou o equipamento interessada em alugá-lo para alguma produção e comentou: ?será que existe um horário mais silencioso??. Uma intensa bricolagem de materiais descartáveis forma um mosaico repleto de objetos, muitas vezes vistos como díspares por quem passa pelo lado de fora, mas carregado de sentido e valor por seus frequentadores.Um aviso na entrada de ?diga não as drogas?, um quadro de Che Guevara, um busto em gesso de Jesus, grafites e desenhos nas pilastras formam a decoração. Pneus pendurados servindo como saco de pancadas, assim como equipamentos próprios do boxe, inclusive um ringue no centro da academia, completam a oficina do corpo boxeador.

O lado de fora da Street Boxing é habitado por diversos(as) moradores(as) em situação de rua que trabalham no semáforo o dia todo, uma ?maloquinha? (conjunto de moradias precárias construídas sob o viaduto do outro lado da rua, ao lado da academia), um ponto de venda de drogas que funciona quase durante o dia inteiro e uma cooperativa de reciclagem de lixo. Ações da polícia são constantes no entorno, chamando a atenção, chegando até a interromper o treino, como certa vez quando precisamos nos esconder atrás do ringue durante uma batida truculenta, à mão armada, nos moradores da ?maloquinha?. Conheci Felipe, morador da ?maloquinha?, quando este passava pela rua e parou para conversar comigo, enquanto eu treinava dentro da academia, perguntando se eu treinava boxe ou maythay. Respondi educadamente, apontando a diferença com relação ao uso das pernas e aproveitei para perguntar se ele tinha interesse em praticar boxe. Como a resposta foi positiva, convidei-o para entrar e pudemos conversar por alguns minutos. Em dado momento da conversa, perguntei como era morar na ?maloquinha?. Confesso que esperava algum retorno negativo, com teor vitimista, dada as condições precárias em que estão expostas as habitações, mas obtive a surpreendente resposta: ?eu gosto de morar aqui, fica perto de tudo, o Glicério é uma quebrada no centro?. É o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira quem discute a categoria ?quebrada?, em seu trabalho com alguns pixadores da capital paulistana. Assim como outras categorias estigmatizantes, ?quebrada? adquiriu ?novos contornos em seu cotidiano, revertendo-se de sinal negativo, de estigma e/ou carência, a sinal positivo, de afirmação e mesmo de superioridade? (Barbosa, 2013, p.98). Assim, ?quem vive nas quebradas da cidade, conforme essa perspectiva, adquire maior força por saber lidar com os riscos sociais de tais lugares? (Idem, p.98)

O responsável pela Street Boxing era João Batista dos Santos, chamado por todos de Jotabê [7]. Foi um dos primeiros alunos de um projeto social do ex-pugilista Nilson Garrido, após passar doze anos preso em diversas penitenciárias, estando, inclusive, no pavilhão nove do Carandiru durante o massacre de 1992. Em liberdade, visitou a academia de Garrido ? equipamento que existe até hoje, também sob um viaduto, no bairro da Mooca ? e se ofereceu para ajudá-lo em troca de um lugar para dormir, já que ?sempre fui bom de briga?. Destacou-se como atleta, tornando-se braço direito de Garrido, assumindo, assim, o posto de administrador e professor na Baixada do Glicério- segundo equipamento pugilístico de Garrido, denominado Street Boxing pelo próprio Jotabê ?, também local de moradia, já que construiu, ali embaixo do viaduto, sua própria casa.

Foi lá onde conheci os angolanos Leon e Jonas.Aconteceu da seguinte forma: com alguma periodicidade Jotabê organizava um evento, sempre aos domingos, com lutas de boxe e apresentação de bandas. Tempos de Luta era o nome do evento. A terceira edição de 2016 aconteceu no dia 10 de julho. A curadoria das bandas ficou por conta de dois jovens de um coletivo anarcopunk que praticam boxe no viaduto. As lutas foram armadas entre os alunos da Street Boxing e os alunos de uma academia parceira, cujo professor, Marcos Pedra, ex-lutador profissional de MMA, é amigo de Jotabê. Na semana que antecedeu o evento, dois jovens começaram a frequentar o viaduto para treinar. Calados, porém simpáticos, já experientes em matéria de boxe, notáveis pela performancehabilidosa que ambos apresentavam. Leon e Jonas, ambos de Luanda, Angola. Moravam, provisoriamente, no alojamento da Pastoral do Migrante, localizada na própria Rua do Glicério, próxima ao viaduto. Foram convidados por Jotabê para o evento de domingo. E compareceram.

No domingo, porém, diversos atletas não compareceram e o número de lutas possíveis de ocorrerem ? devido à equidade de peso, nível de habilidade, sexo, disposição do(a) atleta ? ficou reduzido a três, diferentemente dos últimos eventos, quando houve cinco ou seis lutas. Terminada as três lutas [8], no meio da tarde do domingo, e com bandas ainda por se apresentarem, o próprio Marcos Pedra propôs a fazer uma luva contra algum aluno da Street Boxing. Temendo o professor, ninguém se sujeitou, inclusive eu. De repente, para surpresa dos presentes, o angolano Leon levantou a mão e aceitou o desafio: ?eu subo!?

Expectativa na plateia. Iniciado o combate, a habilidade de ambos tornava a luta plástica e bonita de se ver, demonstração de uma técnica corporal, no sentido maussiano, extremamente complexa e eficaz. Os dois primeiros rounds foram equilibrados, com boa movimentação e troca de golpes entre ambos, mas o que aconteceu no terceiro e último round foi surpreendente. No minuto final, Marcos encurralou Leon em um dos corners e desferiu uma sequência voraz de golpes, talvez para demonstrar, simbolicamente, que era o vencedor da luta. Leon fechou a guarda para se proteger e, quando Marcos se cansou de bater, contra golpeou com um direto de direita certeiro na testa de Marcos, que caiu, nocauteado. Fato inédito no Tempos de Luta. Jotabê subiu no ringue para acudi-lo, o público ficou estarrecido. Marcos, contudo, levantou e se recuperou com certa rapidez, pronto para voltar ao combate, quando soou o gongo anunciando o fim da luta.

No dia seguinte, primeiro treino após o combate, Leon foi celebrado pelos alunos da Street Boxing. Contou, então, que era professor de boxe em Luanda e participou de diversos torneios, tendo obtido troféus e bons resultados em competições nacionais. Jonas, seu colega angolano, confirmava a informação enquanto Leon falava. Jotabê, que há tempos andava com um problema no joelho, o que gerava dificuldades durante os treinos, ofereceu imediatamente o cargo de professor a Leon, que o aceitou sem hesitar.Desde antão, acompanho Leon, como professor de boxe, companheiro de treino e amigo. A partir de março de 2018 começamos a frequentar outra academia de boxe, instalada dentro de um equipamento público municipal chamado CERET (Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador), no bairro do Tatuapé. Buscamos a Boxe Tatuapé, nome da equipe que utiliza o equipamento, por indicação de um colega boxeador. Isso porque, pouco tempo após assumir a condição de professor, uma discussão violenta entre Leon e Jotabê, causada por um motivo aparentemente fútil para mim, ocasionou a expulsão de Leon da Street Boxing. Somente algum tempo depois pude perceber o caráter disruptivo que influenciou a atitude de Jotabê: este entendia as frequentes narrativas de mobilidade de Leon como vantajosas frente sua contrastante imobilidade. Isso porque, por mais paradoxal que pareça, a academia assemelhava-se a uma prisão para Jotabê. ?Vocês estão viajando por aí e eu estou preso aqui!?, disse a Leon. Ou seja, ele imaginava a condição cidadã de Leon ? ambígua e provisória, como veremos ? privilegiada em relação a sua própria. Desta maneira, não permitia que o angolano deixasse de pagar a contribuição mensal, de vinte reais, mesmo sendo o professor da academia, condição com a qual Leon não concordava. ?Gringo, você nunca mais apareça aqui?, concluiu. Jotabê parece indicar que o conteúdo da decisão não é tão importante quanto o ato de ser determinado. Assim como no boxe, ?a decisão é tomada no ato propriamente de agir; não há separação entre teoria e prática? (Wacquant, 2002, p.118). Diversas vezes tentei convencê-lo a participar de alguma atividade, ver shows, ou mesmo lutas de boxe e quase sempre ele apresenta um motivo para não ir: a filha, a obra da casa, os cachorros; principalmente os cachorros. Mas aí entra um porém: certa vez contou-me que não sai de noite por causa de uma desavença, certa vez, com um policial. Relatou uma situação onde foi ofendido por uns policiais em uma batida, enquanto voltava do mercado, e desafiou um soldado para subir no ringue, que não aceitou, mas ?marcou minha cara?. Assim, tem um imenso receio de reencontrá-lo na rua, de noite. Outras desavenças com policiais são constantemente mobilizadas por ele, geralmente de forma heroica. Jotabê cria uma ordem temporal que parece ligar os eventos traumáticos passados com os eventos atuais.Sua trajetória de vida revela uma cartografia da marginalidade na cidade de São Paulo. Território e memória andam juntos em suas descrições, sempre situando o bairro, a rua, o barraco. Sua necessidade de lembrar se opõe à necessidade de esquecer de Leon, como veremos.

O corpo-território dos boxeadores angolanos

?De acordo com dados da Polícia Federal, a imigração africana aumentou 30 vezes desde 2000. O relatório diz que, no início deste século, viviam no país 1.054 africanos regularizados de 38 nacionalidades, mas o número cresceu, em 2012, para 31.866 cidadãos legalizados, de 48 das 54 nações do continente?.[9]

O imigrante africano é uma figura social que habita o mapa das representações de identidade na cidade de São Paulo, seja como camelô nas centralidades urbanas e manchas (Magnani, 2012)de lazer, estudantes de universidades públicas, funcionários das empresas municipais de limpeza, cozinheiros(as) incorporados(as) no mercado gastronômico mundializado ou artistas, só para ficar com alguns exemplos. Leon e Jonas, meus colegas boxeadores, companheiros de treino na dura rotina da aprendizagem pugilística, os dois interlocutores que dão corpo a esse artigo, habitam essa categoria. Angolanos de Luanda, a capital do país africano que adquiriu sua independência de Portugal apenas em 1975, há pouco mais de dois anos vivendo em São Paulo. Jovens, na casa dos trinta anos, negros e poliglotas, sem formação universitária, flutuam entre as categorias perigoso e em perigo, disputando e acionando instituições culturais, religiosas, filantrópicas e econômicas de acordo com as possibilidades que (não)se abrem no duro jogo das estruturas racializantes brasileiras. Em perigo possibilitou suas entradas no Brasil como ?solicitantes de refúgio?, adquirindo um protocolo [10] com validade anual ? portanto já renovados uma vez, por mais um ano. Este o único documento que carregam. Leon riu, meio desconcertado, quando tirou de sua mochila um envelope pardo, meio surrado, para me mostrar seu protocolo. Perigoso por serem homens negros, ?barbarizado mapa do imaginário colonial e das lutas de classe, encarnadas em sujeitos racializados, que figuram como os ?não-respeitáveis? da perspectiva universalista da ?civilização?, ou dos bons costumes? (Pinho, 2011). É Michel Misse, discutindo o que chamou de sujeição criminal, que apresenta uma perspectiva interessante para pensar o perigoso: ?há uma complexa afinidade entre certas práticas criminais e certos ?tipos sociais? de agentes demarcados (e acusados) socialmente pela pobreza, pela cor e pelo estilo de vida? (Misse, 2010, p.18). Dessa forma, o fato fundamental que caracteriza a Baixada do Glicério, região onde conheci Leon e Jonas e iniciei minha pesquisa, como bairro negro [11] ? denominação estigmatizante, uma das inúmeras formas de biopolítica estatal-privada, obviamente um empobrecimento da complexidade situacional com claros interesses elitistas-arquitetônicos ? é que seus novos habitantes são, primeiramente, corpos negros. E no Brasil, de forma generalizada e estruturante, conforme salientou Oracy Nogueira em artigo clássico, ?a intensidade do preconceito varia em proporção direta aos traços negróides? (Nogueira, 2006, p.296).

No Brasil, Angola figura entre os países contemplados com a possibilidade de solicitação de refúgio por parte daqueles(as) que aqui chegam, independentemente das condições, contexto ou relações pré-estabelecidas. O histórico desta relação entre as duas nações é conhecido, para além da língua portuguesa oficial, decorrente do colonialismo lusitano, enquanto unificadora. Assim, fossem outras as nacionalidades de meus colegas boxeadores, a narrativa seguiria outro caminho. Mas ?não devemos exagerar a distância entre Brasil e Angola?, parafraseando o filósofo ganês Kwamw Appiah (1997, p.115). Distância simbólica, histórica, linguística, caracterizada por uma intensa relação desde o período colonial. O Brasil foi a primeira nação a reconhecer a independência angolana, em 1975. A independência não significou o fim da guerra contra o colonialismo, muito pelo contrário: instaurou-se uma guerra civil pelo poder estatal entre as duas principais forças políticas, a qual veio a terminar, oficialmente, apenas em 2002. Nos anos noventa do século XX, um ?cenário de êxodo populacional foi acentuado a partir das eleições presidenciais de 1992 e provocou um fluxo bastante considerável de angolanos ao Brasil em busca de refúgio? (Haydu, 2009, p.168). Este mesmo autor nos lembra que:

a questão do refúgio no Brasil até a chegada dos angolanos não era um tema de grande repercussão, não é pra menos, desde os tempos das ditaduras militares na América Latina ? quando muitos latino-americanos vieram ao Brasil em busca de refúgio ?, até o início dos anos de 1990, havia no Brasil um quadro muito enxuto de refugiados, apenas 322 pessoas (Idem, p. 169).

Foi apenas em 1997 que ?iniciou-se o processo de institucionalização do tema dos refugiados no Brasil, com um marco legal e institucional dado pela aprovação da legislação nacional específica sobre refugiados? (Moreira; Baeninger, 2012, p.5). Ou seja, é o fluxo angolano moderno que inaugura, de certa forma, a pauta dos refugiados no Brasil.

?O tempo todo saindo fora!? ? o corpo-boxeador na cidade

Pela segunda vez não aconteceu o encontro entre eu e o conhecido angolano de João (morador do Glicério com quem tenho estabelecido uma boa amizade). Compareci à sua casa no horário combinado, 17hrs, esperei até as 19hrs, mas ele não compareceu. Novamente, João se desculpou: ?foi mal Michel, mas esses caras estão o tempo todo saindo fora!? (Caderno de Campo, 23 de março de 2017).

No Brasil, as produções acadêmicas sob a filiação da Antropologia Urbana empenharam-se, desde o início, em discutir os conceitos de casa e rua ? comumente empregadas como um par dicotômico referenciando a casa como enquanto ambiente privado e a rua enquanto ambiente público ?, vistos como fundamentais para se entender a dinâmica dos processos urbanos [12]. O trabalho de Magnani (2012) trouxe a categoria pedaço para dar conta das implicadas relações que se dão entre casa e rua. Na Baixada do Glicério, o reconhecimento, atividade característica da categoria pedaço, opera de maneira singular, resultado da intensa mobilidade com que transitam seus habitantes. ?Eles estão o tempo todo saindo fora!?. Pedaçoaparentemente disruptivo, onde o social parece o tempo todo se despedaçar, rearranjados pela criatividade do narrador interessado, o pesquisador. É o antropólogo francês Alain Bertho quem alerta que ?a inércia da temporalidade do prédio e/ou a rigidez dos regulamentos de urbanismo herdados dos períodos precedentes às vezes deixam apenas as margens urbanas como o espaço de emergência do novo? (Bertho, 2005). Assim, a presença crescente das populações africanas em mobilidade na região central de São Paulo, e particularmente na Baixada do Glicério, apresenta profundas consequências sobre o urbano, assim como sobre o próprio conceito de cidade, articulando uma região historicamente estigmatizada como ?problemática? (De Lucca, 2005) a novas cosmologias, formas de habitação e (contra)usos singulares que dinamizam a região central de São Paulo.

Enquanto espero Leon em frente à igreja do Glicério, passeio entre os camelôs que trabalham do outro lado da rua, observando seus produtos e ofertas. Roupas, utensílios domésticos, sapatos novos e usados, carregadores de celular, banana da terra, cachaça barata. De repente, sou abordado por um senhor, também camelô, que veio com um discurso facilmente classificável como xenófobo. Falava em voz alta, tentando chamar atenção, mas ninguém o olhava, apenas eu. Para ele, os estrangeiros eram covardes, estavam se escondendo, porque vieram ao Brasil fugindo da guerra em seus países e gente como ele não fugia de guerra nenhuma. (Caderno de Campo, 01 de junho de 2017)

A reterritorialização das populações em mobilidade no Glicério não se dá sem conflitos políticos e/ou morais. Tanto Leon como Jonas caminham por seus trajetos na cidade com as luvas de boxe amarradas do lado de fora da mochila, à vista. Leon me incentiva a fazer o mesmo, ?para ser respeitado?. Certa vez, contou-me uma pequena afronta decorrente de um esbarrão em um rapaz nas dependências do trem municipal, logo encerrada após o rapaz visualizar suas luvas penduradas e desistir de algum confronto agressivo. Assim, performatiza o corpo-boxeador como marca identitária. O paradoxo da relação entre gênero e raça existente na prática do boxe é que a masculinidade performada pelos corpos negros [13] é valorizada e Leon chama atenção, marcado duplamente, pois inclui-se aí seu corpo como símbolo-África. ?Ele é ainda aquele super-sexuado, mais sexual ou mais sexualmente marcado que o homem branco, na medida em que é mais corpo, presença corporal significativa? (Pinho, 2005, p.138). Leon diz que, em Luanda, o professor de boxe é chamado de ?pai?. E os alunos, consequentemente, são os ?filhos de boxe? desse ?pai?. Por isso, quando circulo pelas ruas da Baixada do Glicério acompanhado de Leon sou apresentado por ele como ?meu filho do boxe?. ?Assim como eu tive um pai que me ensinou boxe na África, eu sou um pai para vocês aqui no Brasil?. Caminhando ao seu lado, sou eu quem se sente, assim como se comporta, como estrangeiro. Leon circula tranquilamente pelo bairro, cumprimentando colegas e conhecidos, adentrando lojas, cabeleireiros e outros locais, enfim, habitando o território como seu pedaço, reconhecendo e sendo reconhecido. É através dele que tenho adquirido reconhecimento e estabelecido relação com diferentes atores sociais, geralmente angolanos habitantes da Baixada. Cumprimentálos em Lingala (dialeto praticado em Angola), assim como tecer comentários sobre os fatos políticos e históricos de Angola, têm se demonstrado uma maneira significativa de aproximação com outros colegas. Apesar de Angola ser uma ex-colônia portuguesa, o português falado no país africano é profundamente diferente do praticado no Brasil. Afonso, angolano também de Luanda, um senhor de aproximadamente sessenta anos de idade que conheci através de Leon, certa vez chamou minha atenção, em tom de ironia: ?vocês aqui no Brasil falam apenas uma língua, e ainda muito mal, nós em Angola aprendemos três, quatro línguas?.

A cicatriz de Leon

Leon diz que trabalha em seu emprego com a mesma dedicação praticada no boxe. ?Trabalho de verdade?. Assim, longe de essencializá-lo na categoria de imigrante e/ou refugiado, é preciso pensar outras dimensões tão importantes quanto esta na formação de sua pessoa: trabalhador, pertencente à complexa relação entre classe, raça e gênero que contribuem para a determinação de seu lugar no mundo.Acompanho sua rotina no boxe, atualmente na segunda academia, e posso dizer que, ?de verdade? corresponde a frequentar o equipamento de duas a quatro vezes por semana, após o emprego, e geralmente ?cansado?. O pouco que sei de seu emprego é que consiste em carregar mercadorias no CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). Seu interesse e motivação pela prática do pugilismo abarca outra dimensão, está relacionada com sua própria mobilidade: ?quando eu voltar para Angola, quero mostrar para meu professor que continuo bom de boxe?. Para Leon, o Brasil é um país pacífico. Sua opinião, dessa forma, contradiz e espanta os colegas de treino da Boxe Tatuapé. Possui uma enorme cicatriz na parte externa superior de seu braço esquerdo.Ocultaria um uso do corpo não previsto? Sobre ela, apesar de ser questionado não apenas por mim, mas também por outros colegas de treino, apenas a narrativa de que ?em África as coisas são mais difíceis, existe muita violência na rua?. A maior parte de sua vida vivida em um contexto de guerra civil parece querer ser esquecida. Ou simplesmente não narrada? O corpo, ?primeiro suporte da memória? (Serres, 2004, p.78), apresenta suas narrativas inapagáveis. Marcadas ?na profundidade da pele, atestarão para sempre que, se por um lado a dor pode não ser mais do que uma recordação desagradável, ela foi sentida num contexto de medo e de terror? (Clastres, 2003, p.201). As narrativas de bravura e valentia, por outro lado, são sempre mobilizadas. Ele faz questão de exaltar sua coragem, dizendo que sobe no ringue em qualquer situação, ?mesmo se estiver doente. E se estiver valendo alguma coisa então, subo como um leão?.

Jonas, cosmopolitismo e vulnerabilidade

É através das aulas de boxe que Jonas tece comentários sobre diversos assuntos com múltiplas temporalidades. Em uma oportunidade, ele relembrou sua vitória contra um brasileiro, em um torneio promovido pela Street Boxing, para falar sobre sua condição de estrangeiro, elaborando uma concepção de identidade nacional brasileira à qual se diferencia: ?brasileiro tem o corpo mole. Em África os lutadores são duros, porque a vida lá é dura?. A utilização da África em seus discursos parece apresentar não uma África concreta, mas sim um símbolo-África capaz de mobilizar o senso comum das identidades normalmente atribuídas ao continente. E continuou introduzindo outros elementos de seu cotidiano na conversa: ?quando vou procurar trabalho, sempre me saio melhor que os brasileiros, mas não sou contratado porque sou negro e angolano?. Assim, de certa maneira, apresenta um discurso moral sobre o que é ser brasileiro e o que é ser angolano. E a maneira pela qual negocia sua condição de estrangeiro em nosso país. ?Ser vulnerável não é o mesmo que ser vítima? (Das, 2011, p.16). Jonas nunca se coloca como vítima ? dessa forma não posso partir desse pressuposto para trabalhar o próprio conceito de imigração [14]. Pelo contrário. Outros termos dito por ele, nesse sentido, recheiam meu caderno de campo: ?vitorioso?,

?forte?, ?trabalhador?. Além de Português e Lingala, Jonas aprendeu inglês e francês. ?Paris é igual aqui, menos os salários e o frio?, disse sorrindo. Comunicar-se em francês facilita seu diálogo, em São Paulo, com imigrantes africanos procedentes de países excolônias francesas, como Senegal.

Jonas me disse certa vez que ?brasileiro tem medo de viajar?. Caso quisermos aplicar um conceito ocidental aos meus colegas angolanos, creio que o mais apropriado seja o de cosmopolita 15. É claro que eles não utilizam esse termo para se auto definirem, mas vejamos bem. Julio fala francês e inglês, além de suas das línguas natais, o português e o Lingala. Isso porque morou em Paris durante dois anos ? sempre reclama do frio quando se recorda da capital francesa. Disse que as mulheres no Brasil são mais bonitas. É através do celular que ele me mostra, em sua rede social do Facebook, amigos e parentes espalhados em diversas partes do mundo. Morou também na África do Sul. Mas sua história de mobilidade mais curiosa foi a de uma transação comercial na qual ele participava: ia ao Congo ? país fronteiriço com Angola ? comprar tecidos para vendê-los no Brasil. Assim, conheceu São Paulo em uma dessas viagens, para depois tomar a decisão de vir morar na capital paulistana. Lembremos que o comércio de tecidos ? entre outros produtos ? entre Brasil e Angola é uma atividade secular, muito bem descrita e analisada por Manuela Carneiro da Cunha em seu Negros, estrangeiros (2012), por exemplo.

Para Achile Mbembe, ?a história cultural do continente (África) praticamente não pode ser compreendida fora do paradigma da itinerância, da mobilidade e do deslocamento? (Mbembe, 2015, p.69). Em outra ocasião, Leon me disse que ?os brasileiros pensam que a gente está aqui porque estava passando fome, mas não é verdade?. Meus dois colegas são citadinos, urbanos, profundamente ambientados com o cosmopolitismo das grandes metrópoles, longe de serem procedentes das sociedades simples pelas quais os países africanos são comumente representados, decorrente de uma ?autoficção?, nos termos de Mbembe, forma de alteridade colonial, perversa e politicamente interessada. Dessa maneira, o que meus interlocutores têm me mostrado é a possibilidade de narrar uma história que não parta da narrativa da resistência e opressão pelas quais as mobilidades africanas têm sido embasadas. Não nego a trágica historicidade violenta decorrente do processo colonialista, processo este envolto com a própria formação da Antropologia enquanto campo de conhecimento. Contudo, creio ser possível partir de um outro lugar, a partir das micropolíticas cotidianas de meus colegas angolanos e suas próprias narrativas sobre violência, migração e nação. Longe de construir suas vidas unicamente ?na alternativa entre a dependência da assistência humanitária e a iniciativa ?clandestina?: trabalho informal, corrupção dos policiais que vigiam os deslocamentos etc?(Agier, 2006, pág.206), Leon e Jonas elaboram caminhos singulares e criativos, articulando seus corpos-negros-estrangeiros-boxeadores enquanto ?formas políticas de inscrição da visualidade afrodescendente no ?corpo? da cidade, subvertendo a paisagem e reinventando os lugares? (Pinho, 2005, p.141). O aspecto experimental de suas vidas é algo latente. Acompanhar suas trajetórias de vida significa, de certa maneira, seguir a invenção efetiva e potente de suas linhas de fuga ? se quisermos utilizar uma sintaxe deleuzeana ? enquanto corpos em busca de soluções criativas para suas vidas. Eles se reinventam através do boxe e da condição paradoxal do Outro como pobre, ilegal e, portanto, dependente de ajuda humanitária por parte das instituições estatais. Por outro lado, eles reconhecem e se utilizam de toda uma máquina humanitária de governabilidade dos corpos estrangeiros vulneráveis em próprio favor, tensionando, experimentando e buscando vantagens dessas instituições em suas táticas cotidianas de ?fazer-cidade? (Agier, 2015).

Para Frederick Cooper, ?O Estado e a nação precisam ser examinados em relação às comunidades diásporas, aos circuitos migratórios em torno dos quais muitas pessoas organizam suas vidas? (Cooper, 2008, p.52). De fato, a nação angolana não é mobilizada por nenhum de meus colegas em suas narrativas sobre suas vidas no continente africano. Ou seja, a ideia de nação não é uma unidade preponderante em suas imaginações. Mais que nação, uma ideia de África, paradoxalmente genérica, exotizada e perigosa, reforçando um imaginário colonial hegemônico ? o qual também suspende a ideia de Estado-nação ? quando se pensa no continente. Para falar de um assunto tão íntimo e particular, como o motivo da enorme cicatriz que Leon possui no braço, ele retoma uma África perigosa: ?na África existe muita violência nas ruas?.

AchilleMbembe chama de afropolitanismo ?uma maneira de ser no mundo que recusa, por princípio, toda forma de identidade vitimizadora, o que não significa que ela não tenha consciência das injustiças e da violência que a lei do mundo infringiu a esse continente e a seus habitantes? (Mbembe, 2015, p.70). O antropólogo Joseph Handerson nos lembra que ?a pessoa diásporapossui diversos recursos culturais adquiridos em diferentes espaços de mobilidade e de pertencimento, o que lhe permite criar outros espaços de referência? (Handerson, 2015, p.66). Meus colegas boxeadores angolanos, assim como os intelectuais afrodescendentes, têm muito a contribuir para os debates construídos na fronteira entre os estudos migratórios, relações raciais e a antropologia urbana.

Notas para alguma discussão

O presente trabalho, uma etnografia onde ?é o movimento que conta?, demandou uma itineração[15] entre academias, equipamentos, ruas e bairros, levando a sério a metodologia de seguir meus interlocutores em suas diversas tarefas cotidianas pela cidade. Um movimento carregado de experimentações, improvisações e imprevistos, seguindo, assim, a proposta de Tim Ingold de que ?improvisar é seguir os caminhos do mundo, na medida em que se abrem, ao invés de recuperar a cadeia de conexões, desde um ponto final para um ponto de partida, em uma rota já percorrida? (Ingold, 2015, p.309). Ou seja, uma etnografia que busca captar a dinâmica sobreposição de dois complexos movimentos: o movimento essencial do boxe enquanto metáfora vivida e a constante mobilidade transnacional de meus colegas angolanos. Conheci diferentes formas de habitar (Ingold, 2015, p.247) o mundo, marcadas por múltiplas determinações de cunho histórico-estruturais, justaposições, assim como hibridações, que compõem as formas de subjetivação, corporeidades e formas de ação político-social de meus colegas boxeadores. O corpo boxeador é, de certa maneira, o inverso da ?despossessão corporal radical? (Viveiros de Castro, 2016) [16] ? forma social de biopoder do estado escravocrata até pouco tempo vigente no Brasil. A potência transformadora do corpo boxeador, corpo-território constantemente racializado, consiste em gerar ?uma alteridade que já não existe enquanto forma de vida alternativa e completa, mas sim como indício persistente de certa violência inicial que delata a arbitrariedade da ordem vigente? [17]. A prática comprometida do boxe instaura uma disciplinação de corpos indisciplináveis. Dessa maneira, uma das novas hipóteses que o trabalho de campo possibilitou é que existe alguma relação entre o sacrifício exigido na prática do boxe e as narrativas heroicas autobiográficas de meus colegas. Ou seja, parece que o boxe serve para falar sobre os limites a que são/foram expostas suas vidas. Limite entre vida e morte, limite da condição de estrangeiro e negro, limite da cidadania, entre outros. Assim, qualquer hipótese preliminar de que o boxe seria uma maneira de integração/inserção de meus colegas angolanos através de uma prática sócio-esportiva não parece se confirmar. As intenções e compromissos de meus interlocutores com relação ao boxe são outras e diversas.

É preciso reconciliar a afirmação de Jonas, de que ?é preciso conhecer o mundo?, com sua condição de cidadania enquanto ?solicitante de refúgio?, visto que ambas habitam o mesmo corpo e pressupõem uma lógica que aparentemente apresentam-se como contraditórias. O uso situacional da condição de refugiado revela uma agência interessante, entre a vitimização ? quando necessária para acessar alguma condição de cidadania ? e a moral meritocrática ? quando afirma sua superioridade por ser africano. Tanto Jonas quanto Leon são, assim, ?in-corporados como uma fronteira entre significados impostos e auto-atribuídos em disputa e em interseção com sentidos historicamente determinados de identidade e cultura negras? (Pinho, 2005, p.127). É Julia Moreira quem nos alerta que ?os refugiados são atores que não apenas entendem o significado do termo ?refugiado?, mas também usam estrategicamente esse rótulo para obter benefícios? (Moreira, 2012, p.27) nos embates das escassas oportunidades de aderir aos privilégios e instituições sociais, seja quais forem. Por outro lado, tenho como pressuposto que:

?a migração é experienciada subjetivamente e que, do ponto de vista social, trata-se de algo complexo e multifacetado, compreendendose que o deslocamento físico é apenas um dos momentos do movimento, constituído por temporalidades materiais e imateriais, cronológicas e subjetivas? (Coelho, 2012).

Leon e Jonas parecem indicar como o corpo é o lugar de uma reinvenção de si (Pinho, 2005) em suas atividades cotidianas, desejos, memórias e silêncios.Reinvenção esta relacional, criativa e controversa. É através da criação de uma historicidade a partir do símbolo-África, assim como a reação contra a figura de vulnerável através da performatividade-boxeador que se processa essa reinvenção de si, imbricadamente relacionada com o?fazer-cidade? (Agier, 2015), visto que, antes de ser tema de reflexão, o processo de ?fazer-cidade? é realizado, aprendido, memorizado e marcado através e pelo corpo.Utilizo provisoriamente a imagem associada de corpo-território para dar conta das implicadas relações realizadas por meus interlocutores em suas tarefas, trajetos e não-trajetos pela cidade, assim como na prática do boxe. Território aqui no sentido de ?mapas cognitivos? (Pinho, 2005, p.128), conceito reapropriado do léxico conceitual de Deleuze e Guattari, incluindo, assim, uma multiplicidadede présignificações para além de seu significante geográfico-político-social ? mas também incluindo estes. Leon e Jonas são corpos negros-imigrantes-refugiados e estas três dimensões não podem ser desassociadas em qualquer que seja a análise, com risco de perder as contradições que formam sua singularidade histórica no embate dos processos de modernização mundial. Carregam, assim, duas categorias aplicadas aos sujeitos em mobilidade, duas formas de biopolítica estatal aplicadas a sujeitos e coletivos regularmente distintos, visto ser imigrante uma categoria das mobilidades voluntárias e refugiado uma categoria das mobilidades forçadas. Suas corporeidades suportam, assim, esta aparente incongruência,assim como as contradições próprias da masculinidade negra.

Por outro lado, tanto Leon como Jonas se utilizam de nossa relação, no mínimo para compor um capital social que possa fazer algum sentido em certo momento. As fotos tiradas por Leon durante os treinos, e postadas em sua rede social, caminham nesse sentido. Supor que eles não refletem, ou não estão conscientes sobre a gama de interesses que se desenvolvem em nossa intersubjetividade é uma constatação no mínimo ingênua que termina por reforçar a distância temporal entre pesquisador e pesquisado. ?Assegurar que os interlocutores sejam vistos como agentes sociais pode ser conseguido dando-lhes o poder de refletir não só sobre suas próprias maneiras de viver, mas também sobre de seus "etnógrafos" visitantes e o que eles podem conhecer? (Venkatesh, 2002, p.108, tradução minha). Por mais que eles não concordem com nossas projeções ? assim como julgamentos, conclusões e descrições ? sobre suas práticas e as formas pelas quais nós as apresentamos em textos e seminários, nada impede que mantenhamos uma relação de interesse ambíguo, mesmo que marcado por desigualdades e contradições, para ambos.

?Viajar é existir em outro lugar?

?A política e a economia africanas são condenadas a somente surgir no campo da teoria social como o signo de uma falta? (Mbembe, p.377. 2015).

Por oposição ao signo da ausência, atributo identitário das populações africanas, como descreve Mbembe ? o Outro não ser, alteridade hierarquicamente negativa, a imagem ?do nada? mesmo ?, meus colegas angolanos apresentam-me paradoxalmente outra Existência. Fundam, assim, um devir universalista, cosmopolita e desejante de relações e alteridades ? o boxe parece ser, em si, uma relação de alteridade direta, conflitiva e harmoniosa ao mesmo tempo, criativa e perceptiva. Assim, a cidade de São Paulo, e creio que posso, dentro desse argumento, ampliar meu foco, as cidades brasileiras não podem mais ser pensadas sem levar em conta uma multiplicidade de tempos, mobilidades,determinações, hibridizações e de racionalidades que, ainda que particulares e/ou muitas vezes locais, não podem ser pensadas fora de um mundo em constante processo de mutação para além das fronteiras, reais ou simbólicas. Dinâmica esta que acaba por questionar a materialidade da ideia de nação.

A indeterminação de seus caminhos, traçados engajadamente através do fazercaminhos, em nada se equivale a uma pretensa desordem e/ou falta de projeto de vida. Talvez este o melhor exemplo do fazer-cidade(Agier, 2015) dos meus colegas angolanos. Fazem fazendo, mesmo que contraditórios, ora eficazmente, ora não. Fazem sem medo, mesmo que sem aparente medo, talvez conhecedores de que ?o tempo da existência africana não é nem um tempo linear, nem uma simples relação de sucessão (...) mas um encaixe de presentes, de passados e de futuros que detêm sempre suas próprias profundidades de outros presentes, passados e futuros? (Mbembe, p.388, 2015). Um passo para trás não significa retrocesso, mas sim oportunidade de contra-ataque. Criam e recriam, sempre em movimento, como no boxe.

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Notas

[1] Mestrando em Antropologia Social pelo PPGAS/USP.
[2] Fonte: https://www.dn.pt/lusa/interior/pugilistas-angolanos-que-desertaram-na-alemanha-estao-em franca-8750466.html
[3] Fonte: http://tab.uol.com.br/refugiados/
[4] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1579103-nova-onda-de-imigracao-atraipara-sao-paulo-latino-americanos-e-africanos.shtml
[5] Seis haitianos foram baleados em dois ataques diferentes na Baixada do Glicério, no centro de São Paulo, em agosto de 2015. Os feridos foram internados no Hospital Tatuapé, na zona leste da capital. A suspeita é que o crime tenha sido motivado por xenofobia. Fonte:

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/41277/seis+imigrantes+haitianos+sao+baleados+na+r egiao+central+de+sao+paulo.shtml; ?membros do movimento Direita São Paulo incitam não só à violência mas à eliminação dos imigrantes?. Fonte: http://outraspalavras.net/blog/2017/05/03/direitasao-paulo-os-xenofobos-que-querem-exterminar-imigrantes/

[6] Veja, entre outros, John Sugden (1996).
[7] Jotabê faleceu em dezembro de 2017, decorrente de um câncer diagnosticado no início do mesmo ano. ?Descanse em paz guerreiro!?
[8] Cada luta abrange três rounds de três minutos cada. Não há juiz nem contagem de pontuação. Portanto, não há vencedor nem vencido e ambos são parabenizados ao final de cada combate.
[9] Valim, Lucas; Riga, Matheus; Ribeiro, Vinicius.

Fonte:https://olharesdomundo.wordpress.com/2016/06/20/fugindo-da-crise-economica-em-seu-paisangolanos-encontram-dificuldades-semelhantes-no-brasil/

[10] Documento que regulariza a estadia do/a migrante que solicitou refúgio no Brasil enquanto a decisão é tomada pelo CONARE ? Comitê Nacional para os Refugiados. Segundo a Resolução Normativa do CONARE 18/2014, o protocolo é um documento legal e funciona como documento de identidade do/a migrante. Com o protocolo o migrante torna-se beneficiário de direitos e pode obter CPF, CTPS, abrir conta bancária, acessar os serviços de saúde pública e educação (incluindo formação profissionalizante). Qualquer negação nesses direitos é compreendida como violação dos direitos do/a migrante.
[11] Denominação que pode ser interpretada a partir de um duplo sentido: negro devido à origem étnica de seus habitantes estrangeiros (haitianos, angolanos, malineses, congoleses, bolivianos, entre outros), assim como sua conotação pejorativa, simbolizando um lugar obscuro, sombrio, fúnebre, tenebroso. Vale lembrar que o Glicério possui um grande adensamento de moradores de rua, além de cooperativas de catadores de papel e reciclagem. Fontes: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/34671-bairro negro; http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/05/1624794-com-igrejas-bilingues-e-lojas-tipicas haitianos-mudam-a-cara-do-glicerio.shtml; http://guiame.com.br/gospel/mundo-cristao/igrejas bilingues-sao-abertas-para-haitianos-em-bairro-de-sp.html.
[12] Ver, principalmente, Da Matta (1991).
[13] Como provavelmente o é em outros esportes coletivos. Como visto em Wacquant (2002), o boxe é essencialmente coletivo em seu cotidiano e mesmo no momento mais solitário do nocaute.
[14] É Cynthia Sarti quem discuti a construção do sujeito enquanto vítima, figura que ?marca o discurso contemporâneo sobre a violência como forma de reconhecimento social do sofrimento, construída com base na noção de direitos? (Sarti, 2014). Talvez esta concepção esteja na base da Solicitação de Refúgio. 15 Cosmopolitismo aqui no sentido dado por Ulf Hannerz: ?(...) é antes de mais nada uma orientação, uma disposição para entrar em contato com o Outro. Implica uma abertura intelectual e estética em direção a experiências culturais divergentes, uma busca por contrastes, mais do que por uniformidades? (Hannerz, 1996, p.103, tradução minha).
[15] Conceito que se opõe ao de iteração (Ingold, 2015, p.309). Itineração significa seguir o movimento em busca de singularidades, enquanto iteração seria a reprodução de um ponto de vista fixo.
[16] Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/185-noticias/noticias-2016/554056-povos-indigenas-osinvoluntarios-da-patria
[17] Moraes, Alex Martins (2018). Fonte:

https://antropologiacritica.wordpress.com/2018/01/29/pesquisa-social-contemporanea-esensibilidades-comunistas/



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